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An. 1 Simp. Internacional do Adolescente May. 2005

 

Programas educativos e a violência na escola

 

 

Chakur, Gabriela de Sá Leite; Oliveira, Maria Lúcia

Programa de pós-graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" / Campus de Araraquara – Rodovia Araraquara/Jaú, Km 01. São Paulo, Brasil

 

 

Pensar a adolescência no mundo contemporâneo requer pensar modificações que acompanham esse mundo. Muito se tem escrito e comentado sobre algumas dessas modificações, seja através das observações do cotidiano ou do conhecimento científico. Tanto as observações, quanto a pesquisa acadêmica apontam para uma mudança de valores e de costumes, nos hábitos e nas expressões dos jovens.

No entanto, algo que parece permanecer sem grandes alterações é o discurso desse jovem, preso a conflitos que, por vezes, manifestam a angústia de responder coerentemente aos lugares dos quais é convocado, ou seja, os lugares que ocupa na sociedade e entre seus pares. A escola representa um espaço de expressões e sintomas desse discurso.

Este trabalho, que tem como referencial teórico a Psicanálise, é um recorte de uma pesquisa que pretende discutir certas interfaces entre Psicanálise e Educação.

A Psicanálise apresenta-se como um instrumento crítico da educação que permite questionar a consideração do psiquismo nas ações educacionais, problematizar a intersubjetividade das relações humanas e refletir sobre o racionalismo e o pragmatismo muitas vezes presentes nas propostas educacionais.

O interesse de nossa pesquisa surge da prática clínica com adolescentes que eram encaminhados para atendimento psicológico por problemas de aprendizagem ou de comportamento.

Esses problemas caracterizavam-se desde uma questão cognitiva até a desmotivação escolar, indisciplina na escola e conflitos com professores e outros agentes escolares.

Por outro lado, no atendimento clínico, esses adolescentes queixavam-se do relacionamento com professores, diretor e com outros alunos, os quais os submetiam a ações que se configuravam em um desrespeito que os levavam à incredulidade dos papéis autoritários exercidos por professores e diretor, e ao desinteresse pela escola. No relato desses jovens era muito comum um discurso que trazia sentimentos de descaso e banalidade das situações que experimentavam.

Talvez a preocupação no atendimento com os adolescentes incidisse nessa descrença quanto à organização da escola que parecia causar uma falta de desejo pelo saber escolar e um comportamento correspondente e, às vezes, semelhante ao que vivenciavam. Isso se traduzia nas queixas de indisciplina (por parte dos pais ou da escola) que eram freqüentes.

A indisciplina do aluno apresenta-se como uma antiga preocupação da escola que se volta com freqüência para a relação professor – aluno. Entretanto, alguns desses comportamentos indisciplinares tomam uma outra dimensão ao se configurarem como atos violentos que fogem ao controle das autoridades escolares e têm convocado outras autoridades.

Da indisciplina escolar à violência manifesta na escola, identificamos variedades quanto ao comportamento desse jovem aluno que nos faz refletir sobre o aumento dessas manifestações e como a escola tem se instrumentalizado para lidar com o problema.

Há certa discussão em torno da violência na e da sociedade ter sido transposta para a escola que é vitima ou foi atingida por tal violência. A escola passa a ser um local que não escapa à violência social e, na verdade, não poderia ser diferente, pois a escola é um lugar social e, nesse sentido, retrata a sociedade e seu funcionamento.

Dada a constatação do aumento da violência nas escolas, o tema que tem alcançado o interesse da mídia tomou conta das políticas educacionais para lidar com o problema. Assim, nosso objetivo incide em examinarmos um programa educacional da rede de ensino do Estado de São Paulo dentro do espaço escolar que pretende proporcionar ao jovem cultura, lazer e outras atividades que o acolhem em suas necessidades sociais, permitindo uma diminuição da violência manifesta nas escolas.

Através das reformas educacionais, os programas ou projetos políticos educacionais surgem tentando resolver alguns problemas encontrados nas escolas, como a questão da evasão ou a questão da violência, ou mesmo com a intenção de seguirem as recomendações das reformas no ensino (as Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional).

Para Abramovay (2002), a violência na escola caracteriza-se por um estado da escola, ou seja, não é permanente. Dessa maneira, as ações voltadas para lidar com o problema da violência, em sua maioria, caracterizam-se por medidas de intervenção que combatem o problema e não são preventivas.

Gonçalves e Sposito (2003) fizeram uma avaliação de alguns projetos e programas existentes nas escolas oriundos de Governos Municipal, Estadual e Federal. Os programas caracterizavam-se pela abertura da escola nos fins de semana, ou pelo incentivo da participação da família e da comunidade na escola.

Alguns programas não são criados com o objetivo de reduzir a violência na escola, mas acabam tendo um efeito secundário, de diminuir a violência ao redor da escola, visto que retiram o jovem das ruas nos fins de semana.

Uma idéia inicial que fazemos dos programas contra violência existentes nas escolas é a de que esses programas tentam cuidar do problema justamente com práticas que incentivam a sociabilidade e interação. Não desconsideramos que tais meios contribuam para a diminuição da violência na escola. Um exemplo disso é a avaliação positiva que Gonçalves e Sposito (2003) fazem do projeto "Fim de Semana" do Governo Municipal de São Paulo (1983/1985), cuja proposta era a abertura das escolas no fim de semana, proporcionando lazer, esporte e cultura. Entretanto, consideraram que os melhores resultados na diminuição da violência foram aqueles programas cujas atividades estavam relacionadas com as práticas educativas, referentes a atividades que envolviam um trabalho com a cultura dentro da escola.

Para o jovem essas atividades socializadoras, de integração com seus pares, talvez venham de encontro com sua necessidade de pertencer a grupos. Obviamente, no lazer, no esporte e na cultura, o adolescente encontra modelos de identificação e possibilidade de fortalecimento de sua própria individualidade.

Observamos, assim, que essas intervenções na escola que surgem através de programas advindos de políticas públicas com o objetivo de tratar algumas dificuldades atravessadas pela escola tentam minimizar os problemas através da socialização do espaço escolar, mas não do saber.

Antes se pensava que a escola garantia um bom emprego e uma boa posição social, e isso vem sendo modificado com a veiculação de uma cultura que valoriza o consumo, o poder econômico e outras características, como escreve Silva (2003):

(...) A sociedade brasileira é, atualmente, excludente para a maioria das crianças que nela nascem: para alguns, resta-lhes somente a morte, para uns pouco ousados, a revolta e para a grande maioria o fato de serem explorados pelo resto de suas vidas.
Em resumo, esta falta de perspectiva faz com que os alunos não valorizem o saber formal e, em contrapartida, acabem manifestando condutas reveladoras de seu desagrado, pois a escola não tem sentido algum para eles. O que querem (beleza, força física, status financeiro e social) não é oferecido por esta instituição. Na verdade, nunca foi. Porém, se tinham, ao menos, a ilusão de que ela seria um instrumento para a realização de tais desejos, hoje eles não têm mais- principalmente o de que o saber formal possibilitaria um dia a aquisição de parte destes bens (a ascensão social e financeira) e, em conseqüência a relativização e outros (a beleza e a força física). (Silva, 2003, p. 253).

Dessa maneira, embora a escola ainda possa se constituir como uma instituição que melhor represente uma inserção social e maiores possibilidades de um emprego melhor, observamos que a escolaridade não garante esse bom emprego, uma segurança financeira ou uma certeza de que os direitos sociais serão preservados e respeitados. E temos acesso a essas informações através da mídia, no meio familiar e social, onde acompanhamos trabalhadores qualificados exercendo função aquém de sua qualificação.

Embora as crianças estejam ainda muito longe do mercado de trabalho para observarem a crise do desemprego ou de outros problemas sociais, ou mesmo aquele adolescente que posterga sua entrada no mundo adulto, uma breve observação e atenção ao discurso dessas crianças e adolescentes são suficientes para afirmar que não é preciso crescer e se tornar adulto para vivenciar crises econômicas. Eles observam seus pais que apostam na educação que não tiveram e insistem com seus filhos a realização de seus sonhos de outrora, com a suspeita de que se tivessem estudado estariam em uma situação melhor.

É dessa maneira que a escola abriga, por assim dizer, o sonho dos pais. Estes depositam na escola uma esperança de verem seus sonhos realizados através dos filhos.

Não nos parece estranho que programas educacionais, como o que estudamos na nossa pesquisa, estejam convocando a família para participar da escola.

Uma demanda freqüente observada no atendimento psicológico com adolescentes nos permite questionar se a forma como tem se apresentado esses espaços de socialização na vida dos jovens tem sido eficaz. Na clínica parece crescer uma demanda de afeto, de acolhimento, que o jovem, em seu próprio grupo, parece não conseguir encontrar. São queixas de sentimento de pertencência a tais grupos não por opção, mas por obrigação, porque a sustentação de um lugar diferente é onerosa. Assim, pesquisas como da UNESCO (ABRAMOVAY, 2002) apontam que uma das violências praticadas no interior das escolas refere-se às agressões a colegas.

As práticas de violência nas escolas podem significar sintomas, sinais de uma juventude que talvez denuncie uma demanda de afeto que não tem encontrado lugar para expressão. O desinteresse pela escola, a desmotivação do aluno pelos estudos, podem talvez expressar sua incredulidade quanto, não somente, à instituição escolar, mas ao futuro que o mundo adulto lhe reserva. Um mundo adulto que valoriza o ter ao ser, onde os valores morais, éticos estão afastados para dar lugar ao consumismo, à beleza e outros valores efêmeros.

A partir de uma pesquisa com jovens, Matheus (2002) investigou os ideais na adolescência e pautando-se em outro autor (Jurandir Freire Costa) traz um aprofundamento da relação da violência com uma fragilização dos ideais, permeado por um sentimento de descrença pelas nossas regras e normas.

O autor faz um estudo acerca dos ideais e expectativas na adolescência, partindo da teoria psicanalítica, refletindo sobre os ideais da geração atual permeando a cultura, tentando estabelecer uma visão entre a geração de 90 e as gerações passadas. Faz uma articulação da Psicanálise com outras ciências humanas, a história e a sociologia. Nessa pesquisa, o autor aponta a manifestação do ceticismo de alguns adolescentes como a falência de ideais de sua cultura, apontando o descrédito quanto à justiça, ao poder, à política e à lei, como fatores que estão interligados com a violência.

A adolescência, como sintoma social – tanto como singularidade psíquica quanto como segmento social -, inquieta e incomoda. Busca expressar aquilo que não se espera, do modo que lhe é possível: apresentando-se tradicionalista ou cética, ao mesmo tempo que rompe com o papel de mudança que dela se espera e expõe a desigualdade e a falta de perspectivas próprias da sociedade atual. (MATHEUS, 2002, p.174).

Com essas considerações, podemos entender que as atitudes de violência dos adolescentes expressam algo que não é verbalizado, da ordem do não dito. Procuramos, normalmente, fazer uma leitura do comportamento indisciplinado do aluno de forma unilateral, como algo que lhe é singular, pessoal, e esquecemos da relação que é estabelecida entre ele e o professor, assim como deixamos de considerar também a singularidade do professor, que está em sala de aula com corpo, mente e sentimentos presentes, da mesma maneira que seu aluno.

Na verdade, acompanhamos uma manifestação crescente de intolerância nas relações existentes na escola, assim como uma falha na formação de educadores no que concerne ao preparo para lidarem com os problemas de indisciplina e violência que atravessam as relações e, certamente, atrapalham a aprendizagem e a maturidade.

Apesar de estar no meio dessa turbulência de reformas educacionais, transições de costumes e valores, a escola não deixa de ocupar seu papel na sociedade. A escola é o lugar onde as crianças e adolescentes permanecem uma boa parte de seu tempo. Providenciar, garantir, cuidar para que o aluno tenha uma boa educação significa também promover saúde.

Procuramos, então, contribuir com uma outra visão acerca do tema (violência) e possibilitar, talvez, uma forma diferenciada de tratá-la e de problematizá-la.

Nos poucos momentos em que Freud tratou da violência, seu texto Por que a guerra? (1933) discute o motivo da guerra e aponta para a relação existente entre lei e poder demonstrando o paradoxo do poder, que ele chama de violência. O texto trata de uma correspondência de Einstein a Freud que o convida a debater sobre o tema.

A questão levantada por Einstein sobre a possibilidade de existir na espécie humana um desejo de ódio e destruição leva Freud a apresentar sua teoria da dualidade pulsional, a coexistência dos instintos de vida e de morte, que instaura (de acordo com alguns autores) a marca de uma violência originária, isto é, de origem constitucional.

Essa relação (lei e violência) encontra apoio não apenas na idéia de não ser possível desaparecer a agressividade humana, como também traduz o paradoxo da violência. Como diz Freud, às vezes, se faz necessário o uso inadequado da violência para fazer surgir novas leis, que a lei não pode prescindir do apoio da violência. Freud considera o progresso da civilização caracterizando-o pela supressão dos impulsos agressivos e pela supremacia do intelecto.

Se encontramos com o progresso social e cultural a possibilidade de lidar com nossos impulsos destrutivos, mas encontramos a fragilidade da lei representada socialmente, que tem a função justamente de regular nossas ações, então poderíamos pensar que esses impulsos teriam mais expressão mediante essa fragilidade. Poderíamos pensar também que se a lei não está bem representada e não assume suas funções (pensando em termos políticos), surge a necessidade de se instituir outros órgãos, políticos ou não, que cumpram as funções preteridas, como também observamos um deslocamento de funções, por exemplo, a ampliação do papel da escola.

Marin (2002) ao apresentar sua tese que quanto mais o sujeito tenta afastar ou negar sua própria violência, que é condição de subjetividade, o homem contemporâneo contribui para a formação de práticas aniquiladoras como afirmação última de singularidade. A autora defende justamente que a violência faz parte da constituição psíquica do sujeito, apoiando-se em Piera Aulagnier ao trabalhar o conceito de violência primária e na própria teoria freudiana.

Para a autora as questões elementares da teoria freudiana acerca do Complexo de Édipo ("amor à mãe, ódio ao pai"), bem como o conceito de violência primária de Aulagnier, baseado no discurso da mãe que impõe ao bebê seu desejo na medida em que interpreta as faltas da criança, justificariam a violência como constitutiva do sujeito, "como elemento fundante da subjetividade".

Desde Freud, a psicanálise aponta que a violência é, enquanto, fundadora da civilização, determinante da subjetividade. O homem da cultura é herdeiro e cúmplice de um crime, fato que tenderá a ser negado e perpetuado por toda a humanidade. As vicissitudes do complexo edípico retomam, na constituição da subjetividade de cada um, toda essa contradição. (MARIN, 2002, p.18).

Dessa forma, a violência na sociedade é abordada por Marin (2002) como tendo intrínseca relação com a dificuldade do homem em assumir o lugar da lei e da ordem, que não deixa de ser uma violência, e com a tentativa de se negar a própria violência.

Ocupar o lugar da lei e exercê-la é ser violento, como dirá Marin. Nesse ponto, ou seja, no afastamento do homem em ocupar esse lugar, como lembra a autora, fala-se muito no declínio (social) da função paterna, abordado por Lacan. A função paterna, que na teoria lacaniana, representa a lei, estaria em declínio em virtude do "extremo progresso social de determinadas coletividades sobre os indivíduos". Lacan, citado por Marin (2002, p.17), sugere "a redução da família ao seu grupo biológico, paralelamente ao grande progresso cultural".

Para Costa (2003) existe um equívoco na leitura freudiana ao considerar a violência como constitutiva do sujeito. Para o autor, o conceito de violência para Freud encontra-se apoiado em três idéias: primeiro referenciando a pulsão de morte, como instinto agressivo e, por isso, da natureza do ser humano; como uma necessidade para o surgimento de leis, "instrumento imprescindível à organização social"; e, por fim, articulado à noção de paz.

Costa (2003) afirma que o percurso que Freud faz nesse texto (Por que a guerra?) é importante para verificar que sua tese acaba sendo refutada pois, de início, se Freud define a violência como manifestação de um instinto agressivo, algo que é impossível domesticar, no final fecha o raciocínio afirmando a existência de uma espécie de "instinto de paz", possibilitado pela evolução cultural.

De fato, terminando a carta a Einstein, Freud lhe pergunta por que os pacifistas reagem de forma tão violenta contra a guerra. Ele mesmo responde: "Ora, a guerra se constitui na mais óbvia oposição à atitude psíquica que nos foi incutida pelo processo de civilização, e por esse motivo não podemos evitar de nos rebelar contra ela; simplesmente não podemos mais nos conformar com ela." (FREUD, 1933). Em sua resposta observamos o caminho de seu pensamento que culmina exatamente na influência da civilização.

Para Costa (2003), a tese de Freud significou afirmar na realidade a inexistência de um "instinto de violência", e que não se trata de uma incoerência.

A aparente incoerência da teoria revela o que o Freud observador não pôde deixar de notar: não existe um "instinto de violência". O que existe é um instinto agressivo que pode coexistir perfeitamente com a possibilidade do homem desejar a paz e com a possibilidade do homem empregar a violência. (COSTA, 2003, p.35).

A comparação entre os dois autores indica a existência de uma diferença entre os conceitos de violência e agressividade. Para Marin (2002) o instinto de agressividade permite falar em violência como constitutiva (elemento fundante) do psiquismo. Para Costa (2003) o instinto de agressividade implica na possibilidade de manifestação de comportamento violento, mas não que essa violência seja constitutiva do sujeito.

Independente das diferenças teóricas entre os conceitos e a posição dos autores, a violência abordada pela Psicanálise traz considerações que primeiro salientam a existência de um psiquismo, cujo funcionamento caracteriza-se por pulsões inconscientes, e que influenciará o comportamento humano. Segundo, concebe a violência manifesta através de atos que rompem o pacto e o laço sociais como sintoma que requer significação e, terceiro, justamente por ser um substituto da palavra talvez a violência, em certos casos, paradoxalmente convoca a necessidade de vínculo.

Essas considerações nos fazem pensar a forma que a escola tem procurado lidar com a problemática da violência a partir de programas educativos que tentam minimizar a manifestação de condutas violentas na escola através de ações sócio-educativas que se traduzem, na maior parte das vezes, ofertar atividades culturais e esportivas.

Sendo assim, nos perguntamos qual a concepção de educação que embasa tais programas. Selecionamos um Programa da Secretaria de Educação do Governo do Estado de São Paulo (Programa Escola da Família) voltado para as escolas estaduais de ensino fundamental. O Programa não tem como objetivo primordial tratar a violência nas escolas, mas considera sua ação um efeito secundário e também preventivo.

Através de análise documental investigamos a concepção de educação do Programa e fazemos um cotejamento com a concepção de educação problematizada pela Psicanálise.

O Programa Escola da Família conta com a cooperação técnica da UNESCO e empreende esforços para a realização de atividades que possam trazer como conseqüência a diminuição do quadro de violência que atinge a escola. Sua ação volta-se para as atividades esportivas, artísticas e culturais com a abertura das escolas nos fins de semana e, a partir daí, talvez possamos entender que é através dessas atividades, que concebem a escola como um espaço comunitário, abrangendo a prática da cidadania, que se espera diminuir a violência.

O Programa Escola da Família tem como proposta a abertura das escolas públicas estaduais, aos finais de semana, transformando-as em centros comunitários, com o propósito de atrair os jovens e suas famílias para um espaço voltado à prática da cidadania, onde serão desenvolvidas atividades artísticas, culturais e esportivas, colaborando, assim, para a reversão do quadro de violência que permeia a sociedade paulista. (SÃO PAULO, p.3)

Assim, o Programa dirige-se a atividades que envolvam a comunidade, pais, alunos e professores com o objetivo de unir diferentes grupos e minimizar as diferenças entre eles, socializando aquele que antes era excluído.

Uma característica do Programa parece residir no aspecto socializador dessas atividades e não educativo, como é proposto.

Camacho (2000), em sua tese de doutorado, estudou a violência e a indisciplina nas escolas entre os alunos adolescentes, buscando compreender sua prática, origem e desenvolvimento. A autora fez um estudo de duas escolas, uma da rede pública e outra particular, em uma capital do Brasil apontada como tendo alto índice de violência.

A contribuição dessa tese encontra-se particularmente na discussão de escolas consideradas boas do ponto de vista pedagógico, com altos índices de aprovação e com uma população privilegiada social e economicamente, mas que trazem a problemática da violência. Camacho (2000, p.253) aponta que as escolas têm suas ações socializadoras caracterizadas muito mais no rigoroso aspecto pedagógico, apartado de uma proposta educativa. Desse modo, as ações voltadas para a socialização que visam a convivência ou a aproximação entre adolescentes de grupos diferentes não atingem o aspecto relacional, ficando restritas ao pedagógico.

Esse dado permite a autora averiguar que a escola, pela falta de proposta educativa, não funciona como uma retradutora de valores sociais, permitindo o acesso a valores sociais dominantes. "A falta de alcance da ação socializadora até o ambiente relacional promove brechas que permitem aos alunos a construção de experiências escolares, entre elas, a experiência da violência." E mais adiante, conclui:

Os mecanismos da socialização atuantes, hoje, no ambiente escolar estão permitindo a entrada das dificuldades da vida coletiva do país e do mundo, como a falta de alteridade, de limites, que gera preconceitos e discriminações, porque a própria escola não está conseguindo imprimir um outro padrão. Na verdade, ela está simplesmente assimilando, sem filtro, o padrão da vida social coletiva. (CAMACHO, 2000, p. 254).

Por outro lado, verificamos que essas medidas de cunho social que atendem às demandas da escola, como, por exemplo, o oferecimento de atividades esportivas e recreativas, apresentam-se como tentativas de lidar com as manifestações de violência (conforme exposto no Manual do Programa), e estas ações não contemplam as questões relacionadas ao psiquismo, em especial à afetividade do adolescente.

Podemos refletir que essas ações respondem à violência compreendida como um ato sem palavras com um outro ato (ação) não verbalizado. Não desconsideramos a importância desse tipo de atividade na vida dos adolescentes, mas tentamos problematizar sobre uma manifestação que parece tomar o lugar de uma demanda de busca por significação, que rechaça antigos modelos de solução (ao desacreditar nas leis e autoridades) e que tem se tornado cada vez mais presente na sociedade em geral e na escola em particular.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRAMOVAY, M. e RUA, M.G. Violência nas escolas. Brasília: UNESCO, 2002.

CAMACHO, L. M. Y. Violência e indisciplina nas práticas escolares de adolescentes: um estudo das realidades de duas escolas semelhantes e diferentes entre si. São Paulo, 2000. Tese (Doutorado), Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP).

COSTA, J. F. Violência e Psicanálise. Rio de Janeiro: Graal, 2003.

FREUD, S. (1933) Por que a Guerra? In: Edição Eletrônica Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, Vol. XXII. CD-ROM.

GONÇALVES, L.A.O. e SPOSITO, M. P. (2003) Iniciativas de Redução da Violência Escolar: o caso de São Paulo. Movimentos Sociais e Educação – GT 3. Disponível em: <http://www.anped.org.br/25/luizalbertogoncalvest03.rtf>. Acesso em: out. 2003.

MARIN, I. S.K. Violências. São Paulo: Escuta /FAPESP, 2002.

MATHEUS, T. C. Ideais na adolescência: falta (d)e perspectivas na virada do século. São Paulo: Annablume, 2002.

SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação. Manual Operativo do Programa Escola da Família. São Paulo, [ca. 2000]. 36p.

SILVA, N. P. Ética, indisciplina e violência nas escolas: algumas considerações. In: Temas em Educação II – Livro das Jornadas 2003. Ribeirão Preto, SP: Futuro Congressos e Eventos Ltda, 2003.

SPOSITO, M. P. Um breve balanço de pesquisa sobre violência escolar no Brasil. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 27, nº1, p.87-103, jan/jun. 2001.