2Sexualidade - adolescência - deficiência mental: um desafio a pensarRelato de experiência Programa de Educação Afetivo Sexual- PEAS "Experiências de ensinar e aprender" author indexsubject indexsearch form
Home Pagealphabetic event listing  





An. 1 Simp. Internacional do Adolescente May. 2005

 

Perfil de adolescentes de escolas de 4 zonas da cidade de São Paulo / Brasil: leitura em diferentes mídias, esporte, lazer e profissão almejada

 

 

Idméa Semeghini-SiqueiraI; Ana ShitaraII; Penélope E. A. SallesIII

IProfª Drª FEUSP
IIFEUSP / Mestranda
IIIFEUSP / Iniciação Científica -CNPq
Faculdade de Educação da USP – Programa de Pós-Graduação em Educação - São Paulo – Brasil

 

 

A universalização do ensino de nível fundamental ou a democratização do ensino no Brasil, a partir da década de 60, se traduziu em um aumento quantitativo de vagas nas escolas. Entretanto, a diversidade de alunos nas salas de aulas, como um fato novo, não recebeu nenhum tratamento especial.

Desde a década de 70, pesquisas realizadas por Semeghini-Siqueira (1976, 1998, 2000, 2002, 2005) foram direcionadas para uma avaliação diagnóstica e formativa da capacidade de uso da língua escrita e as implicações no exercício da cidadania de alunos da 8ª série do ensino fundamental. Os restritos graus de letramento / literacia que foram detectado, no decorrer destes anos, em produções escritas de jovens de 15 anos, são confirmados pelos resultados de um teste internacional, encomendado pela UNESCO (PISA 2000 e PISA 2003), em que o Brasil ocupou as posições 32 e 37 dentre os 32 e 41 países participantes, respectivamente. Isto pode significar que são inadequadas as propostas educacionais para a diversidade de alunos existentes na escola atual, uma vez que, após 8 anos de escolarização, esses alunos apresentam dificuldades para compreender um contrato e/ou escrever uma carta que requer argumentação. Na década de 90, aliado a estes restritos graus de letramento / literacia, o problema torna-se mais complexo com o agravante da "instalação" da indisciplina e da violência, na sala de aula, dificultando as atividades de ensino e aprendizagem.

Esta pesquisa pretende traçar um perfil de adolescentes/jovens de 8ª série, tendo em vista suas opções por leitura em diferentes mídias, esporte, lazer e profissão almejada no ano de 2003. Ao traçar o perfil dos alunos de 8ª série de 4 escolas de diferentes zonas da cidade de São Paulo, procuramos encontrar elementos para explicar os restritos graus de letramento / literacia que temos detectado não só nas produções escritas, como na leitura não–fluente de um número extremamente elevado de alunos. Procurar-se-á analisar o universo cultural em que os alunos estão inseridos, pois este determinará a formação ou não de atores sociais. Em outras palavras, pretende-se verificar se o universo cultural que está subjacente em todos os aspectos da vida cotidiana (incluindo aí a influência da mídia) colabora para a formação de atores sociais ou de indivíduos massificados e as relações desses fatores com a instauração da violência e da indisciplina nas salas de aula.

Segundo Melucci (2001 p. 100), existe uma questão juvenil e nos preocupamos em estudar os jovens, pois " em termos de sociologia do conhecimento, os jovens são atores de conflito. (...) A interrogação implícita nas diversas pesquisas sobre a condição juvenil é saber se os jovens são sujeitos potenciais de ação coletiva antagonista. A pretensão ou a esperança é responder a esta interrogação a partir de uma compreensão mais aprofundada da condição e da cultura juvenil na sociedade metropolitana." É preciso ressaltar ainda que, para Melucci (1997 p. 5): "As atuais tendências emergentes no âmbito da cultura e da ação juvenil têm de ser entendidas a partir de uma perspectiva macro-sociológica e, simultaneamente, através da consideração de experiências individuais na vida diária."

Além do contexto sócio-econômico-cultural em que estão inseridos os alunos, verificamos, após leituras preliminares, a premência de se estudar a questão das relações entre gênero e educação. Constatamos que Carvalho (2004 p. 11): "Conclui pela necessidade de discutir a cultura escolar como fonte importante na construção de identidades de meninos e meninas, seja na reprodução de estereótipos e discriminações de gênero, raça e classe, seja na construção de relações mais igualitárias."

 

QUESTÕES DE GÊNERO E CULTURA ESCOLAR

A leitura do título de alguns artigos nos alertam sobre a problemática do gênero na escola, a saber: "Meninas bem comportadas, boas alunas; meninos inteligentes, indisciplinados" (Silva et alii, 1999); "Mau aluno, boa aluna? Como as professoras avaliam meninos e meninas (Carvalho, 2001a) e "Quem são os meninos que fracassam na escola? (Carvalho, 2004). Essas pesquisas têm ressaltado a construção escolar das diferenças, decorrentes das representações de professores. Segundo Louro (1998 p.57):

Diferenças, distinções, desigualdades... A escola entende disso. Na verdade a escola produz isso. Desde seus inícios, a instituição escolar exerceu ação distintiva. Ela se incumbiu de separar sujeitos – tornando aqueles que nela entravam distintos dos outros, os que a ela não tinham acesso. Ela dividiu também, internamente, os que lá estavam, através de múltiplos mecanismos de classificação, ordenamento, hierarquização. A escola que nos foi legada pela sociedade ocidental moderna começou por separar adultos de crianças, católicos de protestantes. Ela também se fez diferentes para ricos e para os pobres e ela imediatamente separou os meninos das meninas.

Se as trajetórias escolares de meninos e meninas / garotos e garotas / rapazes e moças mostram-se fortemente determinadas pela variável "gênero", temos de procurar explicitar os processos subjacentes que participam da constituição da identidade de alunos e alunas para compreender as diferenças no desempenho escolar. Carvalho (2001 p. 556) esclarece que:

Do ponto de vista das relações de gênero – em suas complexas inter-relações com as desigualdades de classe e raça/etnia – parece que múltiplas dimensões da vida escolar e da infância articulam-se na produção desse quadro de maiores índices de fracasso escolar entre pessoas do sexo masculino: as relações de crianças ou jovens entre si, suas culturas e formas de sociabilidade, permeadas por diferenças e desigualdades de gêneros; as interações entre professores, professoras, alunos e alunas, marcadas pela presença majoritária de mulheres no magistério, particularmente no início da escolarização; as expectativas e formas de educação estabelecidas pelas famílias para seus filhos e filhas; e, finalmente, as opiniões dos professores e professoras sobre as relações de gêneros em geral e seus critérios de avaliação de alunos e alunas.

Essa problemática tem sido mencionada, em diferentes contextos internacionais, em pesquisas relacionadas, por exemplo, a classes de reforço, em que a presença de meninos é, em geral, maior do que a de meninas. Desses relatos, consta que, na maioria das vezes, esses meninos são encaminhados pelos professores mais por problemas de indisciplina do que por dificuldades de aprendizagem. Discute-se também questões referentes à profecia auto-realizadora, às teorias de masculinidade, sobretudo, a necessidade de identificação das formas específicas de masculinidade, resultantes do contexto sócio-histórico em que os sujeitos estão inseridos. (Silva, 1998; Carvalho, 2004).

Tendo em vista a complexidade do tema e a multiplicidade de fatores envolvidos, o recorte que estabelecemos para estudar o desempenho escolar e as interações na sala de aula, considerando as diferenças de gênero imbricadas em questões de desigualdades sociais, refere-se, em especial, a forças externas à escola – de fora para dentro da escola – às experiências individuais na vida cotidiana, a padrões adquiridos pelos estudantes, provenientes das relações sociais no meio familiar e da mídia.

No que tange à expressão "fracasso escolar", utilizada nas diversas pesquisas mencionadas, acreditamos ser necessária para explicitar as diferenças que estão sendo estudadas. Neste texto, não discutiremos se este "fracasso" é dos alunos, dos professores ou da universidade que forma os professores. Pretendemos entender essas diferenças de gênero, para aguçar a percepção dos professores, a fim de viabilizar a construção de trajetórias escolares de sucesso para um número cada vez maior de estudantes.

 

A PESQUISA

O ponto de partida desta pesquisa foi a elaboração de um questionário, contendo questões testes e dissertativas, utilizando dois referenciais: um instrumento construído por pesquisadores canadenses (Janosz et alii, 2000) e dados provenientes de uma pesquisa anterior com licenciandos, futuros professores de Língua Portuguesa (Semeghini-Siqueira, 2001). Com relação aos dados quantitativos, foi aplicado o teste Qui-Quadrado para verificar se as variáveis eram independentes ou se a zona ou o sexo influenciavam a resposta dada à determinada questão.

Os sujeitos são 240 alunos do ensino fundamental na faixa etária dos 13 aos 17 anos, sendo 112 do sexo masculino (47 %) e 128 do sexo feminino (53 %). Tendo em vista a questão "como você se classificaria?", obtivemos as seguintes respostas referentes a autoclassificação racial: [a] brancos: 45 %; [b] negros: 7 %; [c] mulatos: 48 %; [d] oriental: 1 %; [f] indígena: 1%.

Esses alunos de 8ª série são provenientes de 4 escolas públicas, sorteadas em função das 4 zonas da cidade de São Paulo. Assim sendo, de forma aleatória, as escolas das zonas norte e sul são estaduais e as das zonas leste e oeste são municipais.

Os critérios utilizados para caracterização socioeconômica dos sujeitos referem-se à renda familiar mensal e a índices de exclusão digital. Para determinação da renda familiar mensal, estabelecemos as seguintes faixas: [a] até R$ 300,00; [b] de R$ 301,00 a 700,00; [c] de R$ 701,00 a 1500,00; [d] de R$ 1501,00 a 3000,00; [e] mais de R$ 3001,00. Com relação à renda familiar nas faixas [a] e [b], portanto, abaixo de R$ 701,00, temos: 37 % dos alunos das zonas leste e oeste; 53 % dos alunos da zona norte e 75 % dos alunos da zona sul. Na faixa [e] mais de R$ 3001,00, não há nenhum aluno da zona sul; 3 % da zona norte e 8 % dos alunos das zonas leste e oeste. A escolaridade do pai é mais um dado para caracterização das zonas. Ao somarmos os números do item [a] não freqüentou a escola e [b] ensino fundamental incompleto, temos a seguinte classificação: na zona oeste, 26 % estão na faixa [a] e [b]; na leste, 36 %; na norte, 40% e na sul, 56 %. Com relação à escolaridade da mãe, há um paralelismo com a do pai.

As três questões que permitem determinar o grau de exclusão digital apontam para a mesma direção da renda familiar. As respostas a questões sobre o grau de contato com o computador e com a Internet são correlatas às respostas à questão "você tem um computador em casa?". Assim, 53 % dos alunos da zona oeste responderam afirmativamente; 43 % da leste; 22% da norte e 16 % da zona sul. Uma hierarquia compatível pode ser observada pelos que assinalaram "nenhum contato com o computador", a saber: 6 % dos alunos da zona oeste; 16 % da leste, 35 % da norte e 50 % da sul. Com relação à Internet, a exclusão digital apresenta-se mais acentuada. Assim, assinalaram "nenhum contato com a Internet": 16 % da zona oeste; 31% da leste; 50 % da norte e 75 % da sul. De certa forma, esses dados permitem que sejam levantadas hipóteses sobre a inexistência e/ou o uso não adequado do laboratório /sala de informática educativa destas escolas.

Embora todos os sujeitos sejam provenientes de escolas públicas, pode-se observar que temos de levar em consideração, na interpretação dos dados, que as famílias dos alunos das zonas oeste e leste têm maior poder aquisitivo do que aquelas das zonas norte e sul em função das faixas estabelecidas.

Outro dado relacionado a essa caracterização socioeconômica refere-se à idade ideal – 14 ou 15 anos – para os alunos freqüentarem a 8ª série. Assim, 96 % dos alunos da zona oeste estão nessa faixa etária; 79 % da leste; 76 % da norte e 31 % da sul. Os dados sobre repetência são, portanto, mais acentuados na zona sul.

Quanto às categorias selecionadas para delinear o perfil dos sujeitos, levando em consideração zona e sexo, optamos por examinar algumas experiências de vida cotidiana, a fim de perscrutar os centros de interesses de nossos jovens alunos para que um diálogo mais apropriado possa ser estabelecido nas salas de aulas. Analisaremos em seqüência: esporte; mídias (rádio / gênero musical, televisão, mídia impressa: revistas, jornais, livros); lazer e profissão almejada.

A categoria "esporte" apresentou índices significativos, constituindo uma variável dependente de zona e de sexo. Assim, com relação à zona, os que mais praticam esporte são os jovens da oeste e, em seqüência, da leste, norte e sul. Com relação ao sexo, 86 % dos garotos praticam esporte e apenas 45 % das garotas.

Um dos itens mais importantes, detectados nesta pesquisa, refere-se às atividades esportivas que são extremamente significativas para os garotos, de tal modo que coincidem com 4 atividades de lazer preferidas por eles, ou seja, "futebol", "jogar bola", vídeo-game", "praticar esporte", "ciclismo", além de uma competitiva, o "vídeo-game". Para as garotas, as 5 atividades de lazer preferidas são mais diversificadas: "ouvir música", "vôlei", "sair/passear", "dançar" e "assistir TV".

Com relação ao rádio, 94 % de todos os jovens responderam que ouvem. Entretanto com relação ao número de horas, trata-se de uma variável dependente de sexo. Na letra [e], que equivale a "mais de 4 horas", 26 % das garotas assinalaram e 11 % dos garotos.

O gênero de música preferido foi definido mais em função das meninas do que dos garotos, uma vez que a maioria delas explicitou suas preferências. Para as meninas, o gênero mais indicado é o "axé" e para os meninos é o "rock". Para as 4 zonas e ambos sexos, em ordem decrescente, os gêneros mais citados foram: 1º rock (predominou nas zonas oeste e leste), 2º axé, 3º pagode (predominou na zona norte), 4º samba, 5º rap ( predominou na zona sul), 6º romântica, 7º pop e 8º forró. Vale listar os outros gêneros mencionados por 1 a 5 jovens para que se conheça a diversidade de termos em voga: religiosa, eletrônica/techno, reggae, mpb, punk rock, hip hop, clássica, dance, heavy metal, flash back, sertaneja, hard core, grunge, new metal, jazz/blues e samba rock.

Nas respostas a questão "quantas horas de televisão você assiste por dia?" não há indicação de variável dependente nem de zona nem de sexo. Os resultados são equivalentes para todas as zonas e para homens e mulheres. Assinalaram a letra [a] menos de 2 horas: 15 %; [b] 2 horas: 13 %; [c] 3 horas: 20 %; [d] 4 horas: 12 %; [e] mais de 4 horas: 36 %. Em várias pesquisas realizadas no Brasil, têm sido constatado que a mídia TV ocupa um tempo maior ou equivalente ao tempo de permanência dos jovens na sala de aula. Para as meninas, a novela é a programação preferida. Para os meninos, os programas esportivos. Na indicação dos meninos as novelas estão presentes, entretanto não há menção de programas esportivos na seleção das meninas. Para ambos, há inclusão na listagem de uma variedade de programas: de auditório, shows, humorísticos, jornal, filmes, seriados e desenhos.

Quanto à mídia impressa, foram levantados dados referentes à leitura de revistas, jornais e de livros.

Com relação às revistas, as variáveis são dependentes de zona e sexo. Do conjunto de sujeitos da zona oeste, 87 % assinalaram a leitura de revistas, enquanto 50 % dos jovens da zona sul. As meninas (70 %) de todas as zonas lêem mais revistas que os meninos (48 %). As cinco revistas mais indicadas pelas meninas, em ordem decrescente, são: Capricho, Veja, Atrevida, Contigo e Caras. Os meninos selecionaram: Veja, Época, Playboy, Gibis e Superinteressante. Há uma grande probabilidade de que o fator socioeconômico interfira no acesso às revistas, uma vez que elas não estão disponíveis nas escolas.

Na leitura de jornais, os meninos superam as meninas: 68 % e 65 %. O interesse dos meninos pelas atividades esportivas pôde ser detectado também nesta mídia.

Vale ressaltar que os tópicos selecionados para caracterização do perfil dos adolescentes – esporte, lazer, mídias audiovisuais (rádio e TV) e das mídias impressas (revistas e jornais) – o índice de respostas esteve entre 90 a 100 %. Os jovens demonstraram uma forte disposição para responder ao questionário.

No momento em que apareceram as questões sobre leitura de livros, houve uma alteração sensível: 53 % dos alunos se dispuseram a responder. Os índices diminuíram nas 4 zonas. Entretanto, foi maior o número de indicações nas zonas oeste e leste. À questão "qual livro você está lendo"?, 47 % dos meninos e 60 % das meninas indicaram o título. Há uma grande variedade de livros. O único que recebeu um número mais significativo (8) de indicações foi Harry Potter: 6 na zona oeste, 1 na leste e 1 na sul. Desses 8 alunos, 6 eram meninos. Com relação ao livro citado nesta questão, havia espaço para preenchimento da opção: "livro solicitado pelo professor" ou "livro escolhido por você". Houve aqui um forte paralelismo nas respostas de meninos e meninas nas 4 zonas: 23 % para a solicitação do professor e 74 % para a escolha pessoal. Esses dados evidenciam a importância de se facilitar o acesso aos livros e de se criar estratégias para viabilizar a seleção pelos alunos.

Em outra questão sobre os livros, foi perguntado aos alunos: "dos livros que você leu até hoje, do qual você gostou mais?". Houve indicação de 62 % das meninas e 45 % dos meninos. A maior predisposição das meninas em relação à leitura se confirma também nesta questão. Uma outra hipótese a ser aventada refere-se aos títulos a que tiveram acesso os rapazes. Esses teriam despertado menos interesse dos alunos do que Harry Potter, por exemplo.

Na listagem das meninas, há um conjunto de títulos referentes a "histórias de amor", inexistente na seleção dos meninos, na qual há uma incidência maior de títulos relacionados a aventura. Na lista dos meninos da zona oeste, encontramos: "História do Corinthians", "A história dos aviões", "Uma história sem fim" entre outros. O título "Adolescência: vida ou morte" foi mencionado por um menino e uma menina.

No questionário, havia mais uma questão sobre leitura: "Nestes 8 ou mais anos de ESCOLA, o modo como os livros foram trabalhados pelos professores: ajudou você a ler por prazer [ ]; "provocou" só leitura por obrigação [ ]; outra [ ]___________". Nesta questão, em que a resposta requeria apenas um [X], houve um aumento do número dos sujeitos que responderam: 94 % das meninas e 86 % dos meninos. A variável não é dependente de zona, não há, portanto, uma diferença significativa entre as 4 zonas da cidade. Entretanto a variável é dependente de sexo.

Dentre as alunas, 67 % assinalaram que as atividades constituíram um estímulo positivo; mas 18 % assinalaram "leitura por obrigação" e 9 % "outra". Assim, para 29 % das meninas as estratégias utilizadas não estão atingindo os objetivos educacionais.

Quanto aos alunos, o problema é mais acentuado. Para 49 % os estímulos são positivos, 30 % assinalaram "leitura por obrigação" e 7 % "outra". Há, portanto, evidências de que em 37% dos alunos e 29 % das alunas, após 8 anos de escolarização, há mais bloqueios com relação à leitura do que predisposição ao ato de ler. Praticamente 1/3 dos alunos de cada sala de aula enfrentarão obstáculos em tarefas que exigem a leitura. As práticas escolares não foram eficientes para mobilizar o potencial desses alunos. É para esse grupo que a escola terá de voltar seu olhar e rever seu projeto pedagógico. É imprescindível, pois, que as estratégias para promover o desenvolvimento dessa habilidade, tão essencial à construção do conhecimento sejam alteradas. As conseqüências desta restrita interação com a leitura tornam-se visíveis nas produções escritas de um número considerável de alunos no final da 8ª série.

Após analisarmos estes dados sobre leitura, retornamos à questão "qual é sua atividade de lazer preferida?". Reexaminando as respostas dos 240 alunos das 4 escolas públicas da cidade de São Paulo, aleatoriamente selecionadas, encontramos 8 alunos que incluíram "ler" como uma atividade de lazer, dentre os alunos que apresentaram 2 ou 3 atividades preferidas. A distribuição por zona e sexo foi a seguinte: zona norte, 1 aluno e 1 aluna; zona sul, 4 alunas; zona leste, 1 aluno; zona oeste, 1 aluno indicou "leitura de revista" e 1 aluno incluiu "escrever". Indubitavelmente, esses dados são estarrecedores. Há fortes evidências de que a escola terá de reinventar as práticas de leitura para instrumentalizar de forma mais adequada o uso desta ferramenta, tornando-a significativa para os estudantes.

Quanto à interação desses jovens com a Biblioteca Escolar ou Sala de Leitura é bastante precária. Somente os alunos da zona oeste foram coerentes ao explicitar o modo de funcionamento da biblioteca, ou seja, 88 % assinalaram a letra "[d] Há empréstimo. Eu escolho na estante". Esse índice é mais um elemento para confirmar a hipótese da interferência da facilidade de acesso ao livro na formação de leitores uma vez que a zona oeste concentra o maior número de alunos que se dispuseram a dar informações sobre livros. Nas outras zonas - 27 % dos alunos da norte, 22 % da sul e 18 % da leste – assinalaram a letra "[a] não existe biblioteca / sala de leitura". Como todas as outras alternativas também foram assinaladas: "[b] Não há empréstimo. O livro não sai da biblioteca; [c] Há empréstimo no balcão; [d] Há empréstimo. Eu escolho na estante; [e] outra: ___.", pode-se deduzir que impera a desinformação sobre o funcionamento deste espaço na escola.

Quanto à freqüência à Biblioteca Pública mais próxima, um número irrisório de alunos responderam à questão. Alguns foram taxativos, assinalaram a letra "[a] Não freqüento": 13 % da zona norte, 20% da sul, 22 % da leste e 37 % da oeste. Com relação à zona oeste, o número mais elevado pode ser justificado em função do bom funcionamento da Sala de Leitura / Biblioteca Escolar.

Para complementar a análise destes dados, recorremos a uma questão dissertativa inserida no final do questionário: "Como você imaginaria aulas de Língua Portuguesa que fossem agradáveis, interessantes, desafiadoras e que pudessem ajudar mais a você nas questões de LEITURA e ESCRITA? À essa questão responderam 54 % das meninas e 39 % dos meninos. Não há diferenças significativas nas propostas de meninos e meninas e nem de zona. Um aluno da zona sul sintetiza as propostas: "Os professores deveriam encontrar outra forma de dar aula, um jeito mais legal".

Quanto à "forma", a maioria sugere que as aulas sejam mais "dinâmicas e criativas", "que incentivassem os alunos a se envolver na aula", que fossem "mais interessantes", "agradáveis com jogos e brincadeiras". Um grande número de alunos requerem aulas "mais práticas, cotidianas e atuais"; "com uso de vídeo e filmes"; "com teatro e dramatizações". Um aluno sugere que "seria muito interessante se trabalhássemos mais em grupo, juntando matérias, um trabalho que precisasse de conhecimentos gerais e que fosse prazeroso para todos".

Ressaltam também a importância de "aulas com mais disciplina e respeito", com "professores mais atenciosos", que "os professores soubessem se impor e também tivessem respeito com os alunos para serem respeitados". Uma aluna da zona leste apresentou as seguinte sugestão: "Eu gostaria de uma aula sem bagunça dos alunos, uma aula que ajudasse a gente aprender mais ser mais compreensivo que a professora explicasse melhor as matérias".

Com relação às atividades, a maioria solicita mais aulas de leitura "com mais variedade de leitura e trabalho com leitura", aulas de interpretação de textos e de redação ("trazer livros e bastante redação", "aulas com redação dissertativa, narrativa, descritiva" ), "sem cópia" e "sem esse negócio de gramática". Um outro aluno esclarece: "não gosto de fazer muitas cópias, por isso deveria ser mais diversificada sem aquele negócio chato de ficar decorando a matéria, com isso não se aprende nada". E uma aluna da zona oeste sintetiza: "Eu prefiro aulas de português com grupos e revistas, livros de literatura, gibis etc." Uma aluna da zona leste sugere: "aulas diferentes com o uso de livros escolhidos pelos alunos, vídeos, atividades ao ar livre, etc."

É importante ressaltar que somente uma única aluna da zona oeste fez referência à biblioteca em sua proposta de aula para a disciplina Língua Portuguesa. Fica bem evidente que não há uma articulação entre os dois espaços - sala de aula e biblioteca – nessas escolas e, sem dúvida, em muitas outras escolas (Semeghini-Siqueira, Silva & Nakamoto 2003). O significado de uma possível integração desses espaços foi bem sintetizado por Alfredo Bosi (in Macedo & Semeghini-Siqueira, 2000 p. VI):

Lembro-me de ter visto, há alguns anos, a maquete de um dos admiráveis CIEPS arquitetado pelo gênio de Oscar Niemeyer no Rio de Janeiro. O centro espacial e vivo da escola era a sala de leitura. Para ela convergiam alunos e docentes em um convívio fecundo e democrático.

A sala de leitura e, por extensão, a biblioteca, deveria ser a alma da escola, e não, como infelizmente ainda ocorre, um espaço apartado do ensino, um mero apêndice burocrático sem vida.

Há, certamente, uma grande probabilidade de que a Biblioteca Escolar ou Sala de Leitura desempenhe um papel fundamental no desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita, como se pode vislumbrar pelos dados da zona oeste.

O último tópico analisado para este texto refere-se à "profissão almejada". A hipótese de que haveria diferenças significativas nas diferentes zonas da cidade não se confirmou. O desejo de ser "jogador de futebol" foi explicitado por 2 alunos de cada zona da cidade. A profissão "professor(a)" foi citada por 8 alunos, mas sempre entre outras indicações. Na zona norte, 3 alunas optaram por "professora de educação física", "professora de matemática" e "professora de biologia". Na zona sul, 1 aluno pretende ser "professor de informática". Na zona leste, 1 aluno e 1 aluna anotaram somente "professor(a)", não especificaram a disciplina. Na zona oeste, duas meninas indicaram "professora de educação física" e 1 menino indicou "professor de judô".

A maioria dos meninos e das meninas escolheram as profissões tradicionalmente consideradas de prestígio. As mais citadas pelas meninos foram: jogador de futebol, administrador, engenheiro, veterinário, advogado e policial. As meninas priorizaram as seguintes profissões: veterinária, advogada, médica (geral), médica (pediatria), psicóloga entre outras.

Vale dizer que a leitura fluente é uma habilidade que perpassa a formação dos profissionais para a maioria das profissões almejadas. As atividades de oralidade-leitura-escrita propostas aos alunos do ensino fundamental estarão sendo suficientes para que eles possam prosseguir os estudos com sucesso?

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer desta investigação, um perfil dos adolescentes / jovens de 8ª série foi se delineando. Tomamos conhecimento de uma série de aspectos que participam da constituição da identidade desses alunos e dessas alunas. Na maioria das categorias selecionadas para análise, a questão do gênero mostrou-se relevante.

Em pesquisa realizada para determinação do "Índice Nacional de Alfabetismo Funcional – INAF" (Ribeiro & Montenegro, 2001), que estudou a capacidade de utilização de leitura e escrita da população brasileira na faixa dos 15 aos 64 anos, encontramos resultados que confirmam percentuais detectados em nossa amostra. Em uma tabela que disponibiliza a preferência de tipos de leitura pela faixa etária de 15 a 24 anos, por sexo, consta que as mulheres lêem mais revista e livros do que os homens e que a leitura de jornais é priorizada pelos homens. Em função da pergunta "O Sr.(a) gosta ou não gosta de ler para se distrair ou passar o tempo?", para a faixa etária dos 15 aos 24 anos, os resultados indicam que as mulheres gostam mais de ler do que os homens. Em nossa pesquisa, não foi formulada uma questão idêntica a essa, mas de vários modos pudemos identificar um maior envolvimento das mulheres com a leitura.

Os dados encontrados em nossa pesquisa corroboram as pesquisas citadas, neste texto, no tópico "Questões de Gênero e Cultura Escolar". A predisposição maior das meninas em relação à leitura possibilita que tenham um desempenho escolar superior ao dos meninos, uma vez que o texto impresso é ainda o meio que viabiliza a construção do conhecimento na escola do século 21.

Apesar da mídia impressa ser dominante, o espaço que possibilitaria um maior envolvimento dos alunos – a Biblioteca Escolar ou a Sala de Leitura – está fragilizado em um grande número de escolas públicas. Promover uma interação "dinâmica", "criativa" e "prazerosa" desses dois espaços é um desafio para as escolas que pretendem viabilizar a formação de jovens com aptidões necessárias para exercer a cidadania, ou melhor, para a formação de atores sociais.

Qual leitura fazer desse conjunto de dados, dessas diferenças entre os sexos, que contribuísse para que a escola pudesse, por exemplo, acolher de forma mais criteriosa os meninos?

A categoria "esporte" perpassa todas as atividades em que os garotos se envolvem. Dedicam um tempo considerável a práticas esportivas, as atividades de lazer preferidas estão relacionadas a esporte, a programação televisiva, a leitura de jornais e até alguns títulos de livros. Nas aulas das diferentes disciplinas em que medida este centro de interesse é levado em consideração?

Com relação às meninas, não encontramos nenhuma categoria que tivesse uma presença tão significativa quanto o esporte para os meninos. O uso que elas fazem do tempo inclui, certamente, uma porcentagem maior de momentos dedicados à leitura e a ouvir música.

Com relação ao tempo destinado à TV, 36 % dos jovens, meninos e meninas, reservam mais de 4horas diárias por opção. Um número insignificante deles assinalou "menos de 2 horas". O dinamismo, o ritmo acelerado que caracteriza a TV começa a impregnar a mente / o cérebro desde a infância, contribuindo para a constituição de padrões que são referências para os jovens.

Dentre as propostas para aulas elaboradas por alunos e alunas, saltam aos olhos as exigências quanto ao dinamismo. Certamente, as atividades desenvolvidos nas salas de aulas, nos tempos atuais, não estão mais mobilizando as energias dos jovens. Desencontros e desencantos foram explicitados com relação às aulas, à interação professor-aluno e aluno-aluno, em especial, aos problemas de indisciplina na sala de aula.

Nesta investigação, um perfil bem complexo de jovens de 8ª série foi-se delineando. As experiências ricas de seu cotidiano fora da escola não encontram diálogo com a maioria das propostas de sala de aula. Algumas respostas surgiram para encaminhar os debates junto aos educadores, mas o número de perguntas se avolumou. Há uma série de questões em aberto para novas pesquisas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARTES, A.C.A. & CARVALHO, M.P. (2005). Moças e rapazes no Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional. São Paulo: FEUSP (mimeografado).

BAKHTIN, M. ( 1979). Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes.

BAKHTIN, M. (1984). Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec.

BENVENISTE, E. (1976). Da subjetividade na linguagem. In: Problemas de Lingüística Geral [trad.] São Paulo: Ed. Nacional/EDUSP.

BENEVIDES, M.V.M. (1998). Cidadania e direitos humanos. In: Cadernos de Pesquisa. São Paulo,: Fundação Carlos Chagas.

BIARNÈS, J. (1998). O ser e as letras: da voz à letra, um caminho que construímos todos. R. Fac. Educ., São Paulo, v.24, n.2, p. 137-161, jul./dez.

BRONCKART, J.-P. (1998). Atividades de linguagem, textos e discursos - para um interacionismo sócio-discursivo. São Paulo: EDUC.

CARVALHO, M. P. de (2001a). Mau aluno, boa aluna? Como as professoras avaliam meninos e meninas. São Paulo, Estudos Feministas, v.9, n. 2, dezembro, p. 554-574.

CARVALHO, M. P. de (2001b). Estatísticas de desempenho escolar: o lado avesso. Educação & Sociedade, ano XXII, nº 77, dezembro, p. 231-252.

CARVALHO, M. P. de (2004). Quem são os meninos que fracassam na escola? Cadernos de Pesquisa, v. 34, n. 121, p. 11-40, jan./abr.

JANOSZ, M.; GEORGE, P.; PARENT, S. (1998). L'environnement socioéducatif à l'école secondaire: un modèle théorique pour guider l'intervention de milieu. Revue Canadienne de Psycho-Éducation, 27 (2), 285-306.

LEITE, D. M. (1997) "Educação e relações interpessoais". In Patto, M.H.S. Introdução à Psicologia Escolar. São Paulo: Casa do Psicólogo.

LOURO, G.L. (1998). Gênero, Sexualidade e Educação: uma perspectiva pós-estruturalista. 2ed. Petrópolis: Vozes.

MACEDO, N.D.de & SEMEGHINI-SIQUEIRA, I. (2001). Biblioteca Pública / Biblioteca Escolar de país em desenvolvimento: diálogo para reconstrução de significados com base no Manifesto da UNESCO. São Paulo: FEUSP/CRB-8.

MELUCCI, A (1997). Juventude, tempo e movimentos sociais. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, n. 5/6.

MELUCCI, A (2001). A invenção do presente: movimentos sociais nas sociedades complexas. Petrópolis: Vozes.

RIBEIRO, V.M. & MONTENEGRO, F. (coords.) (2001) Indicador Nacional de Alfabetismo. Um diagnóstico para a inclusão social pela educação. São Paulo: Ação Educativa , Instituto Paulo Montenegro

SEMEGHINI-SIQUEIRA, I. (1976). Aspectos da construção progressiva do modelo de performance relativos ao componente sintático. São Paulo, FFLCH-USP (tese de doutorado).

SEMEGHINI-SIQUEIRA, I (1995). A questão da leitura no âmbito da Ciência Cognitiva: memória e consciência. Coleção Documentos. Série Ciência Cognitiva - 20. São Paulo, USP-IEA (Instituto de Estudos Avançados), p. 168-178.

SEMEGHINI-SIQUEIRA, I. (l998). O peso das práticas educativas de gramática, redação e leitura para alunos do ensino fundamental em Língua Portuguesa: um estudo exploratório a partir da década de 50 no Brasil. In : Anais, II Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação. São Paulo : FEUSP.

SEMEGHINI-SIQUEIRA, I (2000). Práticas pedagógicas vivenciadas no passado, a formação docente e a atuação do professor de Língua Portuguesa concernente ao ensino fundamental. Anais. III Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação: leitura e escrita. Lisboa: Universidade de Lisboa.

SEMEGHINI-SIQUEIRA, I. (2002). Questions de littéracie émergente--alphabétisation--littéracie indiquent de nouvelles voies pour la nécessaire refonte de la didactique de la langue maternelle au Brésil. In : Annales, Colloque: La Littéracie: le rôle de l'école. Grenoble : IUFM Académie de Grenoble.

SEMEGHINI-SIQUEIRA, I., SILVA, F.M.S.e & NAKAMOTO,P. (2003). Retratos de bibliotecas escolares em 1985 e 2000 : teor de mudanças para suprir demandas de leitores na era da interconectividade. Anais. São Paulo : XXIII ISCHE – International Standing Conference for the History of Education

SEMEGHINI-SIQUEIRA, (2005). Atividades de oralidade, leitura e escrita significativas: a construção de minidicionários por crianças com a mediação de professores. In: CATANI, D. & VICENTIM, P. Formação e Auto-formação: saberes e práticas nas experiências dos professores. São Paulo: FAFE/FEUSP [no prelo].

SILVA,C. A. D.et alii. (1999). Meninas bem comportadas, boas alunas ; meninos inteligentes, indisciplinados. São Paulo, Cadernos de Pesquisa, nº 107, p. 207-225, julho.

SPOSITO, M. P. (1998). A instituição escolar e a violência. In: Cadernos de Pesquisa. São Paulo: Fundação Carlos Chagas.

VYGOTSKY, L. S. (1984). A formação social da mente. [trad.] São Paulo, Martins Fontes.

VYGOTSKY, L. S. (1987). Pensamento e Linguagem. [trad.] São Paulo, Martins Fontes.