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An. 1 Simp. Internacional do Adolescente May. 2005

 

Oficina de Atividades e Projetos: um espaço para conhecer os problemas e as perspectivas escolares e de trabalho de adolescentes trabalhadores

 

 

Roseli Esquerdo LopesI; Diana Basei GarciaII; Paula Giovana FurlanIII; Carla Regina SilvaIV

IProfessora Adjunta do Departamento de Terapia Ocupacional e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)
IIGraduanda do Curso de Terapia Ocupacional da UFSCar e Aluna do Programa Unificado de Iniciação Científica da UFSCar
IIITerapeuta Ocupacional do Núcleo UFSCar do Projeto Metuia e aprimoranda em Planejamento e Administração dos Serviços de Saúde pela UNICAMP – SP
IVTerapeuta Ocupacional e Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSCar

Endereço

 

 

APRESENTAÇÃO

Este estudo integra a pesquisa Problemas e Perspectivas Escolares no Cotidiano dos Meninos e Meninas Trabalhadores da UFSCar, do Laboratório Metuia do Departamento de Terapia Ocupacional da UFSCar. Esta pesquisa se debruça sobre as condições de vida, os problemas e perspectivas de estudo e vida escolar, bem como de trabalho de adolescentes de grupos populares. Esses adolescentes trabalham na UFSCar por meio do convênio desta com uma instituição de assistência social e educacional de São Carlos (SP), o Círculo de Amigos do Menino Patrulheiro (CAMP), e são conhecidos como Patrulheiros. Neste convênio, é estipulado que o adolescente esteja obrigatoriamente estudando para poder trabalhar e lhe é permitido permanecer até dois anos na UFSCar; isto pode ocorrer desde a sua entrada, a partir dos 14 anos, no curso preparatório oferecido pelo CAMP, e a idade máxima é de 18 anos.

Na referida pesquisa, foram utilizados diversos recursos para coletar informações acerca do universo escola/trabalho daqueles meninos e meninas. Dentre esses recursos, foi aplicado um questionário que pretendeu alcançar a todos os 61 Patrulheiros, abordando temas como o CAMP, a escola, o trabalho, a família, a condição sócio-econômica e as expectativas de futuro. Responderam a esse questionário 96.7% dos adolescentes (59). Após essa etapa, foram sorteados, aleatoriamente, 12 adolescentes para a realização de entrevistas individuais em torno destes temas e para a participação na Oficina de Atividades. Nesse espaço, buscou-se apreender como aquele universo está inserido no cotidiano dos adolescentes, seu significado, o que pensam e sentem a respeito, além de proporcionar-lhes oportunidade de reflexão e trocas. Dos 12 meninos e meninas convidados, 11 participaram da Oficina, divididos em dois grupos, garantindo-se a participação igualitária em termos de gênero. Foram realizadas, em cada grupo, 16 horas de Oficina, divididas em três dias de encontro. Utilizaram-se atividades como fotografia das escolas em que estudam, montagem de telejornal, colagem, modelagem de massinha, debate de música, entre outras, com os temas: escola, trabalho e perspectivas de futuro.

O trabalho que aqui trazemos mostra os dados coletados nesta Oficina de Atividades, bem como algumas de nossas análises e reflexões. O que nos importa colocar aqui é o que esses meninos e meninas estudantes e trabalhadores têm a nos dizer.

 

A ESCOLA

A escola é considerada um elemento importante na vida desses adolescentes. Sua importância se relaciona com a busca da melhora da condição de vida. Nas palavras de uma das adolescentes: "sem ela [;a escola] não somos nada, pois se já com ela está difícil, imagina sem". Isto também é demonstrado no estudo feito por Abdalla (2004) com estudantes do período noturno.

Completar o ensino médio já não é visto como suficiente para acessar o mercado de trabalho e/ou para um bom emprego. A escolaridade mínima exigida não é mais o ensino fundamental, e essa preocupação por um emprego é comum entre esses adolescentes. A competitividade no mercado de trabalho já demanda o ensino médio, conhecimento de informática e língua estrangeira (Abdalla, 2004). Ocorre que apesar dessa importância reconhecida, o desânimo de ir, freqüentar e estudar nessa escola, e, além disso, pensar sobre essa escola é geral. Isso já é conhecido. Mas o que esses adolescentes, que trabalham o dia todo e, ainda, à noite, freqüentam a escola, têm a nos dizer? O importante aqui é atentarmos em como é percebida e significada essa ida à escola pelo adolescente em seu cotidiano.

ESTUDAR E TRABALHAR

Esses adolescentes trabalham todos os dias, das 8 horas da manhã até às 17 horas da tarde. Alguns, quando saem do trabalho conseguem ir até as suas casas, tomar banho e jantar; outros vão direto para a escola e as aulas começam às 19 horas. A reclamação dessa dupla jornada escola/trabalho foi muito presente em nossas discussões durante as Oficinas. Expressaram a vontade de sair deste cotidiano trabalho/escola, pois estão cansados de estudarem e trabalharem todos os dias. A maioria sente que seu dia-a-dia é muito corrido e não vê a hora do final de semana chegar para descansar e se divertir. Chegam cansados do trabalho na escola e, segundo eles, estão exaustos para raciocinarem. Isso mostra que o trabalho se sobrepõe à escola, e que é preciso estar disposto no trabalho pela responsabilidade exigida, enquanto que é possível faltar à aula, "matar a aula", dormir na classe, não prestar atenção na aula ou ficar no portão da escola. No estudo de Fonseca (2003), os adolescentes também relataram a questão do cansaço no dia-a-dia e a dificuldade de conciliar o trabalho de oito horas com a escola, com um turno de quatro horas, geralmente à noite.

Os Professores do Período Noturno

Além do cansaço físico, que dificulta o envolvimento nas aulas, a qualidade do ensino noturno, tanto criticada por esses adolescentes, só aumenta o desânimo com relação à escola. O ensino noturno é considerado muito pior que o ensino dos outros períodos. Isso porque os professores não cobram dos alunos o estudo. Eles dão notas boas para os alunos sem eles terem estudado o suficiente, sem realmente avaliá-los. Basta estar presente na aula. Relatam que os professores já chegam cansados para ministrarem as aulas. Eles, como os alunos, já trabalharam a maior parte do dia o que faz com que esses docentes acabem por não cobrá-los a participação efetiva em sala e nas tarefas e, também, permite que não se dediquem à explicação mais consistente da matéria. A partir do relato de um menino, os professores se desanimariam devido ao desinteresse da maior parte dos alunos pela escola. Na reflexão desses adolescentes, durante a Oficina, a maioria dos alunos não quer saber mais de estudar; somente alguns professores são mais rígidos e os incentivam a estudar, o que é avaliado de forma positiva.

O estudo no período diurno é considerado melhor, pois os professores seriam mais rígidos e por isso incentivariam os alunos a estudarem. Como dito anteriormente, isto recebe um significado positivo que deve ser aplicado também à escola, que deveria ser mais firme ao mesmo tempo em que efetivamente fornecesse aos alunos os conhecimentos e informações necessários acerca do mundo atual. Os conhecimentos e informações oferecidos são vistos como insuficientes. Esses adolescentes prefeririam estudar durante o dia; somente dois disseram que é melhor estudar à noite, justamente aqueles que demonstraram menos interesse em freqüentar a escola. O fato de eles preferirem um professor "exigente/interessado" a um "condescendente/desinteressado" pode ser um indício que na verdade eles almejam um professor efetivamente presente, que se preocupe com eles, que lhes ensine algo, diferentemente do que esses alunos têm sentido: um professor desinteressado por eles e por seu ofício, despreocupado, ausente e que, na maioria das vezes, só se relaciona com os alunos nos enfrentamentos, que muitas vezes, nesse contexto, se tornam inevitáveis, carregados de autoritarismo.

A Escola Pública e a Escola Particular

A comparação entre a escola pública e a particular não poderia deixar de estar presente. Na visão daqueles adolescentes, na escola particular os alunos têm mais tempo para estudar, já que não trabalham. Podem ir à escola de manhã e estudar à tarde, ou vice-versa. Certa melancolia acompanha esses relatos. Ou seja, a tristeza de saber que enquanto eles têm que trabalhar o dia todo, e ainda ter que freqüentar uma escola à noite, tão deficitária, outros jovens da mesma idade, têm o dia todo para a escola e para o estudo; passam a maior parte do dia na escola, uma escola particular, considerada boa, e não se preocupam em trabalhar para comprarem suas próprias coisas ou ajudar à família. Fonseca (2003) observou que para vários adolescentes de seu estudo, o trabalho é uma maneira de adquirir bens e produtos associados ao prazer e ao bem-estar que muitas vezes a família não pode proporcionar.

A Direção da Escola

A Direção das escolas foi alvo de muitas críticas. Para os adolescentes ela cria regras desnecessárias, impondo proibições desnecessárias, regras não claras em um processo em que a discussão e a participação dos alunos não ocorre. Espera-se apenas que eles as obedeçam e cumpram sem saberem o porquê. Um adolescente falou que em sua escola não é permitido usar boné, mas pode usar touca. Há regras excessivas, até com as roupas. Reconhecem que são necessários limites, mas muitas vezes esses limites são por demais estreitos. Ou seja, a direção muitas vezes, opta por lidar com esses meninos e meninas, que possuem desejos, vontades e idéias muitas vezes contrárias e que trazem conflitos, de forma a impor seu poder de determinação, tornando-se autoritária. Na visão dos adolescentes, parece que a direção às vezes dita coisas e nem sabe avaliar se aquilo é realmente importante e justo no momento. Uma adolescente contou que uma vez estava passando mal e estava sentada no banco do corredor da direção. Sua mãe foi buscá-la e estava esperando na porta mais próxima desse corredor, em que passam somente os funcionários da escola. A diretora não a deixou passar por lá, por ela ser uma aluna, e mandou ela ir por outra porta, mais longe e que passava pela bagunça dos alunos. O que chateou a adolescente foi o fato da direção não avaliar a possibilidade dela sair pela porta mais próxima.

O diálogo entre alunos e diretores parece estar ausente. Um menino contou que a direção da sua escola há muito tempo, arrecadou dinheiro nas salas de aulas, a fim de construir uma cobertura da quadra esportiva. A quantia arrecadada foi considerável, visto que todos queriam essa cobertura. Ocorreu que a cobertura nunca foi feita, mas não foram explicadas as razões da não construção ou do uso/desuso do dinheiro.

A direção não sabe o que fazer e não tem mais alternativas com os alunos que não obedecem às regras da escola, segundo os adolescentes. Um dos meninos relatou que a diretora da sua escola sempre chama a polícia para resolver o caso de alguns alunos que não entram para as aulas e permanecem na porta da escola; contou que na mesma semana da Oficina de Atividades, a diretora chamou a polícia, que levou um aluno (aluno este que já foi várias vezes para o NAI - Núcleo de Atenção Integrada - serviço ligado ao poder judiciário na cidade) para um lugar perto da escola e o agrediu fisicamente. É muito comum e freqüente a polícia levar os alunos para esse lugar, segundo esse adolescente, assim como a direção tem conhecimento disso.

Ao mesmo tempo, houve reclamações de alguns sobre a postura da direção, que deveria ser mais "firme" com os alunos. Essas reclamações parecem traduzir a situação da direção, que não consegue conter o desânimo de muitos alunos em freqüentar essa escola noturna. O espaço social na escola se torna caótico pelo (mal) uso que fazem do espaço físico, com depredações, pichações; alguns alunos não se comportam de maneira adequada na sala de aula, não permitindo que outros alunos prestem atenção nas aulas. Assim, o aluno desinteressado pela escola expõe concretamente o que sente e pensa, interferindo na dinâmica geral que envolve a todos. A postura e o comportamento dos colegas da escola foi bastante discutido. Para esses meninos e meninas, não adianta só os professores e diretores mudarem, os alunos também precisam mudar. Isto vai na mesma direção apontada por outros estudos que colocam a escola como uma construção coletiva de vários atores.

Outras Vivências e Oportunidades na Escola

Muitos adolescentes que participaram das Oficinas valorizam espaços diferentes/não-convencionais (além das matérias tradicionais e obrigatórias) nas escolas como comunicação e rádio, salas de informática, grafitagem, teatro, discussões de filmes. Porém, são espaços limitados nos horários ou que acontecem esporadicamente. Quando questionados a respeito do que gostariam que a escola oferecesse ‘a mais’ para eles, além do ensino comum de qualidade, um adolescente se manifestou e disse que sente falta de espaços como os elencados acima, pois durante o período escolar, o adolescente vai formando sua personalidade na medida em que vai se relacionando com os amigos e disse que sente falta de um espaço para discutir essas mudanças. Uma outra adolescente se referiu à Oficina, dizendo que poderia ter um espaço como esse na escola. Outras reclamaram que suas escolas ofereciam gincanas e essas proporcionavam um momento em que havia maior integração entre os alunos e também entre alunos e professores, mas que isso não tem mais ocorrido. Apesar desses comentários, foi difícil para eles imaginarem esse espaço, essa escola que proporcionaria coisas diferentes daquelas que estão acostumados. Chegaram mesmo a dizer que talvez não tivessem tempo para essas coisas.

Quando questionamos a respeito da escola ideal, como ela seria, pensar nessa escola foi difícil. Igualmente à pesquisa de Abdalla (2004), a crítica à escola aparece e os adolescentes desejam uma escola melhor, diferente e agradável, mas não sabem exatamente o que isso significa com relação a mudanças concretas.

Disseram que a maioria das matérias é inútil, e que a maneira de aprendizado não deveria ser "decorar a matéria", o que costumam fazer. O professor acaba ocupando toda a lousa, com fórmulas e mais fórmulas, dando muitas lições, sufocando os alunos, proporcionando ainda mais o desinteresse por aprender, sendo preenchido pela necessidade de decorar. Com tudo isso que envolve o aprendizado, não sentem que estão preparados para a vida quando saírem da escola. Alguns adolescentes expõem que discussões sobre as atualidades ou discussões dos filmes que assistem na escola poderiam trazer mais conhecimento do que apenas ouvir o professor falar e copiar a tarefa da lousa.

Realizamos uma atividade de telejornal em que eles interpretaram personagens de uma escola, como diretora, professores, alunos, repórter e apresentador de telejornal. Filmamos e em seguida assistimos juntos ao material. Eles escolheram os personagens e quem iria interpretar qual papel. Como foram dois grupos, houve dois vídeos diferentes. Interessante é que os personagens escolhidos, bem como suas falas, refletiram um misto da visão dos próprios adolescentes que os interpretaram, conforme foi percebidos no decorrer da Oficina, com a reprodução do discurso dos personagens interpretados – em uma evidente reprodução de valores, muitas vezes questionados por eles.

No vídeo de um dos grupos, a "diretora" disse que a cada ano o aproveitamento dos alunos está pior, pois não há incentivo por parte dos professores, dos alunos e dos pais. Em outro, a "diretora" disse que o ensino depende dos alunos e professores, e os alunos precisam ficar quietos para os professores ensinarem; os alunos não têm educação e respeito. Para ela, os adolescentes são os piores, pois a adolescência é a pior fase das pessoas. Neste discurso, a responsabilidade pela qualidade do ensino estar ruim é do próprio do adolescente, de resto um jargão bem difundido entre nós.

O "professor" disse que os alunos da noite faltam muito por causa do trabalho e faltam principalmente perto do fim de semana e disse que a escola à noite não está motivando os alunos. É necessário oferecer algo a mais, para continuar mantendo-os na escola. No outro vídeo, a "professora" disse que os alunos de antigamente respeitavam mais porque a direção era mais rígida e eles tinham mais medo da autoridade; hoje em dia há o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90) e por isso eles estão mais relaxados e pensam que podem mandar na escola. Esses discursos mostram um professor que responsabiliza o trabalho/emprego pela falta dos alunos à escola, mas que também diz que o ensino noturno não está motivando os alunos. É importante refletir acerca do que realmente faz com que os alunos faltem às aulas: o trabalho ou o desinteresse pela aula, pela escola noturna, ou ambos? Já a outra "professora" critica a falta de respeito dos alunos. O ECA é visto como negativo e aparece como um instrumento utilizado pelos alunos para fazer o que quiserem na escola. Sobre isso, na discussão pós-vídeo, disseram que tinham ouvido falar isso a respeito do ECA, mas que de fato não o conheciam e nunca o leram.

O "aluno" de um vídeo foi representado por um garoto que repetiu várias vezes sua série e que só bagunçava a sala de aula. Ele disse que os professores são chatos e que ensinam muita bobagem e que ele estava lá só para explodir vasos sanitários. No outro vídeo, um outro "aluno" disse que o professor tem falhado muito com os alunos, mas na maioria das vezes são os alunos que falham com os professores, com a bagunça e falta de atenção nas aulas. Um outro "aluno" disse que a escola pública não incentiva suficientemente o aluno a continuar estudando depois do término do ensino médio. Disse também que a maioria dos professores é "nariz empinado" e "não dão bola pros alunos", para ele os professores só se importam em repassar o conteúdo, em jogar a informação, o que contribui para os estudos, mas não para o preparo real para a vida. Essas falas são importantes na medida em que mostram a insatisfação também da conduta de colegas, além da do professor. A conduta desses alunos "problemas" reafirma o descontentamento desses adolescentes com essa escola, como já foi dito anteriormente. Por outro lado, a distância referida entre professor e aluno esteve sempre muito presente para os adolescentes com os quais trabalhamos.

Assim como Abdalla (2004), notamos o desejo dos alunos freqüentarem uma escola limpa, interessante, que contribua para sua formação como estudante e como pessoa em desenvolvimento, com regras justas, com professores e diretores interessados em construir um diálogo, e com alunos que respeitam este espaço.

 

O TRABALHO

De uma forma geral, o trabalho é sentido de maneira satisfatória por esses meninos e meninas. Mas nem por isso tudo é considerado bom, aliás, é bem diferente disso. Mas apesar de todas as dificuldades e aspectos negativos, eles estão felizes por estarem trabalhando e acham que este trabalho, neste momento da vida, pela experiência obtida, pode vir a facilitar o acesso ao emprego posteriormente. Outros estudos relatam essa referência positiva dos adolescentes ao trabalho, mas que isso não significa que estejam plenamente satisfeitos com esse mesmo trabalho (Abdalla, 2004; Fonseca, 2003).

Poucos se percebem integrados ao grupo de trabalho. A maioria desses adolescentes refere certo sentimento de exclusão com relação aos demais funcionários do seu local de trabalho. Esse sentimento se deve ao que definem como um tratamento inferiorizante recebido, à má vontade dos outros funcionários em ensinarem o serviço a ser feito, à maneira muitas vezes indelicada e grosseira com que são abordados e que leva até mesmo ao pedido de se retirarem de seus espaços de trabalho quando há a presença de outros funcionários e/ou professores.

Esses jovens trabalhadores, no cotidiano da Universidade, percebem como sendo comum responsabilizarem os "Patrulheiros" quando algo de errado acontece; muitas vezes sabem que não são eles os culpados ou responsáveis e sim as próprias pessoas que os culpam – embora quase nunca sejam efetivamente ouvidos nessas ocasiões. Isso se explicaria pela posição e pelo cargo inferior que ocupam. Na verdade, essa imagem se estende a tal ponto, que foi dito por esses meninos e meninas, que os "Patrulheiros" são "mal falados". Fonseca (2003) traz em seu estudo que:

"os adolescentes trabalhadores não têm consolidada a noção da importância do seu trabalho na instituição. Acolhem e reproduzem muitas vezes um discurso discriminatório, que tende a desqualificar a sua força de trabalho, baseado principalmente na transitoriedade e na ‘pouca experiência’" (Fonseca, 2003, p. 104-105).

Um dos meninos confeccionou uma marionete em uma das atividades da Oficina e disse que "os Patrulheiros são bonecos para eles, e fazem tudo o que os outros querem e mandam". O fato de o adolescente poder ser dispensado a qualquer momento contribui para a percepção do adolescente trabalhador como o lado mais fraco da situação de trabalho ou em um conflito.

Por vezes referem sentir que seu trabalho não tem importância para os outros funcionários, ou para eles mesmos, assim como dizem querer aprender a fazer serviços mais elaborados. Para ilustrar essa percepção trazemos aqui o relato de uma adolescente reclamou que sente falta de aprender mais, pois até os ofícios são ditados para ela, não existindo a oportunidade dela aprender a fazer sozinha para depois corrigirem. Esta mesma menina disse que não sabe o que faz lá em seu trabalho, já que não faz quase nada (o que é incomum, pois esses meninos e meninas trabalham muito, principalmente indo e vindo à pé pelo campus levando e trazendo documentos). Perguntamos porque ela achava que a tinham contratado e ela respondeu que era para ter alguém atendendo ao telefone, já que os outros dois funcionários que trabalham com ela nunca estão lá. Isso só mostra que ela não percebe seu trabalho como sendo relevante (e atender ao telefone, anotar e repassar mensagens é extremamente importante no contexto do trabalho da Universidade) e que poderia fazer dele um momento mais produtivo para descobertas de novas habilidades.

Todos disseram fazer serviços particulares, ou seja, pessoais de seus superiores, mas não reclamaram disso, como se isso fosse natural; dizem que "não custa nada" fazê-los. Um adolescente relatou que trabalha para todas as secretárias, mesmo sendo contratado apenas para a secretaria da chefia do departamento em que está. Fonseca (2003) discute o aproveitamento do adolescente em serviços de outros funcionários e que, por vezes, não há um regulamento das tarefas específicas do adolescente, o que proporciona este aproveitamento e o desempenho de várias funções além daquelas para as quais tinham sido inicialmente contratados. E para os adolescentes parece ser natural essa sobrecarga de serviço que lhes é atribuída.

Há os meninos e meninas que trabalham com atendimento à comunidade da UFSCar. Esses reclamaram do tratamento recebido por parte dessa comunidade, que muitas vezes os trata mal e duvida das suas capacidades; isso os aborrece, seja vindo dos que trabalham junto com eles ou das pessoas de fora. Uma das meninas contou que em seu trabalho, quando atende ao telefone, por ser uma "Patrulheira", às vezes pedem para falar com a secretária, não querendo falar com ela. Porém possui, no seu enteder, as mesmas funções que a secretária, ficando chateada com essas atitudes. Por outro lado, quando seus superiores os tratam bem, os respeitam e valorizam, ou oferecem-lhes ‘agrados’ como, por exemplo, um almoço, eles passam a projetar uma identificação afetiva familiar, e não uma relação profissional satisfatória; seus chefes ganham significados familiares, uma "segunda mãe" em geral.

 

AS PERSPECTIVAS DE FUTURO

Para conhecermos as idéias de futuro desses adolescentes, foi realizada uma atividade de entrevista em dupla, no qual cada um entrevistou e foi entrevistado por seu par. Essas perguntas se referiam ao trabalho, ao estudo, à família daqui a 12 anos, ou seja, quando todos deverão estar entre 27 e 29 anos. Dos 10 participantes desta atividade, 8 disseram que teriam cursado uma faculdade. Entre as profissões que estariam exercendo apareceram: juíza, engenheiros, jornalista, físico, vocalista de banda, médica, educadora física, contadora. Os que não fizeram um curso superior, trabalhariam em uma loja de informática, teriam uma revendedora de veículos, teriam uma loja de autopeças. Em outra atividade, uma das meninas (que não participou da atividade mencionada anteriormente) disse que não quer fazer um curso superior e sim um curso técnico. A satisfação com o trabalho estaria presente para todos, para quem fez ou não um curso superior, e todos teriam um trabalho.

Esses desejos e sonhos de sucesso não se limitam ao trabalho. A família é algo que apareceu construída de forma estável e todos pareceram satisfeitos nas casas e bairros em que iriam estar morando.

Em seu estudo, Matheus (2002) percebeu que as expectativas desses jovens podem estar atreladas à intenção de buscar novas formas de inserção social que lhes pareçam viáveis e que, muitas vezes, preferem eleger metas que lhes pareçam acessíveis, como constituir família e ter uma profissão ou um emprego. Podemos visualizar isso com algumas frases dos adolescentes a respeito de suas expectativas de futuro:

Os adolescentes disseram que suas expectativas, seus sonhos podem acontecer nas suas vidas, no futuro, que não era impossível, mas que teriam que lutar muito, despender muito esforço para isso.

 

ALGUMAS CONCLUSÕES

Pôde-se perceber, através das falas, das atividades realizadas, das visitas às escolas, que, do ponto de vista imediato desses adolescentes, a escola e o trabalho não se constituem espaços de pertencimento, de descoberta de vocações e de desenvolvimento de habilidades.

Não há espaço de criação, de descoberta de dons, de talentos. Não há espaço de escuta, de diálogo e nem de construção coletiva ou grupal.

Não há um sentido de pertencimento a esses espaços, levando-os a um sentimento de exclusão nos locais do seu cotidiano mais direto.

Mas há, por outro lado, uma esperança de futuro e uma percepção de que a formação escolar é importante; apesar de suas escolas reais serem, na maioria das vezes, muito desinteressantes e pouco agregadoras de bens a que almejam. Sabem que seu empenho e esforço pessoal serão necessários, embora vislubrem que não serão suficientes, para que acessem uma vida adulta mais plena.

Dito de outra forma há muito que fazer para que esses e outros meninos e meninas brasileiros, estudantes e trabalhadores, se tornem protagonistas de seus destinos e daquilo que vivenciam todos os dias.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABDALLA, Vilma. O que pensam os alunos sobre a escola noturna. São Paulo : Cortez, 2004.

FONSECA, João César de Freitas. Adolescência e Trabalho. São Paulo: Summus, 2003.

MATHEUS, Tiago Corbisier. Ideais na Adolescência: falta (d)e perspectivas na virada do século. São Paulo: Annablume: Fapesp, 2002.

 

 

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