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An. 1 Simp. Internacional do Adolescente Mayo. 2005

 

Adolescência, drogadição e políticas públicas: em busca de uma compreensão das concepções e práticas contemporâneas

 

 

Raupp, Luciane Marques; Milnitsky-Sapiro, Clary

Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional

 

 

INTRODUÇÃO

A análise das práticas profissionais que envolvem o apoio ou tratamento de adolescentes incluídos nos programas de políticas públicas na sociedade brasileira contemporânea convoca a um esforço de apreensão para além do que está escrito nos projetos de atenção a esse público, ou seja, para além do "dito" nos discursos político-institucionais ou nos materiais de divulgação desses programas.

Faz-se necessário que, para proceder a uma análise crítica com vistas a contribuir para um maior alcance das metas relacionadas aos jovens identificados como em "situação de risco", investiguemos o que não está explicitado, considerando-se as várias nuances que possibilitam uma compreensão mais sutil da problemática. Tais nuances contemplam desde o espaço físico destinado ao atendimento desses adolescentes nos ambulatórios ou salas aonde os programas são implementados envolvendo os procedimentos de rotina, relatórios, prontuários, ou outro tipo de registro ou material de circulação interna ou externa às instituições, bem como as falas dos profissionais e trabalhadores locais, com vistas a possibilitar que esses documentos ajudem a "contar" como muitas dessas práticas presentes no cotidiano, podem ser otimizadas. Pensamos que o tensionamento entre o "dito" e o "feito", correlacionando políticas públicas e as práticas levadas a efeito no cotidiano desses serviços, é crucial para a seleção das categorias que nortearão a análise desses programas.

Em nosso trabalho, buscamos identificar se as abordagens vigentes nos programas de políticas públicas para os adolescentes os identificam como um "problema social" e que, portanto, necessitam de um redirecionamento e adaptação aos valores sociais vigentes, ou se dão conta da fragilidade característica desse processo, e conseqüentemente, levam em conta a singularidade dos sujeitos com suas realidades socioeconômicas e culturais.

Uma análise mais atenta das políticas públicas direcionadas aos jovens na atualidade deixa claro que grande parte de seus programas estão apoiados na idéias de risco social iminente, com um constante reforço da idéia do jovem como exposto a uma série de riscos próprios a essa fase, os quais podem ser internos (crise identitária) ou externos, colocando a sociedade em risco através de atos violentos, conforme apontado por Lyra et all (2002) .

Dessa forma, muitos programas tomam os jovens como problemas sobre os quais devem debruçar-se os esforços de reintegração social, que são comumente expressos através de estratégias como ressocialização, capacitação profissional ou "uso do tempo livre" (Abramo, 1997 In Lyra et all, 2002). Para Faleiros (1995), tais estratégias podem servir para perpetuar a desigualdade social, pois enquanto aos filhos dos privilegiados caberia o projeto de direção da sociedade e da vida intelectual, aos jovens pobres e dominados caberia trabalhar para sobreviver.

De uma forma geral, o que se nota por trás de toda a retórica contemporânea sobre a necessidade de se ocupar da juventude é que o adolescente, com suas especificidades e necessidades, parece não ser contemplado por esses discursos, que se ocupam mais com a prevenção dos "males" causados pela adolescência do que com a busca de sintonia com as necessidades e demandas desses jovens.

Para Rassial (1997), as manifestações e necessidades da adolescência se relacionam com o período de indecisão subjetiva e de incerteza social que a constituem. O que caracterizaria o adolescente é estar em uma "posição no intervalo", constituída pelo fato de não ser nem completamente criança, nem completamente adulto, ao mesmo tempo em que família e instituições demandam que ele se reconheça ora como criança, ora como adulto, agravando a sensação de dúvida e a necessidade de busca por novos lugares (subjetiva e socialmente) e novas identificações, agora fora da família. Entre duas leis (a criança brinca/o adulto trabalha) a adolescência é o momento de uma "tentação nômade" (1997, p. 14), que foge da lógica do sim ou do não, das distinções simples entre "menores" e "maiores", irresponsabilidades e responsabilidades.

Se compreendermos o adolescente a partir dessa busca por um lugar próprio, isso nos leva necessariamente a um questionamento de políticas públicas que propõe ações para esse público sem levar em consideração suas características e necessidades específicas, na maioria das vezes recebendo esses jovens em programas planejados para adultos. Nesse sentido, consideramos importante problematizar se tais políticas não estariam agindo no sentido de confirmar a falta de um lugar para o adolescente na cultura e nas práticas institucionais, que continua sendo deixado à deriva, em meio aos conflitos de interesses, atribuições e poderes que marcam nosso cenário político.

Ainda o que diz respeito aos programas de atenção aos problemas relacionados ao abuso de álcool e outras drogas, vemos essa problemática se repetir. Grande parte desses programas não prevêem, de forma específica, o atendimento ao adolescente, apesar de essa ser a fase de maior exposição ao início do consumo de drogas. Encontramos na matéria de políticas públicas que se dedicam a essa questão apenas alusões à importância de que tais programas contemplem ações específicas ao público adolescente, sem que especifiquem ou regulem essas práticas.

 

POLÍTICA PÚBLICA: APROXIMAÇÕES EM TORNO DE UM CONCEITO

Com o objetivo de analisar o lugar ocupado pelas políticas públicas direcionadas aos adolescentes na atualidade, iniciaremos este trabalho a partir de algumas reflexões em torno do conceito de políticas públicas, visando compreender como se compõe, de que forma se distinguem de políticas governamentais, e como essa distinção se efetua na prática dos programas voltados a adolescentes.

A idéia de políticas públicas está associada a um conjunto de ações articuladas com recursos próprios (financeiros e humanos), que envolve uma dimensão de tempo (duração) e alguma capacidade de impacto (Sposito e Carraro, 2003). Estas políticas não se reduzem à implantação de serviços, pois englobam projetos de natureza ético-política e compreendem níveis diversos de relações entre o estado e a sociedade civil na sua constituição. Situam-se, também, no campo de conflitos entre atores que disputam na esfera pública orientações e recursos destinados à sua implantação. Para Sposito e Carraro (2003), é preciso não confundir políticas públicas com políticas governamentais, pois órgãos legislativos e judiciários também são responsáveis por desenhá-las. Um traço definidor característico é a presença do aparelho público-estatal em sua definição, acompanhamento e avaliação, assegurando seu caráter público, mesmo que ocorram algumas parcerias em sua implantação.

Segundo os autores acima citados, a definição de políticas públicas não se confunde com a de política governamental por envolver outros atores em seu desenho e implantação, residindo aí sua diferenciação, e seu potencial de inserção de novas idéias e de composição com diferentes saberes e práticas. Contudo, no que concerne à realidade dessas políticas na atualidade, observamos uma distância entre a "teoria e a prática" na implementação de projetos voltados para a adolescência considerada "em situação de risco" - nossa área de pesquisa e atuação – o que nos leva a questionar a forma pela qual os projetos de políticas públicas vêm se efetivando nas práticas das equipes que trabalham com esses jovens, sejam elas oriundas de órgãos governamentais ou de organizações da sociedade civil.

Historicamente as possibilidades de participação ativa da sociedade civil nas políticas, para além da democracia representativa, foram instituídas a partir da Constituição Federal de 1988, que privilegiou a paridade de participação entre governo e sociedade civil. A partir deste marco, os canais de participação popular se fizeram possíveis através da elaboração conjunta das políticas e do acompanhamento de sua implantação, principalmente pela atuação de membros da sociedade civil organizada nos diferentes conselhos atualmente presentes na sociedade brasileira, tais como, os Conselhos de Saúde, Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente, Conselhos Tutelares, Conselhos de Entorpecentes, entre outros. Estas instâncias envolvem representantes de diversas entidades na tarefa conjunta de formular, gerir e estabelecer controle social sobre as políticas públicas.

Contudo, como afirmamos antes, e concordando com o colocado por Vogel (1995, P.332): "A distância entre o projeto e a prática é muito grande", se referindo às enormes dificuldades constatadas no processo de estabelecimento e de funcionamento dos Conselhos de Direitos das Crianças e Adolescentes e dos Conselhos Tutelares os quais, juntamente com o Fundo Municipal para a Infância e a Adolescência, seriam os principais instrumentos para a efetivação das diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Para Vogel (1995), essas dificuldades vêm impedindo que os Conselhos exerçam suas funções e o importante papel social que lhes cabe. Segundo o autor, esse cenário se deve à atuação dos Conselheiros Tutelares, que muitas vezes encaram seu cargo, principalmente, como uma fonte de remuneração e de status social e político, assim como a não legitimação do papel dos Conselhos pelos órgãos da administração municipal. Estes, demonstram consideráveis resistências à criação e efetivação dos Conselhos, os quais tendem a ser vistos como "estranhos no ninho municipal" (Vogel, 1995, p.330), pois sua concepção contraria hábitos arraigados na política local, o que levara algumas instâncias do poder municipal a agir no sentido de tentar diminuir suas possibilidades de atuação, ou obter o controle sobre suas ações.

Em nossa experiência em projetos oriundos de parcerias entre o Governo, ONGS e consultorias (1998 a 2000), constatamos a presença de problemáticas semelhantes às aludidas na atuação dos Conselhos, principalmente devido às dificuldades de articulação de perspectivas e às resistências encontradas nos órgãos governamentais em aderirem a novas práticas.

De acordo com Vogel (1995) afirma que as relações entre o poder público e a sociedade civil são, do ponto de vista estrutural, ambíguas, e perpassadas historicamente pelo predomínio da desconfiança como o sentimento predominante, resultando daí dificuldades para qualquer empreendimento comum.

Em todo o processo de relacionamento entre a esfera federal, os estados, os municípios e as organizações da sociedade civil há presente o paradoxo de que, mesmo no contexto de políticas descentralizadas, o Estado tende a se configurar como um poderoso indutor não democrático de políticas onde, na disputa por verbas, as conformações locais podem não se fazer presentes com a força devida ou necessária (Sposito e Carraro, 2003). Nesse sentido, faz-se necessário agir com prudência na avaliação do sucesso das parcerias entre poder público e organizações da sociedade civil.

Por outro lado, consideramos importante salientar que o crescente espaço de atuação ocupado por ONGs e outras organizações da sociedade civil tanto trouxe efeitos positivos em termos de inovações e de proximidade cultural com o seu público-alvo, quanto questões que merecem uma análise mais atenta em termos da efetividade de suas ações, dada a falta de instrumentos eficazes de avaliação. Muitas destas organizações, que não têm convênios com o poder público, sobrevivem através de doações e/ou de projetos financiados por outras instituições. Por isso, a problematização acima colocada quanto ao poder de induzir as ações por parte do Estado, deve ser estendida também às parcerias entre organizações da sociedade civil com organismos financiadores não estatais, por muitas vezes implicarem, em seu desenvolvimento, adequações das propostas aprovadas às prioridades e concepções dos financiadores. Por essa razão, os projetos escolhidos podem não ser os mais adequados para as problemáticas enfrentadas, ou os mais afinados às especificidades dos locais em que serão implementados, podendo, ainda, estar pautados por concepções generalistas, que não dão conta da complexidade presente nas situações-alvo.

 

POLÍTICAS PÚBLICAS E ADOLESCENTES EM "SITUAÇÃO DE RISCO": RISCO PARA QUEM?

Quando voltamos nossa problematização às políticas públicas que propõe ações de atenção a adolescentes identificados como "vulneráveis" ou "em situação de risco", constatamos que esses jovens marginalizados, alguns impedidos de usufruir benefícios mínimos da sociedade, embora acolhidos em diferentes Programas de Atenção à Criança e ao Adolescente, muitas vezes são rotineiramente discriminados pelo enquadre e alijamento de suas singularidades nas concepções desses programas e em suas conseqüentes práticas (Milnitsky-Sapiro, 2005).

Nesse contexto, consideramos importante para a construção de uma compreensão mais precisa das questões presentes nesses programas, indagar sobre os significados presentes na acepção "situação de risco", geralmente atribuída a crianças ou adolescentes oriundos de famílias de baixa renda, moradores de comunidades carentes.

A grande maioria dos programas desenhados para adolescentes objetivam prevenir ou tratar dos riscos que consideram inerentes a esta fase da vida, como se a fase adolescente, em si, constituísse um risco, para o jovem e para a sociedade.

No âmbito da Saúde Pública, as ações de atenção e prevenção tendem a enquadrar os adolescentes como estando sempre em situação de risco: risco de engravidar, de contrair doenças sexualmente transmissíveis, de usar drogas, de ser protagonista de atos violentos, etc. Baseados nessa concepção, esses programas se destinam a prevenir ou tratar do "problema adolescência". Para Traverso e Pinheiro (2000), tal direcionamento faz com que as políticas públicas acabem atuando como coadjuvantes da cultura dominante que identifica o jovem a partir da tríade sexo, drogas e violência.

Se reconhecermos que cada sociedade define o que vem a ser risco dentro de um contexto e momento histórico-cultural específicos, fazendo referência a aspectos objetivos, mas sempre perpassado por aspectos subjetivos (Traverso e Pinheiro, 2000), isto nos leva, necessariamente a indagar de onde parte, na atualidade, essa acepção de que o simples fato de ser adolescente coloca o sujeito em situação de risco.

Uma possibilidade de resposta a essa questão nos é pontada por Lima e Paula (2004), que consideram que os jovens são considerados "grupo de risco" na medida em que a modernidade os concebe como sujeitos desprovidos de autocontrole e ainda não totalmente socializados nas normas e regras sociais e, portanto, localiza neles potenciais perigos ao equilíbrio societal.

Por outro lado, não podemos negar o fato de que os adolescentes vêm sendo, eles mesmos, colocados como um risco para a sociedade, fenômeno propagado pela mídia, que escancara o fenômeno social da violência adolescente como afetando múltiplos segmentos do coletivo, onde os atos podem variar desde o vandalismo urbano, a execução de colegas e mestres na instituição escolar, ao parricídio na instituição familiar (Milnitsky-Sapiro, 2005).

A inquietação atual, decorrente da associação entre adolescência, criminalidade e violência, tem sido uma constante não apenas em países do chamado "Terceiro Mundo", mas também nos EUA e em países da Europa, como Alemanha, França, Grã-Bretanha e Itália. No entanto, esse problema adquire contornos mais dramáticos em determinados contextos históricos e políticos, fazendo necessário que se problematize quais as particularidades de tal associação no contexto brasileiro, uma vez que ela faz parte do nosso processo histórico, não se apresentando como um fenômeno cultural recente (Lima e Paula, 2004).

No Brasil, é após a década de 1970, com a entrada do país na rota internacional do tráfico de drogas, que há uma conseqüente estruturação do tráfico e um aumento significativo do consumo de drogas. Ao mesmo tempo, ocorreu também um aumento significativo da participação de jovens nos crimes considerados violentos, seja como autores ou como vítimas. Tal situação, agravada a partir da década de 1980, onde houve uma proliferação do acesso a armas de fogo, agregou drogas e armas à associação, já existente, entre juventude e violência.

A partir da disseminação em larga escala do uso de drogas nos anos 70, não raro se passa a atribuir a esse uso e ao comércio ilícito correspondente as causas da violência da juventude, seja pelos efeitos que as drogas causam aos seus usuários, seja pelas relações sociais que as permeiam e que fazem uso intenso, por exemplo, de armas de fogo. No entanto, conforme colocado por Lima e Paula (2004, P. 93), a simples equação "drogas ilícitas mais juventude igual a violência" mistifica e obscurece a discussão, pois desconsidera outros fatores decisivos na produção da violência urbana.

Para esses autores, faz-se necessário que se contextualize o problema da violência juvenil em um cenário mais amplo, considerando-se que são múltiplos os processos sociais que podem interagir para a produção desse fenômeno complexo. Nesse sentido, torna-se necessário evitar que se reduza o fenômeno da criminalidade urbana a questões privadas ou familiares, onde a necessidade de contestação, a irresponsabilidade e a inconstância da adolescência seria a causa única do crescimento da violência na sociedade.

 

OS PROGRAMAS DE ATENÇÃO AO USO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS: ONDE ESTÃO OS ADOLESCENTES?

Os transtornos relacionados ao abuso de álcool e outras drogas por adolescentes são um importante problema de saúde pública, estimando-se que correspondem à principal categoria de transtornos mentais em adolescentes acima dos dezesseis anos (Kaminer e Szobot (2004).

Nesse âmbito, a questão do tratamento aos adolescentes constitui-se em uma problemática complexa e de difícil solução, que implica o reconhecimento de várias questões, desde as especificidades do abuso de drogas nessa fase até a ampla questão da função social do consumo de drogas em nossa sociedade .

Para autores como Birman (1999) e Conte (2001), em nossa sociedade as drogas ilícitas, da mesma forma que as drogas lícitas, seriam mais um produto incentivado pelo mercado de consumo. Ambos possuiriam em comum a promessa de satisfação e de alívio para enfrentar a realidade objetiva das necessidades orgânicas e das dificuldades cotidianas, bem como da realidade subjetiva dos conflitos intrapsíquicos. Dessa forma estariam perfeitamente inseridos no movimento social da nossa cultura, que fornece bens de consumo capazes de, supostamente, preencher todos os vazios, evitando assim todo e qualquer sofrimento.

As crianças e os adolescentes podem ser considerados como os maiores prejudicados em potencial por essa "colagem cultural" que associa consumo e promessas de felicidade, consumo e obtenção de imagens idealizadas. Por estarem, especialmente os adolescentes, em uma fase de busca por contornos identitários, em um processo de "se dar a ver" no social identificado pelo gênero, pela construção de identificações e posicionamentos, o apelo das drogas como fornecedoras de status social, de fuga de uma realidade que se mostra bem distante das imagens idealizadas propagadas pela mídia, pode ser forte e atraente.

Enquanto estudos, como o realizado pelo CEBRID (2000), apontam para a tendência a um uso cada vez mais precoce e "pesado" de álcool e outras drogas, temos, por outro lado, as dificuldades encontradas no tratamento de adolescentes, o qual é caracterizado por maiores taxas e abandono e por baixos índices de sucesso terapêutico (Kaminer e Szobot, 2004).

Considerando a importância e urgência dessa questão, nosso trabalho de pesquisa, ainda em andamento, objetiva descrever e analisar como se processam as práticas de tratamento direcionadas a adolescentes usuários de álcool e outras drogas em instituições da Rede Pública de Saúde de Porto Alegres, afim de analisá-las à luz das concepções e diretrizes presentes nas políticas públicas que prescrevem o campo.

Em nossa fase atual de pesquisa, estamos analisamos as principais políticas públicas que prescrevem a área estudada. Nessa, nos deparamos com a complexidade de articular concepções e diretrizes oriundas de políticas a nível federal, estadual e municipal, além de considerar as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), da Reforma Psiquiátrica e do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Dentre essa diferentes políticas, encontramos alguns pontos de articulação, que se constituem como diretrizes gerais, que deveriam estar presentes em qualquer programa de atenção ao problema aqui estudado. São elas:

- Alocar a questão do uso de álcool e outras drogas como problema de saúde pública;

- Indicar o paradigma da Redução de Danos nas ações de prevenção e de tratamento, como um método clínico-político de ação territorial inserido na perspectiva da clínica ampliada;

- Formular políticas que possam desconstruir o senso comum de que todo usuário de droga é um doente que requer internação, prisão ou absolvição;

- Mobilizar a sociedade civil, oferecendo condições de exercer seu controle, participar das práticas preventivas, terapêuticas e reabilitadoras, bem como estabelecer parcerias locais para o fortalecimento das políticas municipais e estaduais.

No que diz respeito aos tratamentos de adolescentes, encontramos apenas a alusão, em diferentes políticas, de que este deve ser adequado às necessidades específicas da fase e que deve se dar, preferencialmente em Centro de Atenção Psicossocial especializados na questão de álcool e outras drogas (os CAPSad). No entanto, não encontramos diretrizes que esclareçam como deve ser esse "tratamento especifico", nem sobre qual diferenciação deve haver nos CAPSad, que recebem pacientes de 12 a 80 anos, no atendimento de adolescentes.

Em Porto Alegre, o atendimento aos adolescentes de baixa renda usuários de drogas, é realizado na rede municipal de saúde, por instituições conveniadas com a Prefeitura ou ainda em ONGs. Entre estes locais, há uma diversidade de concepções de tratamento e de formas de abordagem que se dividem em dois CAPSad, postos de saúde da rede básica, alguns ambulatórios especializados como o Pró-Jovem, e a Cruz Vermelha Brasileira, fazendas terapêuticas, grupos de auto-ajuda e leitos em hospital geral.

Na presente fase de nossa pesquisa, estamos procedendo á coleta de dados em três instituições da rede municipal que se constituem como referência no atendimento da drogadição na cidade. Nosso objetivo, é descrever e analisar como se processam as práticas de tratamento direcionadas a adolescentes usuários de álcool e outras drogas nessas instituições, afim de analisá-los à luz das concepções e diretrizes presentes nas políticas públicas que prescrevem o campo.

Como método de trabalho, utilizamos a Descrição Etnográfica (Milnitsky-Sapiro, 2004). A adoção desta fase como primeira de um procedimento metodológico visa respeitar e reconhecer as subjetividades impregnadas no seu contexto e, fundamentalmente, retratar aspectos históricos, registros e marcas estruturais e documentais, possibilitando a instância da validade externa.

Na Descrição Etnográfica, o pesquisador "aparece" fazendo a triangulação entre o material proveniente de sua ida a campo e anotações no diário de campo, ao mesmo tempo em que analisa materiais disponíveis para consulta (materiais de divulgação, prontuários, e tudo o mais que se mostrar relevante) e entrevista profissionais e adolescentes nos serviços pesquisados. Para análise dos dados, a Análise de Conteúdo (Milnitsky-Sapiro, 2004) será utilizada, visando à construção de categorias a "posteriori" a partir do material proveniente da Descrição Etnográfica.

Com esse estudo, buscamos ressaltar a importância de que sejam analisadas, em profundidade, as práticas direcionadas aos adolescentes, na atualidade. Objetivamos com essa análise, criar condições para a proposição de programas e ações mais eficazes no combate a essa questão, que possam levar em conta tanto as especificidades do processo adolescente quanto a complexidade e urgência da questão da drogadição na sociedade contemporânea.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através dos temas abordados nesse estudo, desde a concepção de políticas públicas até as formas pelas quais elas se fazem presentes na vida dos adolescentes considerados em "situação de risco" em nossa sociedade, entendemos que é a ausência de uma compreensão integradora do adolescente na cultura e nas práticas institucionais que lhe faz duplamente vulnerável, tanto pelas características inerentes ao seu processo, quanto pelas formas de discriminação que lhe são impostas.

Parece então imperativo propor uma revisão do lugar do adolescente nos Programas de Políticas Públicas visando superar a discriminação de sua singularidade e de suas necessidades frente aos conflitos de competências, de atribuições e de interesses daqueles que detém o poder de articulação dessas políticas, para que o adolescente não continue mais a ser o depositário do que sobra, isto é, é o excluído que perde seu espaço de sujeito e de cidadão, diante de conflitos políticos (Milnitsky-Sapiro, 2005).

Neste cenário. consideramos que uma interlocução ativa da Psicologia com as políticas públicas possa ser importante para a concepção de projetos e ações que possam levar em conta as singularidades dos sujeitos aos quais estas ações se destinam, situando-os em seus momentos e contextos específicos, viabilizando assim uma maior efetividade nestes programas.

Esperamos que o crescente, interesse da Psicologia pelo campo das políticas públicas propicie o surgimento de concepções de caráter propositivo, onde a produção de conhecimento da área, aliada a outros campos de saber, sob uma perspectiva interdisciplinar, sempre afinada à escuta das comunidades e, principalmente, dos adolescentes aos quais as ações se destinam, possa fazer eco frente aos desafios sociais atuais.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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