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An. 1 Simp. Internacional do Adolescente May. 2005

 

Espaços de convivência e ação: conexão entre saúde, educação e cultura*

 

 

Roseli Esquerdo LopesI; Ana Paula Serrata MalfitanoII

IProfessora Adjunta do Departamento de Terapia Ocupacional e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar/SP. Coordenadora do Projeto Metuia
IITerapeuta Ocupacional do Projeto Rotas Recriadas e do Projeto Metuia. Doutoranda em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo

 

 

INTRODUÇÃO

Apresenta-se aqui a experiência de um projeto desenvolvido através da parceria entre Universidade e Serviço, envolvendo a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e o Projeto Rotas Recriadas – Campinas/SP.

O Projeto Rotas Recriadas: Crianças e Adolescentes livres da Exploração Sexual em Campinas-SP1 é implementado pela Prefeitura Municipal de Campinas, em uma proposta intersetorial, que reúne, ainda, ONG(s) (Organizações Não-Governamentais) locais através do Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente – CMDCA/Campinas.

Tal projeto conta com um financiamento da empresa Petrobras, com recursos de isenção fiscal. A equipe da empresa Petrobras – a partir do conhecimento das rotas de exploração sexual de crianças e adolescentes – convidou, em 2004, sete parceiros técnicos para o desenvolvimento de projetos de intervenção e elaboração de metodologias sociais (pesquisa-ação) de enfrentamento ao referido fenômeno, são eles: Manaus e Belém: Centros de Defesa, Piauí: Universidade Federal do Piauí (intervenção em 4 municípios), Aracajú: Prefeitura Municipal de Aracajú, Goiânia: Universidade Católica de Goiânia (intervenção em 4 cidades), Foz do Iguaçu: ONG e Campinas: Prefeitura Municipal de Campinas e Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente (PROJETO ROTAS RECRIADAS, 2004a).

A temática da violência na sociedade perpassa as esferas da cultura, do imaginário, do contexto social, incluindo a violência sexual como um de seus componentes. A violência sexual envolve uma gama de conceitos e problemáticas que são de extrema complexidade, exigindo ações articuladas, intersetoriais e interdisciplinares para seu enfrentamento. Compreendemos-na englobando o abuso sexual intra e extrafamiliar, o atentado violento ao pudor, o estupro e a exploração sexual comercial (FALEIROS, 2000).

"A violência sexual contra crianças e adolescentes acontece em escala mundial, esteve sempre presente em toda a história da humanidade, e em todas as classes sociais, articulado ao nível de desenvolvimento e civilizatório na sociedade em que acontece. (...) É consensual nos estudos sobre a violência sexual contra crianças e adolescentes que esta é uma relação de poder entre desiguais, exercida através da dominação e/ou da sedução" (FALEIROS, 2005, p.2).

O aspecto da relação de poder abordado por Faleiros é consensual nas diversas explicações sobre o fenômeno da exploração sexual, sendo aqui entendido como o uso da criança ou do adolescente para propósitos sexuais em troca de algo (favores, dinheiro, afeto, etc), praticado por um cliente, familiar, intermediário, agenciador ou qualquer pessoa que se beneficie desta prática a partir de uma relação de poder (HAZEU, 1998).

A exploração sexual comercial de crianças e adolescentes desdobra-se nas modalidades atualmente constatadas no mundo da economia global: prostituição, turismo sexual, pornografia e tráfico para fins sexuais (LEAL, 2003).

As ações desenvolvidas pelo Projeto Rotas Recriadas dedicam-se ao enfrentamento da subcategoria prostituição, evento fortemente constatado na cidade e região. Para o estabelecimento das ações, considerando as multi-causalidades que envolvem a problemática da violência sexual infanto-juvenil, acredita-se ser essencial à implantação de programas intersetoriais e a construção de redes de serviços, com fluxos complementares (VASCONCELOS E MALAK, 2002).

Nessa direção, o Projeto Rotas integra, para a constituição da rede, o Plano Municipal da Infância e Juventude e o Plano Municipal de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil (CÂMARA MUNICIPAL DE CAMPINAS, 2003).

Buscando contemplar a interface entre os campos de atuação, no intuito de constituir uma proposta intersetorial e interdisciplinar, o projeto foi desenhado em eixos de intervenção, que são:

Dedicamos-nos, neste trabalho, a explorar as ações centradas no Eixo Prevenir e Eixo Cuidar, sobre os quais apresentaremos abaixo mais detalhes.

Eixo Cuidar

O Eixo Cuidar foi concebido com o intuito de oferecer à população-alvo cuidados em saúde, em especial em saúde mental, para apoio, formação de vínculo e auxílio para a construção conjunta e participativa de novos projetos de vida que se traduzam na (re)criação de novas rotas e percursos de suas vidas.

Para a realização do seu trabalho foi escolhido, enquanto estratégia de implementação, três ações: inserção de um técnico de saúde mental em cada Distrito de Saúde da cidade2, criação de uma equipe especial para a região central, local notoriamente reconhecido enquanto espaço de maior concentração da temática no Município e alocação de um técnico para atuação na região de um bairro historicamente conhecido como região de prostituição local.

A equipe do Eixo Cuidar elegeu o acolhimento, a escuta qualitativa, o vínculo, a construção do projeto de vida, a diminuição de fatores de vulnerabilidade social e o fortalecimento da rede pessoal e significativa de suporte, enquanto referências e instrumentais prioritários de trabalho (PROJETO ROTAS RECRIADAS, 2004b).

Eixo Prevenir

O Eixo Prevenir tem a missão de implantar Centros de Convivência em diferentes pontos da cidade e ofertar atividades culturais e esportivas para as crianças e os adolescentes que vivem em regiões carentes de espaços de lazer e daquelas atividades, localizadas nas rotas em que existem indícios de exploração sexual.

Tais centros de convivência compõem a estratégia para facilitar e/ou viabilizar o acesso a bens culturais e criar espaços de pertencimento e convivência em comunidades com poucos equipamentos sociais, objetivando promover ações de prevenção concernentes ao campo, assim como a qualificação de suas abordagens e metodologias. Pretende-se com eles, também, implementar oficinas e grupos culturais que propiciem a geração de renda, visando ao fomento de grupos associativos e/ou cooperativas, através da utilização de linguagens que estimulem a participação dos jovens e o protagonismo juvenil (PROJETO ROTAS RECRIADAS, 2004b).

Os centros de convivência devem ser eleitos como locais prioritários para presença dos técnicos do Eixo Cuidar, pois se constituem como espaços atribuídos à convivência, o que lhes caracterizam enquanto equipamento educativo e promotor de desenvolvimento psicossocial. A inserção do profissional vindo da saúde no espaço da ação social, educação e cultura, busca a aproximação com os adolescentes, o levantamento de demandas, a realização de ações de mediação e de encaminhamentos para as necessidades apresentadas.

Portanto, faz-se necessário o apoio técnico para subsídio das ações locais, potencializando as atividades e as relações humanas enquanto meio de criação de vínculos, convivência e aprendizado e não como fim por si só, fundamentando a necessária conexão, para o trabalho nesse campo, entre saúde, educação e cultura.

Aposta-se na convivência e na atividade enquanto elementos-chave para a aproximação, para o vínculo e para o estabelecimento de trabalhos com adolescentes em situação de vulnerabilidade social.

 

PARCERIA UNIVERSIDADE-SERVIÇO: PESQUISA, ENSINO E EXTENSÃO

O campo social implica uma leitura da realidade e da problemática expressa pela pessoa que só se alcança através de recorte metodológico específico, que seja capaz de revelar e interagir com aquilo que se oculta nas manifestações que apenas de forma superficial e reducionista podem ser vistas como restritas ao indivíduo. É preciso trabalhar e desenvolver instrumentos para a interpretação da realidade pessoal-social e, também, guias para a atuação pessoal e social num universo complexo de interações e interconexões (BARROS, LOPES E GALHEIGO, 2002).

À luz destes conceitos, o Programa de Extensão da Universidade Federal de São Carlos: Metuia – Terapia Ocupacional no Campo Social, tem se dedicado à realização de estudos, pesquisas, formação de alunos de graduação e implementação de intervenções no campo social que discutam o papel social dos técnicos, em especial do terapeuta ocupacional, e suas contribuições no enfrentamento de problemáticas contemporâneas.

O Projeto Metuia – Grupo interinstitucional de estudos, formação e ações pela cidadania de crianças, adolescentes e adultos em processos de ruptura das redes sociais de suporte, do qual participam docentes, discentes e profissionais da área de terapia ocupacional de três Universidades paulistas: Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Universidade Federal de São Carlos e Universidade de São Paulo (BARROS, LOPES E GALHEIGO, 2002) –, através do Núcleo UFSCar, estabeleceu uma parceria com o Projeto Rotas Recriadas com o objetivo de qualificar o trabalho realizado, aprimorá-lo, utilizando-se do espaço do projeto enquanto elemento de formação acadêmica e para o desenvolvimento de pesquisas.

Tal parceria propôs-se a realização de oficinas de atividades, com a temática da imagem, individual e coletiva, enquanto elemento catalisador da possibilidade de ressignificação pessoal.

O projeto conta com financiamento do Ministério da Educação, através da Secretaria de Ensino Superior – SESU, Programa de Extensão Universitária voltado às Políticas Públicas – PROEXT.

Oficinas de imagem: a proposta

A parceria estabelecida buscou oferecer apoio aos técnicos do Projeto Rotas, discutindo a efetivação do projeto com esta população, bem como a formação de alunos de graduação e a produção e disponibilização de materiais sobre o tema.

No que tange às atividades diretamente realizadas com a população-alvo do trabalho, realizou-se oficinas, com a temática da imagem, durante os meses de janeiro e fevereiro/2005, em dez locais do Projeto Rotas, tendo sido priorizados os Centros de Convivência. As oficinas se deram em oito Centros de Convivência, em um espaço comunitário ligado ao Centro de Saúde local e em um Centro de Atenção Psicossocial – CAPS infantil.

Para a operacionalização das oficinas contamos com a intervenção de 16 estudantes3 de graduação da UFSCar, sendo quinze estudantes do curso de terapia ocupacional e uma do curso de psicologia. Eram acompanhados por profissionais dos equipamentos sociais no qual estavam alocados e contavam, também, com supervisão individual e coletiva.

As oficinas de imagem trabalharam, no nível individual, com a percepção de si e de seu local de pertencimento, utilizando a fotografia como recurso facilitador, através de uma perspectiva de participação coletiva das crianças e jovens (DALE, 1999), tendo sido utilizada a presença de adultos de referência para a efetivação da proposta.

A imagem possui uma significação que proporciona a aproximação com a criança e com o jovem, pode ser utilizada enquanto um instrumento intermediário para que se favoreça a formação do vínculo, vínculo este que permite ao profissional oferecer novas possibilidades de vivências e de cotidiano para aquele que se encontra em situação de vulnerabilidade social (LOPES et al., 2002a).

A inserção de um elemento novo, como a máquina fotográfica, diferencia-se do cotidiano daquela população, atraindo sua atenção para novas ações que possam ser realizadas e fundadas nos espaços que ocupam. Para que estes aspectos sejam alcançados, ressaltamos a necessidade de se trabalhar numa perspectiva do protagonismo juvenil, que vislumbre na criança e no jovem o principal interventor de sua vida (COSTA, 2004).

A realização das oficinas de imagem objetivou também a inserção deste recurso nas ações dos profissionais locais, possibilitando a eles a apropriação de novas formas de linguagem e de aproximação com aquelas crianças e adolescentes.

Oficina de imagem: o que há por trás das lentes?

A realização das oficinas de imagens integrou um processo de diferentes etapas. A aproximação com aquele território e o equipamento social em questão, o conhecimento e contato com as crianças que o freqüentam, o relacionamento com o profissional de referência daquele local, enfim, a inserção. A partir daí, o início da oferta da atividade, a busca da integração em um grupo específico, a proposição e o desenvolvimento do tema da imagem e auto-imagem, o trabalho com a máquina fotográfica, a exposição dos resultados alcançados, enfim, a efetivação da proposta.

A opção por estar em uma diversidade de espaços propiciou-nos conhecer a multiplicidade de perfis que se aproximam do projeto. Cada local está ligado à cultura de seu território e ao histórico de cada equipamento em sua região. Transitamos da periferia ao centro da cidade, em contato com a população infantil e juvenil, em locais como: bairros com uma rede de equipamentos sociais mais efetiva, outros com uma organização comunitária que se destaca, espaços nos quais o tráfico de drogas tem grande influência, a região central onde meninos e meninas em situação de rua são o público-alvo, dentre outras características singulares.

Estar nesses locais nos permitiu o contato com uma parte da infância e juventude da cidade que se encontra em vulnerabilidade social. As vulnerabilidades são muitas, passando pela violência doméstica, negligência de cuidados, evasão escolar, falta de aportes sócio-afetivos, uso abusivo de substâncias psicoativas, pobreza extrema, dentre outras. Trata-se de fatores complexos presentes na sociedade contemporânea que se ligam, em algumas histórias de vida, à exploração sexual. Não é possível abordar a exploração sexual sem fazer uma conexão com a desigualdade social, com a violência e com fatores macro-econômicos (LEAL, 2003).

Tal abordagem, porém, não pretende se traduzir em uma concepção ‘medicalizante’ da sociedade, na busca de "doenças sociais", ou de "indivíduos em risco". Pelo contrário, lidar com o tema em sua complexidade implica que ações de prevenção, como aquelas previstas para os Centros de Convivência do Projeto Rotas, dediquem-se a oferecer suportes sociais para as crianças e adolescentes daquele território, através de ações de cultura, saúde e educação, em uma perspectiva social, que se traduzam em pertencimento e aportes.

Algumas dessas características levantadas estiveram presentes no desenvolvimento das oficinas. Fazer uma maquete de bairro e relembrar de onde veio sua família, falar sobre imagem e apontar o quanto é difícil reconhecer a própria imagem, fotografar o bairro e ter o desejo de denunciar suas mazelas, utilizar a máquina fotográfica e ter – pela primeira vez – um retrato de seu bebê. Estes, dentre tantos exemplos, foram fragmentos que propiciaram a inserção das histórias de vida no processo das oficinas de imagem.

Para o acolhimento, a escuta e o trabalho com essas demandas, visualizamos a atividade enquanto instrumento intermediário e potencializador da aproximação, do vínculo e da ressignificação, a partir de novos modelos e experiências vivenciados.

Essa forma de utilização da atividade, enquanto elemento-meio e não elemento-fim, é de extrema relevância que ocorra junto com o arte-educador local, para que ele perceba as outras possibilidades inseridas em seu trabalho, para além da formação na oficina específica, como o hip-hop, a capoeira, a dança, a arte circense... O resultado concreto – aprender a técnica – é de grande valia para aqueles que possuem aquele talento específico, não devendo ser menosprezado ou não serem propiciadas novas oportunidades de desenvolvimento desse talento, porém estar em grupo, conviver, ser acolhido, são ganhos intermediários, de extremo valor, que os Centros de Convivência devem estabelecer, tendo, portanto, que estar no horizonte dos resultados do trabalho local, inclusive do arte-educador.

Durante o desenvolvimento das oficinas o contato com a máquina fotográfica foi um momento de grande atração e novidade nos espaços. Como destacamos acima, trata-se de um elemento novo, curioso, interessante... As crianças e adolescentes tiraram fotos livres, para aproximação com o equipamento, e, posteriormente, temáticas, para uma exposição final do trabalho realizado. Todos puderam escolher fotos para si, levando-as para casa como um dos seus produtos.

Elemento-meio e elemento-fim estiveram aqui presentes durante o processo...

Como proposta de finalização das oficinas de imagens realizamos uma exposição para a publicização do material produzido pelas crianças e adolescentes participantes. O local escolhido foi a sede da Secretaria de Cultura do Município – um dos órgãos responsáveis pelos Centros de Convivência do Projeto Rotas Recriadas, por ser uma referência cultural para a cidade, local de exposições, shows, feiras etc.

A inauguração da exposição contou com a presença dos participantes das dez oficinas realizadas, além de profissionais dos Centros de Convivência, funcionários do Projeto Rotas Recriadas e profissionais relacionados à área da infância e adolescência no Município. Para animar a festa grupos de samba e de dança, vindos dos Centros de Convivência participantes das oficinas, apresentaram-se no local.

Buscou-se, com este evento, colocar em evidência o processo do trabalho realizado, pautando as crianças e adolescentes como seus autores.

Destacamos, por fim, que por trás das lentes das câmeras fotográficas abordamos subjetividades, singularidades, histórias, vulnerabilidades que estão presentes no cotidiano daqueles meninos e meninas.

O processo de formação de recursos humanos

Os projetos desenvolvidos no campo social têm demandado pessoas qualificadas que se dediquem a intervenções em seu contexto. São contratados profissionais da saúde, educação, cultura, ciências sociais, dentre outros, para os quais se solicitam diferentes contribuições na composição da chamada equipe interdisciplinar.

O campo social é uma esfera de interface, apresentando uma diversidade de núcleos a serem desenvolvidos por diferentes áreas (MALFITANO, 2004), fator que se almeja encontrar nos profissionais deste campo; seriam os "operadores sociais", conforme denomina Barros (1991).

Porém, a formação de grande parte dos profissionais não prevê suportes para a atuação enquanto "operadores" do campo social, encontra-se, a absoluta maioria das vezes, calcada em apenas um aspecto de intervenção, não se direcionando para a dimensão territorial, da convivência, da superação da clínica e da manutenção das singularidades de cada história.

Estes fatores são vivenciados cotidianamente no Projeto Rotas Recriadas.

Dentro deste contexto, é uma das intenções da Universidade, através do desenvolvimento desta proposta, a viabilização da formação de estudantes de graduação naquilo que se direcione para sua sensibilização para intervir com um outro olhar no campo social, com ações voltadas ao território, reconhecendo a funcionalidade e a relevância da atuação na promoção de redes de suporte locais para a população infanto-juvenil.

Trata-se, ainda, de pautar essa importante problemática do território nacional, a exploração sexual de crianças e adolescentes, enquanto preocupação dos técnicos, que devem buscar contribuir para criar caminhos de solução para o quadro complexo conhecido, implementando práticas sociais que produzam resultados efetivos na diminuição das vulnerabilidades as quais estão expostas nossas crianças e adolescentes.

Propomos o debate sobre o projeto pedagógico para a formação de novos profissionais, vislumbrando a formulação de uma prática interdisciplinar e intersetorial, que valorize e estabeleça a conexão entre saúde, cultura e educação; profissionais esses que se dediquem ao enfrentamento das grandes situações de vulnerabilidades vivenciadas pela infância e juventude brasileiras.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Projeto Rotas Recriadas, no enfrentamento da temática da exploração sexual no Município de Campinas, almeja a constituição de uma prática intersetorial de ações, da prevenção ao cuidado, que envolvam propostas do âmbito da educação, cultura, saúde, justiça, trabalho e assistência social; compondo a rede de serviços e atendimentos para a população infanto-juvenil.

No âmbito das ações direcionadas às crianças e aos adolescentes, compartilhamos do ideal, e da dificuldade, da implantação de ações intersetoriais e interdisciplinares, que reconheçam o campo social em sua complexidade e estabeleçam os elos e os trânsitos necessários entre as diferentes áreas.

Acreditamos que a perspectiva da promoção dos direitos, estabelecida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), deve ser o elemento norteador dos projetos dedicados a esta população. O ECA preconiza, através de seu 5º. Artigo:

"Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punindo na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais".

É com base nesse referencial que elegemos o trabalho territorial desenvolvido nos Centros de Convivência como o objeto de nosso foco. A intervenção no território – propiciando o acolhimento, a escuta e o encaminhamento para as diferentes demandas das crianças e adolescentes – é uma tecnologia possível que permite a tessitura, com fios e pontos mais firmes, de redes pessoais e sociais de suporte (LOPES et al., 2002).

Para tanto, utilizamos, nesta experiência, a atividade, sob a forma de oficinas de imagem, como o elemento-meio para o desenvolvimento de tais princípios. Sendo que verificamos o potencial do recurso da fotografia como componente facilitador do trabalho.

Destacamos, ainda, a necessária formação de recursos humanos voltados a intervenções territoriais, à promoção da convivência e ao estabelecimento de equipamentos sociais que tenham a pertença e o suporte como estratégias e resultados.

Por fim, ressaltamos a viabilidade e adequação de propostas que dêem enfrentamento ao desafio da constituição de projetos intersetoriais e interdisciplinares, traçando elos conectivos entre as áreas, almejando um campo mais efetivo técnica e politicamente, onde saúde, educação e cultura se intercruzam, e no qual se somam esforços para a diminuição das vulnerabilidades e para que se criem e fortaleçam as redes sociais de suportes para a infância e juventude.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROS, D. D.; LOPES, R. E.; GALHEIGO, S. M. Projeto Metuia - terapia ocupacional no campo social. O Mundo da Saúde, São Paulo, v.26, n.3, p.365-369, jul./set. 2002.

BARROS D.D. Operadores de saúde na área social. Revista de Terapia Ocupacional da USP, São Paulo, vol.1(1), p.11-16, 1991.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo : Cortez, 1990.

CÂMARA MUNICIPAL DE CAMPINAS. Plano Municipal de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil. Campinas, 2003. (mimeo).

COSTA, A. C. G. O adolescente enquanto protagonista. Disponível em: <http://www.adolec.br/bvs/adolec/P/cadernos/capitulo/cap07/cap07.htm>. Acesso em set. 2004.

DALE, R. A. Participacion infanto-juvenil: um reto social. OPS/OMS. El Salvador, 1999. Disponível em: <http://www2.ops.org.sv/adolec/tc/participacion_social.htm>. Acesso em mar. 2005.

FALEIROS, E. T. S. Exploração sexual comercial de crianças e adolescentes. Disponível em: <http://www.violenciasexual.org.br/textos/PDF/exploracao_sexual_eva_faleiros.pdf>. Acesso em mai 2005.

FALEIROS, E. T. S. Repensando os conceitos de violência, abuso e exploração sexual de crianças e de adolescentes. Brasília: CECRIA /MJ-SEDH-DCA /FBB /UNICEF, 2000.

HAZEU, M. Exploração sexual de crianças e adolescentes – o comércio. Belém/ PA, 1998. (mimeo)

LEAL, M. L. P. Globalização e exploração sexual comercial de crianças e adolescentes. Rio de Janeiro : Save the Children, 2003.

LOPES, R. E. et al. O vídeo como elemento comunicativo no trabalho comunitário. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar. São Carlos: v.10, n.1, p.61 - 72, 2002a.

LOPES, R. E. et al. Histórias de vida: a ampliação de redes sociais de suporte de crianças em uma experiência de trabalho comunitário. O Mundo da Saúde. São Paulo: v.26, n.3, p.426 - 434, jul./set. 2002b.

MALFITANO, A. P. S. Políticas públicas e movimentos sociais: atenção à infância e o Programa de Saúde da Família. 2004, 180p. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, Campinas /SP.

PROJETO ROTAS RECRIADAS. Projeto Rotas Recriadas: crianças e adolescentes livres da exploração sexual. Cartilha de divulgação. Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente. Prefeitura Municipal de Campinas. Laboratório Cisco, 2004a (mimeo).

PROJETO ROTAS RECRIADAS. 3º. Relatório Técnico. Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente. Prefeitura Municipal de Campinas, 2004b (mimeo).

VASCONCELOS, M.G.O.M. e MALLAK, L.S. (Org.) Compreendendo a violência sexual em uma perspectiva multidisciplinar. Carapicuíba/SP : Fundação Orsa Criança e Vida, 2002.

 

 

* Este trabalho contou com o apoio da Secretaria de Ensino Superior do Ministério da Educação através do Programa de Extensão Universitária voltado às Políticas Públicas – PROEXT/2004 e da Pró-Reitoria de Extensão da UFSCar.
1 Projeto premiado no 4º. Marketing Best de Responsabilidade Social, tendo sido apresentado pela empresa Petrobras, através de seu financiamento para implementação das ações.
2 A divisão distrital segue os princípios do Sistema Único de Saúde – SUS, que preconiza a descentralização do atendimento à saúde, de modo que o território de Campinas encontra-se subdividido em cinco regiões/distritos com Serviços de Saúde circunscritos a cada um.
3 Agradecemos aos alunos Ana Dourado, Bárbara Miranda, Bruna Toledo, Bruno Maxta, Diana Garcia, Diana Cavaglieri, Iara Guimarães, Letícia Matias, Lisiane M. Yonezawa, Luana Amâncio, Patrícia Bueolni, Paula Furlan, Priscila Silva, Renata Fornacierir, Sara Sfair e Wagner Oda a participação e contribuição significativa no projeto.