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An. 1 Simp. Internacional do Adolescente May. 2005

 

Da juventude em tela: os adolescentes vistos pelo cinema

 

Julio Groppa Aquino

 

Com o intuito de configurar algumas reflexões preliminares sobre o tipo de abordagem cinematográfica da temática da "adolescência", foram eleitas três recentes obras consideradas ao mesmo tempo "de qualidade" e "polêmicas", tendo sido aclamadas tanto pelo público quanto pela crítica. A saber: Ken Park (2002), Elefante (2003) e Aos treze (2003). As três produções são norte-americanas. Conheçamos brevemente seus enredos.

KEN PARK (por Larry Clark e Edward Lachman)

Ken Park narra um período de 48 horas das vidas singulares de quatro adolescentes: Shawn, que mantém relações sexuais com a mãe da namorada; Claude, um jovem aficcionado por skate e oprimido pelo pai beberrão; Tate, o mais desconcertante de todos, o qual convive com os avós a quem odeia e maltrata constantemente; e Peaches, a única garota dos quatro, a qual é obrigada a lidar com as bizarrices do pai viúvo e fanático religioso. O filme apresenta ainda uma série de outros personagens "estranhos", adultos ou não, com os quais os quatro personagens principais convivem. Aqui, nada há de "normalidade", ou, se há, apresenta-se apenas como uma espécie de superfície de práticas bastante heterodoxas.

O enredo é apenas um pano de fundo para expor o cotidiano atípico de uma parcela dos jovens americanos contemporâneos. Marcados pela díade sexo/drogas, seus atos parecem se constituir como uma linha de fuga constante mediante as imposturas dos mais velhos, redundando num encarceramento no presente e na subtração máxima de sensações corporais.

Em Ken Park, a juventude parece representar uma caixa de ressonância dos descaminhos morais da vida adulta. Mais especificamente, são os pais ou parentes dos personagens os que mais abusam dos filhos ou os manipulam, seja de modo explícito, seja velado. O desfecho de tal configuração é, na maior parte das vezes, trágico. Por isso, talvez, o título do filme. Trata-se do nome de um garoto skatista ruivo e sardento, cujo destino é dado a saber logo no início: ele se mata diante da câmera, disparando um tiro contra a própria cabeça.

AOS TREZE (2003, por Catherine Hardwicke)

Aos Treze acompanha o intrincado processo de transformação de Tracy, uma estudante adolescente típica que mora nos subúrbios de Los Angeles com o irmão e a mãe cabeleireira. Ao ingressar no ginásio, a personagem entra em contato com a forte pressão dos grupos escolares e, a título de angariar "popularidade" entre seus pares, torna-se amiga de Evie, a garota mais conhecida da escola. Ela então é apresentada ao submundo do sexo, das drogas, dos pequenos roubos e da mutilação, o que gera uma pessoa agressiva e a coloca em conflito com seus antigos colegas e, principalmente, com sua mãe.

A protagonista vive num ambiente familiar mais parecido com o de uma república adolescente: o pai é ausente; a mãe mora com o namorado recém-recuperado das drogas e age como sendo da mesma idade que ela. Daí, talvez, a forte ligação entre as duas colegas, Tracy e Evie, as quais exibem uma capacidade acentuada de mentir e manipular os adultos.

Aos Treze propõe-se a retratar as mazelas do ingresso no mundo adulto pela porta dos fundos, digamos. Uma espécie de negativo fotográfico de uma parcela crescente da presente geração de jovens e, principalmente, de um mundo adulto atravessado por pendências morais.

ELEFANTE (2003, por Gus Van Sant)

Embora não se trate de uma reconstituição, Elephant narra as 24 horas que antecedem o massacre, em 1999, da escola Columbine, EUA, em que dois rapazes, antes de se suicidarem, mataram 12 colegas e um professor.

Embrenhando-se nos corredores labirínticos da escola, o filme retrata, à moda de um quebra-cabeça, várias situações cotidianas envolvendo sete ou oito personagens adolescentes. Por meio de suas histórias cruzadas, é possível adentrar o mundo complexo da adolescência contemporânea e deter o olhar sobre os comportamentos dos protagonistas quando deixados à própria sorte.

Na cena inicial do filme, o pai de um dos adolescentes retratados está levando o filho para a escola. Embriagado, ele precisa da ajuda do jovem para voltar para casa. Talvez aí resida a tese principal do filme: os atos limítrofes dos adolescentes talvez sejam apenas uma reação ao mundo adulto do modo tal como hoje está configurado.

A propósito, o título elephant remete a uma parábola budista segundo a qual vários cegos dispostos em torno de um elefante são capazes de o ver em seus pormenores, mas nenhum o consegue ver na totalidade. Em última instância, tratar-se-ia de algo semelhante à nossa atitude mediante as novas gerações.

 

Algumas considerações

Em maior ou menor grau, temos, nos três filmes, um painel de traços hiper-realistas, e talvez de denúncia, sobre o cotidiano de adolescentes americanos (de classe média) em situação de vulnerabilidade psicossocial, esta traduzida em uma série de atos banais de violência física e moral, auto e hetero-impingidos, os quais ultrapassam em muito a imagem de antagonismo geracional supostamente típica dos tempos juvenis.

O viés de análise do material cinematográfico por nós eleito aponta menos para um estado de coisas anômalas carreado por uma juventude "transgressora", e mais para um quadro de desagregação das práticas sociais que delimitam as possibilidades subjetivantes das personagens (em particular, o tipo de envolvimento com os adultos com que se defrontam cotidianamente).

Isso significa que parece haver, em curso, um processo crescente de diluição das fronteiras sócio-culturais que historicamente distinguiam as experiências características do jovem daquelas do adulto, redundando numa espécie de deriva identificatória para os mais novos.

Em disputa pelo monopólio de uma certa "jovialidade de longa duração", jovens e adultos vêem seus lugares e papéis justapostos, às vezes invertidos – donde a vivência juvenil tornada uma espécie de simulacro de determinadas experiências limítrofes do mundo adulto (mormente aquelas ligadas ao sexo, às drogas e à violência), segundo as quais o viver passa a ser ajuizado por sua intensidade, e não mais por sua durabilidade.

Tal modo de organização societária, no que diz respeito ao convívio entre as gerações, não tardará a mostrar seus efeitos, visto que não há futuro sustentável para os jovens (e, por extensão, para o mundo público) sem a imersão numa certa tradição – noção arendtiana definida por Jurandir Freire Costa como "a imagem do mundo segundo a força e o talento dos ancestrais".

Se, por um lado, tal processo é responsável pela gestação de inéditos modos de subjetivação juvenil, por outro, ele enseja alguns perigos, principalmente no que diz respeito à erosão tanto da autoridade dos mais velhos quanto da autonomia dos mais novos, estas alvos precípuos do embate entre as gerações (leia-se, educação) e, conseqüentemente, ingredientes basais de uma certa antevisão de futuro.