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An. 1 Simp. Internacional do Adolescente May. 2005

 

A função da Malhação no processo de subjetivação dos adolescentes brasileiros contemporâneos: um recorte regional1

 

 

Camila Vital Menegaz; Clary Milnitsky-Sapiro

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional

 

 

Introdução

Quais os valores que vêm sendo disseminados na cultura brasileira contemporânea pelos programas televisivos dirigidos a adolescentes? Como estes valores vêm sendo assimilados e "utilizados" pelos jovens de classe média de hoje?

A mídia ocupa lugar de destaque na vida dos adolescentes brasileiros. Desde a infância, enquanto a maioria dos pais passa o dia fora de casa, trabalhando, os filhos desenvolvem-se, praticamente, sozinhos, em companhia dos mais variados tipos de publicações, da televisão, da informática e da eletrônica. Dentre todos os meios de comunicação a que as crianças e os jovens têm acesso na contemporaneidade, o de maior destaque é a televisão. Com toda a relevância que este veículo adquiriu nas últimas décadas, a televisão hoje é capaz de apresentar programas que se aproximam cada vez mais da "realidade", utilizando recursos de cenários e ambientes externos que propiciam, principalmente aos adolescentes, o sentimento de vivenciar o que é sugerido.

De acordo com Gitlin (2001), passar o tempo em companhia da mídia é o que as pessoas mais fazem hoje em dia. Para ele, se um ambiente repleto de mídia é tido como natural, certamente assim o é porque as pessoas já nasceram nesse ambiente e não podem mais perceber como é extraordinário. Gitlin (2001) afirma que "nunca tantos comunicaram tanto, em tantas telas, através de tantos canais, absorvendo tantas horas de insubstituível atenção humana a respeito da comunicação". (pág. 12)

Vive-se uma época em que a incitação ao consumo de produtos e ideais (tais como comportamentos, formas de se vestir, formas de agir, a quem "copiar") está presente na maioria dos programas de televisão. Os programas dirigidos aos jovens não são exceção. Os mesmos temas, tidos como "pertencentes ao universo adolescente", se repetem na maior parte das produções a eles dirigidas, sejam elas somente entretenimento ou de caráter pedagógico. A influência que a mídia – especialmente a televisão – exerce sobre as pessoas de maneira geral é fato; é necessário, no entanto, identificar como os adolescentes, que vivem o período mais delicado de seu desenvolvimento, estão lidando como os valores em circulação e de que forma os estão assimilando e "aplicando" em suas vidas.

 

De que adolescentes estamos falando?

Os adolescentes contemplados nesta pesquisa são jovens entre 12 e 17 anos, de ambos os sexos, pertencentes a famílias de classe média de Porto Alegre (RS). São meninos e meninas que estudam em escolas particulares da capital gaúcha, freqüentam atividades extraclasse após as aulas (tais como cursos de línguas, atividades esportivas e/ou artísticas), cujos pais trabalham fora e deixam os filhos em casa, sozinhos ou aos cuidados de empregados de confiança, passando boa parte de seu tempo divididos entre a Internet e os programas de televisão. São jovens que se preocupam mais em ouvir os amigos, entender os relacionamentos da adolescência, estar na moda, tentar ir bem nos estudos e, no caso dos mais velhos, escolher o que "vai querer ser quando crescer", passar no vestibular e ingressar em uma universidade.

 

A Televisão

Quando se fala em mídia, o primeiro veículo de comunicação a que todos lembram é a televisão. É este o principal meio responsável pelo "estar com a mídia". De acordo com Bourdieu (1997), sabe-se que há uma proporção muito importante de pessoas que são devotadas a esse veículo como fonte única de informação; a televisão tem uma espécie de monopólio sobre a formação das cabeças de uma parcela considerável da população (Bourdieu, 1997), independente da natureza do que está veiculando: informação, propriamente dita, ou entretenimento. A televisão é o mundo, que nada mais é senão a sociedade-espetáculo, entretecida apenas no aparecimento e na presentificação incessante de imagens que a exibem, ocultando-a de si mesma.

Os meios de comunicação, ao tornarem-se referências, demonstram estar inseridos no espaço cultural e social do qual são frutos. A televisão é um dos elementos que configuram e reconfiguram as identidades contemporâneas, por estar densamente inserida na sociedade e na cultura da qual faz parte, ainda que por muito tempo tenha sido considerada como um fator de desagregação, de desenraizamento e de descaracterização da cultura (Urdangarin, 2003). Com isso, a televisão é vista com uma instituição social significante, que necessita ser compreendida como parte orgânica da sociedade e da cultura contemporâneas e não como um elemento que paira no ar, manipulando a tudo e a todos.

 

Malhação, o programa preferido

Malhação é o programa teen mais expressivo da mídia brasileira e entre a programação internacional oferecida nos canais a cabo. Exibida há dez anos pela Rede Globo, o programa, que pauta a classe média brasileira, aborda assuntos que interessam aos adolescentes e atrai com sucesso o público-alvo. Malhação tem média de audiência de 41 pontos no Ibope e é considerado um produto melhor sucedido que a última novela das 19h, Começar de Novo, que exibia cenas gravadas na Rússia e contava em seu elenco com Eva Wilma, Marcos Paulo, Antônio Abujamra, entre outros. Os jovens protagonistas de Malhação são os campeões de correspondências da emissora. Guilherme Berenguer, 24 anos, que interpreta o personagem Gustavo, por exemplo, recebe em torno de mil cartas por mês e cerca de 300 e-mails diários.

Malhação é o programa teen há mais tempo no ar. A produção "adolescentizou" o horário, que durante muito tempo ficou perdido entre a Sessão da Tarde e a novela das seis. Uma tentativa anterior de atrair os jovens para a faixa horária foi feita com a exibição de Radical Chic, um programa de games que viabilizava uma disputa sobre conhecimentos gerais e relacionamentos entre alunos de escolas do país. A produção, no entanto, ficou pouco tempo no ar, não atingindo o público-alvo conforme esperado. Já Malhação, que tinha previsão de permanecer no ar por três anos, superou as expectativas e foi evoluindo ao longo do tempo. De uma academia de ginástica como cenário principal, o programa ampliou os espaços de atuação dos personagens, criando restaurantes, produtoras de vídeos, lojas e as casas dos protagonistas, até transformar seu cenário principal em uma escola, abandonando a academia. Do formato original, restou apenas o nome; a abertura e a música tema do programa também foram alteradas, provavelmente buscando uma maior identificação do público com a produção. Em conversas informais com adolescentes espectadores, percebe-se que o novo formato agradou. Agora, há novos valores em circulação no programa, tais como estudos, trabalho e futuro, embora a maioria dos conflitos, como gravidez na adolescência, delinqüência, protagonismo juvenil, relacionamentos entre pais e filhos, namoro e amizades, se repitam. Na falta de referenciais mais estáveis ou fortes para os adolescentes, a mídia assume um papel de "matriz" de modelos para constituição de identidades e Malhação é inserida na emissora Globo a partir desse modelo contemporâneo, contribuindo para a constituição da identidade dos indivíduos em um momento histórico caracterizado pela descartabilidade da era globalizada, que dita modelos identificatórios e interfere nas relações interpessoais.

 

A classe média em pauta na Malhação

Como vemos em Winnicott (1963), privação não é exclusividade de jovens carentes, já que não está somente relacionada a poder aquisitivo, mas a estruturas familiares e a condições sociais. Dessa forma, pode-se dizer que os adolescentes de classe média brasileiros (nesse estudo, especificamente da cidade de Porto Alegre/RS) são os mais atingidos pela mídia, já que têm mais acesso aos diversos meios de comunicação disponíveis hoje. Assim, bombardeados por informações de todos os lados, com a rapidez e a descartabilidade características do mundo contemporâneo e da cultura ocidental, os adolescentes de classe média estão suscetíveis ao poder da mídia e às mensagens por ela veiculadas, sendo guiados pelos ideais oferecidos ou pelos produtos vendidos.

Malhação é ambientada em uma escola privada de ensino médio e os alunos que a freqüentam são de famílias de classe média ou de grande poder aquisitivo. Entre os diversos personagens das histórias, poucos são de nível sócio-econômico inferior: na última temporada, apenas uma família não tinha condições de manter os filhos no Múltipla Escola (nome da escola fictícia em que se desenrolam as histórias) e estes estudam na instituição devido a bolsas de estudos adquiridas porque os pais são funcionários do colégio. Em todas as temporadas, um – e apenas um – personagem ou família vive essa situação. Os demais estão de acordo com o nível sócio-econômico pautado pelo programa. De acordo com esse panorama, percebe-se que os valores veiculados por Malhação são voltados para a classe média - a jovens que freqüentam escolas particulares, são sócios de clubes e praticam esportes, fazem cursos de línguas ou habilidades artísticas, possuem instrumentos musicais, andam de carro e saem à noite para barzinhos. Desde sua origem, Malhação é um programa que reproduz conflitos da classe média. Seu primeiro cenário era uma academia de ginástica, onde os jovens viviam os conflitos da adolescência em meio ao "culto ao corpo", em um ambiente disponível apenas àqueles que podem pagar por ele ou que trabalham em suas dependências para poder desfrutar de tudo o que é oferecido.

 

Conclusão

Os dados apresentados neste pôster são frutos de uma coleta de dados que está sendo realizada para a produção de dissertação de mestrado em Psicologia Social e Institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O objetivo desse estudo é analisar os laços estabelecidos entre o programa Malhação e os adolescentes telespectadores a partir do conteúdo dos episódios e das falas dos personagens. Esse estudo busca investigar, a partir de autores como Bauman e Bourdier, que analisam os efeitos da modernidade e da contemporaneidade nos indivíduos, a forma pela qual o programa sugere "formas de ser" para o adolescente, abordando os temas que dizem respeito à construção de identidade na contemporaneidade. Os dados serão analisados através de análise de conteúdo dos episódios e das falas dos personagens, selecionados aleatoriamente, entrevistas semi-estruturadas com adolescentes e com profissionais envolvidos na produção do programa, da qual emergirão categorias que demonstrarão o papel que este programa vem desempenhando na atualidade na construção de valores dos jovens contemporâneos.

 

REFERÊNCIAS:

BAUMAN, Z. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.

BOURDIEU, P. Sobre a Televisão. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

FISCHER, R. M. B. Adolescência em Discurso: mídia e produção de subjetividade. Porto Alegre, 1998. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Educação, UFRGS.

GITLIN, T. Mídias Sem Limites. Ed. Civilização Brasileira, 2001.

MENEGAZ, C. V. Capricho ou Oráculo? A Revista Capricho e seus Laços com as Adolescentes. Porto Alegre, 2000. Monografia de conclusão de curso de graduação em Comunicação Social. Departamento de Comunicação, UFRGS.

URDANGARIN, J. B. e BIASUZ, J. Adolescentes das ficções seriadas "Malhação" e "Sandy e Júnior". Universidade Luterana do Brasil; Rio Grande do Sul, 2003.

WINNICOTT, D. W. Privação e Delinqüência. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1987.

 

 

1 Projeto de dissertação em Psicologia Social e Institucional.