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An. 1 Simp. Internacional do Adolescente May. 2005

 

Psicanálise e educação - a história como ferramenta de (auto) conhecimento do sentido dos fazeres do ser humano

 

 

Moraes, Maria José Beraldo de; Oliveira, Maria Lucia

UNESP- FCLAr – Programa de Pós graduação em Educação Escolar - São Paulo

 

 

Introdução

A sociedade atual é fruto da ascensão burguesa do século XVIII e da instauração da ordem burguesa como norteadora dos costumes, valores e formas de produção. O progresso, a liberdade e a democracia estavam na ordem do dia daquele século. O homem nunca havia dominado a natureza com tanta rapidez e eficiência como neste período. Enquanto a revolução francesa colocava a burguesia e seus valores no centro da nova sociedade, e conseguia se impor enquanto modelo através de uma revolução social que uniu operários, camponeses, artesãos e burgueses na luta contra a monarquia e a desigualdade social, a revolução industrial mostrava o quanto poderia se desenvolver rapidamente outros meios através da economia. Os avanços adquiridos davam a sensação de que o homem vivia melhor, que a sociedade era melhor que a do Ancien Regime.

Com o desenvolvimento capitalista há a sensação de progresso juntamente com a destruição, ambas inerentes a este sistema econômico. Apesar das crises econômicas vividas no início do século XX, o capitalismo conseguiu consolidar seu poder. Juntamente com o poder econômico, político, social, cultural, a burguesia instaurou seus valores (enquanto classe privilegiada e detentora do poder político e econômico). Daquela sociedade democrática, igualitária e justa, almejada pelos revolucionários franceses do século XVIII surgiu uma sociedade "democrática", individualista e competitiva. Os homens daquela época acreditavam que estavam criando uma sociedade melhor. Hoje não é mais o poder do Rei e sua vontade que nos governa, pelo contrário, são as leis. Afinal de contas somos todos iguais perante a lei. É claro que não vivemos a igualdade como almejada naquela época.

A sociedade originada desta dinâmica vem sendo alimentada por um lado por grandes descobertas nas ciências físicas, na industrialização da produção, no consumo, na tecnologia. Por outro, leva à destruição de antigos ambientes humanos e criação de novos, explosão demográfica empurrando pessoas para novas formas de vida; sistema de comunicação de massas que embrulham no mesmo pacote indivíduos e sociedades; estados nacionais que estão obstinados em aumentar seu poder além de mercados capitalista em permanente expansão. Esse movimento do mundo contemporâneo leva os homens a viverem em ambientes que prometem aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas ao seu redor, mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos.(BERMAN, 1986)

Esta transformação e destruição de tudo o que é velho para criação do novo leva os homens a vivenciarem uma experiência de destituição do "Eu", perda de suas raízes. Onde não conseguem mais se reconhecer naquilo que eram, que viviam, e, que faziam. Ou seja, esta sociedade promove um esvaziamento da importância e do significado da (sua) história. Neste contexto, a história e a memória também se vêem desvalorizados, assim como o ato educativo. O anúncio de novas descobertas científicas, dos avanços tecnológicos, o vencer os limites humanos e o desbravar de novos caminhos na viagem espacial dão ao Homem a sensação de potência, de conquistas, como se a história fosse feita de constantes conquistas e um eterno progresso. A desvalorização da memória tende a aniquilar aquilo que é mais íntimo e mais pertinente do fazer humano. É o mecanismo por onde cada um se identifica e singulariza a construção de si. Olhando por este ângulo percebemos a necessidade de (re)criar mecanismos que valorizem a memória de nosso passado já que identificamos uma des-significação com o passado. Parece-nos que para a sociedade atual não tem tido sentido ensinar o passado às gerações atuais: "O passado passou, o que importa é o futuro",ouvimos frases assim como um lema do presente. Como e em que bases se constrói uma sociedade sem olhar para seu passado? Como ensinar o passado público coletivo às novas gerações presentes?

A partir destas observações é que procuramos repensar a concepção de história, e, da função e significado da história para a construção da identidade pessoal e cultural do sujeito. Até que ponto o conhecimento deste conteúdo pode auxiliar na formação da identidade do sujeito?

 

A história

Eric Hobsbawn, historiador inglês do século XX, escreve que

" A destruição do passado – ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal à das gerações passadas – é um dos fenômenos mais característicos e lúgubres do final do século XX. Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem. Por isso os historiadores, cujo ofício é lembrar o que os outros esquecem, tornam-se mais importantes que nunca no fim do milênio. Por esse motivo, porém, elês têm de ser mais que simples cronistas, memorialistas e compiladores."(HOBSBAWN:1995,13)

A citação de Hobsbawn nos alerta para os significados da História e da construção sócio-cultural deste significado, já que cada época pode rediscutir, ressignificar sua concepção e seu fazer histórico. Mas, por outro lado nos direciona o olhar sobre os aprendizes da História, ou seja, os jovens. Quem é nosso jovem adolescente? Como afetá-lo com as experiências do passado?

Para investigar um pouco mais estas questões, pensamos ser necessário o auxílio da Psicanálise para ampliar os horizontes sobre a concepção de história e os debates na relação ensino-aprendizagem, como da dinâmica que cada sujeito estabelece com o social. É nesta dinâmica entre o cultural e o social, do entendimento como o sujeito é criador da sua cultura e criado pela mesma, é que pensamos ser possível repensar a história e sua importância para a formação da identidade.

Para este entendimento da história é necessário repensar o conceito de sujeito. Empresto de Fábio Herrmann uma citação que expressa muito da concepção de homem que tenho buscado utilizar nesta pesquisa. Quando o autor exemplifica a maneira como o homem se constitui com a construção de uma casa que mesmo quando finda a construção não completa o desejo do seu construtor, diz:

"É que a casa que construíram, como a grande casa que a humanidade vem construindo para si, representa bem demais a realização de seu desejo. Ora, o problema é que nós não desejamos o que queremos, nem tampouco ficamos satisfeitos de encontrar o que desejamos. Na verdade, nós, humanos, não sabemos bem o que desejamos. Veja um exemplo. Antes de mais nada, nós somos aquilo que desejamos ser. É fácil entender, já que desejo é o nome daquilo que faz com que a gente pense, faça, seja. Ele parece vir de dentro da alma, mas é criado na vida social e biológica, de sorte que se pode dizer até que " somos desejados" desta ou daquela maneira. Somos desejados ou entediados, cruéis ou compassivos, apavorados ou distraídos. Aliás, a humanidade deseja-se como é: e, dizia, constrói-se e constrói o seu mundo de acordo com tal desejo. Só que não acredita que, de fato, se tenha desejado como é." (Herrmann, 1984, p.10-11)

A maneira como Herrmann coloca o sujeito, sua relação com o social e seu fazer história, auxilia e amplia nosso olhar e dirige nossa atenção para as contribuições que a Psicanálise possa vir a fornecer para a compreensão do fazer história. Entende-se que sujeito é tanto aquele que está sujeito a, o que enfatiza seus aspectos de dependência, passividade ou constrangimento, como também se aplica a aspectos da ação, liberdade, iniciativa, como nas expressões "sujeito da oração", "sujeito de direito", "sujeito político". Assim, o sujeito se forma no entrecruzamento de várias linhas de força. Algumas que ele determina e outras que o determinam. (Mezan,2002)

Pode-se dizer que o mundo humanizou-se tanto, está tão fabricado que o lado desconhecido do desejo humano apareceu mais do que devia. O homem passou a ver-se mais que devia, cada vez mais absurdo para si mesmo. Para esta loucura que transformamos o mundo, a Psicanálise pode apresentar uma resposta à medida que utilizando-se do método interpretativo criado por Freud pode apresentar ao homem o absurdo que o constitui, e

"se possível, ajudá-lo a reconciliar-se com ele, com o absurdo, e consigo mesmo."(Herrmann,1984:16)

Vista por esta dinâmica, a história expressa os desejos humanos na medida em que é produto da dinâmica particular de cada um e destes com a cultura. Ela é o processo educativo do civilizar humano. Expressa a universalidade, a singularidade e a particularidade da constituição do ser humano. Enquanto processo educativo ela é universal, pois se apresenta como a necessidade daquilo que todos precisam para civilizar-se, ou seja, as regras sociais criadas por outros homens, em outras épocas e que servirão de modelo identificatório para aqueles que nascem tornarem-se membros de determinado grupo. Neste sentido, conhecer a história do seu grupo, da sua cultura auxilia a desenvolver o sentimento de pertencimento, fundamental à constituição e desenvolvimento do sujeito. Mas, é na forma como cada cultura educa, contém, limita, proíbe, pune e conforma o psiquismo que está a particularidade e a singularidade da história. É por meio da dinâmica entre o social e o individual que a história se constitui, e, oferece elementos para cada época construir-se diferentemente de outra a partir da reelaboração dos vestígios anteriormente criados. Desta forma, a história é construída e construção do humano.

 

História e Cultura

Para a Psicanálise, a origem da história da civilização e da cultura é relatada através de um mito, o da horda primitiva: Totem e Tabu. O evento fundante das relações entre os homens seria a morte do pai primevo, descrito por Freud. Freud cria este modelo para ilustrar alguns aspectos da cultura interessantes à psicanálise: a violência, a ineducabilidade do ser humano ou sua agressividade. A partir deste mito, Freud cria sua hipótese de que os homens teriam se unido e fundado a vida social, ou seja, a cultura.

Importante registrar que Freud não diferencia o termo civilização de cultura, e a história é o resultado da dinâmica que se vem estabelecendo entre as instâncias do social e do psiquismo humano.

Nos primeiros parágrafos de O Mal Estar na cultura Freud não estabelecerá a diferença entre os termos cultura e civilização e os define como "Tudo aquilo no qual a vida humana se elevou acima das suas condições animais e se distingue da vida animal". Ou seja, tudo aquilo que o homem conseguiu construir durante sua história seja no nível das relações sociais(as instituições sociais) e da arte(expressão do seu conteúdo imaginário/psíquico). Apesar de não explicar os motivos da não diferenciação entre cultura e civilização, isto parecer pouco relevante no texto, é importante conhecer seus significados.

Os filósofos alemães do século XVIII e XIX diferenciaram cultura de civilização, e Freud vai utilizar o significado do termo cultura conforme o entendimento destes pensadores. Para eles a civilização está relacionada aos bens materiais, mundanos enquanto que a cultura àquilo que é apropriado ao desenvolvimento dos indivíduos. Este processo ocorre através do tempo, onde os recém chegados devem ser introduzidos. Cada um tem que absorver o máximo dessa tradição cultural. A cultura inclui valores e exemplos, ela contém 'referenciais identificatórios'. O processo de apropriação destes referenciais identificatórios, a aquisição dos modelos, exemplos e valores constitui a tarefa de se formar, de se cultivar que é chamada de Bildung. O bild em alemão significa uma 'estrutura', uma armação estável, algo que permanece do jeito que se fez, por isto o termo conota tanto a idéia de algo organizado internamente quanto o aspecto visual de algo que aparece, que pode ser visto.

"(...) A pessoa que passou por este processo de Bildung é um indivíduo cultivado, gebildet: é alguém que tem uma espécie de solidez interior, dada justamente por esta estrutura estável, mas também pessoal, própria de quem a possui.(...) Há uma promessa de prazer envolvida, e essa estrutura interna é construída apoiando-se nos referenciais identificatórios que a cultura fornece.(Mezan,2002:332)

Esta concepção inclui ainda a idéia de que é impossível alguém autoformar-se. Este processo só é possível com um outro humano. Este pode ser o professor, o modelo, o colega, algo que se lê e que inspira, o contexto da cultura, um artista, um cientista,etc, mas sozinho o indivíduo jamais se torna um homem cultivado.

"A aquisição destes modelos da cultura dependem de uma experiência vivida, que só pode ser proporcionada no contato com aquilo que se fez antes de mim; e o que se fez antes de mim está encarnado, exemplarmente, no Outro." (Mezan,2002)

Desta maneira, a Bildung é a formação do lado subjetivo daquilo que objetivamente se manifesta como cultura. "Cultura é o conjunto das produções humanas; Bildung é a maneira pela qual me aproprio disso e o torno meu"(Mezan,2002:339). Este idéia alemã de cultura pressupõe que o ser humano é como um campo pronto para ser arado e daí germinarem coisas!As 'coisas' que se caem neste campo, resumidamente, é a história humana. É então a partir desta diferenciação entre cultura e civilização e da Bildung que Freud elaborará a sua teoria da cultura.

Renato Mezan(1985) busca a apreensão da teoria freudiana da cultura e as contribuições que Freud teria deixado para entendermos a relação individual- social. Este autor observa que a relação pulsão de vida e a pulsão de morte, assim como o complexo de Édipo serão os pilares que fundam a cultura e por isso deverão servir de referenciais teóricos para pensar a cultura. Para Freud, os fenômenos culturais são

"(...) apenas como elementos de um balanço econômico que se opera no nível do indivíduo, e onde será decisivo o resultado da comparação entre prazer e desprazer"(Mezan,1985,484). Assim a cultura é o espaço que precisa de "enorme investimento de cada indivíduo em atividades realizadas afastadas do erotismo fundamental, e que ao mesmo tempo este investimento só pode provir da sublimação das pulsões sexuais (pré genitais) ela impõe a cada qual uma renúncia cada vez mais intensa às demandas eróticas.(...) a cultura se constrói com a energia desviada da libido, e esta termina por protestar; embora a intensidade da renúncia libidinal possa ser diminuída(...), a necessidade desta renúncia é contínua e integral, sob pena de desmoronamento da civilização."(Mezan,1985,488)

Segundo Mezan, o social e o psíquico são constituídos pela mesma substância, ou seja, o assassinato do pai da horda. Este ato institui o complexo de Édipo e faz surgir no mesmo movimento o desejo, a culpa e a proibição ao incesto. Cada uma destas faces tem um caráter psíquico e outro social. Tendo sido fundado na mesma origem, a analogia vai tanto do psíquico individual ao psíquico coletivo como na direção oposta. Sendo assim, a vida social remete "'atualização de algo que a funda e ao mesmo tempo só por ela vem à existência efetiva(...)"(MEZAN, 1985,p.543)

Os elementos inconscientes constituintes do sujeito individual também aparecem no social. Por uma dinâmica entre estes âmbitos e perpassada pelo desejo é que se faz a História e age o sujeito histórico. Temos entendido que o movimento e a dinâmica humana ocorre para além da intenção e, mais, incluída de desejo humano. Para que cada indivíduo forme sua identidade e se constitua parte da cultura é necessário que a sua formação se dê na conformação das experiências sociais e individuais. A subjetividade é instituída socialmente, é criação da sociedade, ao mesmo tempo que é resultado de processos interno, inconsciente, psíquico e individual, promove a singularidade do ser diante dos seus semelhantes.

Para que este processo se realize é necessário que toda sociedade produza modos de aculturação eficazes para transformar os mais novos em membros daquele grupo. Consideramos a escola este importante meio e que pode, ou não, auxiliar na formação e desenvolvimento dos sujeitos que a ela se oferecem.

 

A Cultura e a Educação

A educação, e a escolar de maneira específica, funciona como meio de apresentar ao indivíduo os valores da cultura a qual pertencerá. Os processos pelos quais cada um introjeta, incorpora, absorve o que é próprio da sua cultura, ou seja, os processos pelos quais cada um se torna humano, e, parte da cultura, é a psicanálise que pode responder. A sociedade oferece os modelos. O sujeito se identifica, se organiza psiquicamente, investe de sentido psíquico aquilo que o ambiente lhe oferece e conforme sua necessidades.

A educação escolar enquanto espaço possível de modelo identificatório deve ser bem ancorada e integrada para que as identificações se fundem, senão pode possibilitar a oscilação de sentimentos de identidade desencadeando angústias intensas que geram a doença mental. A educação como instituição que veicula os objetos da cultura, habilita o sujeito para poder gozar deles, para tomá-los como objeto de desejo. Mas, a educação não tem alcançado este objetivo, haja vista as grandes dificuldades vividas na educação: desempenho escolar, dificuldades de aprendizagem, política pública contraditória, evasão, violência, etc. Por isso, a necessidade de se utilizar outros referenciais para pensar o ato educativo.

Concebendo que o conhecimento se dá através do afeto, e que a ligação do sujeito com o outro significa investimento afetivo, assim, todo vínculo educativo envolve aspectos afetivos como ingredientes essenciais. A partir de suas pesquisas no final do século XIX e início do XX, Freud passou a considerar o afeto como combustível da educação e do aparelho mental, como máquina de pensar, agir e sentir cujos objetivos essenciais são a recusa do desprazer e a descarga redução das tensões. "Para concretizar esse intento, a mente fabrica devaneios, fantasias, sonhos e até neuroses, processos como repressão, identificação, transferência e sublimação são os ingredientes da formação do sujeito, embora ele não tenha consciência disso. As ações e intenções humanas manifestam-se de forma consciente e inconsciente, isto é, como realidade que transcende as aparências".(OLIVEIRA, 2003,5)

No sentido mais amplo a educação é considerada pela Psicanálise como processo inerente ao desenvolvimento humano e que a aprendizagem substitui o comportamento instintivo. Assim, pode-se afirmar que o humano se constrói na relação com o outro e, não, sozinho. Por isso, para Oliveira (2003) a função do educador não se restringe somente a técnicas, mas no envolvimento que possa vir a ter na relação. Aprender a se constituir implica superação e transformação de impulsos. O papel do educador é o de oferecer suporte para que os impulsos alcancem representatividade na escrita, na leitura, na criatividade e no gosto pela descoberta. A educação é formatação dos desejos, amansamento dos impulsos, humanização e criação. Ela substitui a frustração ao conformar o desejo de tudo querer. À pergunta tão comum, o que devo fazer? Junta-se outra: o que devo ser? A primeira é da ordem da técnica, da ação e não inclui o educador, a segunda alerta para o quanto o educador está envolvido no processo.

"Freud concebe a educação bem sucedida como sendo aquela que luta para dar voz aos sonhos infantis. Trata-se de uma técnica humana que assegure a permeabilidade entre realidade psíquica e realidade externa, um processo que substitua os instintos, que busque o ponto ideal que permita atingir o máximo com um mínimo de dano. A criação, num sentido genérico."(OLIVEIRA, 2003,10)

Neste sentido e conforme sua não pretensão de tornar-se um método de ensino ou uma teoria da aprendizagem, a Psicanálise pode auxiliar os professores não só com informações sobre os conhecimentos acumulados sobre o desenvolvimento afetivo das crianças, mas também com informações sobre aspectos que subjazem na relação educacional. Na relação com o outro (pais e professores) as crianças aprendem mais do que nossa intenção quer ensinar.

Concebida desta forma, a relação educacional não pode ser entendida a não ser no campo da intersubjetividade. O reconhecimento da intersubjetividade pode transformar as demandas dos recursos técnicos na busca de informações para o autoconhecimento. Conhecendo sobre seus desejos poderá o educador guardar e fazer ver o desejo de conhecer do outro, podendo ser capaz de acolher, de pensar, de promover transformações, simbolizar e sonhar, dando sustentação ao processo civilizatório(OLIVEIRA,2003).

A Psicanálise recusa-se à tarefa de prometer prazer e empenha-se em permitir que o que faz o homem sofrer mostre sua face, presentifique-se na experiência humana para que possa ser tratado e cuidado e não apenas excluído da consciência pelo recalque. Dentre as várias terapêuticas criadas da dor na atualidade, a Educação pode ser uma delas.(OLIVEIRA, 1996,33)

 

Considerações finais: história, psicanálise e educação

Vista a História pela Psicanálise pode-se melhor compreender porque o homem repete a guerra mesmo já sabendo da sua catástrofe, porque mata em nome de Deus se a religião prega o amor ao próximo, porque busca a felicidade em teorias e 'remédios' para o corpo e para a alma (descobertas bio-médicas, remédios anti-depressivos, pílulas da potência sexual, etc) mesmo que não as alcance de fato. Olhada pela Psicanálise, a História pode compreender o sujeito em sentido mais amplo. Tanto como aquele que está sujeito a, como também aquele que se aplica a aspectos da ação, liberdade e iniciativa.

A história expressa os desejos humanos na medida em que é produto da dinâmica particular de cada um e destes com a cultura. Ela é o processo educativo do civilizar humano. Expressa a universalidade, a singularidade e a particularidade da constituição do ser humano. Enquanto processo educativo ela é universal, pois se apresenta como a necessidade daquilo que todos precisam para civilizar-se, ou seja, as regras sociais criadas por homens que existiram antes de nós, em outras épocas e que servirão de modelo identificatório para aqueles que nascem tornarem-se membros de determinado grupo e modificarem-na. Neste sentido, conhecer a história do seu grupo, da sua cultura auxilia a desenvolver o sentimento de pertencimento, fundamental à constituição e desenvolvimento do sujeito. Mas, é na forma como cada cultura educa, contém, limita, proíbe, pune, conforma o psiquismo que está a particularidade e a singularidade da história. É por meio da dinâmica entre o social e o individual que a história se constitui, e, oferece elementos para cada época construir-se diferentemente de outra a partir da reelaboração dos vestígios anteriormente criados. Desta forma, a história é construída e construção do humano.

Entender a relação que se estabelece com o outro para a constituição de si é fundante e necessária para compreender a dinâmica que se estabelece com cultura e com a educação. A maneira como nos relacionamos com o outro desde a mais tenra idade será definidora das relações que estabeleceremos com a cultura e com todos os outros ingredientes que compõe a vida social e psíquica: o trabalho, a paixão, o casamento, o esporte, etc. O adulto está na condução, no direcionamento da formação do sujeito. A condição psíquica que ele tiver para melhor acolher, para compreender sua posição de adulto-autoridade e função adulto-educador-castrador diante do outro pode diferenciar o produto advindo desta relação civilizatória. Os homens são constituídos de desejo e desconhecem o fim do mesmo. Na relação educativa não acontece diferente, pois, tanto professor como aluno são sujeitos desejantes. E por pior ou melhor que seja e se estabeleça esta relação ela estará certamente perpassada pelo desejo de ambos. Por isso, entende-se que o desejo e a história, assim como aprender, não são movimentos progressivos, contínuo, bom para um ou outro envolvido, mas sim que esta relação esta marcada para além do desejo, da angústia, da transferência, da dor, do afeto, das fantasias que constituem a vida mental. Por isso, a tarefa de educar e formar não se faz como o educador ou a instituição responsável, seja ela a escola ou a família, quer ou planeja. Ela envolve elementos sociais, culturais, econômicos, e, principalmente, os psíquicos (os desejos humanos) que vêm sendo desconsiderados por educadores, psicanalistas, políticos sociais.

Assim, a sociedade que criamos, a forma como "escolhemos" para criar, punir, educar, etc, são resultados da dinâmica entre o individual e o social e servem de modelo aos membros mais novos que incorporam, introjetam e absorvem aquilo que é próprio de sua cultura, de sua época e do ser humano. Aquilo que chamamos de desumano pode ser entendido como sintomas do descompasso do modelo identificatório com as necessidades psíquicas do desenvolvimento.

A educação, enquanto instituição social designada à transmissão dos conteúdos humanos valorizados nesta sociedade e responsável pela formação do sujeito, pode usar dos conhecimentos da Psicanálise para repensar as relações educativas e da concepção de história para educar o sujeito para a cultura e o conhecimento de si. Se a história puder ser ensinada como expressão do humano ela pode servir à educação como um dos instrumentos para formação e transformação do sujeito.

 

BIBLIOGRAFIA

BERMAN,M. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade(trad. Carlos F. Moisés, Ana Maria L. Ioriatti) . São Paulo:Cia das Letras,1986)

HERRMANN, F. O que é Psicanálise? São Paulo:Brasiliense,1984

HOBSBAWN, E.. A Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991(trad. Marcos Santarrita). São Paulo: Cia das Letras,1995.

MEZAN, R. Freud Pensador da Cultura, São Paulo:Brasiliense, 1985.

MEZAN, R. Interfaces, São Paulo: Companhia das Letras,2002.

OLIVEIRA, M.L. A formação do Educador: contribuições da pesquisa psicanalítica. (texto xerocado e provisório), 2003.

OLIVEIRA, M. L. Por que a Psicanálise na Educação : fragmentos. In: revista Perfil, nº IX, 1996, Departamento de Psicologia Clínica, FCL, UNESP, Assis, SP, pp. 25-35.