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An. 1 Simp. Internacional do Adolescente May. 2005

 

Aladim de As Mil e Uma Noites – uma discussão sobre a criatividade na adolescência

 

Aladdin and The Thousand Nights and a Night – a debate about creativity in adolescence

 

 

Cleusa Kazue Sakamoto

Faculdade de Psicologia - Universidade Presbiteriana Mackenzie - São Paulo

 

 


RESUMO

A adolescência vem sendo sistematicamente definida como um período de transição característico no ciclo vital humano, que abriga uma crise de identidade – uma importante precursora do desenvolvimento das potencialidades do indivíduo adulto. O adolescente devido sua liberdade de pensamento e expressão, muitas vezes é considerado excepcionalmente criativo e a adolescência, muitas vezes é lembrada como um momento criativo por excelência na existência humana. Em "Aladim e a Lâmpada Maravilhosa" encontramos um típico jovem adolescente com a fiel postura de busca de seus ideais e que supera seus dilemas encontrando um modo efetivo de concretizar seus sonhos. A Lâmpada Maravilhosa é a metáfora da capacidade criativa que concretiza planos e desejos singulares, que modificam o curso de uma existência. Por isto, ela contém um Gênio, uma força essencial capaz de operar a transformação de potencial em ação, de plano à realização. Só um jovem na adolescência, como Aladim, poderia entrar numa caverna misteriosa e se apoderar da Lâmpada, isto é, penetrar nas profundezas de seu ser e encontrar seu potencial criador, apossando-se dele. É interessante considerarmos que Aladim é surpreendentemente apropriado para a interpretação da criatividade, pois o vocábulo árabe djin segundo o Glossário Teosófico, significa "espírito da Natureza, gênio" e assim, podemos traduzir Aladjin, como espírito de Alá, ou o impulso criador, ou o gênio criativo.

Palavras-chave: Adolescência; Criatividade; Aladim.


ABSTRACT

Adolescence has been systematically defined as a transition period characteristic of the human vital cycle, which shelters a crisis of identity – an important forerunner of the development of the adult individual's potentialities. The adolescent due to his freedom of thought and expression, is many times considered exceptionally creative, and adolescence is many times regarded as a creative moment par excellence in the human existence. Nowadays we verify in the contemporary western society, a phenomenon of long range in relation to the duration period of adolescence, since it seems to have been extended, shortening the childhood period and postponing the entrance to the adult life. To debate the creativity during adolescence, within this present prism so ample and significant, appears as a great challenge that can be assisted by the interpretative analysis of the story of Aladdin from the tales "The Thousand Nights and a Night". In "Aladdin and the Magic Lamp" we find a typical young adolescent with the faithful attitude in search of his ideals and that overcomes his dilemmas discovering an effective way of making concrete his dreams. The Magic Lamp is the metaphor of the creative ability that makes concrete plans and manifests singular impulses that modify the course of an existence. Therefore, it contains a Genius, an essential force capable of operating a transformation from potential into action, from the plan to the accomplishment. Only a youngster in adolescence, such as Aladdin, could have entered the cavern and taken possession of the Lamp, that is, penetrate into the depths of his being and discover his creative potential, taking possession of it. If the Magic Lamp represents the Creative Potential, to obtain the Lamp or to connect to the marvelous possibility of creating, holds a fundamental condition – that of throwing off pre-established intentions. Creativity depends of throwing oneself towards experiences and to be spontaneous, to do without expecting pre-determined products and thus, be surprised with what has been obtained, what always allows the finding of one's own self. It is interesting to consider that Aladdin is surprisingly appropriate for the interpretation of creativity, as the Arabian term djin, according to the Theosofic Glossary means "spirit of Nature, genius" and therefore, we can translate Aladjin as the spirit of Allah, or a creative impulse, or a creative genius.

Keywords: Adolescence, creativity, Aladdin.


 

 

Introdução

A adolescência vem sendo sistematicamente definida como um período de transição característico no ciclo vital humano, que abriga uma crise de identidade – uma importante precursora do desenvolvimento das potencialidades do indivíduo adulto. A Síndrome Normal da Adolescência descrita por Aberastury e Knobel (1970/1981) chama a atenção para a peculiar situação paradoxal da adolescência, que apresenta ao lado de um conjunto de sintomas psíquicos críticos (alguns associados à instabilidade e sofrimento emocional e ao desajustamento social), uma característica temporal circunscrita esperada ou "normal".

O adolescente enquanto indivíduo em estado de profunda transformação bio-psico-social, exerce ainda, no plano das relações interpessoais, importante papel social. Sua postura de questionamento e oposição ao status quo, advinda da necessidade de por à prova tudo que o cerca e definir o que lhe é significativo, confere a suas atitudes no meio social, uma abertura para introduzir o que é novo, revitalizando a realidade existente. O adolescente devido sua liberdade de pensamento e expressão, muitas vezes é considerado excepcionalmente criativo e a adolescência, muitas vezes é lembrada como um momento criativo por excelência na existência humana.

Atualmente verificamos na sociedade ocidental contemporânea, um fenômeno de largo alcance em relação ao período de duração da adolescência, já que ela parece ter sido estendida diminuindo o período da infância e adiando a entrada na vida adulta. Com a estimulação precoce de comportamentos mais maduros, a criança de 8 e 9 anos já apresenta traços de personalidade adolescente e por outro lado, o jovem adulto devido a imaturidade emocional e manutenção da dependência financeira da família, mantém muitas características adolescentes por volta de seus 30 anos.

Discutirmos a criatividade na adolescência, neste prisma atual amplo e significativo, se mostra um grande desafio que pode ser auxiliado pela análise interpretativa da estória de Aladim dos contos "As Mil e Uma Noites". Em "Aladim e a Lâmpada Maravilhosa" encontramos um jovem adolescente característico com a fiel postura de busca de seus ideais e que supera seus dilemas encontrando um modo efetivo de concretizar seus sonhos, além de modificar também, os destinos de algumas pessoas que o cercam.

 

Aladim e a Lâmpada Maravilhosa – relato parcial e sintético

A estória de Aladim dos contos "As Mil e Uma Noites", possui variadas edições, mas a maioria delas preserva o teor central do enredo. Na apresentação de Malba Tahan (2001) que se apóia na versão do francês Antonie Galland que inspirou as variadas traduções nos diferentes idiomas no Ocidente, temos um bom exemplo da estória. Nela, o protagonista Aladim é descrito como um jovem adolescente que se recusa a aprender o ofício do pai que é alfaiate, sendo descrito por sua mãe como imaturo, "esquecido que não é mais criança". Ainda depois da morte de seu pai aos 15 anos, ele não se modifica – é travesso e prefere brincar a trabalhar. Por este motivo, é também descrito como mau e desobediente.

As inúmeras edições comerciais que encontramos, geralmente são simplificadas e se limitam a referir Aladim como alguém que não estava inserido na vida produtiva da cidade, não trabalhava e vivia de modo livre.

Aladim mantém-se despreocupado com uma definição para sua vida, até ter um encontro com um feiticeiro ou mágico, que o procurava. Este encontro foi determinante para modificar a trajetória de sua vida. No enredo, o Mago, possuidor de muitos poderes e capaz de realizar muitos feitos, procura Aladim como um auxiliar eficaz para concretização de uma meta específica – obter uma Lâmpada Maravilhosa, uma lamparina semelhante àquelas utilizadas na iluminação doméstica, mas que continha um "Gênio" que a habitava e que era capaz de realizar todo e qualquer desejo a ele dirigido. A lamparina com seu "Gênio" era para o Mago, um recurso mágico que lhe daria mais poderes e que lhe permitiria realizar os desejos irrestritamente; ela estava guardada no interior de um jardim encantado em uma espécie de gruta ou caverna que continha muitas jóias e moedas de ouro.

O Mago pede a Aladim que entre na caverna misteriosa para retirar de lá a Lâmpada e em troca lhe oferece uma fortuna. Aladim entra na caverna, pega a Lâmpada mas devido o fato do Mago tentar ludibriá-lo na saída da gruta, fica com a Lâmpada porque fica preso na caverna. Neste momento se inicia a trama da relação entre Aladim e o Gênio da Lâmpada, que fora libertado acidentalmente. O Gênio que habitava a Lâmpada se manifesta após um gesto acidental de esfregar a Lâmpada. O Gênio saindo da Lâmpada concede a Aladim a realização de seus pedidos, que são todos consumados. Um dos desejos de Aladim foi o de se tornar um príncipe e desposar a princesa filha do sultão. Ao transformar radicalmente sua realidade pessoal tornando-se príncipe, transforma-se em adulto, casa-se e passa a ser o governador de seu reino.

 

O adolescente criativo – uma análise interpretativa do jovem Aladim

A estória de Aladim traz em sua abertura, uma definição contraditória do protagonista – como jovem ambicioso e como filho desobediente e cidadão improdutivo. Esta contradição seria problemática, caso não se tratasse de um adolescente, que geralmente é improdutivo no campo do trabalho profissional e desobediente na área das relações familiares, mas é potencialmente realizador devido algumas inovações que introduz em seu cotidiano e as definições de identidade que encaminharão sua vida futura.

Podemos entender que Aladim não era simplesmente desobediente, mas era alguém que se negava a repetir os padrões familiares seguindo o ofício de seu pai – buscava seus próprios projetos e, não priorizava obter dinheiro e sustento material, pois ainda não era esta uma preocupação genuína; ele se ocupava em ser feliz. Aladim prezava a sua liberdade de ser e fazer, de modo genuíno e, sonhava com o seu futuro; ele era capaz de imaginar o que estava além de sua realidade imediata.

Podemos considerar que as qualidades pessoais de Aladim, que não são explicitadas na estória e que lhe autorizavam a entrar na caverna que guardava a Lâmpada Maravilhosa, provavelmente estavam ligadas à possibilidade de buscar por sua própria conta e risco, riquezas surpreendentes, antes não imaginadas, originadas do desenvolvimento de novos e extraordinários poderes adquiridos neste período do ciclo vital – sua capacidade de abstração e imaginação diferenciada, que lhe permitiriam realizar seu potencial criativo de modo mais efetivo.

A Lâmpada que era guardada como um tesouro junto a jóias e moedas, representa uma outra ordem de "fortuna" que ali existia ao lado da fortuna material; ela remete à capacidade de sonhar e concretizar aquilo que a alma ou o Eu busca realizar – representa o Potencial Criativo. A Lâmpada Maravilhosa é a metáfora da capacidade criativa que concretiza planos e manifesta impulsos singulares, que modificam o curso de uma existência (Sakamoto, 1999). Por isto, ela contém um Gênio, uma força essencial capaz de operar a transformação de potencial em ação, de plano à realização.

A Lâmpada Maravilhosa é procurada por um Mago, que representa um indivíduo que conhece os poderes latentes da capacidade humana ou aqueles que não se mostram aparentes na percepção imediata. No enredo, o Mago deseja a Lâmpada para expandir seus poderes, mas ele próprio não pode obtê-la, pois não está destituído do interesse pessoal da obtenção de uma produção criadora de resultados.

Se a Lâmpada Maravilhosa representa o Potencial Criativo, obter a Lâmpada ou conectar-se à possibilidade maravilhosa de criar, possui uma condição fundamental – o se despojar de intenções pré-estabelecidas. A criatividade depende do lançar-se às experiências e ser espontâneo, de fazer sem esperar produtos pré-determinados e assim, surpreender-se com o obtido, o que sempre permite encontrar a si mesmo (Winnicott, 1975).

Só um jovem na adolescência, como Aladim, poderia entrar na enigmática caverna e se apoderar da Lâmpada, isto é, penetrar nas profundezas de seu ser e encontrar seu potencial criador, apossando-se dele. Uma criança faz uso de seu potencial criativo, mas não pode ainda, se apossar dele – usa-o tão somente. O adolescente pode compreender depois do encontro consciente com o Gênio, a diferença entre ser, fazer e pode escolher agir.

A lamparina mágica representa a intrigante potencialidade criativa, que ao mesmo tempo que é parte da vida comum – todas as casas possuem uma lamparina que ilumina aquilo que toma parte da realidade – tem a função que vai além do objetivo prático de iluminar um lugar: representa a possibilidade de desvelar aquilo que anteriormente aparentava não existir. Vale à pena lembrar que a lamparina era usada para iluminar as casas, principalmente o jardim, que era o local de encontro e conversa noturna naquela época, a lamparina era um veículo de comunicação criativa entre as pessoas de um grupo social.

A caverna que guarda a lamparina mágica e que entendemos como o território do Eu, possui um jardim encantado onde se encontra a Lâmpada Maravilhosa, isto é, um lugar que pode ser apreciado simbolicamente como a sede do imaginário, ou aquele reservatório de experiências e potenciais que é determinado por coordenadas subjetivas, fruto da história pessoal e coletiva da nossa humanidade. O Eu e o imaginário possuem como na estória de Aladim, um acesso restrito que é condicionado pela busca da subjetividade e está associado ao processo de auto-conhecimento.

Finalmente, é interessante mencionarmos que o nome Aladim é bastante curioso para a designação do protagonista do conto e do enredo da estória, pois o vocábulo Aladjin é surpreendentemente apropriado para a interpretação da criatividade. Segundo o Glossário Teosófico de Blavastsky(1995), Djin em árabe significa "espírito da Natureza, gênio" e assim, podemos traduzir Aladjin, como espírito de Alá, ou o impulso criador, ou o gênio criativo.

Aladjin ou a Lâmpada Maravilhosa pode auxiliar o entendimento da capacidade criativa na perspectiva do desenvolvimento humano, demarcando as características e ampliações geradas pela transição da adolescência.

 

Bibliografia

ABERASTURY, A.; KNOBEL, M. Adolescência Normal. Tradução de Suzana Maria Garagoray Ballve. Porto Alegre, Artmed, 1981.

BLAVATSKY, H.P. Glossário Teosófico. Tradução de Silvia Sarzana. São Paulo, Ground, 1995

SAKAMOTO, C.K. A Criatividade sob a Luz da Experiência – a busca de uma visão integradora do fenômeno criativo. São Paulo, 296p. Tese (Doutorado). Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo.

TAHAN, M. As Mil e Uma Noites. Tradução de Alberto Diniz. Rio de Janeiro, Ediouro, 2001.

WINNICOTT, D.W. O Brincar e a Realidade. Tradução de José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro, Imago, 1975.