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An. 1 Simp. Internacional do Adolescente May. 2005

 

Adolescência e contemporaneidade: efeitos na educação

 

 

Beatriz Cauduro Cruz Gutierra

Universidade São Marcos, Faculdade Taboão da Serra, Instituto de Psicologia USP. São Paulo

 

 

Missão Impossível.... Poderia ser o título de um filme dedicado à educação de adolescentes na contemporaneidade. Indisciplina, escolas depredadas, violência ou apatia fazem parte do "quadro-negro" que compõe o campo da educação de adolescentes.

Estamos em um tempo de declínio do valor da educação na constituição dos sujeitos, tendo em vista a sociedade de espetáculo na qual vivemos onde o importante é ter fama, sendo o saber, a cultura, quase que dispensáveis para que o jovem estabeleça o laço social e se sinta reconhecido na sociedade.

Além disso, a escola e o saber por ela veiculado perdem o valor numa sociedade marcada pelo declínio da imago social paterna.

Trata-se do declínio daquilo que no social funcionaria como referência simbólica e indicaria a possibilidade de um laço social atrelado às leis, tradições e imagens ideais. Neste sentido não são transmitidos aos jovens as leis que regulariam as relações, e o que se prega, na verdade, é o imperativo do gozo absoluto, não delimitado pela castração simbólica.

O ideal maciço transmitido à juventude é aquele que prega a satisfação narcísica. Para se realizar deve-se gozar dos objetos no aqui e agora, sem interdições que lançariam o sujeito num processo desejante. Este imperativo do gozo sob o qual estamos submetidos na modernidade situa a droga, por exemplo, como objeto de puro gozo, com um fim em si mesmo. A violência e as relações afetivas fragilizadas na atualidade denunciam este imperativo, onde na relação com o outro se baseia na usurpação dos objetos e na indiferença. O outro é puro objeto de gozo.

Os adolescentes são como "antenas parabólicas" captando este discurso e atuando-o prontamente. Os grupos de pares que até então se constituíam enquanto suportes simbólicos de identificação são, na atualidade, aglomerações narcísicas que atuam o excesso de agressividade na relação com o outro.

A escola e seus professores, em sua tentativa de transmissão de ideais (quando realmente assumem sua missão), enfrentam um sujeito adolescente imerso no discurso social que apregoa o gozo em detrimento do processo desejante mediado por ideais. Estamos diante de uma luta inglória...

Acrescida a estas condições desastrosas para a educação na contemporaneidade temos a especificidade do processo transferencial da adolescência, que traz em seu bojo um curto-circuito na suposição de saber ao Outro – Educador.

Relatos de professores de adolescentes indicam que há uma transformação no campo transferencial da relação professor-aluno quando se trata de alunos adolescentes. São freqüentes as posturas de questionamento e afronta ao professor, indicando uma transformação em relação ao saber vindo do campo do Outro. Campo este que, na infância, incluía a promessa da possibilidade "relação sexual" (enquanto encontro completo do objeto) e que na adolescência, se revela como impossibilidade desta completude, deste gozo prometido na infância. O mundo adulto e seus ideais ficam "sob suspeita".

Segundo Almeida (2000) o adolescente apresenta um "saber em excesso" que o adulto/professor já recalcou. O adolescente percebe esta falácia, o impossível incluído na relação sexual, ou seja, o impossível da completude prometida na infância. Desconfia do mundo, dos ideais transmitidos, e principalmente dos grandes representantes destes ideais do mundo adulto – os professores. Sobre a impossibilidade do controle, de chegar a resultados ideais, absolutos, completos, os adolescentes "sabem muito bem", e atuam desnudando o mestre que insiste neste impossível, apresentando-se como "Todo".

"Todo" que remete à posição dos pais da infância. Na adolescência há uma torção que implica em deixar de responder a partir da posição infantil de certa submissão e alienação aos pais para, então, tornar-se causa do desejo de um outro qualquer.

Tempo em que o jovem verifica que "há algo de podre no reino do pai". Sente que o mundo o deixou só, desconfiando daqueles que até então o tratavam como "Sua Majestade, o bebê". Há uma virada em relação ao saber vindo do Outro, em relação à veracidade e à consistência deste saber, com conseqüências marcantes para a relação transferencial com o professor.

Esta relação é permeada pela questão imaginária: até que ponto este professor é, ou não, um aliado dos pais. Diante deste mote, o adolescente passa a testar impiedosamente a consistência deste Outro/professor.

Há, também, uma enorme luta psíquica do adolescente para não sucumbir à posição infantil que implica em certa submissão aos caprichos e ingerências dos pais. Neste sentido, o professor que tenta submeter o adolescente aos seus caprichos narcísicos encontra-se diante de uma situação delicada.

Diante destas articulações podemos pensar que não há esperanças...No entanto, os próprios adolescentes nos indicam as saídas.

Em suas análises são freqüentes os comentários sobre os professores que envolvem o grupo e conseguem promover aulas interessantes, transmitindo o conteúdo formal com sucesso sendo, por este fato, respeitados pelos alunos.

Em nosso trabalho de formação de professores de adolescentes (Secretaria de Educação de Guarulhos - 2000), encontramos professores que apresentavam uma habilidade especial para lidar com os alunos adolescentes, conseguindo cumprir sua função educativa com classes que muitas vezes são um azougue quando conduzidas por outros professores.

Estes mestres de adolescentes cumprem sua função educativa, conseguindo ensinar estes sujeitos num momento tão conturbado em sua relação com os ideais e com as figuras que possam representá-los no mundo adulto.

Exercem sua árdua tarefa educativa apesar do evidente declínio na educação brasileira em razão da qual a escola tem perdido cada vez mais o lugar de respeitabilidade que possuía no passado. Tempo da modernidade onde mecanismos simbólicos que possam sustentar o lugar de autoridade do professor são quase inexistentes.

O que estes professores têm de especial? Como conseguem tornar a sua palavra interessante fazendo-se ouvir e respeitar pelo adolescente, constituindo-se enquanto uma presença significativa na vida destes alunos, conseguindo transmitir conteúdos formais?

"Uma especial posição subjetiva na transmissão..." foi o que pudemos constatar quando conduzimos nossa pesquisa consignada no livro ‘Adolescência, psicanálise e educação – o mestre "possível" de adolescentes’ (Gutierra, 2003) sobre os professores de adolescentes os quais, diante das inúmeras dificuldades de ordem social encontradas no processo educativo de adolescentes, fruto da própria dinâmica psíquica do sujeito neste momento de vida, conseguem tornar possível a sua missão educativa .

Partimos do pressuposto que esta possibilidade advém, em grande parte, de particularidades subjetivas do educador. Cabe ressaltar desde o início que esta possibilidade não se restringe apenas à subjetividade do educador. Certamente os aspectos sociais que envolvem a adolescência e a escola na modernidade influenciam sobremaneira no processo educacional dos adolescentes. Este esclarecimento inicial é de extrema importância, circunscrevendo a contribuição de nosso trabalho apenas ao que e tange à importância da posição subjetiva do educador na "possibilidade" da educação de adolescentes.

Freud (1914) nos iluminou este caminho ao afirmar que haveria algo que sustentava a afeição dos alunos por alguns mestres, e que a personalidade dos mesmos teria maior peso sobre seu gosto pelas ciências que o próprio conteúdo das mesmas:

"Minha emoção ao encontrar meu velho mestre-escola adverte-me de que antes de tudo, devo admitir uma coisa: é difícil dizer se o que exerceu mais influência sobre nós e teve importância maior foi a nossa preocupação pelas ciências que nos eram ensinadas, ou pela personalidade de nossos mestres. É verdade, no mínimo, que esta segunda preocupação constituía uma corrente oculta e constante em todos nós e, para muitos, os caminhos das ciências passavam apenas através de nossos professores".(p. 286)

Algo da "personalidade" do mestre permitia relações transferências significativas, uma corrente oculta que marcava o processo de aprendizagem.

Corrente oculta, pois estamos diante de algo que não se refere ao saber pedagógico do mestre, de suas técnicas educativas ou do conteúdo transmitido, mas sim de traços subjetivos que constituiriam para a sua missão educativa com adolescentes.

Missão situada muito além das semelhanças ou diferenças entre os métodos e técnicas pedagógicas. Há, na verdade, uma "especial posição subjetiva" do mestre de adolescente que consegue cumprir com sucesso sua função educativa.

Posição subjetiva que, segundo a psicanálise, se revela no discurso, em suas entrelinhas, nas repetições significantes, nos sentidos advindos do desdobramento discursivo, nas enunciações que se desprendem dos enunciados.

Neste sentido nossa pesquisa/livro constituiu-se na análise das entrevistas de professores de escolas públicas e particulares eleitos pos seus alunos e coordenadores como bons professores de adolescentes. A análise das entrevistas foi conduzida no sentido de verificar em seus discursos os possíveis traços que comporiam esta "especial posição subjetiva" na transmissão (baseado em artigo de Gutierra, 2002).

Apresento alguns "flashs" da análise geral das entrevistas sendo que um aprofundamento maior encontra-se no livro supra-citado.

Para estes professores o papel de mestre tem valor sendo que o lugar de professor de adolescentes apresenta-se como uma escolha essencial em suas vidas, constituindo uma nomeação, um traço de identificação marcado "a ferro e fogo". Escolha guiada pelo desejo. E é este desejo que, por sua vez, permite a sustentação do valor simbólico do papel do professor.

Uma escolha marcada pela paixão de formar: "gosto do que faço, acho que eles percebem isto"; "acho que tenho muito orgulho de dar aula". O lugar de professor compõe o Ideal-de-eu dos próprios professores. Assim a "potestade" do professor está mantida, sendo pouco abalada pelos "testes" dos adolescentes, ou contaminada pelo discurso depressivo dos colegas de profissão.

Estes professores não sucumbem à desvalorização de seu papel na modernidade, apesar de reconhecê-la. A partir deste valor simbólico atribuído ao lugar de professor, conseguem sustentar a lei e o dever na relação educativa, apresentando-se como plenamente responsáveis por sua função e exigindo esta responsabilidade dos alunos.

Apresentam ao adolescente uma dimensão de responsabilidade, confrontando-os com o discurso social, sem entrar em embates imaginários. Neste sentido, o discurso destes professores é atravessado pela certeza do valor simbólico de seu papel a partir do qual lidam com os testes dos adolescentes e com a desvalia imaginária do papel de mestre na atualidade. Caso contrário, sucumbiriam à impotência imaginária.

Estes professores sustentam seu lugar de mestria e de representantes da lei simbólica, para inserir o aluno na aprendizagem e não para submetê-lo à sua própria satisfação narcísica.

Além de tornarem seus alunos responsáveis pelo processo educativo e por suas regras, tais mestres oferecem espaço para que, dentro das possibilidades, os alunos se manifestem subjetivamente através das redações ou das discussões sobre os conteúdos ministrados e sua relação com temas da adolescência. Incluem os dizeres e opiniões de seus alunos.

Sustentam em seus discursos o valor atribuído à função do professor. Sendo o lugar do mestre um Ideal-de-Eu para o próprio professor, abrem espaço para que o aluno os coloque nesta posição essencial para que o professor possa concretizar sua transmissão.

Conseguem, então, articular lei e desejo na transmissão. Trata-se de uma articulação essencial entre o valor simbólico de sua transmissão e o sujeito desejante presente nos próprios professores e em seus alunos.

Um segundo aspecto diz respeito à escolha profissional - "ser professor" – que foi a nomeação resultante do processo adolescente de cada um dos professores. Segundo Rassial (1995) a escolha profissional é a tentativa de construção de um novo nome-do-pai, lembrando que este engendramento de novos nomes-do-pai é um processo tipicamente adolescente, processo de re-significação da história pessoal no campo da filiação e de inscrição no laço social.

É interessante notar que para a maioria dos três professores entrevistados, este processo foi atravessado pela relação com seus professores da adolescência.

Esta articulação entre a escolha profissional e o processo adolescente de cada professor tendo como figura importante professores da própria adolescência se repete claramente no discurso dos outros professores e constitui o vetor da sua relação com seus alunos adolescentes.

Assim como puderam contar com seus professores, eles se oferecem para seus alunos enquanto "adultos com quem se pode contar".

Transmitem, através da função de "amigo" – termo que se repete em todas as entrevistas - a possibilidade de que seus alunos encontrem suas próprias saídas. Transmitem a possibilidade de que os alunos percebam que "nem tudo é podre no reino do pai", sendo possível a construção de uma marca pessoal e uma nomeação que insira o adolescente no laço social.

Além disto, valorizam o conteúdo programático sempre buscando suas articulações com a vida dos alunos, com as suas experiências e necessidades. Neste sentido, a função educativa está atravessada pelo lugar de referência e de auxiliar no processo de constituição subjetiva de seus alunos adolescentes.

Acrescida à história pessoal com seus professores de adolescentes tem-se que a visão dos professores entrevistados sobre a adolescência é bastante diferenciada daquela encontrada no discurso social/escolar que circunscreve a adolescência como um tempo apenas de crise, de "aborrescência", e marginalidade.

O adolescente é visto como: engraçado, criativo, porém necessitando de atenção, esteio e referência de pessoas que possam estar num lugar de orientador (formador). Os adolescentes são encarados, ainda, como capazes de aprender, como detentores de um saber próprio. Possuem uma visão crítica sobre o mundo e são capazes de se responsabilizarem por seus atos e palavras.

São professores sensibilizados com as questões da adolescência, e que oferecem espaço para que sejam discutidas durante alguns momentos na sala de aula, sem abdicar de sua função enquanto responsável pela transmissão de conteúdos formais.

A relação destes professores com sua função e com as atividades e conteúdos transmitidos é marcada por uma extrema vivacidade. Estes professores subjetivam o conteúdo transmitido. Transmitem o conteúdo de forma viva, envolvente, pois ele é considerado importante pelo próprio professor. O resultado é a "conquista do aluno" (sic.).

Esta relação com o saber e com o ensinar, marcada pelo desejo que a torna viva, parece possibilitar a transmissão de um desejo de saber para os alunos. São professores que produzem uma transferência de trabalho, pois eles estão constantemente a trabalhar, a buscar novas significações. A relação com o ensinar é atravessada pelo aprender constante. Daí ser possível que, os alunos, olhando para um adulto em processo de re-significar e trabalhar com os conteúdos de forma viva, possam fazê-lo também, envolvendo-se com o processo de aprendizagem.

O professor também está marcado por uma "falta que o faz trabalhar para saber". Esta posição subjetiva que marca o processo desejante destes professores é transmitida na relação com o aluno. Transmite-se a possibilidade de ser mestre de um saber, ou seja, de aprender, pois a este processo é atribuído um valor subjetivo a quem está na posição de professor.

Por fim o discurso dos professores entrevistados era revelada uma articulação entre duas posições: ser professor e ser amigo, conforme ressaltamos anteriormente.

Os mestres entrevistados situam-se, sim, no Discurso do Mestre, sustentando a lei, falando de um lugar de saber. Posição discursiva que implica no não-aparecimento do sujeito da castração. Ao falar, eles crêem-se sem falhas, crêem ilusoriamente ser mestres de tudo o que dizem, assumindo um lugar de modelo e de um adulto que, diante do aluno, se supõe "Todo".

No entanto, ao convocarem o aluno e seu saber para o processo de aprendizagem, apresentam-se, discursivamente, como um mestre "não-todo" , matizados pelo Discurso Analítico, no sentido de sustentar certa castração simbólica. Colocam-se de forma a permitir que os alunos entrem no processo de aprendizagem na posição de sujeitos desejantes, capazes de ser mestres de um saber.

Mestres que, apesar de se colocarem como sabedores e como representantes da lei, conhecem seu lugar de semblante deste saber, do lugar vazio que ocupam, através do qual o aluno tecerá seu saber. Uma posição marcada pela falta – Discurso Analítico -, para que o desejo possa circular e produzir seus efeitos.

Este traço de posicionamento subjetivo parece-nos essencial no caso do professor de adolescentes. Adolescentes que sabem da impossibilidade da completude são "cruéis" com os professores que se apresentam como "todo". No caso dos professores entrevistados, nos deparamos com um adulto em posição de transmissão, advertido de que no Outro há esta falta que nenhum saber pode vir a completar, possibilitando, a partir daí, que se crie algo interessante na relação educativa.

Finalizando...Nosso trabalho com professores explicitado no livro "Psicanálise, adolescência e educação: o mestre "possível de adolescentes" (2003) permitiu que tivéssemos contato com profissionais entusiasmados, que relatam experiências extremamente positivas em sua prática, apontando para inúmeras "possibilidades" no campo da educação de adolescentes, apesar das questões da contemporaneidade e da transferência turbulenta dos adolescentes.

 

BIBLIOGRAFIA

ALMEIDA, S. F. C. (2000). O adolescente e a educação: a função (im) possível dos ideais educativos. In: O adolescente e a modernidade – Tomo II/ Congresso Internacional de Psicanálise e suas Conexões (1999) – Rio de Janeiro: Companhia de Freud.

FREUD, S. (1914) Algumas reflexões sobre a psicologia do escolar. Edição Standard brasileira das Obras Psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago Ed. LTDA, 1987, v. XIII.

GUTIERRA, B. C. C. (2002) O mestre (im)possível de adolescentes – uma especial posição subjetiva na transmissão.In: Estilos da Clínica – Revista sobre a infância com problemas. Ano VII. N'12. Dossiê: Adolescência.

GUTIERRA, B. C. C. (2003). Adolescência, psicanálise e educação- o mestre "possível" de adolescentes. São Paulo: Avercamp ed..