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An. 1 Simp. Internacional do Adolescente May. 2005

 

Adolescentes em conflito com a lei: construções teóricas e metodológicas sobre a medida socioeducativa a partir das significações das famílias e dos técnicos

 

 

Maria Lizabete de Souza PóvoaI; Maria Fátima Olivier SudbrackII

IPsicóloga e terapeuta de adolescentes, adultos e família. Professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, mestre em Psicologia pela Universidade de Brasília e em Educação pela Universidade Católica de Brasília e doutoranda em Sociologia pela Universidade de Brasília. Centro de Atendimento Psicopedagógico - Brasília – DF – 70 000000 - Tel Res: 27309499 Cel. 9994 0311 Fax: 2743467 - E-mail: lizapova@hotmail.com.br
IIPsicóloga e terapeuta de adolescentes e família. Professora titular do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília. Coordenadora do PRODEQUI/UnB, pós doutora em psicossociologia, doutora e mestre em Psicologia. Endereço: Departamento de Psicologia Clínica o Instituto de Psicologia - Universidade de Brasília - Brasília. Distrito Federal - Telefone: 307 2625 Ramal307 – Cel 9977902 - E-mail: fatsud@unb.br

 

 


RESUMO

Este estudo investigou as concepções e vivências, da família e do técnico, sobre as medidas socioeducativas no contexto das reuniões multifamiliares, denominadas encontros. Destes encontros foram focalizados três com suas respectivas intervisões (reuniões de planejamento e avaliação). As reflexões ocorridas nestes, que focalizaram a medida socioeducativa, permitiram que a família e o técnico compartilhassem suas experiências institucionais. Neste espaço de maior acolhimento e aproximação puderam expressar seus sentimentos, desejos, crenças e críticas sobre as medidas socioeducativas e sobre a aplicação das mesmas no sistema institucional.

Palavras chaves: medidas socioeducativas, adolescentes em conflito com a lei, grupo multifamiliar


ABSTRACT

This research has investigated the conceptions of the relationship of the family and the expert, about the social educative measurement in the context of the multifamily meetings, denominated encounters. These encounters are focused in three particular alternation of the natural orders (planning meetings ad evaluations). The reflections noticed on those, who focused the social educative measures, allowed the family and the expert to share the fundamental experiences. The welcome environment and the approach made it possible to express their feelings, desires, beliefs and criticize the social educative measures and how it is applied in the institutional system.

Key words: social educations mesure, teenagers in conflict with law, multi-familiar group.


 

 

1.1.Introdução

Selosse (1997), psicossociólogo francês, permitiu uma nova abordagem para adolescente em conflito com a Lei no contexto jurídico. Nesta abordagem o jovem é tido como judiciável, não apenas sujeito à Lei, mas visto como sujeito psicológico – com sua história, sua palavra e sua verdade. O ato delinqüente é tido como resultante de múltiplas determinações de caráter social e psicológico, onde o jovem é ao mesmo tempo sujeito e objeto, agente e paciente de seu processo de socialização.

Focalizando a dimensão familiar da delinqüência juvenil Sudbrack (1992) destaca a função paterna, e ressalta que a passagem ao ato delinqüente, além de seus aspectos individuais e sociais, culturais e institucionais, é uma manifestação, no exterior, daquilo que o jovem não pode dizer no interior da família. O ato delinqüente projeta o jovem para fora de sua família, rumo a um terceiro – o juiz – e rumo a um sistema educativo de assistência.

Para Selosse (1997) o juiz representa o interdito e o espaço jurídico constitui-se num excelente espaço de mobilização do jovem e da família em crise, devido à ocorrência do ato delinqüencial. O apelo à Lei permite resignificá-la como protetora, operante e estruturante, oferecendo ao jovem os limites que ele não conheceu ou conheceu de forma punitiva. A intervenção judicial – com suas medidas psico-socio-educativas – incita o adolescente a uma mudança no estilo de vida através de uma reorganização psíquica, permitindo que ele saia da interdição para o interdito, introjetando a Lei. Para este autor, a instituição jurídica tem um papel educador e reparador, constituindo-se num terceiro que restitui ao jovem a sua palavra, permitindo-lhe resgatar o sentido de seu ato. Assim, o acompanhamento a ser dispensado pelas instituições sócio-juridicas deve possibilitar o alcance das três dimensões da medida socioeducativa, quais sejam: 1) a repressiva da sansão – para que o jovem possa ter a oportunidade de contatar com o aspecto protetor da Lei – o "não" do interdito – para a introjeção da interdição; 2) a da orientação psicopedagógica, para reconduzi-lo dentro do processo de reinserção social; e 3) a da reparação para que internamente promova a reconciliação consigo mesmo e com a sociedade.

Segundo Selosse (1997) e Sudbrack (1992), o acompanhamento institucional deve possibilitar ao jovem um espaço transacional onde ele possa expressar seus sentimentos, suas dificuldades e seus sonhos, elaborando sua experiência através de uma relação autêntica com o educador. Esse deve ser uma referência firme e segura, que comunica de maneira simbólica os aspectos éticos-sociais. O trabalho educativo que inclui a mediação deve permitir a emergência de conteúdos manifestos e latentes possibilitando a regulação de novas relações do sujeito consigo mesmo e com o outro. Para Sudbrack, a mediação deve ser realizada dentro de uma abordagem sistêmica, permitindo ao jovem entrar na teia social e se libertar da dupla estigmatização a que é submetido: a familiar e a social. Essa tarefa deve ser realizada logo após o delito, para que o adolescente possa realizar mais prontamente a sua reparação, restituindo, assim, a sua imagem prejudicada pelo ato infracional.

Tendo em vista a importância das dimensões jurídica, social, institucional, familiar e pessoal do adolescente em conflito com a Lei, no trabalho realizado, buscou-se o aspecto protetor da Lei, procurando, dessa forma, adequar às demandas do adolescente, da família e do técnico para que o acompanhamento reparador da medida sócio-educativa pudesse ter sentido e se tornar efetivo.

Pretendeu-se neste estudo, ao nível da intervenção, oportunizar aos adolescentes, pais e equipe técnica (monitores e técnicos) das áreas – executora, fiscalizadora, jurídica e social que acompanham jovens em medidas sócio-educativas, uma reflexão sobre os problemas que lhes afetam. Buscou-se, assim, contribuir para uma ampliação das significações das medidas socioeducativas para a família e o técnico. Promover um constante diálogo entre esses atores para que pudessem rever sua prática e resgatar suas competências. Desenvolver metodologias que considerem o adolescente, a família e o técnico como atores do trabalho educativo.

Ao nível da pesquisa, buscou-se investigar as significações da família e dos técnicos quanto à medida socioeducativa, no contexto das reuniões multifamiliares.

 

1.2.Metodologia

1.2.1 Da intervenção

A metodologia das Reuniões Multifamiliares seguiu o modelo de Costa & Melo (Costa, 1998) que utiliza: 1) a orientação da sessão psicodramática em três etapas: aquecimento, dramatização e o compartilhar, bem definidas com início meio e fim; 2) O princípio das redes sociais, que rege a formação de redes de interação através da mobilização do relacionamento natural das famílias como sistemas de suporte para elas mesmas. Este sistema é considerado mais potente do que o da responsabilidade profissional porque parte do pressuposto de que a rede, como as famílias, contém em si o germe da mudança, a qual é mais eficaz quando realizada entre iguais; 3) O conceito de terapia familiar múltipla de Laqueur, cujo princípio básico é a função terapêutica assumida pelas famílias, as quais, por semelhança e identificação, apontam soluções e possibilidades de mudança; 4) A Sociometria de Moreno.

As atividades realizadas foram: 1) as reuniões multifamiliares com a participação dos adolescentes, familiares e corpo técnico envolvido no acompanhamento da medida sócio-educativa; 2) intervisões com corpo técnico das instituições e alunos da graduação e pós-graduação da UnB, com objetivo de planejamento e avaliação das reuniões multifamiliares.

1.2.2. Da pesquisa

Foi utilizada a abordagem de Levy (2001), para a pesquisa interventiva na qual o pesquisador interfere no campo estudado ao aplicar um projeto de desenvolvimento das interações intra e inter familiares e institucionais, promovendo, assim, mudanças psicossociais. Essa intervenção: 1) coloca a mudança como foco do processo grupal; 2) busca a realidade intersubjetiva propondo novas relações através da linguagem e da participação ativa dos diferentes atores sociais na mudança que lhes dizem respeito; 3) propõe-se articular os recursos existentes e ampliar as ações coordenadas com outros setores (das políticas sociais, comunitárias, etc.) contando com a participação de profissionais de diferentes formações.

A compreensão do comportamento do adolescente na sociedade atual foi embasada na perspectiva da psicossociologia francesa proposta Gaulejac (1994), Selosse (1997), Enriquez (2000), Levy (2000). Tal corrente da psicologia social se propõe a estudar os grupos, as organizações e as comunidades, considerados como conjuntos concretos que mediam a vida pessoal dos indivíduos e são por esses criados, geridos e transformados. Portanto, essas condutas, tanto dos indivíduos, como dos grupos, como das organizações e comunidades, no quadro da vida cotidiana, se tornam objetos de pesquisa, de reflexão e análise desta disciplina. Desse modo, na intervenção, a compreensão dos fatores grupais, institucionais e sociais que se relacionam aos adolescentes em conflito com a lei é fundamental. A psicossociologia recusa-se a separar o indivíduo e o coletivo, o afetivo e o institucional, os processos inconscientes e os processos sociais, ancorando-se na questão da complexidade e da pluridisciplinaridade As demandas sociais, hoje, são demandas psicossociais, organizando-se em função de um objeto comum. O psicológico está relacionado à subjetividade, enquanto o sociológico à questão da identidade. A psicossociologia remete-se ao questionamento fenomenológico do que conduz o indivíduo e a sociedade a construírem a sua história, desejar mudar o mundo e a provocar mudanças em si mesmos. Esse profissional trabalha o social no âmbito da emoção, da subjetividade, da afetividade e do inconsciente; e o psíquico no âmbito da cultura, da língua, do simbólico e da sociedade.

Dos sujeitos da pesquisa

Constituíram-se sujeitos da pesquisa 15 adolescentes (que cumpriam diferentes medidas sócio-educativas, desde a prestação de serviços a comunidade à internação), 50 familiares, 19 participantes da equipe técnica (psicólogos, assistentes sociais, pedagogos, monitores) do CAJE (Centro de Atendimento a Juventude Especializado), SEMSE/VIJ (Setor de Medidas Sócioeducativas da Vara Infância e Juventude), CDS (Centro de Desenvolvimento Social da Secretaria de Estado e de Ação Social) e Semi-liberdade envolvidos na fiscalização e execução das medidas sócio-educativas e alunos da equipe de pesquisa da UnB ligados ao PRODEQUI. Os adolescentes e familiares foram encaminhados pelas diferentes instituições envolvidas: CAJE, SEMSE/VIJ e CDS e Semi-Liberdade do Gama.

As informações foram colhidas a partir de oito reuniões mutifamiliares mensais das 15 reuniões de intervisão, de tiveram um total de quatro horas de duração. Os dados foram extraídos da filmagem, em vídeo das reuniões, dos trabalhos realizados pelos participantes durante as reuniões (colagem, cartazes, imagens, expressão corporal, dramatizações) e dos relatórios dos estagiários, alunos e pesquisadores do PRODEQUI/ UnB.

A análise interpretativa do conteúdo temático teve como fundamento a epistemologia qualitativa de González Rey (2002). Essa proposta metodológica se relaciona com o ponto de vista pós-moderno proposto por Grandesso (2000). Para o autor, as construções do terapeuta investigador devem privilegiar o cenário subjetivo dos clientes, próprios de suas construções e sentidos.

 

1.3. Descrição e Análise dos três primeiros encontros e intervisões

O primeiro encontro teve como tema – "Como estou vivendo a medida sócio-educativa?" – e objetivou uma análise das implicações da medida sócio-educativa na vida de cada um dos participantes, através da reflexão sobre questões: Como vê a medida hoje? O que é a medida sócio-educativa para você? Como está vivendo a medida sócio-educativa? Essa discussão foi realizada em pequenos grupos após o aquecimento inicial, no qual as pessoas – dispostas em círculo e ao som de uma música – se olhavam e se reconheciam, declarando solenemente o seu nome, após se conhecerem. As reflexões sobre a medida feitas em subgrupos foram expressas num painel apresentado em sessão plenária.

Este encontro teve um grande número de participantes, 73 pessoas. Foi esclarecido que o objetivo da reunião era criar um lugar onde as pessoas teriam "corpo, voz e vez" (metáfora introduzida pela equipe técnica), podendo falar da suas relações, inclusive com a justiça. Muitos familiares aproveitaram-se do espaço para denunciar os maus-tratos que seus filhos vinham sofrendo nas unidades de internação. O grupo criou uma identidade expressa nas metáforas utilizadas – "estamos no mesmo barco", "navegando para um porto seguro" - e foi capaz de detectar e controlar os ritmos do metabolismo grupal, oferecendo sugestões para a fadiga e a temporalidade. A aceitação do método psicodramático com seus princípios de criatividade e espontaneidade permitiu a descoberta e utilização de habilidades pessoais, bem como a adequação dos recursos às pessoas.

Nesse contexto, as falas dos participantes encerram quatro zonas de sentido construídas a partir de frases ilustrativas, projetadas em figuras, são estas: 1 ) a zona de sentido da impotência da família face à situação infracional do filho; foi elaborada a partir das falas:"me senti sem chão", "sou prisioneiro de mim mesmo"; "sinto-me como uma criança que não sabe agir" etc.; 2) Desejo de ter uma família unida e capaz de cuidar. Essa zona de sentido foi construída das falas que acompanhavam os cartazes "um ninho" "Quando um filho cai nós temos que estar bem para ajudá-lo" "A família se uniu" "A base da família é o pai e a mãe. Tem muito pai ausente""Nós não precisamos mentir, nós sabemos como enfrentar a situação temos "coragem de enfrentar". 3) Expectativas em relação à medida socioeducativa e às reuniões; construída a partir das falas: "A medida é uma possibilidade de entrada em cursos e ingresso no mercado de trabalho" Pise no freio. Faça a coisa certa. Fale, Aja e Ouça". 4) Percepção crítica da medida socioeducativa elaborada a partir das frases: "Chega de Violência";"Violência não combate violência" "De nada adianta a liberdade se não temos a liberdade de errar""Me dá dignidade".

As denúncias assustaram a equipe técnica que se sentiu confrontada. Nas intervisões, o corpo técnico pode entender a razão das denúncias e refletir sobre como estavam vivenciando a medida socioeducativa. Através do processo de identificação começaram a perceber os pais não mais inimigos em campos opostos, mas como pessoas que como eles, também se sentiam aprisionados, desqualificados e marginalizados no contexto sócio-jurídico. Nessa intervisão foram criadas três zonas de sentido: 1) Impotência e desvalorização social do técnico; através das metáforas: da armadilha, do touro espetado, da ponte e da expressão, estamos "escorregando na banana"; 2) Reflexão crítica à prática institucional, referenciada à falta de políticas públicas; expressas nas falas: "Ainda não tinha parado para pensar na medida"; "O trabalho do monitor é mecânico";"A política fala de corrupção e a gente fala de dignidade";"Temos que estar mais próximos dos agentes" e da metáfora do alvo ("que a gente - equipe técnica - tenta acertar"), do gráfico (que "dá oportunidade para o menino pensar o que nunca tinha pensado antes"); do relógio que encerra que "Tem um momento na vida das pessoas que se você não agir de forma definitiva o tempo passa..."; do anel e da pulseira ("Precisamos ver o que eles tem de bom")

Com base no primeiro encontro e nas discussões feitas na supervisão elegeu-se como tema para o segundo encontro: Quais as funções da medida? Esta reunião teve o objetivo de focalizar e refletir sobre os três aspectos da medida sócio-educativa. Tal reflexão ocorreu após uma encenação, de caráter didático realizada pelos técnicos. As zonas de sentido percebidas neste encontro foram: 1)Consciência crítica dos pais quanto ao papel da família na medida socioeducativa; dada pelas falas: "Quando estão lá prometem mundos e fundos, quando saem, aprontam de novo". "É um trabalho de conscientização da própria família"; 2) O papel do juiz, quando a família falha; observado através das frases: "A lei aplicada quando a família e a sociedade não estão conseguindo (atender às necessidades do jovem)"; 3) A necessidade de arrependimento e de valorização da vida pelo adolescente em conflito com a lei; tal necessidade foi expressa nas falas: "(é preciso uma) Reflexão sobre o que ele fez" "(é preciso)Assumir o erro, arrependimento do que fez"; 4) A violência vivida pelo adolescente e família na instituição presente nas falas sobre "a violência da polícia e dos monitores". Os participantes nesse encontro formularam propostas que constituíram a quinta zona de sentido; 5) Propostas e sugestões para a instituição: "capacitação e atendimento psicológico para os monitores; "Atendimento psicológico extensivo à família";"Atendimento especializado no caso de drogadição"; "Cursos adequados às necessidades dos jovens". Embora a medida socioeducativa tenha sido significada como "importante" para os diferentes atores, nem pais, e a equipe técnica como um todo, tinham uma percepção clara dos três níveis da medida. Apenas o nível da sansão era bem compreendido por todos e significado como: " um freio, uma sinalização de limites". Depois das reflexões feitas no grupo, os demais níveis da medida, tais como, o da orientação sócio-educativa, inicialmente entendida de forma vaga como "um futuro melhor", assim como a reparação, começaram a ser compreendidos pelo grupo. A orientação sócio-pedagógica foi entendida como aquela que dá ao jovem oportunidade de emprego e a reparação como o momento do adolescente refletir sobre o dano causado a outrem, a família e a ele mesmo. Evidenciou-se, assim, o papel da família em ajudar na promoção desta reflexão.

No início deste encontro, a medida socioeducativa era vista como sendo da esfera da polícia. Havia um movimento das famílias de transferir para o juiz a responsabilidade pelos filhos e para a polícia a competência de vigiá-los. Houve uma ampliação desse nível de consciência e do papel dos diferentes atores. Pais e técnicos estavam mais próximos e puderam expressar como a medida socioeducativa estava sendo cumprida pelos diferentes atores, identificando as disfunções das instituições sociais e a forma excludente com que tratavam a questão do adolescente com problemas de conduta. Puderam, também, idealizar nova forma de realizar o acompanhamento da medida, através das participações harmoniosas, firmes e constantes de todas as instituições envolvidas. A metáfora: "estamos no mesmo barco", significou o "crescer juntos" como parceiros em meio a dúvidas e conflitos, aprendendo uns com os outros. A partir daí, as denúncias que tanto assustavam os técnicos diminuíram sensivelmente, o que permitiu o aprofundamento de outras questões.

Nesse momento dialógico, foram construídos espaços não mais de denúncia, mas de cumplicidade, permitindo que os pais e filhos, junto com a equipe técnica, passassem a se ver como cidadãos sujeitos aos direitos e deveres reivindicando com mais consciência "escola, assistência e trabalho" e "reuniões (como estas) nas unidades de acompanhamento da medida socioeducativa (Centro de Desenvolvimento Social) e nas unidades de internação", "(nessas reuniões é preciso) a participação do Juiz, do médico.". O suporte afetivo oferecido neste contexto permitiu que os pais expressassem seu afeto, saindo do contexto de sofrimento e solidão ao dizerem "aprendi a viver", "hoje sou outra pessoa", "encontrei outra família". Os técnicos puderam neste contexto onde percebiam os pais como inimigos e o adolescente como incorrigível se colocar "como as mães, no lugar delas" e ver "em alguns (jovens) a possibilidade de mudança". Para alguns, os diálogos promovidos nos encontros "aguçou... a sensibilidade como educador".

Segunda intervisão realizada com os técnicos para apreciação de um encontro e planejamento do outro foram com 3 zonas de sentido: 1) Como lidar com o afeto no trabalho institucional; construída a partir das frases: "Tem que ter autoridade e afeto ao mesmo tempo" 2) Contradições da família a respeito das medidas socioeducativas de restrição de liberdade, trazidas pelo técnico; elaborada a partir das falas:"O pai transfere sua responsabilidade para a instituição"; "O pai pede"policia na Instituição 2"; "O pai perde o contato com o filho institucionalizado"; 3) Confusão das famílias quanto aos papéis das instituições na execução das medidas socioeducativas, expressas nas frases:"Confundem polícia com justiça e o juiz com o promotor".

Esta revisão permitiu-lhes vislumbrar o seu papel dentro da Instituição anteriormente tida como "uma incógnita", "uma armadura" e como agentes de mudança capazes de reconhecer que "é possível uma ação conjunta da instituição com as famílias (é possível) uma rede de ajuda". Na condição de mediadores, proposta por Selosse (1995), disseram: "... hoje procuro estabelecer laços (com os adolescentes) e conquistá-los"... "... valorizando a medida sócio-educativa".

Dando continuidade ao processo de compreensão da medida sócio-educativa, que pareceu estar sendo estimulante, elegeu-se o tema do terceiro encontro: Quais são os atores da medida? Esta reunião teve como objetivo identificar e compreender o papel dos diferentes atores que participam da medida sócio-educativa limitados aos adolescentes, aos pais e agora aos técnicos. No aquecimento e entrosamento do grupo as pessoas buscaram se conhecer expressando o que acharam de "bonito" na pessoa com quem buscou contato durante a caminhada inicial. No trabalho em pequenos grupos, os participantes, com a ajuda da equipe técnica, destacaram o papel dos atores da medida sócio-educativa (adolescente, família, corpo técnico, juiz, comunidade, etc). Os subgrupos produziram um painel sobre o assunto apresentado em sessão plenária, após a qual representaram num sociodrama1 como esses atores se articulavam e como deveriam se articular. Nesse encontro foram produzidas 4 zonas de sentido: 1) A violência familiar e institucional "causando a revolta e a exclusão do jovem infrator" através da cena do processo de exclusão do jovem e das frases "A violência começa dentro da própria casa""A instituição às vezes trata com dignidade, às vezes não" ; 2) A família descobre o papel da justiça; elaborado mediante as falas: "O juiz determina os limites, deve julgar de forma imparcial"." A justiça é lenta"; 3) A família percebe as dimensões da medida socioeducativa; e questiona a "Internação por tempo indeterminado"; 4)Aspectos pedagógicos da medida quando dizem que ela possibilita ao "jovem a pensar sobre sua própria vida"; "dá chance para o jovem estudar e aprender uma profissão"

A família descobriu a forma de atuação dos outros atores da medida socioeducativa na rede institucional; "O adolescente cumprindo as normas"; "A família orientando, acompanhando, compreendendo, dando carinho. Não discriminando"; "O governo oferecendo acompanhamento da LA, cursos e trabalho"; "A sociedade, valorizando a participação dos jovens. Ajuda dos empresários"; "A comunidade, participando com suas críticas"; "A escola, educando sem discriminar".

Ao observar as reflexões realizadas pela família e pelo técnico, destaca-se uma certa similaridade na vivência e nas concepções dos mesmos quanto às medidas socioeducativas, quanto ao contexto e à aplicação delas ao adolescente em conflito com a lei e, sobretudo, quanto ao seu papel e à sua responsabilidade no acompanhamento das mesmas.

Após análise de cada encontro e de cada intervisão, nos quais foram destacadas dezenove zonas de sentido, percebemos que estas encerravam conteúdos que se sobrepunham e evidenciavam uma articulação entre as construções das famílias e as dos técnicos. Desse modo, foi possível conjugar as zonas das famílias e as dos técnicos em 4 zonas comuns, mais abrangentes. São elas: 1) Primeira zona de sentido: sentimentos de impotência; 2)Segunda zona de sentido: desejo de uma rede familiar, institucional e social; 3)Terceira zona de sentido: críticas e crenças sobre a medida socioeducativa; 4) uarta zona de sentido: participação ativa dos atores da medida.

A primeira zona de sentido: sentimentos de impotência foi evidenciado pelas metáforas de aprisionamento, ataque, medo da queda. Ambos, tanto o técnico quanto a família, se colocam, de algum modo, sem recursos e desqualificados.

Conforme tem sido apontado na literatura, os pais, nos dias de hoje, apresentam dificuldade de estar presentes na vida dos filhos, devido às condições impositivas e competitivas da vida pós-moderna, que os leva a dedicar a maior parte do seu tempo ao trabalho e às atividades laborais. Estes, no atendimento às demandas de trabalho e sobrevivência - especialmente o pai, representante da lei -, são levados a abandonar o seu papel parental de figuras de autoridade. A família se vê, também, "atacada" e "bombardeada" por uma série de informações contraditórias, vindas da mídia e das diferentes instâncias educacionais (escola, igreja, etc.). Isso dificulta e atrapalha na realização do seu papel educativo (Schenker, 2003; Schust et cols.,1999; Selosse, 1997; Gualejc, 1987,1991,1994; Giddens, 1991).

As pressões da sociedade atual sobre a família, nos formatos hedonistas, consumistas, individualistas, nos seus sentidos de permissividade, de narcisismo, de competitividade, apresentam uma degradação dos valores sociais, éticos e morais. Os pais não conseguem educar os filhos, por se encontrarem desqualificados e despreparados pelas agências da sociedade.

O técnico também sofre esta pressão, desprestigiado e mantido alheio ao que vai se passando, enquanto exercita as suas atividades, porquanto convive com a corrupção na política e na sociedade, tentando zelar pela ética, na sua prática. Sente-se impotente num contexto institucional degradado, que prega uma coisa e faz outra. Todo este contexto denota incoerências e inconstâncias, além das distâncias entre o discurso e a prática institucionais.

Ambos, técnico e família, desenvolveram uma certa cegueira que os impede de ver o sujeito adolescente, com o qual se relacionam. Sentem-se inseguros para abordá-lo, já que ele se tornou um desconhecido. Tanto a família quanto o técnico parecem um tanto perdidos enquanto autoridades. Encontram-se desorientados e desconfirmados pela própria sociedade, que não lhes garante o instrumental necessário aos desempenhos dos seus papéis, ao mesmo tempo em que os desqualifica, por não cumprirem suas tarefas.

Os pais são desqualificados em virtude da falta de condições básicas mínimas de manutenção da família, e o técnico, pela falta de condições estruturais adequadas para a realização de suas práticas (políticas, programas, instalações e procedimentos apropriados e claros).

Neste contexto confuso e precário, em que vivenciam o "medo da queda", e as conseqüências do fracasso, estes atores desejam mudanças. Este desejo se conjuga na segunda zona de sentido: desejo de uma rede familiar, institucional e social capaz de cuidar do jovem em conflito com a lei. Família e técnico sentem-se sós na tarefa de orientação ao adolescente. A família se encontra sem o apoio da tradição e dos costumes, e também sem o suporte comunitário, pois a solidariedade teve o lugar tomado pelo "individualismo". Sente também a falta do apoio social, de creches, de escolas, de programas educativos e culturais, que atendam às suas necessidades de educação e de cuidados dos filhos. Já o técnico se encontra sem o apoio da rede institucional, pois cada uma das instituições está voltada mais para as suas práticas específicas, sem a atenção devida aos demais participantes do processo de recuperação do jovem em conflito com a lei.

A família e o técnico convivem com a falácia da sociedade, que através de suas diferentes agências sociojurídicas os desconfirmam. Sofrem também com a denúncia que o adolescente faz, com as suas transgressões: a família ele denuncia como incompetente, "por não tê-lo educado", e o técnico também ele denuncia, "por não conseguir contê-lo na sua trajetória infracional, por não conseguir recuperá-lo".

Nesse movimento reflexivo família e técnico denunciam a violência da instituição e da sociedade que ainda não garantem o tratamento coerente, respeitoso e digno para o adolescente infrator conforme está previsto no ECA.

Apesar destes aspectos negativos, a família e o técnico se mostram resilientes, não se entregando à situação. Buscam, através de uma profunda reflexão, voltar-se para si mesmos e para o sujeito de sua ação (o adolescente em formação), para a instituição sociojurídica e para o instrumento por ela utilizado, a medida socioeducativa, com os seus recursos pedagógicos e psicossosciais. Esta foi reconhecida como capaz de promover a reinserção social do jovem em conflito com a lei, sendo devidamente aplicada.

Nesse processo se deparam com as possibilidades da medida socioeducativa, que inclui o acompanhamento educativo - que deve ser feito dentro de um contexto empático. O técnico busca resgatar a dimensão afetiva como forma de aproximação da sua clientela, os adolescentes e as suas famílias. Os pais buscam resgatar o seu papel e a presença parental na família, e a condição cidadã, para si e para os adolescentes, na sociedade.

Família e técnico refletem sobre a sua experiência institucional e percebem o seu poder como agentes transformadores, dentro do contexto das medidas socioeducativas. A família apresenta propostas, uma das quais se refere à capacitação e ao apoio psicológico dos funcionários, e a outra sugere a criação de um espaço de escuta para o adolescente e para os familiares. Este processo reflexivo e crítico remete à questão ética, das relações e das instituições.

O ato infracional depende de um contexto, e tem uma função, que é a de interrogar o pai, representante da lei, familiar e social. Este ato possui um aspecto positivo e de algum modo pode instituir o jovem na sociedade. Em relação a este aspecto, a família traz a sua crença de que, através da medida socioeducativa, o adolescente poderá promover a sua reinserção familiar e social, assumindo as regras, limites e responsabilidades familiares, institucionais e sociais. Poderá também ter um melhor direcionamento na sua inserção social e comunitária, através de estudo formal, de cursos profissionalizantes e de trabalho. Percebe, no entanto, que as instituições, bem como as políticas do governo, ainda não assumiram de fato esta necessidade.

Na terceira zona de sentido: críticas e crenças sobre a medida socioeducativa, a família acredita que a medida possa promover no jovem o arrependimento. Este ponto nos remete à dimensão da reparação (Selosse, 1997). Esta crença da família de algum modo é compartilhada pelo técnico, que busca rever sua visão do adolescente inacessível e a sua dificuldade de aproximação dele.

Quanto às possibilidades da medida, o técnico assume que há um desconhecimento da mesma por parte da família e também da sua parte, que "não tinha parado para pensar sobre (ela)". Percebe, assim, que ainda não tinha observado mais claramente o seu instrumento de trabalho, bem como os aspectos que impedem a sua prática institucional. Reconhece, também, o seu papel e o dos educadores, mudando a sua percepção inicial sobre eles, dizendo: "os educadores (são) maravilhosos, mas não percebem a importância da participação no processo, não percebem o quanto são valiosos".

O técnico, à distância, num segundo momento da experiência reflexiva, no contexto das reuniões multifamiliares, busca, dentro dos seus universos possíveis de compreensão e ação, mesmo que limitados, as mudanças institucionais necessárias para a realização da tarefa. Nesta reflexão crítica tem uma outra visão sobre o jovem, não mais como "plástico" e impermeável, mas como um ser precioso a ser descoberto: "a gente acredita que dentro de cada um deles (jovens) existe uma preciosidade, assim como na família... existem potenciais maravilhosos, que às vezes a gente não consegue trazer para fora, mas ele existe, a gente acredita, até porque são seres humanos, e todos nós, como seres humanos"...

Estas reflexões alentam estes atores para novas possibilidades de atuações, que podem dar resultados melhores, mais objetivos, portanto, na visão deles, que poderiam sanear o contexto de violência institucional, da qual vêm a ser agentes e vítimas.

Percebem também que o contexto psicossocial (das instituições em geral, da escola, da família), que contribui para a criação e manutenção do sintoma, deve ser focalizado no processo interventivo (Sudbrack, 1998). Desse modo, solicitam ajuda para si e para os outros atores (funcionários das instituições), reconhecendo o papel de cada um, e a sua dificuldade.

Estas percepções comuns do técnico e da família se referem, desta vez, à quarta zona de sentido: participação ativa dos diferentes atores na medida socioeducativa. Nessa consideração percebem que o adolescente deve colaborar no seu processo de formação e reconhecem que "a presença deles é riquíssima"... Quanto ao papel da família, destacam que os pais devem estar mais presentes na vida dos filhos. Quanto ao papel das agências sociais e comunitárias, estas devem criar programas que atendam às necessidades desenvolvimentais do adolescente (práticas esportivas, recreativas, artísticas, etc.) que protejam o jovem em situação de risco. Quanto ao papel da escola, como agência de socialização, deve educar "sem discriminar". Quanto ao papel da instituição, tratar com "dignidade" e, quanto ao papel do governo, propiciar ocupação e "trabalho para o jovem".

Apesar das conjugações apresentadas entre as reflexões da família e as do técnico, observa-se, por parte da família, um enfoque maior quanto às possibilidades de mudança do jovem, a partir da vivência da medida socioeducativa, sobretudo no que se refere à construção de um projeto de vida.

O pensamento do técnico, ao se mostrar identificado com o da família, permite que juntos possam construir um caminho dentro de uma outra ordem. As construções apresentadas, tanto pela família quanto pelo técnico, revelam a ética do compromisso e a da responsabilidade frente ao adolescente em conflito com a lei.

Assim, a instituição, que destas maneiras tem violentado pais, técnicos e adolescentes, deve adotar um outro modelo de atuação. Como novo modelo sugere-se o sistêmico, que aborda o problema do jovem em conflito com a lei, em todos os seus aspectos. Neste modelo, o ato delinqüente resulta de múltiplas determinações de caráter social e psicológico, e coloca o adolescente como sujeito e objeto, agente e paciente de seu processo de socialização (Selosse, 1997 e Sudbrack, 1992). O trabalho institucional, dentro deste modelo deve buscar a participação ativa dos diferentes atores, atendendo às suas demandas (Lévy, 1994). Assim, o acompanhamento da medida socioeducativa deve contemplar adolescente, família e técnico, num movimento reflexivo, no processo de reparação de si mesmos e no resgate do seu papel na sociedade.

Mudar a prática requer uma intensa revisão de valores socioculturais, para que profundas mudanças sejam operadas e estendidas à rede interinstitucional. Como propõe Xaud, citando Antônio Carlos Gomes da Costa (em: Brito, 1999). Faz-se necessário um intercâmbio constante com as instituições, que não podem perder de vista a dimensão ética. A delinqüência deve ser tratada juridicamente, sem descambar para o 'retribucionismo hipócrita', que para assegurar a ordem pública defende o rebaixamento da idade penal e o aumento das penas, ou para o 'paternalismo ingênuo', que patologiza o delito, tirando do jovem a possibilidade de defesa (acrescentamos: e de reparação), através do processo legal.

O adolescente, dentro desta perspectiva, deve ser visto como um sujeito transformador. Para isso Xaud (em: Brito, 1999) propõe que o técnico, no atendimento ao adolescente infrator, precisa contextualizá-lo e contextualizar o delito, atendendo às necessidades de justiça e de reparação (acréscimo nosso), fornecendo os necessários indicadores para o processo educativo.

Ao contextualizar o jovem, o técnico poderá conhecer a pessoa que está à sua frente, entendendo suas motivações e conhecendo suas potencialidades. Poderá, também, conhecer seu relacionamento com as figuras parentais e sua capacidade de estabelecer vínculos afetivos, necessários à promoção humana.

A intervenção dentro do judiciário deve contribuir para a desconstrução do contexto que produz a violência. Isso remete a um trabalho com as famílias e instituições, para a construção de novos significados sobre essa realidade, significados estes geradores de novas possibilidades de relacionamento intrafamiliar, interfamiliar e interinstitucional, da maneira como está previsto no ECA. Essa nova composição deve atender, portanto, à atual demanda necessária de pragmatismo, de eficácia, de rapidez, de economia de tempo, de dinheiro e de idéias, aspectos estes que produzem novas formas de lida com o sofrimento, que afeta tanto a clientela assistida quanto as equipes de atendimento, em prejuízo para toda a sociedade.

 

1.5.Conclusão

As reuniões possibilitaram aos adolescentes e familiares: 1) a reflexão e compreensão dos três aspectos da medida sócio-educativa e de como deveriam atuar os diferentes atores a ela relacionados; 2) a expressão de seus sentimentos de vergonha, impotência, injustiça e insatisfação com a sociedade e com o sistema judicial; 3) a expressão de suas queixas de uma forma mais direta e menos hostil aos agentes institucionais; 4) o reconhecimento de si mesmos nos seus iguais; 5) o reconhecimento de seus filhos e as reais necessidades que eles, têm como a do diálogo aberto e franco, sobre problemas como sexualidade; 6) a revisão de suas faltas e resgate da sua competência como pais, fornecendo ajuda a seus iguais. Aos técnicos: 1) a compreensão dos três aspectos da medida sócio-educativa e de como deveriam atuar os diferentes atores a ela relacionados; 2) a análise dos aspectos internos e externos que interferem na sua atuação como educador no acompanhamento das medidas sócio-educativas; 3) a criação de uma rede relacional mais constante, próxima e efetiva entre as diferentes instâncias (executora e fiscalizadora, técnica e não técnica) relacionadas ao acompanhamento da medida sócio-educativas; 4) o resgate de sua competência técnica dentro de um contexto relacional mais próximo da família e do problema que ela porta; 5) o acolhimento das queixas e necessidades das famílias.

O espaço conversacional possibilitou a desconstrução e externalização do problema, que envolvia o apego a narrativas viciadas sobre os atores envolvidos na medida sócio-educativa (Ferramini 1999). Nessa troca dialógica a posição do não-saber da equipe terapêutica proporcionou um esforço colaborativo na geração de novos significados. Nesta produção foi necessária a construção de um clima emocional de aceitação de diferentes visões e de revitalização dos discursos estabelecidos. (Diamond e Lidle 1999).

O ato infracional passou a expressar "uma esperança"; metáfora proposta pelos pais, que reconheceram a intervenção judicial com suas medidas psicosócio-educativas uma possibilidade de mudança no estilo de vida do jovem e de suas famílias, tal como propõe Selosse (1997). Muitos assinalaram que a família se "uniu" a partir do momento em que o jovem "caiu na justiça". Tal aspecto ressalta a natureza do acting-out do adolescente dizendo fora o que não pode dizer na família, ato este que tem a finalidade de unir a família e reinstituir a lei paterna (Sudbrack, 1992).

Através da participação dialógica dos Encontros, a equipe técnica pode vislumbrar o nível de ajuda para mudança, proposto por Levy (2001), reconhecendo suas limitações, re-significando a importância de seu papel e formulando novas possibilidades de atuação e ajuda intra e inter-institucional.

O grupo depois de ter criado um espaço e uma identidade própria pode sair da obrigação (imposta pela medida sócio-educativa) para a demanda (solicitando a continuidade do trabalho agora com enfoque na drogadição). A presença encarnada da figura do juiz que outorgou de forma simbólica o resgate da autoridade parental permitiu a compreensão duas dimensões da Lei como protetora e repressora.

 

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1 Técnica desenvolvida por Moreno que atenta para a cultura do grupo e tem como foco de atenção a análise do próprio grupo.