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An. 1 Simp. Internacional do Adolescente May. 2005

 

As implicações da família contemporânea no processo de identificação do adolescente

 

 

Rodrigues, Alexandra ArnoldI; Abeche, Regina Peres ChristofolliII

IAcadêmica do terceiro ano do curso de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá – UEM – integrante do Projeto de Pesquisa PHENIX e bolsista do PIBIC/CNPq - UEM intitulado "Família contemporânea, uma instituição em questionamento: transição ou decadência?"
IIProfessora Doutora do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá – UEM – integrante do Projeto de Pesquisa PHENIX – Grupo de Pesquisa do CNPq e orientadora do PIBIC em questão

 

 

Este estudo é fruto de um Projeto de Iniciação Cientifica em andamento e é um desdobramento do Projeto de Pesquisa-Intervenção "Phenix: a Ousadia do Renascimento da Subjetividade cidadã" coordenado pelas profas Dras Ângela Maria Pires Caniato e Regina Perez Christofolli Abeche, cujo desenvolvimento se constitui a partir da práxis e tem por orientação epistemológica a Teoria Crítica da Escola de Frankfurt.

O referido projeto tem por objetivo geral compreender a inserção psicossocial de adolescentes de classe palperizada e auxiliá-los no desenvolvimento da consciência crítica ao construir junto a eles condições para saírem do estado de massa amorfa (ADORNO, 1986), ou seja, subordinados e indiferenciados entre si. A visão de homem que permeia este estudo é a de indivíduo que se constituiu enquanto sujeito na relação como o outro via cultura (LEONTIEV, 1978) e também enquanto sujeito que se constitui pelo afeto, conflito e a falta (FREUD, 1981).

A proposta desta pesquisa é de descrever as mudanças na forma de organização da família ao longo da história. E, neste sentido, entender as implicações da família contemporânea no processo de indentificação do adolescente, bem como compreender os vínculos afetivos desta a partir do individualismo apregoado e defendido pelo sistema neo-liberal.

Inicialmente é necessário ter em mente colocações como a de Julien (2004), de que "[...] a esfera familiar tem por função a reprodução da vida, sua subsistência e sua perpetuação; portanto, é às necessidades da vida que ela está submetida [...]". E, deve-se entender também que houve inúmeras mudanças na família desde sua forma extensa, antes da industrialização, à sua forma nuclear da modernidade, na qual ganhou uma configuração 'única' de comportamentos e atitudes, decisivamente diferentes do que existia antes.

Vale ressaltar também que não é viável generalizar todas as estruturas familiares do decorrer da história em uma classificação ou cronologia específica. A visão histórico-dialética que se busca nesta pesquisa pode vir garantir uma reflexão quanto a isto. Portanto será apresentada visão panorâmica das mudanças ocorridas na família a partir do século XVI embasado em Mark Poster

Poster (1979) anuncia a teoria freudiana como fornecedora de elementos básicos aos estudos da família. Em cima disto, ele aborda que "[...] os estágios oral, anal e genital indicam os pontos de tensão emocional entre adultos e crianças (...) no contexto dessa tensão emocional, a psique tornou-se organizada e padronizada para reproduzir a configuração autoridade-amor da geração mais velha. Ao mesmo tempo os sexos são pela primeira vez distinguidos dentro do indivíduo e recebem suas determinações sociais [...]" (p. 163)

De acordo com MORGAN, citado por CANEVACI1 (1976), "[...] a idéia de família foi o resultado de uma evolução, através de estágios sucessivos de desenvolvimento, dos quais a família monogâmica constituiu a última forma [...]" (pg. 56) e "[...] cada uma dessas famílias teve uma longa vida nas tribos da humanidade, com períodos de infância, de maturidade e de decadência [...]" (MORGAN apud CANEVACI, 1976, p.61)

No antigo regime da aristocracia européia, as casas grandes consistiam em agrupamentos de 40 a mais de 200 pessoas (inclusive não-consangüineos e agregados) e pautavam-se em excessiva hierarquia e nenhuma privacidade Os bebês nobres eram amamentados por amas-de-leite formando seus primeiros vínculos com alguém que não pertencia à família.

Os espancamentos ainda em crianças muito pequenas, característicos desta estrutura familiar, levavam ao esmagamento da autonomia e no enfraquecimento do ego desta. Neste sentido, em vez de um superego severo e uma mentalidade culpada, a criança desenvolvia um agudo senso de normas sociais, externas, não se identificando com os pais (como na família nuclear), mas com a linha da família.

A estrutura da família camponesa se difere da aristocrática, já que a autoridade social não estava investida no pai da casa, mas na própria aldeia. Esta estrutura familiar comportava poucos filhos que usualmente eram enviados por volta de 6 a 10 anos para a casa de outro camponês por um período de aprendizagem; aprendiam a depender da aldeia e não dos pais. A amamentação era realizada pela mãe com escasso envolvimento emocional como uma tarefa incomodativa e consumidora de tempo.

É importante observar que tanto na família camponesa como aristocrática o treino de hábitos higiênicos eram pouco fiscalizados e o controle da vida sexual na fase genital era também superficial.

Com a revolução industrial, pode-se falar em uma estrutura familiar característica da classe trabalhadora, em que todos os componentes deveriam trabalhar para garantir o sustento, sujeitando-se a extensos horários de trabalho. As condições de vida e instalações sanitárias eram estarrecedoras.

Da mesma forma, como não havia interesses de propriedade, os trabalhadores eram propensos a casar mais cedo que a burguesia. E a mulher, depois que foi lançada o mercado de trabalho e às fábricas, assumiu frequentemente um papel de sustentáculo da família.

Os filhos do proletariado eram amamentados ao peito forçosamente por mães subalimentadas, exaustas e preocupadas. Estas crianças defrontavam-se muito mais com uma sociedade indiferente que os tratava com brutalidade e pouco ou nada lhes prometiam em troca. Não se podia esperar o desenvolvimento de um superego forte.

ENGELS, citado por CANEVACCI2 (1976), coloca que a mulher, depois que foi lançada ao mercado de trabalho e às fábricas, assumiu freqüentemente um papel de sustentáculo da família, anulando os resquícios da supremacia do homem dentro do lar do proletariado.

Em comunicação verbal Carrobles (2003) aponta que com o desenvolvimento urbano, houve grande emigração para as cidades modernas, o que levou a um nível afetivo sem núcleo familiar e à ausência de vínculos característico das famílias aristocrática e camponesa. Ainda neste sentido, observamos que após um longo período de exploração, burgueses liberais iniciaram tentativas de impor seus padrões morais pautados no modelo de família burguesa.

A partir disto, progressivamente, a mulher proletária se isolou no lar, construindo um centro prioritário de atenção sobre os filhos. Adotou então plenamente o padrão de família burguesa, reconhecendo a família como um refúgio da sociedade.

Poster (1979) destaca que a família moderna nasceu no seio da burguesia na Europa, em relevante contraste com a estrutura familiar anterior ao séc. XVIII. A família nuclear na classe média, nasceu antes mesmo da industrialização, mas não existia no início desta na classe proletária. Assim também muitas famílias burguesas, com a perda do controle sobre sua propriedade, tornaram-se mão-de-obra assalariada da mesma forma que a classe trabalhadora.

A família burguesa ou nuclear surgiu "[...] como a estrutura familiar dominante na sociedade capitalista avançada do século XX (...) freqüentemente adotada como norma para todas as outras estruturas familiares [...]" (POSTER, 1979, p. 186). A relevância dada pelos pais ao casamento já não se pautava na manutenção das tradições e continuação da linhagem, mais sim na preservação da acumulação de capital e no valor da escolha individual.

Esta família se estabeleceu sobre a domesticidade, o amor romântico e o amor maternal, todos construídos em torno da privacidade e do isolamento, regida por rigorosas divisões de papéis sexuais, em que o pai era o provedor da casa.

É importante observar que durante o estágio oral, era a própria mãe que amamentava, a regra era a atenção constante, a alimentação regular e a limpeza meticulosa. Tudo o que acontecesse de mal ao bebê era considerado culpa da mãe, essa interação entre mãe e bebê, ficava então carregada de ansiedade.

O treinamento de hábitos higiênicos, característico da idade moderna graças aos avanços da medicina, era iniciado em uma idade muito precoce. Poster (1979) coloca que "[...] se os aristocratas do início do período moderno achavam graça nos jogos sexuais infantis precoces, as classes médias vitorianas não podiam tolerálos [sic] [...]" (p.191).

Assim, o que fica explícito na família burguesa é o fato da autoridade parental ser absoluta para a criança e igualmente, o 'amor dos pais era profundo', o que induzia a criança a uma renúncia da satisfação corporal a um grau extremo a favor da imensa afeição parental.

Isto levou a criança internalizar profundamente um padrão de regras que resumiram a sua relação de autoridade-amor com os pais e com isso "[...] a família gerou um burguês 'autônomo', um cidadão moderno que não necessitava de sansões ou apoios externos, mas estava automotivado para enfrentar um mundo competitivo, tomar decisões independentes e bater-se pela aquisição de capital [...]" (POSTER, 1979, p. 193).

A família nuclear não seria em sua essência diferente das formas familiares contemporâneas, teria ela apenas progredido gradualmente para um padrão de baixa fertilidade e mortalidade, introduzido pelo planejamento familiar.

Carrobles (2003) aponta que a diminuição da prestação de serviços públicos por parte do Estado repercutiu como causa na transformação e debilitação progressiva da família na contemporaneidade e na fragilização dos laços de dependência econômica, tendo as famílias agora de se ocuparem com compromissos adicionais sem a ajuda do Estado (informação verbal).

Entendendo que as relações de trabalho repercutem na subjetividade dos indivíduos e consequentemente na família, devemos compreender como se encontra esta relação indivíduo - trabalho e as influências desta sob os vínculos e a estrutura familiar na contemporaneidade.

Barreto (2000) situa a conjuntura contemporânea com relação ao mundo do trabalho, em que "[...] cresce vertiginosamente a terceirização, quarteirização e o contrato temporário em busca da flexibilização no uso do trabalho. Novas características foram incorporadas à função: qualificação e polifuncionalidade [...]" (p.95). Exige-se dos trabalhadores "[...] alta concentração, maior qualificação, capacidade de adaptação e respostas rápidas às demandas da produção [...]" devendo ainda estarem motivados e satisfeitos, decididos e atuantes, identificados com os objetivos do capital e flexibilizados emocionalmente o que significa ser, complacente, submisso.

A vida de cada um confunde-se com a vida econômica da empresa, seu tempo depende da demanda e necessidades da empresa. As emoções flexibilizadas e o "flexitempo" (SENNETT, 2001) determinam o curto prazo com os amigos, família e até mesmo o emprego. Transformados em objetos, despidos de autonomia, expropriados dos direitos agora flexibilizados, vivem o individualismo competitivo e antropofágico que corrói o caráter (SENNETT, 2001).

Neste sentido, as necessidades mais simples são interditadas, desrespeitadas o que refletirá na subjetividade, e conseqüentemente nas relações familiares e amizades.

Para as mulheres, o sentido do trabalho se relaciona ao 'cuidado' e melhora da 'qualidade de vida' para a família, seguida do prazer e realização individual ao sentir que alcançou os objetivos que se auto-impôs. Elas compensam a 'desvalorização' dando o máximo de suas energias, superando as dificuldades e reafirmando sua capacidade num mundo masculino.

Barreto (2000) afirma ainda que as mulheres se encontram em conflito constante entre a realização pessoal e o cuidar da família, deixar os filhos pequenos ou em fase de amamentação aos cuidados de outros a fazem vivenciar a culpa e cobrança de 'abandono'. Da mesma forma, para os homens, é motivo de vergonha ficar em casa desempregados e doentes. Muitas vezes o retorno ao mercado torna-se impossível por variados fatores e em casa enfrentam críticas, cobranças, separações, sendo freqüente a humilhação. Isto se exacerba à medida que a responsabilidade da não inserção no mercado de trabalho é reputada ao indivíduo.

A pobreza e o desemprego passam a ser de responsabilidade e culpa exclusiva do indivíduo, situação que demonstra uma injusta e mentirosa culpabilização do mesmo, uma vez que perde a visão do todo fundamentado pelas questões históricas, políticas, econômicas e sociais (GUARESCHI, 1999) e assume a responsabilidade e a culpa que é endereçada. Isto soma-se a uma desintegração familiar que aprofunda o sentimento de culpa.

"[...] Mesmo as relações no seio da comunidade familiar podem ser afetadas, pois é difícil para alguns admitir que não esteja à altura das pessoas que o cercam. Ao falar de suas dificuldades conjugais, estabelecem uma relação etiológica entre a perda do emprego e as tensões surgidas em casa, que costumavam levar a uma separação ou a um divórcio. À desclassificação profissional soma-se uma desintegração familiar que aprofunda o sentimento de culpa [...]" (PAUGAM, 1999, p. 74, grifos nossos).

Adorno (1992) ao falar do 'adoecimento do contato' nas relações sociais enquanto reflexo do modo de produção, coloca metaforicamente que, "[...] assim como nos dias de hoje as paredes de uma casa constituem-se de uma única peça moldada, do mesmo modo o cimento que unia os homens é substituído pela pressão que os mantém juntos [...]". E assim, "[...] por trás do desmantelamento pseudodemocratico das formas de trato, da cortesia fora de moda, da conversação sem utilidade e não sem razão suspeita de trivialidade, por trás da aparente clarificação e transparência das relações humanas, que não admite mais nada indefinido, anuncia-se a brutalidade nua e crua [...]" (p. 35).

A partir destas exigências do mundo do trabalho, o contato entre pais e filhos diminui cada vez mais em proporções extremadas. Com tal distanciamento dos modelos identificatórios, a função de transmissão de valores fica direta ou indiretamente conferida à mídia e às escolas, assim o jovem não tem dentro de si uma força diretriz. Neste sentido, "[...] as relações entre os homens são menos valorizadas que as relações dos homens com as coisas [...]" (SALAZAR, 2002).

Vemos ainda notícias, como o publicado no 'caderno mais!' da folha de São Paulo, que pesquisadores nos EUA apontam que a superproteção de pais e instituições ameaça provocar uma escalada de ansiedade e depressão nas próximas gerações e fragilizar as relações sociais Neste sentido, também entendemos a possibilidade da formação de indivíduos inseguros e em estado de dependência permanente.

De acordo com Poster (1979), certas necessidades da economia capitalista provocaram mudanças na família, uma nova ideologia de lazer encoraja a família a consumir cada vez mais. Ideologia de consumo que trás efeitos profundos no lar. O automóvel e a TV por exemplo, serviram para isolar uma família já privatizada e até mesmo para isolar uns dos outros membros de uma família.

Hoje em dia ocorre também, segundo o autor (idibem) a aceitação da satisfação sexual no lugar da forte repressão burguesa de outrora. Os recursos contraceptivos e a legislação do aborto contribuem para afrouxar as limitações sexuais seguindo a lógica da compra compulsiva e da gratificação instantânea da contemporaneidade.

Dados do IBGE (2005) expõem a situação brasileira, que alcança um panorama geral da atualidade, apesar de diferir-se do restante do mundo. Estatísticas referentes ao censo de 2000 apontam cerca de 20% da população do Brasil constituem famílias de 3 componentes, variando muito pouco esta porcentagem para as de 2 e 4 componentes. Por outro lado, com grande quantidade de componentes, como por exemplo vinte membros, só existem 101 famílias no Brasil.

De acordo com a Folha de São Paulo (2004) que publicou as estatísticas do IBGE, os brasileiros se casam cada vez mais tarde e o total de divórcios no país teve um aumento de 46% de 1993 para 1999. Poster (1979) coloca que "[...] a elevação das taxas de divórcio e de sexo extraconjugal revela uma relutância dos parceiros conjugais em permanecerem juntos [...]" (p. 218), já que hoje se exige uma variedade de objetos de amor.

O casamento deixou de ser encarado como a modalidade exclusiva de relacionamento. Assim, os princípios de companheirismo, intimidade e amor entre os cônjuges na família burguesa estão sendo questionados como nunca haviam sido antes.

Segundo Salazar (2002), este "[...] momento histórico caracteriza-se pela busca de uma nova ética; ética que se afaste dos códigos de uma moral rígida por uma parte e de uma ausência de códigos por outra [...]". A autora (Ibidem), através de Lipovetsky, levanta as formas que a ética foi tomando conforme as mudanças da sociedade foram acontecendo. Inicialmente ela coloca a ética do dever, predominante entre 1700 e 1950 durante o desenvolver do capitalismo industrial e da ética protestante, que se caracterizava "[...] pelo enaltecimento da obrigação, o sacrifício pessoal, em função da família, pátria e sociedade. Estimula os deveres do homem e do cidadão, impondo normas austeras repressivas, disciplinares na vida privada das pessoas [...]" (SALAZAR, 2002)

Depois, nos anos 60 e 70 durante a era do consumo, a ética da Contracultura sob a ditadura no Brasil e o movimento hippie. Ética esta que, segundo Salazar (2002), questiona a família enquanto instituição burguesa reprodutora dos valores de uma moral obsoleta, associando a família a uma instância alienante, reprodutora das relações de propriedade e das dinâmicas de repressão.

Enfim a partir dos anos 80, a ética da felicidade, caracterizada "[...] pela falta de obrigação de consagrar a vida ao próximo, a família ou a nação [...]" em que "[...] a idéia de sacrifício de si mesmo está deslegitimada, sendo estimulado o usufruto do presente o templo do eu e do corpo [...]" (Ibidem). Os imperativos desta ética são juventude, saúde, elegância, lazer e sexo, em busca da felicidade narcisista no qual 'tudo pode'.

Assim vemos que, os valores a respeito da família mudaram com as mudanças sociais:

"[...] Na cultura da felicidade ocorre um esvaziamento das preservações moralistas em benefício da realização pessoal e do direito do sujeito livre: direito a concubinagem, direito a separação dos cônjuges, direito a maternidade fora do casamento, direito a ser fecundado por um genitor anônimo ou por um falecido. A família deixa de ser uma instituição transmissora dos deveres para se transformar em uma instituição emocional e flexível ao serviço da realização pessoal [...]" (SALAZAR, 2002).

Para Dufour (2001), a nova condição subjetiva da adolescência/jovens é a da perda de referenciais, a ausência de um enunciador coletivo com credibilidade. O ser humano não deve sua existência a si mesmo, mas a um Outro. Esta figura do Outro garante ao sujeito uma permanência, uma origem, um fim, uma ordem. Permite ainda a função simbólica, na medida em que dá ao sujeito um ponto de apoio para que seus discursos se baseiem num fundamento, funcionando como modelos de identificação.

Leviski (1998) coloca que os pais, ao assumirem sua autoridade expressando seus pontos de vista e valores, estão oferecendo aos filhos um referencial, um ponto de reparo que permitirá aos jovens metabolizar, selecionar e optar como fruto de algo que brotou de dentro de si, e não por submissão ao desejo da autoridade.

Dufour (2001) resgata que o sujeito na modernidade era definido por várias ocorrências do Outro. Segundo ele, o último referencial nunca deixava de mudar, característica esta própria da modernidade em que o simbólico se torna instável. Havia uma distância do sujeito àquilo que o fundamentava.

Mas na pós-modernidade, como define o autor (ibidem), ocorre a abolição desta distância entre o sujeito e o Outro. Nenhuma figura do Outro tem valor verdadeiro, é como se todos os antigos valores da modernidade ainda estivessem disponíveis mas nenhum teria força para se impor, todos eles estariam em decadência. O período pós-moderno propõe a definição do sujeito enquanto autônomo, auto-referencial. Assim, a distância com relação ao Outro se tornou a distância de si a si mesmo.

Neste sentido, Corrêa (2000) aponta que "[...] pai e mãe sentem-se esmaecidos, confusos, ambivalentes quanto aos seus papeis e quanto aos valores a serem transmitidos. A exposição a que estamos submetidos pela avalanche das transformações sociais, culturais e econômicas acaba por alterar os códigos e valores que são usados na formulação que possamos fazer de nós mesmos e da família [...]" (p.130).

De acordo com Poster (1979), "[...] a autoridade exclusiva dos pais sobre os filhos continua sendo o ideal social, embora o Estado intervenha cada vez mais para refrear os excessos parentais [...]" (p. 219).

Costa (2003) alerta para uma 'proletarização das funções paterno-maternas' desde o século XIX, em que "[...] os pais, expropriados do direito de educarem moralmente os filhos, são induzidos a consumirem bens e serviços dirigidos a si próprios, sob a orientação dos técno-burocratas da sociedade do bem-estar [...]" (p. 188).

Carrobles (2003) em concordância, aponta que a família nuclear, a partir do Estado de bem estar, perde poder e protagonismo sobre seus membros com relação a outros grupos ou instituições que assumem uma parte de suas funções. Da mesma forma, as famílias decrescem de tamanho e tornam-se cada vez mais instáveis, diminui a valorização da família em razão da valorização do individualismo (informação verbal).

Segundo Poster (1979), "[...] fora das relações coisificadas e utilitárias do trabalho, as pessoas buscam desesperadamente sua plena realização emocional, o único caminho para o que continua sendo a família, "[...] embora muitas pessoas continuem experimentando padrões familiares não-burgueses, não se pode afirmar que a família burguesa tenha sido abolida [...]" (POSTER, 1979, p. 218).

Sendo assim, observa-se hoje que "[...] exige-se menos das crianças que repudiem o prazer de seus corpos em troca do amor dos pais. Não obstante, mesmo com essas transformações, as características estruturais básicas da família burguesa persistem: a criança defronta-se com dois adultos de quem deve obter satisfação de todas as suas necessidades de amor, proteção, alimentação e educação [...]" (Idem, p. 220).

Poster (1979) coloca que "[...] os esforços atuais para politizar as questões de estrutura familiar, como os direitos dos homossexuais ao casamento, os direitos das mulheres a controlarem sua capacidade reprodutora etc., abriram pela primeira vez novos níveis de reforma social [...]" (p. 222).

Enfim, Salazar (2002) fala ainda de uma última ética, a ética da responsabilidade, que se esforça na conciliação entre os princípios dos direitos individuais e as obrigações sociais, econômicas, científicas. Para tanto exige "[...] a fixação de limites e reagindo contra os excessos de permissividade individualista, tecnológica, capitalista da mídia [...]" (Ibidem), seria então esta ética a 'única capaz de estar á altura dos desafios do futuro'.

A autora propõe que abandonemos o 'amoralismo', assim como o moralismo rígido, para promover a ética da responsabilidade, ajudando os jovens a 'refletir sobre a busca de uma nova ética'.

Sem fazer uma defesa a forma conservadora de estruturação familiar Costa (2003) abre caminhos ao seguimento desta pesquisa quando coloca que "[...] as relações familiares são 'necessidades humanas trans-históricas' e, por conseguinte, têm de ser mantidas no melhor nível de funcionamento e estruturação possíveis [...]" (p.193). Nível de funcionamento e estruturação este, que será questionado e analisado na pesquisa subseqüente.

 

REFERÊNCIAS

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1 MORGAN, L. H. La Società antica. Milão, Feltrinelli, 1970. Pg. 297-310.
2 ENGELS, F. L'origine della famiglia, della proprietà privata e dello Stato. Roma, Savelli, 1973. Pg. 90-104.