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An. 1 Simp. Internacional do Adolescente May. 2005

 

Caminhos de ação em saúde mental na Unidade Básica de Saúde/SMS-PMSP

 

 

Vânia Ghirello GarciaI; Diva Maria Faleiros Camargo MorenoI,II,III

IUBS Vila Romana (Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo)
IIFaculdade de Saúde Pública (Universidade de São Paulo)
IIINEPAIDS (Núcleo de Estudos para Prevenção da Aids-USP)
E-mail: vaniagg@terra.com.br; dmfcm@usp.br

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: A adolescência é aqui entendida, conforme Ferrari, como área com características e dinâmicas próprias, um "desafio" no qual a vida futura do indivíduo é decidida e a integração física e mental está em pauta. São consideradas três modalidades de atividades grupais com adolescentes nas faixas etárias: 1) 12 a 14 anos, jovens de 6ª do Ensino Fundamental em avaliação psicológica, com dificuldade de aprendizagem, ainda não alfabetizados completamente, 2) 16 a 21 anos, em psicoterapia, e 3) 17 a 22 anos, em promoção de saúde na escola, envolvendo conteúdos de sexualidade e prevenção de DST e Aids.
OBJETIVO: Possibilitar a troca de informações e experiências a respeito das relações afetivas e sociais entre adolescentes, seus pais e professores, visando a construção de conhecimento conjunto e a diminuição da vulnerabilidade diante de situações geradoras de risco.
DESENVOLVIMENTO DA AÇÃO: O trabalho em grupo foi escolhido para a otimização do recurso profissional, por abarcar um maior número de pessoas, e por ser o estado preferencial da faixa etária envolvida. Permite também enriquecer a "circulação da palavra". Como recursos técnicos, foram utilizados desde a comunicação verbal, materiais expressivos e desenho, material lúdico (jogos), técnicas de dinâmica de grupo e dramatização, até insumos de prevenção (preservativos e outros).
RESULTADOS: O que se observou é que há na UBS a possibilidade e a relevância de propiciar aos adolescentes, espaços de expressão e uso da palavra significativa, de relações mais humanizadas, onde a angústia seja veiculada e os conflitos e afetos manifestos mesmo que não elaborados totalmente, pelo menos trabalhados. Essas atividades operaram como um espaço de expressão de afetos, comparação de experiências vividas e socialização de "dicas" sócio-culturais.
LIÇÕES APRENDIDAS: O trabalho em saúde mental muitas vezes padece de um excesso de demanda direcionada à psicoterapia que os serviços de assistência não têm condição de absorver totalmente, e nem sempre é o mais recomendado. Assim, pensar em novos caminhos de atenção à saúde, como, por exemplo, fornecer subsídios e suporte a educadores, coordenadores e pais pode ser uma importante medida. Há cuidados de várias ordens que podem ser desenvolvidos pelas várias instâncias envolvidas: a escola, a família e o serviço de saúde. Trata-se de uma coalizão de forças, cada uma a seu modo, com a finalidade da (re)instauração da saúde mental.


 

 

Eixo Temático: Modelos de intervenção: os diferentes settings do atendimento do adolescente.

 

I. Introdução

A adolescência é aqui entendida como área com características e dinâmicas próprias, um "desafio", no qual a vida futura do indivíduo é decidida e a integração física e mental está em pauta (Ferrari 1996, p. XI).

O presente trabalho foi realizado em uma unidade básica de saúde (UBS) onde atuam profissionais de diversas áreas (médico, enfermeira, dentista, assistente social, educadora, psicóloga e outros) que dão assistência aos vários ciclos de vida, sendo o da adolescência o que têm menos afluência ao serviço. Os adolescentes que chegam à UBS — mesmo não sendo freqüentadores habituais — apresentam múltiplas demandas: depressão, dificuldade de relacionamento familiar ou social, angústias, dúvidas, gravidez não planejada, fobias e pânico. Em face disso, o serviço precisa propor modalidades de ação que acolham e atendam tais demandas, muitas vezes requerendo flexibilização e criatividade, já que o modelo clínico tradicional pode não favorecer a expressão da diversidade de necessidades desta clientela, às vezes exigindo o aporte multiprofissional.

Em decorrência, algumas modalidades de ação foram desenvolvidas, sendo relatadas aqui três atividades grupais com adolescentes nas faixas etárias: 1) 12 a 14 anos, com dificuldade de aprendizagem, ainda não alfabetizados completamente, em avaliação psicológica, 2) 16 a 21 anos, em psicoterapia, e 3) 17 a 22 anos, em promoção de saúde na escola.

O trabalho em grupo foi escolhido para a otimização do recurso profissional, por abarcar um maior número de pessoas, e por ser o estado preferencial da faixa etária envolvida. Permite também enriquecer a "circulação da palavra".

 

II. Objetivos

As atividades propostas tiveram por objetivos:

1. possibilitar a obtenção e a troca de informações e experiências a respeito das relações afetivas e sociais entre adolescentes, seus pais e professores, visando a construção de conhecimento conjunto e a diminuição da vulnerabilidade diante de situações geradoras de risco.

2. favorecer a manifestação das necessidades, idéias e problemáticas vividas pelos adolescentes.

 

III. Material e Método

Para uma melhor explanação das ações desenvolvidas, optou-se por mencionar cada uma separadamente, respeitando suas especificidades.

a) Descrição da Atividade 1: Avaliação diagnóstica

Esta atividade envolveu quatro jovens de 12 a 14 anos, com dificuldade de aprendizagem. Por solicitação da coordenação de uma Escola Estadual da área de abrangência da UBS, inicialmente são feitas coletivamente entrevistas com as mães desses alunos. Os filhos de 12, 13 e 14 anos estão na 6ª série e não estão alfabetizados, ou não completamente; por exemplo, em ditado, não há palavra compreensível.

As seguintes atividades são feitas para conhecê-los e obter dados:

- observação livre, com jogos como memória, dominó, material expressivo (lápis, lápis de cor, papel); conversa.

- desenho coletivo com história seriada.

- Hai Kai adaptado.

- Jogo de forca.

b) Descrição da Atividade 2: Psicoterapia de grupo

Trata-se de um grupo aberto, com freqüência de uma vez por semana, com uma hora de duração envolvendo cinco jovens de 16 a 21 anos, com escolaridade semelhante. No geral, terminaram o ensino médio, ou estão cursando, com expectativa de fazer Vestibular para Faculdade, com dificuldades econômicas para pagar "cursinho" ou mesmo poder prestar exame para Faculdade particular. Os que já fizeram o Vestibular não foram aprovados, e sem poder novamente pagar Cursinho, tentam estudar sozinhos. Há os que trabalham. Tem em comum o fato de serem filhos de casais separados ou ter pai falecido.

Chegam com queixas: a) depressão, decorrente de histórico anterior de fobia escolar em um caso e de gravidez atual, em outro caso; b) dificuldade de relacionamento familiar ou social; c) sentimento de desvalorização de si mesmos. São jovens com angústias, dúvidas, valores, tentando SER em nossa sociedade contemporânea. A proposta do grupo é falar do que quiser, quem quiser.

c) Descrição da Atividade 3: Promoção de Saúde - Sexualidade e Prevenção de DST, Aids e Gravidez

A UBS ofereceu ao Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério (CEFAM) uma parceria, visando a abordagem de temas que fossem de interesse dos alunos. Essa escola desencadeou, então, um levantamento de temas junto aos dos jovens, freqüentadores do 3º e 4º anos (últimos anos do magistério). Os assuntos escolhidos foram: sexualidade e tabus, estupro (abuso sexual), DST e, por último, aborto e métodos contraceptivos.

Esses jovens — em formação para serem professores de crianças — preocupavam-se com a obtenção de um saber que os instrumentalizasse pessoalmente (em relação à própria vida) e também como multiplicadores de informação aos seus futuros alunos.

Na primeira fase do trabalho, foram atendidos os alunos do 4º ano, pois sendo seu último ano no CEFAM, havia menos oportunidade em termos de sua permanência na escola. A idade desses jovens variou de 17 a 22 anos.

A atividade foi desenvolvida na própria escola, na sala de aula, ocupando o horário de duas aulas (1 hora e meia), com uma combinação prévia com a coordenadora e professores.

Foram realizados dois encontros com cada classe de alunos (ao todo, três classes), com intervalo de uma semana. No primeiro encontro, após a apresentação dos profissionais, de sua origem (UBS), e dos objetivos do trabalho, foram utilizadas as técnicas de aquecimento e de dinâmica de grupo descritas a seguir.

c1)Primeiro Encontro

A apresentação dos participantes foi acompanhada de uma associação livre por meio de palavras que eram dadas à medida que os nomes das pessoas eram falados.

 

 

Tendo como tema o início da vida sexual de uma adolescente de 16 anos, os alunos foram divididos em quatro grupos. A tarefa consistiu da elaboração de um diálogo a partir da cena: "A adolescente de 16 anos chegou e disse: eu queria conversar. Estou pensando em começar a transar". Cada grupo teria um interlocutor diferente para interagir com a adolescente:

Grupo I: Uma conversa na escola entre adolescente e a professora ou professor.

Grupo II: Uma conversa no serviço de saúde entre a adolescente e o médico ou médica.

Grupo III: Uma conversa em casa entre a adolescente e a mãe ou pai ou outro familiar.

Grupo IV: Uma conversa entre a adolescente e amigos ou amigas.

Cada grupo representava a cena desenvolvida, havendo a participação da platéia e das coordenadoras quando necessário.

c2) Segundo Encontro

Neste encontro foram enfocados os conteúdos relacionados às Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e Aids, a partir das questões que emergiram no encontro anterior. Houve a adequação do conteúdo informativo a ser transmitido ao que já era de conhecimento dos jovens. Os materiais educativos utilizados foram: álbum seriado de DST/aids, cartolina, pincel atômico, giz e lousa. Foram disponibilizados, também, insumos de prevenção (preservativos) e folhetos educativos.

 

IV. Resultados

Os adolescentes do grupo mais jovem mostram-se pouco criativos, inibidos, com "trauma de escrita", ambivalentes com relação à escola; experiência cultural limitada ; discreta manifestação de interesse por namoro e sexualidade. O grupo permitiu também observar a interação social, embora não aprofunde em cada um... No geral, opinaram que precisariam estar incluídos em atendimento psicológico. A seguir, apresenta-se um Hai Kai, produto de um dos atendimentos realizados com este grupo, feito por um dos participantes que ilustra o que se observou na atividade escrita.

 

 

Os jovens do grupo de psicoterapia também podem ser definidos pelo que "não são": não são usuários/dependentes de drogas, não tiveram problemas com contravenção legal ou autoridade policial, não são ou foram alunos com problemas de aprendizagem. Estão em busca de trabalho, amizade, relacionamento amoroso. São então trazidos seus sentimentos ou a ausência deles, face às experiências vividas, que ora são relatadas de modo espontâneo, ora pela autocensura são apenas esboçadas; e que se referem à escola, ao trabalho, nas relações com patrão, a queixas dos pais, relacionamentos que levam a encontro pessoal através da Internet, baladas, festas, algum toque discreto de sexualidade, até porque nem todos têm experiência sexual ou antes, a minoria tem ... O grupo opera como espaço de expressão de afetos (como raiva, medo), de dúvidas, comparação de experiências vividas, socialização de "dicas" sócio-culturais.

Na atividade com os alunos do CEFAM, observou-se que, apesar da UBS ser próxima da escola, muitos jovens não tinham conhecimento de sua localização e do tipo de serviço oferecido. As moças, em especial, demonstraram interesse em saber como poderiam ter acesso ao atendimento por ginecologista, para realizar prevenção de gravidez, consultas de rotina e pré-natal (já que algumas alunas estavam grávidas e outras já eram mães). Os rapazes, em contrapartida, acreditavam que o urologista seria o primeiro médico de escolha deles, caso tivessem a suspeita de uma DST. Cabe ressaltar que o número de rapazes era muito inferior ao das moças, como mostra a tabela abaixo.

 

 

No imaginário desses jovens, o profissional que poderia dar informações e esclarecimentos para suas dúvidas seria o médico "especialista", o que, de certa forma, torna o acesso mais difícil e até inviável, dado os entraves de marcação de consulta.

As atividades possibilitaram aos jovens falarem de suas próprias vidas, seus temores e angústias e os sentimentos decorrentes da vivência da sexualidade, da maternidade precoce, das inseguranças e dos projetos de vida.

Observou-se que foi possível articular parcerias entre as UBS e as escolas. Houve a possibilidade de abrir, no próprio cotidiano de sala de aula e na UBS espaço para a expressão e uso da palavra significativa, de relações mais humanizadas, nas quais a angústia pudesse ser veiculada e os conflitos e afetos manifestos mesmo que não elaborados totalmente, pelo menos trabalhados.

 

V. Considerações Finais

Ser confrontado com a primeira experiência sexual, com a gravidez não planejada, com a concorrência e o desafio de passar no exame vestibular ou obter o primeiro emprego são situações geradoras de estresse.

Considerando que "... o estresse é uma experiência universal, a maneira pela qual o indivíduo reage não depende tanto dos agentes estressantes, mas dos recursos disponíveis para lidar com eles" (BLUM, 1997). Pode-se argumentar segundo esse raciocínio, que expor os adolescentes a informações, vivências e situações por meio das quais eles possam, dramática e intersubjetivamente significar a própria existência, com seus temores, angústias e até projetos de vida, constitui um passo para diminuir sua vulnerabilidade e fortalecer sua condição para enfrentamento de riscos. Estar com eles no espaço de convivência cotidiano é uma experiência bastante satisfatória e que pode contribuir para que isso ocorra.

Desta forma, um trabalho como o que foi apresentado, por abranger um grande número de pessoas e mais de uma instituição, deve respeitar as características dos sujeitos envolvidos, bem como as regras de funcionamento internas do anfitrião, para atingir seus objetivos. No caso de se tratar do espaço escolar, há que estar atento ao calendário de aulas e de provas para não prejudicar o conteúdo programado. O trabalho deve ser planejado de forma a dar cobertura a toda a clientela envolvida, o que não foi possível nesta experiência de promoção de saúde, restando classes de penúltimo ano para serem abordadas em um trabalho posterior.

Em saúde mental, o trabalho muitas vezes padece de um excesso de demanda direcionada à psicoterapia que os serviços de assistência não têm condição de absorver totalmente, e nem sempre é o mais recomendado. Assim, pensar em novos caminhos de atenção à saúde, como por exemplo, fornecer subsídios e suporte a educadores, coordenadores e pais pode ser uma importante medida. Há cuidados de várias ordens que podem ser desenvolvidos pelas várias instâncias envolvidas: a escola, a família e o serviço de saúde. Trata-se de uma coalizão de forças, cada uma a seu modo, com a finalidade da (re) instauração da saúde mental.

Nesse sentido, autores que refletiram sobre o humano e suas vivências de sofrimento psíquico são de grande alento. Assim, com Winnicott, temos que "(...) a saúde não é fácil. A vida de um indivíduo saudável é caracterizada por medos, sentimentos conflitivos, dúvidas, frustrações, tanto quanto características positivas. O principal é que o homem ou a mulher sintam que estão vivendo a própria vida, assumindo responsabilidade pela ação ou pela inatividade e sejam capazes de assumir os aplausos pelo sucesso ou as censuras pelas falhas. Em outras palavras, pode-se dizer que o indivíduo emergiu da dependência para a independência, ou autonomia" (WINNICOTT 1967, p.10). Essa crença na capacidade do ser humano de viver a própria vida e se responsabilizar por ela, apontada por Winnicott nesse pequeno trecho, fornece inspiração e encorajamento para seguir o caminho ora proposto, não por considerá-lo miraculoso ou mágico, porém tentador e possível.

 

VI. Referências Bibliográficas

Blum, R.N. Risco e Resiliência : Sumário para desenvolvimento de um programa. Adolesc. Latinoam. v. 1n .1. Porto Alegre abr/jun. 1997.

Ferrari, A.B. Adolescência: o segundo desafio. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996.

Perez, C.A.; Blessa, C.R.B.; Gonçalves, E.M.V.; Castro e Silva, R.; Paiva, V. Fala Educador Educadora. Realização: Laboratório Organon, s.d.

Winnicot, D.W. Tudo começa em casa. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

 

 

1 Extraída da Cartilha "Fala Educador/Educadora"