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An. 1 Simp. Internacional do Adolescente May. 2005

 

O Programa de Atenção á Saúde do Adolescente: a experiência interdisciplinar de atenção básica desenvolvida pela Universidade de Uberaba

 

 

Leila Maria Venceslau Rodrigues da Cunha; Maria Paula Panúncio-Pinto

Universidade de Uberaba – UNIUBE. Programa de Atenção à Saúde do Adolescente

 

 

I. INTRODUÇÃO

O objetivo do presente trabalho é apresentar a experiência de implantação e coordenação de um Programa de Atenção à Saúde do Adolescente, dentro de uma comunidade periférica de Uberaba-MG, a partir da parceria entre Universidade e Prefeitura Municipal na gestão de uma Unidade Básica de Saúde – escola.

O referido Programa vem se propondo a realizar ações centradas na educação e promoção de saúde, bem como outras voltadas ao atendimento a diversas situações de risco já instaladas, e vem contando com a participação de alunos/estagiários e voluntários, e profissionais das áreas de Terapia Ocupacional, Psicologia, Nutrição, Fisioterapia, Serviço Social, Enfermagem, Educação Física, Farmácia e Medicina.

O relato pressupõe certamente um ponto de partido teórico- metodológico que gira em torno da compreensão da adolescência e da compreensão de saúde numa perspectiva interdisciplinar. Nesse sentido, apresentaremos inicialmente a justificativa teórica para a implantação do Programa, que passa pela nossa compreensão da adolescência como período peculiar do curso de vida e pela nossa compreensão de saúde. Para tanto, torna-se necessário abordar aspectos teóricos referentes á adolescência enquanto período de desenvolvimento e uma visão do processo que permita integrar aspectos biológicos, psicológicos, sociais e históricos. Também torna-se importante apresentar os pressupostos do conceito de saúde que ultrapassa a compreensão proposta pela Organização Mundial de Saúde , de saúde como ausência de doença.

Em seguida, vamos apresentar nossa experiência, no contexto da Universidade de Uberaba, de coordenação do programa para, finalmente, discutir os avanços e limites da proposta, e suas perspectivas.

 

II. Desenvolvimento

2.1 Por que um programa de atenção à saúde do adolescente

A adolescência é um período do desenvolvimento ao qual nem sempre se esteve atento, ao longo da história. Entretanto, desde que se passou a prestar atenção nas transformações biológicas, psicológicas e sociais deste período, pais e educadores vem se perguntando como superar as dificuldades que aparecem no processo de educação, bem como em outras áreas como saúde e profissionalização, entre outras.

A adolescência é uma das fases do desenvolvimento mais descritas na literatura, sendo poucos, entretanto, os estudos que tratem do que é normal ou patológico neste período (Mauro, Giglio e Guimarães, 1999).

Adolescência é um termo amplo, que se refere à mudanças biológicas, fisiológicas, psicológicas e sociais que ocorrem no período que marca a transição entre a infância e a vida adulta. Sociologicamente falando, a adolescência é um período de transição da infância dependente para a auto-suficiência e a independência da vida adulta. Psicologicamente, define uma situação de moratória na qual devem ser feitos ajustamentos no sentido da distinção do comportamento infantil do comportamento do adulto, numa dada sociedade. A visão tradicional de desenvolvimento como um processo universal e geneticamente determinado – visão que interessa pouco se nos colocamos numa posição materialista histórica e enfatizamos os aspectos históricos e sociais - influencia fortemente a forma de se entender a adolescência. Tradicionalmente a adolescência é vista como um período de "TEMPESTADE E TORMENTA" 1, visão que é reproduzida, tanto pelo senso comum quanto pela literatura profissional, a despeito de formulações teóricas em contrário, advindas não só da Antropologia, mas também da Psicanálise. As crenças difundidas colocam o adolescente como alguém engajado numa luta para emancipar-se dos pais, rebelde contra seus valores, opiniões, ordens e restrições, que se comporta de forma peculiar quanto ao vestir e ao falar e que é identificado aos valores e crenças de seu grupo social. Estaria exposto a conflitos e pressões e, portanto, seria ambivalente, briguento, imprevisível e irresponsável. Além disso, encontrar-se-ia num estágio transitório no qual não é mais criança, mas também não adquiriu o status de adulto e por isso estaria confuso sobre sua identidade.

Panúncio (1995) nos fala que muitas fontes colaboram para a manutenção do mito da "tempestade e tormenta", dentre as quais se destacam os meios de comunicação de massa, que reforçam repetidamente essa imagem. Se uma sociedade trata seus adolescentes como rebeldes, imprevisíveis e sentimentais, estas expectativas culturais podem levá-lo a desempenhar esse papel.

Yoshida e Giglio (1999) colocam que a chegada de membros de uma família à adolescência pode trazer crises e desequilíbrios, devido às intensas transformações vividas pelo adolescente que podem provocar nos pais a memória das próprias vivências conflitivas deste período. Na adolescência, família e filhos vivem uma situação muito especial, que pode ser agravada pelo contexto sócio-econômico.

Além dos riscos presentes no ambiente familiar em decorrência da presença na família de filhos na adolescência, outros riscos decorrentes da realidade sócio-econômica, da situação de pobreza e exclusão a que parcela considerável da população brasileira está exposta devem ser considerados.

Como período peculiar, sujeito a mudanças biológicas, psicológicas e sociais, a adolescência traz conflitos e dificuldades a serem enfrentadas pela família. Para famílias sujeitas a situações de risco devido à pobreza, lidar com a adolescência dos filhos pode constituir-se numa tarefa impossível de se realizar. Nessas situações o risco da violência, muito freqüentemente presente nas relações entre pais e filhos, se intensificar é muito grande. Outras conseqüências das dificuldades no relacionamento pais-filhos, que podem se intensificar nesse período e se agravar devido ao contexto sócio-econômico e cultural são: evasão escolar, abuso de drogas, gravidez na adolescência e envolvimento em situações de conflito com a lei. O estudo realizado por Panúncio-Pinto et al (2001)2 levou à constatação de que a situação de risco que envolve conflitos familiares decorrentes de problemas típicos da adolescência representou 25% dos atendimentos realizados durante todo o ano de 1999 e 31% dos atendimentos realizados até março de 2000 pelo Conselho Tutelar de Uberaba (1999, 2000).

Como é possível observar trata-se de uma demanda grande e não existe, de acordo com o Conselho Tutelar (1999, 2000) um serviço específico para receber e atender tais casos (3 212 casos em 1999 e 345 casos até março de 2000). Também não se identificam programas comunitários suficientes para a demanda do município referente á profissionalização, esporte, cultura, lazer e aspectos específicos de saúde. Além da tensão no relacionamento pais-filhos, decorrente de conflitos originados de um lado, pelo comportamento do adolescente e de outro, pelo despreparo dos pais em lidar com tais demandas, para as famílias atendidas pelo Conselho Tutelar existem agravantes relacionados á condição de pobreza e privações em que vivem, provenientes da periferia e com uma importante demanda para resolver: a sobrevivência.

Assim , pensando na comunidade do Conjunto Habitacional Alfredo Freire, bairro periférico do município de Uberaba, considerando-se os aspectos gerais desse período de desenvolvimento e as inúmeras situações de risco a que adolescentes de uma comunidade pobre podem estar expostos, os cursos de Terapia Ocupacional e Psicologia da Universidade de Uberaba apresentaram em setembro de 2003 a proposta de criação do Sub Programa de Atenção ao Adolescente, a partir da Unidade Básica de Saúde George de Chirrè Jardim, com ações de promoção e educação em saúde voltadas inicialmente aos adolescentes escolares da EEPSG Henrique Krugger. O ponto de partida é a compreensão do processo saúde-doença como socialmente determinado e não apenas como a ausência de doença.

2.2 Um novo olhar sobre desenvolvimento humano: a "Perspectiva do Curso de Vida"

Felizmente, uma visão tradicional de desenvolvimento não é a única possível. Inúmeros estudos têm sido realizados no mundo todo, sob uma nova perspectiva de desenvolvimento: "life-span persective" ou perspectiva do curso de vida. Paul Baltes (M. P. Institute – Berlim) e seus colabores vêm oferecendo uma alternativa à visão tradicional de desenvolvimento, que olha para o desenvolvimento humano apenas da perspectiva biológica, de maturação, como processo endógeno, ignorando outros de tipos de influência.

Expandir o conceito de desenvolvimento humano constitui uma das preocupações da perspectiva do curso de vida e tal perspectiva vem de encontro ao olhar que pretendemos lançar aos adolescentes e suas famílias neste projeto, através das práticas interdisciplinares.

Nessa perspectiva, desenvolvimento é entendido como qualquer mudança na capacidade adaptativa do organismo, não importando se considerada como positiva ou negativa, ganho ou perda. Assume-se uma posição multi-causal, considerando-se muitos possíveis determinantes para o desenvolvimento, as diferenças individuais e a presença de uma plasticidade determinada por eventos de natureza ontogenética e sócio-cultural.

Além disso, o desenvolvimento é compreendido como um processo multidirecional, que ocorre durante todo o curso de vida, contextualizado por fatores biológicos, psicológicos, sócio-culturais e históricos, que determinam as transformações, num processo de equilibração constante entre ganhos e perdas. Portanto, nesse enfoque o desenvolvimento não é visto simplesmente como um movimento rumo à maior eficácia e aos padrões adultos, como assumido pelos modelos tradicionais.

De acordo com Baltes (1983, 1987), três tipos de influência interagem para produzir processos de mudança e determinar o desenvolvimento humano: a) influências normativas graduadas por idade ou ontogenéticas; b) influências normativas historicamente graduadas, e c) influências não-normativas.

Assim, tem sido comum a consideração da adolescência como um período peculiar, sujeito a várias fontes de stress, decorrentes de influências normativas desta fase, como é relatado na literatura gerada a partir da perspectiva do curso de vida (Swearingen e Cohen, 1985; Windle, 1992; Larson e Ham, 1993, apud Panuncio, 1995).

Nessa perspectiva, a adolescência é descrita como um período que envolve o confronto com uma série de mudanças biológicas que colocam o indivíduo frente a novas expectativas sociais e de comportamento. Tais eventos, considerados normativos para este período, podem representar fontes de stress para alguns, mas não para todos os adolescentes, como apontaram as pesquisas citadas no trabalho de Larson e Ham (1993).

Lazarus e Folkman (1984: 19) definiram stress psicológico como "uma relação particular entre o indivíduo e o ambiente que é avaliada pelo indivíduo como sobrecarga excessiva aos seus recursos, ameaçando seu bem estar".

De acordo com essa definição, o stress pode resultar tanto de eventos discretos (pontuais) de maior ou menor importância, quanto de aspectos crônicos da relação indivíduo / ambiente.

O início da adolescência tradicionalmente é visto como período altamente estressante especialmente por causa das experiências reguladas pela idade, como a puberdade. É um período no qual se experimentam muitas mudanças ao mesmo tempo. Essa convergência de eventos tanto normativos quanto não-normativos pode ser a causa do aumento da angústia e do stress, conforme nos mostra a revisão de literatura feita por Larson e Ham ( 1993).

Além disso, aos eventos normativos esperados, junta-se um aumento de eventos não-normativos, tendência que se mostrou mais forte para os eventos negativos (Larson e Ham, 1993; Compas e Phares, 1991)

Larson e Ham (1993) citam estudos que confirmam a hipótese de que o início da adolescência é um período em que ocorre um maior número de eventos, tanto normativos quanto não-normativos. Esse período é apontado como um período de grande vulnerabilidade: a convergência de acontecimentos e mudanças em todos os domínios torna o adolescente mais sensível a quaisquer eventos.

O aumento (considerado normativo) de eventos não-normativos, não deve ser atribuído apenas às relações com o ambiente, mas também às mudanças no desenvolvimento, que proporcionam a possibilidade de construções subjetivas desse ambiente (Larson e Ham, 1993).

Os resultados dos estudos realizados sob a perspectiva do curso de vida citados permitem concluir que mesmo para o adolescente considerado normal existe a possibilidade de vivenciar um grande número de eventos não-normativos. Tais eventos podem gerar perturbações mais ou menos importantes dependendo da capacidade adaptativa do adolescente, de sua história anterior e de suas experiências atuais.

Situações crônicas e estresses diários associados à pobreza têm se mostrado fortemente associados a uma vasta gama de desordens que incluem problemas psicológicos e emocionais, desempenho acadêmico pobre e uso de drogas (DuBois et al, 1992).

Em seu estudo sobre stress, suporte social e adaptação no início da adolescência DuBois et al (1992) focalizaram o papel de eventos estressores entre jovens provenientes de comunidades com desvantagens econômicas, culturais e sociais. De acordo com os resultados obtidos, entendeu-se que os jovens das comunidades menos favorecidas são mais vulneráveis aos efeitos do stress, uma vez que não têm a menor chance para o desenvolvimento de competências, habilidades de enfrentamento e mecanismos de auto-regulação que lhes permita uma adaptação mais eficaz.

Panúncio (1995) em seu estudo sobre meninos de rua em Ribeirão Preto encontrou relação entre os eventos de vida relacionados à pobreza (privações severas, desvantagens sócio-econômicas) e o comportamento considerado "irregular" dos adolescentes.

Sabemos que no Brasil, parcela considerável da população está sujeita aos riscos associados à pobreza. Tais riscos, como vimos, podem contribuir fortemente para tornar a adolescência um período de "tempestade e tormenta".

Nesse sentido, podemos pensar que um programa de saúde visando essa faixa-etária deve estar voltado tanto para ações de educação, prevenção e promoção da saúde (destinadas a oferecer apoio e orientação) quanto à adolescentes que enfrentam situações de risco e geradoras de estresse.

2.3. Uma nova compreensão de saúde

A compreensão do processo saúde-doença como histórica e socialmente determinado, olhar que pretendemos adotar aqui, requer a desconstrução da definição de saúde proposta pela Organização Mundial de Saúde (OMS, 1987) como forma de ampliar a concepção de saúde de forma coerente.

De acordo com a OMS " saúde é o completo bem estar físico, mental e social e não a simples ausência de doença."Inúmeras críticas têm sido feitas a esse conceito, principalmente pela subjetividade implícita em "bem estar", pela ausência de um sujeito ativo na conquista dessa saúde e pelo caráter aparentemente estático do conceito.

Ferrara (1976, apud Francisco, 1988) oferece uma alternativa definindo saúde como: "o contínuo agir do homem frente ao universo físico, mental e social em que vive, sem regatear um só esforço para modificar, transformar e recriar aquilo que deve ser mudado."

Tal definição coloca o homem agindo na construção de seu bem estar, e entende saúde numa perspectiva ampliada: bem estar e qualidade de vida não dizem respeito apenas a ausência de doença, mas estão ligados também a fatores socioeconômicos, culturais e históricos.

Dejours (1982), coloca também que saúde é um compromisso com a realidade e propõe considerar três níveis de realidade: a realidade do ambiente material (física química, biológica), a realidade afetiva, relacional e familiar (psicológica) e a realidade social (organização do trabalho). O autor propõe a seguinte definição para saúde: "Saúde, para cada homem, mulher ou criança, é ter meios de traçar um caminho pessoal e original em direção ao bem estar físico, mental e social. "Sobre os meios de traçar o caminho rumo a saúde, o autor coloca que em termos do bem estar físico, saúde é a liberdade de dar ao corpo a possibilidade de repousar, comer, dormir, agir, quando o corpo assim necessitar. Dar ao corpo a liberdade de adaptar-se. Em termos do bem estar psíquico, os meios de alcançar a saúde estão ligados a liberdade que é deixada ao desejo de cada um na organização da sua vida. Finalmente, o bem estar social está na liberdade de agir individual e coletivamente sobre a organização do trabalho.

Se saúde não é apenas a ausência de doença e se para alcançá-la é necessário que haja protagonismo e ação intencional por parte do sujeito que a busca, o principal pressuposto das atividades propostas aos adolescentes escolares é a meta de torná-los sujeitos de sua saúde, meta que passa pelo esclarecimento sobre promoção de saúde, qualidade de vida e transformação dessas informações em conhecimento aplicável ao cotidiano.

2.4 O Programa de Atenção à Saúde do Adolescente

A Universidade de Uberaba - UNIUBE possui um projeto desenvolvido pelos cursos da área da saúde da universidade, denominado Pró-Saúde que busca ações interdisciplinares em atenção básica, através de estratégias de prevenção, promoção e atenção à saúde da população. Para tal, fez uma parceria com a Prefeitura em uma Unidade Básica de Saúde da periferia da cidade.

O sub-programa de Atenção ao Adolescente integra o Pró-Saúde e parte dos aspectos gerais desse período de desenvolvimento e das inúmeras situações de risco a que adolescentes de uma comunidade periférica, como é o caso do Conjunto Habitacional Alfredo Freire, podem estar expostos. Salienta-se aqui a idéia de saúde como socialmente determinada e não apenas como a ausência de doença. Mostrou-se necessário buscar um ponto de partida para localizar a demanda e sensibilizar a comunidade em geral para os cuidados voltados para a adolescência. Os depoimentos de profissionais da saúde da UBS apontavam ocorrências como violência, drogas, DSTs e gravidez precoce freqüentes no bairro em contraposição às poucas consultas e procedimentos de atendimento aos jovens.

As atividades do Programa de Atenção à Saúde do Adolescente tiveram início em setembro de 2003, em ações desenvolvidas pelos cursos de Terapia Ocupacional e Psicologia junto aos adolescentes de uma escola estadual do Conjunto Habitacional Alfredo Freire, área de abrangência da Unidade Básica de Saúde George de Chirrè Jardim, a Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Henrique Krugger.

Neste primeiro semestre, sob coordenação e supervisão de duas professoras (01 Terapeuta Ocupacional e 01 Psicóloga), alunos estagiários de Terapia Ocupacional e Psicologia organizaram a intervenção, que se estruturou na escola, no horário das aulas, sendo que os grupos de estagiários permaneciam em atividade durante 50 minutos, ocupando o espaço de uma aula, conforme programação definida junto á direção da escola. Cada sala de aula era abordada uma vez na semana, sendo 10 salas, de quinta a oitava série do ensino fundamental e de primeira à terceira série do ensino médio.

As atividades definiram-se preferencialmente por grupos de discussão, grupos de atividades e dinâmicas para trabalhar temas de educação e promoção da saúde, levantados e sugeridos pelos próprios adolescentes nos primeiros contatos com estagiários: sexualidade, violência, drogas, alimentação saudável, prática de exercícios físicos; relacionamento familiar; namoro. A discussão e abordagem dos temas passavam necessariamente pelo eixo temático do programa: cidadania e direitos, projeto de vida, cooperação, solidariedade e respeito; relacionamento com/na escola. O objetivo dessa primeira etapa era conhecer a demanda a partir dos adolescentes escolares, apresentar o programa aos adolescentes em geral, levantar os temas de interesse a partir da participação dos adolescentes e identificar outros possíveis focos de ação, a partir da identificação de outras demandas, como adolescentes fora da escola, por exemplo.

A experiência neste primeiro semestre de atividades do Programa, apontou a necessidade de se conhecer os jovens, o ambiente familiar e educacional em que estavam inseridos de forma mais abrangente.

Assim, no 1º semestre de 2004, já com a adesão de outros cursos da saúde que passaram a enviar seus estagiários (Medicina, Enfermagem, Nutrição, Farmácia, Fisioterapia e Serviço Social), decidiu-se pela caracterização da demanda através de entrevistas individuais seguindo instrumento próprio, realizadas na escola, durante o período de aulas. A idéia dessa caracterização formal da demanda partiu da necessidade de se conhecer a realidade para intervir.

Os resultados dessa caracterização nos trouxeram informações importantes para continuar estruturando a intervenção: confirmou que, para a população em questão, a condição sócio-econômica era determinante para reafirmar os riscos diversos de se viver numa comunidade periférica e com poucas opções culturais e de lazer (condições precárias de moradia, renda familiar baixa, não acesso ao mercado formal de trabalho para 80% das famílias dos 220 adolescentes abordados). Além disso, emergiram questões como violência doméstica (10%), gravidez na adolescência (15%), alcoolismo e outras formas de adição à substâncias psicoativas (pais e adolescentes: 42%). Em 52% das entrevistas apareceu a solicitação de conhecer a Universidade ("vocês já conhecem nossa escola, queremos conhecer a de vocês"); também foi possível confirmar os temas transversais anteriormente solicitados pelos adolescentes: sexualidade (transformações da adolescência, primeira relação sexual, orientação sexual, DST, gravidez); violência (doméstica, institucional), drogas, alimentação saudável, prática de exercícios físicos; relacionamento familiar (conflitos); namoro e relacionamento com os pares. Identificamos que as principais situações de risco já instaladas referiam-se á abuso de substâncias psicoativas, gravidez na adolescência, violência doméstica e pobreza/exclusão). Essa etapa de investigação também permitiu mapear a comunidade quanto aos recursos existentes para atender à faixa etária em questão (foi identificado apenas um programa oficial – "Bom de Bola, Bom de Nota", programa municipal que consiste em educação pelo esporte e atende meninos de 12 a 18 anos em Escolinha de Futebol).

As atividades desenvolvidas em sala, após a caracterização da demanda, procuraram seguir os temas e necessidades identificados, agora com grupos maiores de estagiários intervindo em cada sala que planejavam, aplicavam e avaliavam semanalmente a eficácia das atividades propostas na consecução dos objetivos.

Nesse momento algumas dificuldades começavam a emergir e diziam respeito principalmente ao envolvimento dos adolescentes nas atividades (pouco concretas), a proximidade de faixa etária entre adolescentes e estagiários e à realidade da escola, cuja rotina nunca se apresentou de forma estável (alteração de horários, dispensa de alunos, agendamento de provas em horários que haviam sido definidos para nossa intervenção). Além disso, quando os estagiários entravam em sala, os professores saiam, não aderindo assim as atividades do programa.

No final do primeiro semestre de 2004, atendendo à reivindicação dos adolescentes e visando fortalecer a concepção da Universidade de Uberaba como sistema aberto, comprometido com a responsabilidade social e mais especificamente com ações que apresentem aos jovens inseridos no ensino público o ambiente universitário, foi realizado o I Fórum da Adolescência, atividade que permitiu levar todos os adolescentes atendidos na escola para uma manhã no Campus Aeroporto da Universidade de Uberaba, na qual foram realizadas oficinas com o objetivo de proporcionar ao adolescente o contato com ambientes diferenciados que levem a qualidade de vida, integração a comunidade e reflexões sobre seu papel na sociedade e seu projeto de vida. O tema do I Fórum da Adolescência foi "Educação Ambiental: cuidar do planeta é cuidar de si e do outro" . As oficinas aconteceram em pequenos grupos, nos quais foram propostos trabalhos concretos sobre reciclagem e preservação ambiental, através da utilização de diferentes materiais. As oficinas foram seguidas de uma plenária que finalizou o evento, na qual cada grupo apresentou sua produção.

O I Fórum foi realizado em duas etapas/encontros, sendo a primeira manhã com adolescentes de 5ª a 8ª série do ensino fundamental e uma semana depois com as turmas do Ensino Médio, para facilitar no planejamento de estratégias que deveriam ser adequadas à idade dos jovens participantes, e para que o número de participantes fosse apropriado para aplicação das mesmas.

A realização do I Fórum da Adolescência trouxe significativas avaliações para dar prosseguimento ao planejamento das próximas ações:

Percebeu-se a curiosidade do jovem a respeito do ambiente universitário, principalmente relacionada aos aparelhos que proporcionam aprendizagem nos cursos superiores como: uma biblioteca ampla, moderna e movimentada por alunos e professores; laboratórios de anatomia; comunicação e informática; quadras de esporte e outros equipamentos de educação física.

O impasse das representações sociais destes jovens quanto à sua imagem de aluno de uma escola pública de bairro periférico em contraste com a do aluno universitário. Neste sentido, percebeu-se que parte deles sente-se excluída e distante de ser incluído neste universo em seu projeto de vida, e outra parte mostra-se cheia de perspectivas e já traça caminhos para a possibilidade de extensão de seus estudos. Portanto o evento teve significados diferentes para estes jovens, o que refletiu em seu comportamento, provocando momentos de balbúrdia e descomprometimento, assim como de envolvimento e criatividade.

As ações de eventos como este devem fugir de padrões da educação tradicional como por exemplo salas com carteiras ou divisão de grupos e tarefas a serem cumpridas.

A presença de pessoas que tenham um vínculo de liderança e respeito para que a noção de limites e disciplina possa ser transportada na linguagem do cotidiano deles para um ambiente diferenciado.

O envolvimento dos adolescentes no Fórum deve ser estimulado através de ações durante o semestre que provoquem o protagonismo desde o planejamento, construção até à realização.

Após esta avaliação da experiência anterior, surgiu a necessidade estabelecermos metas a médio e longo prazo para assegurar a participação e interesse tanto dos estagiários como dos adolescentes envolvidos.

No início do 2º semestre de 2004, foi elaborada uma programação que deveria ser desenvolvida durante o semestre e culminaria no II Fórum da Adolescência. Decidimo-nos por oferecer oficinas que oportunizassem formas concretas de expressão e criação dos estudantes, levando em consideração escolhas deles por atividades que estivessem ligadas às suas aptidões e motivações. Desta forma, foram abertas inscrições e a intervenção se caracterizou não mais pela intervenção nas séries, mas em grupos misturando alunos de todas as séries, de acoardo com sua escolha pelas atividades/oficinas oferecidas.

No II Fórum o encontro foi organizado em torno da apresentação das oficinas desenvolvidas durante o semestre. O II Fórum teve como tema central Construindo o Futuro: descobrir talentos. Foram oferecidas quatro oficinas: música/dança; jornal/comunicação; teatro/artesanato; fotografia. Todas elas trabalharam os temas pré-estabelecidos para esta etapa: relações ( grupos, namoro, amizade, família); projeto de vida (profissão, trabalho e família); participação ( comunidade, política e escola). Novamente surge a necessidade de avaliar os resultados do trabalho, agora do segundo semestre de 2004 que culminou no II Fórum:

Oficina de fotografia: permitiu que todos os temas propostos fossem discutidos. Os adolescentes desenvolveram painéis de fotos sobre profissões (entrevistaram os profissionais e fizeram legendas nas fotos); relações (através de letras de músicas, montaram cenas que resultaram em foto-estórias); carros (fotos digitais que foram projetadas no telão e explicadas oralmente na plenária).

Oficina de jornal/comunicação: foram feitas colunas de moda (modos de vestir de grupos de jovens, acessórios, etc); resenhas de filmes; entrevista com vereador eleito do bairro e comentários de futebol. Nesta oficina, observamos uma instabilidade no interesse e participação, a maioria dos envolvidos tinha idade acima de quinze anos, eram mais engajados, mas possuíam maior resistência ao trabalho.

Oficinas de música/dança e teatro/artesanato: foram montadas duas apresentações que receberam a contribuição da música (trilha sonora) e introduziram cenas de dança em seu enredo, portanto as oficinas foram desenvolvidas interativamente. O teatro da turma dos mais velhos foi muito bem elaborado, ensaiado e continha temas que denotavam situações conflitantes como gravidez na adolescência, discriminação racial e homossexualidade. No dia do plenário, o personagem principal faltou e os adolescentes e estagiários narraram a estória e apresentaram as danças e músicas.

Observamos que as metas a médio prazo ajudaram os estagiários a nortearem o trabalho semanal, além dos objetivos gerais e específicos dos encontros, pois haviam tarefas e prazos a serem cumpridos; o impasse da inconstância do interesse e participação dos jovens continuou, recorremos a estratégias que impunham limites como listas de presença e inscrição para o Fórum apenas dos que participassem efetivamente das atividades durante o semestre.

Neste primeiro semestre de 2005 , recebemos estagiários de educação física e a idéia de propor uma produção concreta em torno dos temas transversais continua. Por solicitação da escola, a intervenção retomou o formato anterior, com o oferecimento das opções de Oficinas por salas. A justificativa da direção da escola foi o reconhecimento da importância do trabalho, que por isso, deveria atingir todos os adolescentes, e não apenas os que optassem por participar (havíamos decidido trabalhar com adolescentes inscritos para contornar o problema do envolvimento).

Retornamos portanto ao desafio inicial: a motivação, o vínculo e a construção cotidiana da transformação.

 

III. Considerações finais: Avanços, impasses e perspectivas

A intervenção interdisciplinar se caracteriza pelo planejamento, operacionalização e avaliação sistemáticos realizados por grupos de estagiários sob supervisão. Os grupos de estagiários são compostos a partir do critério interdisciplinar, no qual cada área apresenta sua contribuição, mas as especificidades se diluem em função da consecução das metas gerais.

Conceitualmente, há uma grande dificuldade com o termo interdisciplinaridade, o exercício desta prática exige reflexões e debates entre os envolvidos - docentes, estagiários e a demanda atendida (escola: adolescentes e educadores). Não são raros os equívocos e as divergências sobre o cuidado com a saúde na diversidade das ciências: estagiários ressentem-se quando não percebem espaços para desenvolver as competências para as quais seu curso os prepara; o modelo biomédico ainda marca falas e fazeres; a busca de soluções para problemas e doenças já instalados supera, muitas vezes, o valor de ações de educação em saúde; a busca de autonomia dos adolescentes para o auto-cuidado encontra resistência nos estagiários (que reproduzem modelos de proteção), e dos próprios jovens que se colocam em posição de receptores passivos.

Tais desafios, que parecem nascer em nível teórico, geram também dificuldades na prática cotidiana: a desmotivação de alguns estagiários nasce da idealização sobre os resultados esperados, idealização que parte do modelo clínico de atenção a grupos, modelo que dificilmente pode ser transposto para um trabalho comunitário, no qual o setting é aberto, difuso e não comporta as mesmas regras da clínica. Para a coordenação, o desafio se traduz em ações que em muitos momentos estão além da supervisão.

As ações que envolvem este trabalho implicam portanto, trabalhar com novas significações, seja nos modelos de atuação das profissões envolvidas, seja na identidade e relações dos jovens envolvidos. Na adolescência, a superação das estruturas experimentadas na infância, diante da transformação em algo novo, conserva em si o antigo. Por analogia isto também aparece no trabalho interdisciplinar, onde novas formas de fazer surgem, mas sempre ligadas à formação pessoal e acadêmica dos alunos:

"Há uma relação dialética entre a história, que é a reconstrução (e não uma evolução) das relações intersubjetivas que constituíram o sujeito e a situação presente, que atualiza e revela o histórico, ao mesmo tempo em que lhe confere nova significação" (TUBERT, 1999: 16).

Muitas vezes, o estagiário se vê confuso diante das projeções maciças dos adolescentes e a dinâmica extremamente movimentada e imprevisível que acompanha este grupo.

Para lidar com esta complexidade de desafios, o grupo de estagiários e professores pára as atividades na escola e se reúne mensalmente em oficinas de formação. As oficinas de formação procuram dar conta, ao mesmo tempo de questões conceituais e práticas e oferecem leituras, seminários e vivências que permitem aos estagiários a experiência de estratégias para lidar com situações enfrentadas no cotidiano da intervenção. Nestes momentos as coordenadoras do projeto promovem situações de reflexões e vivências com os estagiários envolvidos, com o objetivo de cuidar também das questões pessoais e sociais que surgem, desde o confronto com a realidade da periferia, da escola, das práticas diferenciadas de educação em saúde até com os problemas quanto à própria identidade que é freqüentemente confrontada durante as ações.

Além dos desafios por assim dizer conceituais, enfrentamos a realidade de lidar com 40 estagiários de diferentes períodos de graduação, vindos de diferentes cursos que ficam no programa por períodos que variam de 6 semanas a 01 semestre. Somada à incrível heterogeneidade do grupo de estagiários, lidamos constantemente com o desafio do vínculo.

Levisky (2000) aponta a necessidade do adolescente por novos modelos no desejo de encontrar o seu próprio modo de ser, pensar e viver. Os estagiários e docentes envolvidos são alvos desta procura, o rodízio de estagiários leva a mudanças freqüentes no quadro das pessoas envolvidas no programa, nota-se um ressentimento ou medo do envolvimento, na defesa de não precisarem enfrentar novas separações e conseqüentes lutos. A perspectiva encontrada para este impasse, é a tentativa de estabelecer um vínculo com o programa e não com as pessoas envolvidas. A cada semestre, apresentam-se e despedem-se os estagiários, e nestes momentos é reafirmado que o programa tem continuidade e seqüência. Alguns estagiários tomam iniciativa de continuar, voluntariamente, no programa e isto repercute favoravelmente no relacionamento com os adolescentes.

A experiência deste trabalho voltado para a saúde do adolescente nasce do encontro de interesses de duas instituições, Universidade de Uberaba e Secretaria da Saúde de Uberaba, oferecendo oportunidade da realização de atividades comprometidas socialmente com a comunidade no modelo de docência-assistência. Novos saberes surgem a medida que a ciência volta-se à prática e vice-versa.

Os desafios enfrentados são inumeráveis, contudo seu enfrentamento cotidiano e a busca incessante de unir teorias diversas à nossa prática interdisciplinar, tem mostrado, a cada dia, novas possibilidades. As saídas não são aquelas idealizadas em que todos vivem felizes para sempre, ao contrário: as possíveis soluções muitas vezes trazem novos impasses, mas a prática tem mostrado que é possível construir se investirmos muito em comunicação e respeito às diferenças, além é claro do investimento em romper a dicotomia teoria-prática.

 

IV. Referências

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1 Hall (s/d, apud Panúncio, 1995), considerado o Pai da Psicologia da Adolescência, foi quem primeiro mencionou a adolescência como tal.
2 Projeto de Iniciação Científica concluído em 2001 "Prevenção á violência doméstica: intervenção breve com adolescentes e pais"