2Oficina de Atividades e Projetos: um espaço para conhecer os problemas e as perspectivas escolares e de trabalho de adolescentes trabalhadoresEspaços de convivência e ação: conexão entre saúde, educação e cultura author indexsubject indexsearch form
Home Pagealphabetic event listing  





An. 1 Simp. Internacional do Adolescente May. 2005

 

Os adolescentes e a escrita íntima em blogs

 

 

Cairoli Lopes, PriscillaI; Poli, Maria CristinaII

Grupo de Pesquisa em Psicanálise. Programa de pós-graduação da Faculdade de Psicologia da PUCRS
IMestranda do grupo de pesquisa em psicanálise da PUCRS
IICoordenadora do grupo de pesquisa em psicanálise da PUCRS

 

 

O presente trabalho constitui parte do projeto de mestrado que versa sobre a escrita, realizado no Grupo de Pesquisa em Psicanálise do Programa de Pós-graduação da PUCRS.

Historicamente, o recurso da escrita vem sendo utilizado como uma forma de expressão e construção da subjetividade. Pensando na adolescência, momento de passagem no qual acontece uma perda do lugar desde onde o sujeito se significava, a escrita pode ser compreendida como um veículo que possibilita ao adolescente expressar o que não está podendo comunicar de uma outra forma, constitui-se assim como um recurso de linguagem num código social, discursivo.

O avanço tecnológico e a difusão da Internet possibilitaram que muitos adolescentes começassem a escrever seus diários online, nos chamados "blogs", passando assim, dos diários e agendas tradicionais a páginas online, que podem ser acessadas livremente. Muitos adolescentes expõem uma parte de suas vidas nesse espaço cibernético, escrevendo seu perfil, poesias, pensamentos, protestos, colocando fotos, e esperam de quem os lê, os comentários. Há uma abundância de cores, imagens, e inclusive, foi criada uma linguagem característica compartilhada pelos adolescentes para a escrita nos blogs.

O termo blog tem sua origem numa contração de web, que significa página na Internet, e log que vem a ser diário de bordo. Conforme Schittine (2004), em seu estudo Blog: comunicação e escrita íntima na Internet,, a idéia de diário íntimo surge a medida que os blogueiros costumam expor sua intimidade neste espaço cibernético, assim a palavra blog condensaria em si mesma uma contradição.

Considerando-se esse fenômeno, surgiu o questionamento a respeito desta forma contemporânea de subjetividade durante o processo adolescente, desta escrita virtual praticada pelos adolescentes, que vem a constituir-se num modo de comunicação contemporânea crescente, entrelaçando o privado e o público.

Desta forma, nossa pesquisa pretende investigar o processo de escrita do adolescente, enquanto sujeito do inconsciente, através destes chamados diários da pós-modernidade, interrelacionado à construção de um sujeito da experiência. Esse entendimento será realizado à luz da teoria psicanalítica.

Nesta perspectiva busca-se responder aos seguintes questionamentos: que função, no processo de constituição do sujeito adolescente, possui esta escrita lançada no espaço virtual? De que forma pode-se pensar as condições de endereçamento na inter-relação singular/ coletivo? O que representam os comentários, deixados por aqueles que lêem os blogs, os quais os adolescentes tanto esperam e solicitam?

Sendo o papel da escrita de grande relevância na constituição do sujeito e, tendo em vista a escassez de estudos referentes à mesma, compreende-se a importância de uma investigação aprofundada nas questões teórico-clínicas da relação da escrita com o adolescente, enquanto suporte nesse momento de construção do sujeito.

Do ponto de vista teórico pode-se assinalar algumas questões relacionadas às mudanças vividas na adolescência, enquanto evento subjetivo, num enlace com a escrita, pensando-se esta como uma forma de comunicação encontrada pelo sujeito adolescente, neste momento de passagem.

Partindo dos postulados de Freud (1905/1969), as transformações presentes na puberdade, vem a colocar o jovem no caminho da genitalidade. O ponto inicial dos processos psíquicos tem sua partida na desorganização subjetiva do jovem diante do aumento da libido e da excitação sexual, frente aos quais sobrevem a reatualização das fantasias incestuosas que, no mesmo momento em que são repelidas e superadas, exigem do jovem o dolorido desligamento da autoridade dos pais, que vem a ser considerado como um dos feitos psíquicos mais dolorosos deste momento.

Após o Édipo, é na adolescência que o sujeito encontra-se verdadeiramente com os limites da onipotência infantil. As mudanças da puberdade vêm transformar o corpo da infância, tornando-se necessário reconstruir uma imagem do corpo que compreenda esta genitalidade nova. Então, quando o adolescente descobre o logro da promessa edípica, acontece uma queda das identificações com os pais imaginários, o que o leva a um afastamento destas figuras. Desta maneira, não se pode pensar na adolescência sem remeter-se à castração, uma vez que o trabalho que a representa é o da tentativa de elaborá-la de alguma maneira (Alberti, 2002, 2004; Rassial, 1997).

Neste encontro com o real das modificações purbertárias e das novas exigências frente ao social, o adolescente tem o seu eu, os ideais e o mundo da infância transtornados. A adolescência pode ser pensada enquanto um trabalho psíquico, já que este choque com o real ainda não possui simbolização (Ruffino, 1993).

A contestação da palavra dos pais e a saída do lar familiar rumo ao laço social levam a necessidade de encontrar outras referências além das parentais, ou seja, fazem exigência a uma nova construção identificatória. Neste momento, os adolescentes contemporâneos lançam mão de algumas estratégias como forma de assegurar uma marca de identificação. É neste contexto que podemos situar a escrita como uma nova língua para a circulação (Lima, 2003b; Rassial, 1997).

Assim, na passagem adolescente acontece uma mudança de endereço, pois a posição infantil e os laços familiares são deixados pelo sujeito para que este possa inclinar-se, noutra posição, aos laços em que procurará inserir a sua atividade pulsional (Oliveira, 2004).

Lembremos que para Rassial (1999, p.45), "a adolescência é o momento lógico de construção do Sinthoma", que como explicam Poli e Becker (2004) seria a busca por criar novas significações e novas referências, isto é, compor um novo elo entre o discurso (o Outro) e a pulsão. As modificações na instância do Outro e na imagem do corpo levam o adolescente a empreitada de recompor a imagem especular, o estágio do espelho, reinscrevendo voz e olhar.

Conforme Ana Costa (2004), a escrita bem como a música para o sujeito adolescente são maneiras de se situar em relação a um desamparo corporal. Nessas duas experiências nos deparamos com os traço que situam esses dois objetos pulsionais privilegiados na adolescência: o olhar e a voz. Eles constituem um suporte do corpo infantil para o corpo adulto.

Nesse sentido, compreende-se que a escrita nos diários, bem como nas autobiografias, pode se apresentar como uma forma de procurar uma significação que possa dar conta dessa experiência.

Como demonstra Teixeira, em seu estudo sobre escrita autobiográfica e construção da subjetividade, através de relatos autobiográficos, o sujeito estaria buscando dar conta de questões sobre sua própria existência. Deste modo, através do escrever pode-se vivenciar uma experiência de construção de si mesmo (Teixeira, 2003).

Seguindo esta idéia, identifica-se que a escrita possui resíduos não assimilados por quem escreve. Sendo assim, por meio do escrever, o sujeito busca dar conta de algo que não tem registro, isto é, faz um ato que possua o valor de um registro. Na adolescência, a escrita pode funcionar como suplência, e o adolescente buscaria através por meio dela, comunicar o que se apresenta como incomunicável (Costa, 2001).

Então, na operação adolescente, que demanda novos significantes ou, pelo menos, busca construí-los, o sujeito, através da escrita, pode criar para si condições da ordem do simbólico, já que aquele que escreve dialoga consigo mesmo, tratando-se de uma escrita do íntimo (Bittencourt, 1999; Rassial, 1999).

Através da marca simbólica de uma identificação imaginária, isto é, segundo a expressão de Celina Lima (2003a), quando o sujeito que escreve torna-se um prisioneiro gramatical no "eu da escrita", passa a dar consistência ao "tu do endereçamento". Assim, o escrever é um exercício que se fundamenta como um operador possível à validação do lugar do Outro.

Deste modo, pensando com Ana Costa (2001), o diário situa um campo simbólico de compartilhamento de enigma, um lugar de passagem de uma língua a outra, onde o adolescente pode circular entre a casa dos pais e o grupo de iguais. É neste momento, que a escrita retrata uma mudança de endereço, que é conseqüência de um conflito em reconhecer um lugar próprio.

Desta forma, na adolescência, onde o sujeito está a procura de um espaço para existir, ele pode descobrir na escrita, "um ponto de ancoragem", numa feliz expressão de Lima (2003b). Porém para que isto ocorra, ele terá que produzir um certo estilo. A linguagem da Internet pode ser uma das diferentes manifestações que revelam este esforço dos adolescentes, que constróem montagens de representação que possam lhes conceder uma marca no social.

 

Referências

Alberti, S. (1999). Esse sujeito adolescente. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos.

Alberti, S. (2002).O adolescente e seu pathos. Psicologia USP, 13,183-202.

Alberti, S. (2004). O adolescente e o Outro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

Bittencourt, E. (1999). A escrita do "íntimo" serve de topologia para a ética do desejo? In Congresso Internacional de Psicanálise e suas conexões: o adolescente e a modernidade (pp. 99-107). Rio de Janeiro: Companhia de Freud.

Costa, A.M. (2001). Corpo e escrita: relações entre memória e transmissão de experiência. Rio de Janeiro: Relume Dumará.

Costa, A.M. (2004) A transicionalidade na adolescência. In Costa, A.M., Backes, C., Rilho, V., Oliveira, L.F.L. (Orgs.) Adolescência e experiência de borda, (pp.165-193). Porto Alegre: Editora da Ufrgs.

Lima, M.C. (2003a). A construção do corpo feminino e o olhar do outro: o diário como a escrita do "tornar-se mulher". In Anais do III Encontro de Pós-graduação e Pesquisa da UNIFOR: Vol. 3. (p.22-22). Fortaleza: Gráfica da UNIFOR.

Lima, M.C. (2003b). Corpo em escrita: considerações acerca da linguagem alegórica como dispositivo de construção do sujeito adolescente. In I. Costa, A. Holanda, F. Martins, & M. Tafuru (Orgs.), Ética, linguagem e sofrimento, (pp. 65-73). Brasília: ABRAFIPP.

Oliveira, L.F.L. (2004) A representação e a afirmação subjetiva: a passagem da pulsão pela língua na adolescência. In Costa, A.M., Backes, C., Rilho, V., Oliveira, L.F.L. (Orgs.) Adolescência e experiência de borda, (pp.73-87). Porto Alegre: Editora da Ufrgs.

Poli, M.C. e Becker, A. L. (2004) Adolescência: uma abordagem na psicanálise lacaniana. In Macedo, M. Adolescência e psicanálise: ntersecções possíveis. Porto Alegre: Edipucrs.

Rassial, J.J. (1997). A Passagem Adolescente: da família ao laço social. Porto Alegre: Artes e Ofício.

Rassial, J.J. (1999). O Sinthoma adolescente. In Congresso Internacional de Psicanálise e suas conexões: o adolescente e a modernidade (pp. 43-48). Rio de Janeiro: Companhia de Freud.

Ruffino, R.(1993). Sobre o lugar da adolescência na teoria do sujeito. In C.R. Rappaport (Coord.), Adolescência abordagem psicanalítica, (pp. 25-57). São Paulo: EPU.

Schittine, D. (2004) Blog: comunicação e escrita íntima na internet. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

Teixeira, L.C. (2003). Escrita autobiográfica e construção da subjetividade. Psicologia USP, 14, 37-64.