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An. 1 Simp. Internacional do Adolescente May. 2005

 

1º Simpósio Internacional do Adolescente

 

 

Doris Rangel Diogo

Psicóloga, psicanalista, doutoranda do Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica, do Instituto de Psicologia da UFRJ. dorisdiogo@openlink.com.br

 

 

Laço social na adolescência

Sujeito adolescente na contemporaneidade

A adolescência tem início com a puberdade, mas não há um consenso sobre seu término, já que é um processo e não se restringe a um tempo cronológico. Na puberdade, há um recrudescimento dos impulsos pulsionais com possibilidade de realização efetiva de objetivos sexuais, o que faz com que o sujeito se defronte com o real do sexo de um modo até então inédito (Freud,1905). É neste contexto que, a posteriori, ressignificando experiências vividas na infância, se reafirmam a escolha de objeto de amor, a interdição e as identificações oriundas da dissolução do Édipo, o que por vezes produz efeitos subjetivos de turbulência, inquietação e mesmo impulso a agir. Nessa travessia, há todo um rearranjo dos investimentos libidinais, com ênfase nos laços identificatórios com amigos, na descoberta de parceiros amorosos, na eleição de objetos idealizados, como ídolos e também nas transformações corporais que podem suscitar o afeto da angústia. Nesse turbilhão se inscreve também a demanda do Outro (dos pais, da cultura, das instituições, do inconsciente) que são endereçadas ao adolescente para que este assuma um lugar ou até mesmo uma posição subjetiva entre seus pares.

Neste cenário há certa expectativa em relação à função paterna na adolescência, já que a questão: O que é um pai? aí retorna com todo seu vigor. Lacan (1995 [1956-57] ) situou o pai nos três registros, tendo daí derivado o pai simbólico, o pai imaginário e o pai real.

Há carência de pai para todo sujeito, já que nenhum pai consegue recobrir com a lei, isto é, com o simbólico todas as manifestações pulsionais. Esta carência indica um hiato entre o pai simbólico, inscrito a partir da falta na mãe e o pai imaginário idealizado pelo filho. A partir daí, quando necessário, o adolescente faz apelo ao pai, encontrando no melhor dos casos o pai real, agente da castração, que lhe sinaliza com o próprio gozo em relação a uma mulher (Lacan, 1972). Com isso, o pai deixa algo a desejar, sem resposta, já que nada sabe sobre a trama do desejo e gozo no filho. Cada sujeito terá que fazer a própria travessia, a partir desse encontro faltoso com o pai, já que lhe restará fazer o luto dessa perda do pai imaginário, idealizado.

Como fica esse paradigma centrado no pai, na contemporaneidade? O declínio da função paterna produziu efeitos de pluralização e de dispersão, dando origem aos nomes do pai, tanto no sentido da pulverização dos referentes que podem sustentar essa função como também problematizando o falo/castração como referente universal na estruturação subjetiva.

Com isso, essa travessia simbólica, imaginária e real fica para ser construída pelo sujeito, que poderá elaborar o luto do pai imaginário quando o pai real não vacila em sua função, isto é, quando não se identifica com Um pai, que intervém continuamente sobre seu filho.

O pai real não precisa ser o pai (Lacan,1972). É um ponto para onde se desvia o olhar da mãe e que a toma, apontando a falta para o filho. O que importa é que a mãe busque um outro que não o filho, como causa de desejo e que esse outro se volte para uma mulher, mesmo que não seja a mãe do sujeito, revelando também uma falta, e a busca de um gozo ao qual o filho não tem acesso. Mesmo a carência de pai sendo uma queixa do sujeito ela não deixa de engendrar uma questão sobre a falta, o desejo e de busca de um lugar no circuito das trocas sociais.

O Outro da cultura pode se presentificar de algumas formas, dentre estas, nas injunções sociais que indicam possíveis lugares, espaços, na pólis.

Da inclusão social ao laço social

No momento atual, constata-se, que a meta da inclusão social está presente em distintos programas sociais dirigidos aos adolescentes nos campos da educação, da saúde, das práticas jurídicas, da promoção social envolvendo tanto instituições públicas como privadas em diferentes níveis de articulação com segmentos organizados da sociedade civil, evidenciando uma rede social em movimento, que tem como um dos paradigmas a responsabilidade social no processo de constituição da cidadania. Isto indica uma certa aposta na construção de lugares no espaço social, o que não deixa de se constituir como oportunidades para que o sujeito possa aí vir a fazer laço social, isto é, construir, inventar um lugar. No entanto, ao mesmo tempo, as sucessivas exclusões históricas, que têm alijado uma parcela significativa de jovens, especialmente, dos segmentos populares, continuam se reiterando, produzindo efeitos devastadores, que tem retornado no real da Pólis, sob a forma de violência, atingindo a todos. Isto indica que esse processo requer intervenções também estruturais, como um desafio que põe em xeque a correlação de forças políticas econômicas e sociais.

Estes programas sociais não substituem mudanças estruturais, mas podem abrir vias de acesso, a curto prazo, no circuito das trocas simbólicas.

A complexidade e abrangência das questões sociais revelam múltiplos atravessamentos, sendo necessário problematizar alguns pressupostos que orientam as intervenções que visam a inclusão social, para que não se tornem meras palavras de ordem, cujo efeito pode ser siderante, isto é, diante das quais, o sujeito nada tem a dizer, só lhe restando, por vezes, agir, não raro através de desistências, abandono de oportunidades nos referidos programas.

Como considerar a meta da inclusão social sem preenchê-la com algum ideal prévio à construção por parte do suposto interessado, o sujeito? O que seria levar às últimas conseqüências esta meta da inclusão social, sustentada nas diferenças, nas possibilidades individuais, tais como, está formulada nas diretrizes de algumas políticas públicas, como por exemplo, no campo da saúde mental, como revela o convite: Cuidar sim, excluir, não! da III CNSM, Conferência Nacional de Saúde Mental, em 2001.

Por que problematizar o que possa existir de ideal? Qual seria o ideal, em termos de inclusão social? O ideal sempre pressupõe um saber no Outro, encarnado por algo ou alguém, podendo ser tomado em sua vertente moral, como um deve ser ou isto é melhor do que aquilo para você, ou de modo mais sutil, nas reações de surpresa e mesmo de frustração frente às freqüentes desistências dos sujeitos em algum processo de inclusão social.

O que fazer quando se constata que as práticas de intervenção, especialmente, as humanizadas, bem intencionadas podem provocar resistência, resposta inversa à inclusão, já que elas não estão livres de ter efeitos de um imperativo, isto é, de uma ordem, mesmo quando o que se oferta é um lugar valorizado, seja através de certa participação social, lúdica, educativa ou laborativa? Não raro, as desistências dos sujeitos nos programas de inclusão social provocam perplexidade na equipe, que, atribui o fracasso à má vontade do participante. No entanto, trata-se de questão complexa, que requer uma discussão mais abrangente, já que não se pode descartar a possibilidade de que seja também expressão da resistência do sujeito, resistência, no sentido de não se deixar ficar na posição de objeto frente aos coordenadores dos programas.

Como contraponto, a qualquer ideal prévio na meta da inclusão social, a diretriz seria o princípio da ética, que ao privilegiar os significantes que circulam, indicariam a posição subjetiva do adolescente. Freud (1912) comenta que é preciso considerar as formas possíveis de investimentos libidinais, adiantando que a sublimação não é acessível a todos. Isto faz pensar que é preciso considerar o circuito pulsional não como um obstáculo intransponível, mas como efeito de um aparelho complexo que busca repetir não só a experiência de satisfação como também a experiência de dor (Freud, 1920).

Para a psicanálise, a ética se presentifica através do desejo do analista (Lacan, 1958), de onde o analista pode vir a intervir em um dado momento, nas possíveis experiências do real, o que também é possível nas instituições, a partir da psicanálise em extensão (Lacan, 1967), isto é, a psicanálise aplicada a uma terapêutica, que não confunde dispositivos com os princípios que orientam essa prática. (Rego Barros, 2003)

De uma posição de não-saber ao saber possível, o princípio ético se exercita no cotidiano da clínica e através da flexibilização do dispositivo que não se restringe à relação entre o sujeito e o analista, mas que pode ser estendido como transferência de trabalho à equipe na instituição e a alguns outros na rede social. Isso não indiferencia posições, ao contrário possibilita diferenças de endereçamento e requer resposta caso a caso. As oportunidades de lugares sociais engendradas nos programas de inclusão social podem se constituir como oportunidades para aí se fazer laço social, mas é importante assinalar que inclusão social não é o mesmo que laço social e que, por isso mesmo, alguns fracassos nos programas de inclusão social decorrem justamente de tomar uma coisa pela outra. Não basta uma oportunidade social para que o sujeito aí se enganche, e, por vezes, até se constitua como sujeito. Para isso, alguma construção se faz necessária. Se um dos protótipos do laço social pode ser reconhecido nas identificações, como uma forma de vínculo emocional com o outro e com os objetos, conforme assinalou Freud (1921), é preciso explicitar as formas de identificação, inclusive as que não decorrem dos desdobramentos da metáfora paterna.

Fazer algo com esse real, com o que faz obstáculo à simbolização, a cada vez e caso a caso, em uma instituição na qual uma das metas é a inclusão social, requer um manejo da transferência para tentar circunscrever algo da vontade de gozo do sujeito (Zenoni, 2001), o que complexifica esse processo. Processo esse que tem como eixo a clínica do sujeito (Zenoni, 2000) que visa alguma alternativa ao excesso de sofrimento psíquico, a partir da assunção subjetiva, que está articulada ao social, já que implica o Outro, como alteridade.

A clínica com sujeitos psicóticos, nesse sentido, pode ser paradigmática para intervenção nas demais estruturas subjetivas, já que ensina de modo radical que uma demanda do Outro, portanto, uma demanda social pode embaraçar um sujeito, podendo se tornar um risco maior de passagem ao ato justamente quando algum recurso simbólico é requerido para fazer face à essa demanda, restando a dimensão do Outro em sua face de real, que pode se evidenciar como com imperativo do supereu.

Sobre a identificação na constituição do supereu há diversas articulações significativas. Uma das que se destacam e que tem relação com o laço social é: o pai simbólico (inscrito a partir da falta na mãe).

Freud (1933[1932]) destaca a importância do supereu na abordagem de problemas sociais tais como a delinqüência. Esta formulação parece indicar não só a rede que constitui a tradição, a herança, mas também a transmissão que se dá através do que restou de não elaborado de uma geração à outra, que pode inclusive ressurgir como um agir, um acting-out, no caso da delinqüência ou também como algo que pode vir a ser elaborado e se singularizar na manifestação de um desejo. Freud afirma:

O supereu de uma criança é, com efeito, construído segundo o modelo não de seus pais, mas, do supereu de seus pais, os conteúdos que ele encerra são os mesmos e torna-se veículo da tradição e de todos os duradouros julgamentos de valores que dessa forma se transmitiram de geração em geração.

Além disto, nem sempre o supereu dos pais tomado como modelo indica uma identificação através de algum traço comum. Isto parece se constituir muito mais como possibilidades em uma dada economia pulsional e a clínica psicanalítica revela como isto é transmitido de modo singular para cada sujeito em uma mesma família, e não sem relação com as vicissitudes pulsionais de inversão, reversão, recalque e sublimação.

Em um artigo intitulado: Sociedade de risco: o supereu pós-moderno, Zizek (1999) focaliza a sociedade contemporânea, pós-moderna, reflexiva que se caracteriza, aparentemente, por ser hedonista e permissiva e que, no entanto, está saturada de normas e regulamentos. Desprendida da tradição e do castigo moral, nesta sociedade, a submissão se torna prazer e o gozo se transforma em dever.

Zizek, neste texto, destaca que nas sociedades contemporâneas, por um efeito do declínio da função paterna, a tradição e uma série de normas pré-estabelecidas deram lugar à reflexividade, situando no indivíduo o poder de decisão e reduzindo drasticamente as proibições de atividades prazerosas.

Estruturada sob a égide do consumo, a sociedade pós-moderna enfatiza o culto à opção pessoal, sinônimo de liberdade, reproduzindo uma opressão nas relações, evidenciando um supereu mortífero, como assinala o referido autor:

(...) Operando de modo distinto da lei simbólica, o supereu inverte o corolário kantiano "Você pode porque deve", transformando-o em "Você deve porque pode", levando não às experiências transgressoras e libertadoras mas às experiências de submissão, à obediência compulsiva, cuja injunção secreta é "Você pode", produzindo novas formas de totalitarismo, onde o prazer se transforma em dever.

Não caindo na armadilha de propor um retorno nostálgico à tradição que precedeu a sociedade moderna e pós-moderna, Zizek questiona a transgressão irrestrita que leva a diversas formas de submissão no real, em que as posições subjetivas ficam mais fixadas, reproduzindo um modelo de escravidão. O que está em questão neste supereu pós-moderno é o lugar do Outro (da linguagem, da cultura, da alteridade, do ideal do eu) que teve sua consistência abalada por uma crítica maciça à diferença de sexos e de gerações.Este supereu pós-moderno, onde a permissividade é a regra, produz sintomas em que o gozo parece não-articulado ao desejo.

Como exemplo clínico, situo o comentário do pai de um adolescente, que após enumerar uma série de transgressões do filho, que havia sido expulso de vários colégios, ao final da entrevista, disse (rindo): Ele é a pessoa que todo mundo quer ser, vive para os prazeres. Ao passo que o outro filho, é o filho que todo mundo quer ter, estudioso, responsável. A injunção do supereu paterno aparece aqui: Como eu não desfrutei, desfrute!

Uma certa geração pode romper com o modelo de supereu da geração dos pais que lhe antecedeu, introduzindo uma série de novos imperativos na cultura ou isto pode vir a partir da geração dos pais, sendo no instante em que diz ao filho Desfrute! que o supereu do pai obtém alguma satisfação, transgredindo ao autorizar ou sustentar a transgressão.

Embora a construção na clínica se dê no caso a caso, uma dificuldade se destaca na clínica com adolescentes quando o pai/a mãe favorece a expansão do gozo, indo no sentido inverso do pai real, que opera no sentido de barrar o gozo. Neste caso não é o filho que teme perder o amor dos pais, mas o inverso, os pais que temem perder o amor do filho. Neste ponto, há uma inversão na diferença de gerações.

Não se trata de culpabilizar os pais e desculpabilizar o adolescente, que, neste caso, é um sintoma do Outro, mas de afirmar com Lacan (1966): por sua posição de sujeito, cada um é sempre responsável. Responsável não só como sujeito do direito, mas também por sua posição de ceder ou não de seu desejo, onde se confronta com o que há de mais solitário, mas que, ao mesmo tempo, o singulariza.

 

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ZIZEK, S. O supereu pós-moderno. In: Caderno Mais! Folha de São Paulo, 1999, p. 7-8.