2Por uma "lição de amor" na adolescência: função paterna e educação"Um outro mundo é possível?" Algumas reflexões analíticas sobre os adolescentes, seus cuidadores e o mundo em que vivemos author indexsubject indexsearch form
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An. 1 Simp. Internacional do Adolescente May. 2005

 

A porta de entrada para o atendimento clínico na instituição pública: adolescentes repletos de querer, mas nem tanto assim

 

 

Marçola, Maria Alzira; Marques, Cristianne Spirandeli

Universidade Federal de Uberlândia - UFU Rua Duque de Caxias,285 – Centro-38400142, E-mail:m_alzimarcola@yahoo.com.Br, E-mail:cristianne@triang.com.Br, Tel:34-3223-9924 e 34-3232-4337

 

 


RESUMO

O presente trabalho advém de reflexões sobre as entrevistas preliminares no atendimento a estudantes de graduação e pós-graduação da Universidade Federal de Uberlândia. Tal atendimento é feito pelo Setor de Apoio e Orientação Psicopedagógica – SEAPS, que tem por objetivo promover ações clínicas que favoreçam o desenvolvimento das potencialidades dos jovens que nos procuram. Em seu texto, Sobre o Início do Tratamento, Freud nos diz para exercermos o que denominou de ‘tratamento de ensaio’, momento este que se tentará deixar à vista o sofrimento e o desejo do paciente por meio da retificação subjetiva. O estudo atual tem por finalidade refletir a qualidade do investimento e do desinvestimento dos jovens/adolescentes que buscam o setor, impulsionados a princípio por uma tensão desagradável. Esta busca estaria a serviço apenas do alívio de tensão, ou ainda haveriam outras demandas ali incluídas? Partindo de algumas reflexões, tomamos em consideração as especificidades das formas instituídas no SEAPS e também das não instituídas, mas vividas, onde nos percebemos transitando por uma cultura engendrada na instituição sem perder de vista porém, a singularidade do sujeito, observando assim uma prática da Psicanálise fora de sua costumeira casa – a clínica padrão. Neste trabalho voltamos nossa atenção para uma modalidade instituída, o Plantão–Recepção, que é "a porta de entrada" para o possível atendimento. O caminho seguido nos proporcionou observar que ao nos emprestarmos a uma escuta ensaística, daquele que se apresenta ávido de querer, nos deparamos com formas específicas deste sujeito, até então desconhecidas para ele e para nós.

Palavras-chave: estudante, adolescente, institucional, práticas clínicas, entrevistas preliminares, psicanálise.


 

 

No exercício psicoterâpico a estudantes de graduação e pós-graduação da Universidade Federal de Uberlândia, realizado no Setor de Apoio e Orientação Psicopedagógica – SEAPS, fomos remetidas a reflexões sobre as Entrevistas Preliminares. Os trabalhos desenvolvidos com os estudantes desta Universidade, no âmbito psicológico remontam a década de 70 e hoje, tem por objetivo promover ações clínicas que favoreçam o desenvolvimento das potencialidades dos jovens/adolescentes que procuram este setor.

Para pensarmos as particularidades das Entrevistas Preliminares fez-se necessário que voltássemos nossa atenção para as particularidades dessa população, e assim constatamos a pequena existência de trabalhos publicados sobre o atendimento psicológico a estudantes universitários, o que nos levou a observarmos com mais acuidade a realidade que se apresentava a nós.

No atendimento clínico institucional, alguns questionamentos foram se presentificando: Considerando a alta procura pelo serviço de psicologia, onde evidenciamos a presença das dificuldades vividas em relação a esse período da vida universitária, por quê poucos estudos são publicados sobre esta questão?; sabemos ser raro um adolescente empreender de modo próprio um processo psicoterapêutico mas, contrariando esta expectativa, é esta a clientela que se apresenta em nosso setor, a qual tem maioridade de acordo com a lei, mas ainda está em plena adolescência, são dependentes financeiramente e muitas vezes assustados diante das demandas da vida adulta. Muitos estão vivendo a crise da adolescência, e outra questão que nos surge é o que fazer diante de tal crise?

Partindo de tais questionamentos, instituímos alguns procedimentos que viabilizassem nossa prática. Entre eles encontra-se o Plantão Recepção1, o qual abre a oportunidade para que o aluno se apresente em sua demanda mais premente.

Octave Mannoni ( 1992 p.114), nos ensina que "(...) Não há que combater a crise na adolescência, que a curar nem que a abreviar, ma sim, que a acompanhar e, se soubéssemos como, explorar, a fim de que o indivíduo extraia dela o que puder de melhor." Com esta primeira escuta, o paciente será efetivamente encaminhado ao tratamento, o qual poderá ser feito na instituição ou não, pois não sabemos muito bem se existem crises de adolescência que já são o início de uma doença mental, e outras que só se convertem em doença mental porque foram contrariadas, tal incerteza nos convida à prudência.

Assim sendo, o Plantão Recepção caracteriza-se pela postura receptiva da demanda daquele que se nos apresenta, onde nos dispomos a ouvir, possibilitando uma aproximação da "arquitetura" que se deixa ver. Estamos assim adentrando para uma escuta ensaística, em que constatamos o valor das Entrevistas Preliminares.

Em seu texto, Sobre o Início do Tratamento, Freud nos diz para exercermos o que denominou de ‘tratamento de ensaio’, o que, segundo Quinet (1991, p.14), corresponde em Lacan às entrevistas preliminares: "(...) Essa expressão indica que existe um limiar, uma porta de entrada na análise totalmente distinta da porta de entrada do consultório do analista."

A princípio, a modalidade Plantão Recepção se caracteriza pelo que se instituiu: toda a população discente da UFU, tem acesso a este serviço.Gradativamente vamos do instituído ao não instituído. Algo instigante nos deixa ver que nossa receptividade evidencia um grande desamparo. O nosso paciente surge repleto de querer, no entanto aos poucos, nem tanto assim! Necessitados, muitas vezes confusos em suas demandas e ainda distantes de seus desejos, encontram-se eles no Plantão-Recepção. É um desafio que nos provocou percorrer pelo instituído, o Plantão–Recepção, de onde vimos emergir o não-instituído, a demanda, propiciando ver a especificidade que pode assumir a relação terapêutica.

Seria este procedimento já terapêutico?

Segundo Herrmann (2001), o método psicanalítico de investigação se faz na escuta do analista e na interpretação da fala do paciente, mas esta escuta e fala do analista não se dão do mesmo lugar da fala do paciente. Ocorre um desencontro fundamental proporcionando que o novo apareça. Associando livremente, o analisando fala de sua realidade, enquanto o analista o escuta pelo ângulo da identidade que se entremostra. O analista não discute o ponto de vista emergente a partir do seu conhecimento; ele faz com que sentidos diferentes do discurso do paciente, escutados e apreendidos fora do tema proposto por ele, entrem em contato podendo ganhar outros sentidos. É o psiquismo que está em causa e ao mesmo tempo em que fala, deve escutar a si mesmo.

Nesse sentido atentamos para o fato de que a receptividade contida na modalidade por nós discutida parece promover uma ampliação da idéia desta modalidade, que não mais se restringiria ao primeiríssimo contato, mas estaria relacionada a uma espécie de prontidão receptiva própria das sessões de atendimento, onde o que surge do paciente é tomado em consideração a partir do nosso desejo de analisar, a questão que nos mobiliza é:’O que queres?’

Trata-se do momento em que se tentará deixar à vista o sofrimento e o desejo do paciente por meio da retificação subjetiva, cabendo ao analista criar condições para que o paciente se interrogue sobre sua participação na desordem da qual ele se queixa ( QUINET 2000).

A queixa, assim como a condição de crise, fez-se entendida como um momento de tensão advinda de uma interrogação, do que foi vivido, com o que ainda será.

À guisa de considerações finais sobre o caminho percorrido do instituído ao não-instituído procuramos evidenciar que a postura no Plantão-Recepção praticada no SEAPS, vem nos permitindo conhecer um pouco mais de nossos pacientes, bem como de nossa função psicoterapêutica quando buscamos embasá-la teoricamente, no sentido de obter clareza em seus fundamentos, sobre a postura investigativa que é própria da Psicanálise.

Pensar a Psicanálise na instituição é pensar a forma como se considera a psique humana, que está para além da consciência, da razão, de como era antes de Freud.

Sabemos que a Psicanálise foi gradualmente construída por Freud a partir da análise da mitologia, de obras de artes e de sua prática clínica, quando, na escuta de seus pacientes, não tendo a urgência de eliminar sintomas mas sim de entender seu significado, permitiu que algo mais importante emergisse: a capacidade do paciente de revelar-se a si mesmo. Relativo a isto, encontramos em Cesaroto e Leite (1987) que, para Freud a clínica era muito mais uma postura investigativa, conectada com as artes; e Herrmann (2001), salienta que o método psicanalítico é de utilidade não só clínica mas também está a serviço da interpretação do mundo humano, ocupando uma área muito maior que a terapia de consultório .

O caminho seguido nos auxiliou pensar as possibilidades contidas na determinação de práticas clínicas em Psicanálise, afinal sabemos que o "objetivo dos psicanalistas não é zelar pela integridade do ‘Dogma’ mas sim conhecer o psiquismo humano".

Do caráter de urgência que se apresenta à primeira vista em nossos pacientes, desdobra-se, pelo método psicanalítico, no que está para ser visto. O querer, está associado ao apagar o fogo, uma demanda imediata e surpreende analista e analisando com o soprar as cinzas, a demanda de análise.

Descobrimos com o Plantão Recepção, que ele é a porta aberta para os estudantes que nos procuram. Sabemos que a porta é uma grande função simbólica, talvez a função simbólica por excelência, em que há de se manter acesa a chama da postura metodológica a fim de sustentar o não instituído, por tempo suficiente ao trabalho de analise.

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

CESAROTO, O; LEITE, M.P.S. O que é Psicanálise. São Paulo: Brasiliense, 1987.

FREUD, S. Sobre o Início do Tratamento. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. V. XII. Rio de Janeiro: Imago, 1913.

HERRMANN, F. O método da Psicanálise. In: Introdução A Teoria Dos Campos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001. p. 49-63.

MANNONI, O. A Adolescência é "Analisável"? In : Um Espamto Tão Intenso. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p.114.

QUINET, A. As Funções das Entrevistas Preliminares. In: As 4+1 Condições da Analise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.

 

 

Eixo Temático: Modelos de Intervenção: os diferentes settings do atendimento do adolescente.
1 modalidade de atendimento em até três sessões com caráter de primeiras entrevistas, o aluno que chega ao setor é recebido para uma primeira escuta, sendo posteriormente encaminhado.