2Relato de experiência Programa de Educação Afetivo Sexual- PEAS "Experiências de ensinar e aprender"Recuperação de fontes seriais para a historiografia da criança institucionalizada no estado de São Paulo (Projeto de Políticas Públicas. Processo FAPESP 03/06363-2) author indexsubject indexsearch form
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An. 1 Simp. Internacional do Adolescente May. 2005

 

Adolescentes, vulnerabilidade, sexualidade e saúde mental*

 

 

Carla R. SilvaI; Helen I. FreitasII; Roseli E. LopesIII

ITerapeuta Ocupacional e Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSCar - carla_rs@hotmail.com
IITerapeuta Ocupacional e Mestranda do Programa de Pós-Graduação em saúde Coletiva da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (Botucatu) – UNESP - hifreitas@yahoo.com.br
IIIProfessora Adjunta do Departamento de Terapia Ocupacional e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) - relopes@power.ufscar.br

 

 


RESUMO

Este estudo integra a experiência do projeto "Viva com Vida" pautado na prevenção de HIV/aids com adolescentes, baseado nos conceitos de desfiliação, exclusão e vulnerabilidade. O projeto aborda questões de adolescentes que se encontram à margem dos processos essenciais da sociedade, vítimas de exploração, de violência doméstica, urbana (física, sexual e/ou psicológica) ou mesmo formas mais ocultas como a negligência. Os conceitos são abordados não só por um aspecto estritamente econômico, de pobreza material, mas também caracterizam uma situação de pauperização subjetiva e sócio-familiar, com uma série de rupturas na constituição psíquica, de participação e de fracassos no estabelecimento de vínculo social. Resultando na perda de pertencimento, na experiência de abandono e incapacidade de reagir. E, propondo-se a realizar um debate com adolescentes, sobre carência e precariedade do exercício da cidadania, o projeto criou uma rede de apoio, considerando as particularidades formadas pelo conjunto dos aspectos sociais e individuais, que refletem muitas vezes na impossibilidade de enfrentar as problemáticas vividas pelos adolescentes. A falta de recursos para enfrentamento os suscetibilizam a outras problemáticas/vulnerabilidades como à infecção pelo vírus HIV, ocorrendo muitas vezes através de comportamento sexual de risco levado por uma impossibilidade/dificuldade do cuidado de si. E considerando uma complexa interação de aspectos biológicos, psicológicos e sociais nos processos relativos à saúde em geral e conseqüente comportamento sexual, influenciado diretamente pela saúde mental do indivíduo, foram criados espaços de diálogo buscando fazê-los reconhecerem-se enquanto atores sociais, valorizar experiências e transformações subjetivas, e instrumentalizá-los para a possibilidade de reversão da condição de existência vulnerável, visando à abertura de novas possibilidades e perspectivas de reflexão e ação. O projeto foi coordenado por duas terapeutas ocupacionais sob um olhar voltado à conscientização e reflexão sobre o cuidado de si, e a constituição do sujeito passando por sua subjetividade. Os procedimentos realizados foram grupos de orientação sobre sexualidade, assembléias, oficinas de atividades e acolhimento individual quando necessário, buscando que estas atividades fizessem sentido na realidade de cada um, com vistas à sensibilização, mudanças de consciência e comportamento. As diversas técnicas oferecidas contribuíam ludicamente para vivências em comunhão, visando aumento de repertório potencial autonomia para transformação. As principais conclusões focalizam a apreensão das informações pelos adolescentes, a viabilidade da transformação de atitude consciente e ainda, como resultado, a formação de um grupo de multiplicadores.


 

 

AS PROBLEMÁTICAS

O presente trabalho diz respeito à vasta parcela de crianças e adolescentes e, conseqüentemente, de suas famílias que estão à margem, desligados ou desenraizados dos processos essenciais da sociedade.

Assim, o que assistimos são crianças e adolescentes de rua e na rua (CAMPOS, DEL PRETTE e DEL PRETTE, 2000), vítimas da exploração do trabalho infantil, vítimas de violência doméstica, urbana (física, sexual e/ou psicológica) ou mesmo formas mais ocultas de violência como a negligência, que as impedem de usufruir seu papel de sujeito de direitos e cidadão.

A violência é considerada um grave problema de saúde pública no Brasil, constituindo hoje a principal causa de morte de crianças e adolescentes a partir dos cinco anos de idade. Trata-se de uma população cujos direitos básicos são muitas vezes violados, como o acesso à escola, a assistência à saúde e aos cuidados necessários para o seu desenvolvimento. Uma das formas de expressão da violência é caracterizada como maus tratos. Os maus tratos contra a criança e o adolescente podem ser praticados pela omissão, supressão e transgressão dos seus direitos, então definidos por convenções legais ou normas culturais (SBP, FIOCRUZ e MJ 2001).

Fatores contemporâneos de dissociação social, desfiliação, conforme CASTEL (1994), apoiados numa precarização do trabalho levam, muitas vezes, a uma situação de pauperização sócio-familiar, com uma série de rupturas de participações e fracassos na constituição do vínculo (vazio social). Situações as mais diversas: ex-operários, que possuíam uma profissão, idosos que vivem retirados no seu isolamento, bandos de jovens que vagueiam sem fazer nada. Essas trajetórias nada têm em comum e seus destinos não os unem, salvo a existência vulnerável, a percepção de um destino incerto: desfiliação significa perda de raízes sociais e econômicas e situa-se no universo semântico dos que foram desligados, desatados, desamarrados, transformados em sobrantes, inúteis desabilitados socialmente. Segundo o autor, não se trata de um estado ou uma condição, mas de um percurso que é preciso constantemente perseguir para delinear suas múltiplas metamorfoses, pois a questão social só pode ser equacionada do ponto de vista histórico, por conseguinte, dinâmico, mutável e contraditório, CASTEL (1995).

Os termos aqui destacados fazem parte de uma vasta literatura que se tenta conceituar historicamente. Portanto, outros tantos termos podem ser encontrados para definir as situações abordadas. Cada um deles faz um recorte próprio do contexto histórico, socioeconômico, político e cultural.

No Brasil a palavra exclusão é comumente empregada, mas definir o termo "exclusão social", contudo, por um aspecto estritamente econômico parece não ser adequado. Demo (apud PALMAS e MATTOS, 2001) frisa que a pobreza material é sempre marcante, mas que o processo de exclusão passaria pela perda de pertencimento, uma vez que os indivíduos experimentariam um abandono geral, além da incapacidade de reagir. Pode-se considerar então, que, de fato os excluídos carecem dos bens e de serviços necessários, mas, para, além disso, precisa-se considerar, também que o cerne da questão passa pela precariedade da cidadania.

A vulnerabilidade é assim, como discutido acima, produzida na conjunção das precárias condições sócio-econômicas, com a impossibilidade de exercer cidadania e suas potencialidades e ainda a fragilidade do vínculo social no âmbito mais nuclear.

Vulnerabilidade

Os processos de modernização e democratização experimentados no Brasil nas últimas décadas do século XX permitiram reordenar a política de assistência social para o conjunto da população, trazendo novos parâmetros para a intervenção pública. No campo da assistência pública, incorporou-se a redefinição da infância e da adolescência como processos sociais de desenvolvimento humano e se estabeleceu uma dimensão de prioridade à proteção social dirigida aos jovens, pessoas em formação que exigem atenção específica.

A partir desta priorização, o exame das situações de vulnerabilidade na população jovem no Brasil, que foram sistematizadas no início dos anos 90, identificou diferentes condições de vida entre os jovens que resultavam de sua posição na estrutura social combinada a um acesso diferenciado aos serviços e bens de assistência pública (MENDONÇA, 2002).

Vulnerabilidade e aids

As particularidades formadas pelo conjunto dos aspectos sociais e individuais muita vezes refletem a impossibilidade de enfrentamento das problemáticas vividas pelos indivíduos, devido à falta de recursos que os suscetibilizam a outras problemáticas/vulnerabilidades. Uma delas aqui especificada é a vulnerabilidade à infecção pelo vírus HIV e conseqüentemente o desenvolvimento da Síndrome da Imunodeficiência Adquirira – AIDS. AYRES (1999) define o conceito de vulnerabilidade descrita, em linhas gerais, como um esforço de produção e difusão do conhecimento, debate e ação sobre os diferentes graus e natureza de suscetibilidade de indivíduos e coletividades à infecção, adoecimento e morte pelo HIV. E ainda, a vulnerabilidade de um grupo populacional à epidemia de HIV é definida pelo conjunto das características macropolíticas, econômicas e socioculturais que reforçam ou diluem o risco individual.

Os adolescentes representam aproximadamente 25% da população das Américas e no início deste século irão somar por volta de 224,4 milhões de habitantes, dos quais 70% viverão na América Latina e no Caribe. A distribuição da população adolescente em relação ao sexo e à idade é relativamente homogênea: 50,7%, do sexo masculino e 49,3% do feminino; 50,7% correspondem ao grupo entre 10 e 14 anos e 49,3% têm entre 15 e 19 anos. A concentração dos jovens nas Américas nas áreas urbanas supera 85%, enquanto a população urbana total alcança 65% (TAKIUITI, 2001).

No Brasil, as taxas de gravidez na adolescência variam muito de serviço para serviço, mas estima-se que aproximadamente 20-25% do total de mulheres gestantes são adolescentes, apontando que 1 em cada 5 gestantes são adolescentes. Segundo dados do Ministério da Saúde (2001), ocorreu um aumento no número de partos realizados na faixa etária de 10 a 14 anos, entre 1993 e 1996, passando de 26.505 para 31.911 e, na faixa etária de 15 a 19 anos, no mesmo período, pulou de 611.608 para 675.839 partos.

Com relação à infecção pelo HIV, as estimativas do Ministério da Saúde, consideram que existiam em 2000, 597.443 indivíduos de 15 a 49 anos infectados pelo HIV no país, sendo que a transmissão heterossexual apresentou um incremento de 27,4% para 32,3% dos casos notificados em 1980-2001, enquanto que na categoria transmissão homo/bissexual houve declínio de 27,7% para 23,4% e na categoria uso de drogas injetáveis"um incremento de 18,1% para 20,6%dos casos registrados. Entre menores de 12 anos, a transmissão do vírus da mãe para o filho é responsável por 90% dos casos. Cerca das 50% das pessoas diagnosticadas no país já foram a óbito (BRASIL, 2002).

Com relação à escolaridade, a incidência de aids vem aumentando tanto em homens quanto em mulheres com até oito anos de escolaridade. Indicadores de baixa escolaridade e classe social são inversamente proporcionais a possibilidade de negociação com o parceiro sobre o uso de preservativo. Para o ano de 2000 foram estimadas 17.198 gestantes, com idades de 15 a 34 anos infectadas pelo HIV. Representando um aumento de 15,2% de gestantes infectadas (CEBRAP, 2000).

Em relação sobre comportamento sexual de amostragem nacional (CEBRAP, 2000) revela que, embora mulheres ainda comecem a vida sexual mais tardiamente (32,3% antes dos 14 anos, contra 47,7% no sexo masculino), a mudança ocorrida entre 1984 e 1998 (de 13,6% para 32,3% no grupo de 16 a 19 anos) é, em termos relativos, muito superior à observada em homens (de 35% em 1984 para 47,7% em 1998). Dos indivíduos sexualmente ativos, aproximadamente 76% não utilizam o preservativo nas suas relações sexuais, sendo este percentual de 73,9% entre os homens e 78,6% entre as mulheres.

Conforme o Boletim Epidemiológico (BRASIL, 2001), em torno de 70% dos casos de aids ocorrem na faixa etária de 20 a 39 anos. Se considerarmos o período que o portador da enfermidade pode ficar assintomático – em média de 10 a 15 anos –, observa-se que a maioria dos casos de infecção de aids pode ter ser dado da adolescência ao início da idade adulta.

Os dados apresentados justificam a necessidade de ações voltadas para o adolescente, sobretudo na prevenção à aids; ações como o projeto Viva com Vida, desenvolvido e coordenado por duas terapeutas ocupacionais, cuja população alvo era adolescentes em situação de vulnerabilidade.

Paim (apud PALMAS e MATTOS, 2001), destaca a importância da valorização das experiências subjetivas dos atores sociais e considera que o diálogo com outros saberes e práticas pode abrir novas perspectivas de reflexão e ação.

 

CONTEXTUALIZAÇÃO

Associação Arte e Convívio

A Associação dos usuários, familiares e trabalhadores de saúde mental de Botucatu – Associação Arte e Convívio, é uma entidade, sem fins lucrativos, fundada há oito anos no Município de Botucatu, interior de São Paulo. Seu trabalho está pautado na oferta de espaços de convivência e lazer e de oficinas de trabalho para portadores de transtornos mentais e tem como objetivo principal promover a inclusão e a participação no mercado de trabalho formal ou informal de pessoas com transtornos mentais. Segundo RIBEIRO, (2003) "A Associação Arte e Convívio surgiu a partir de um modelo de tratamento clínico, numa visão ampliada de saúde, que procura ir além do tratamento sintomático e biológico, visando, também, promover a melhora das condições emocionais, sócio-econômicas e culturais dos usuários. Além de ser um lugar de discussão científica, política e cultural sobre temas da área da saúde".

A equipe de coordenação da entidade era composta por três terapeutas ocupacionais, uma assistente social e dois usuários. Para realização de grupos e oficinas com os usuários adultos, além de duas terapeutas ocupacionais da equipe de coordenação, havia três profissionais cedidos pelos serviços de saúde mental da cidade (Centro de Atenção Psicosocial – CAPS e Ambulatório de Psiquiatria – Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP).

No ano de 2002, a Associação Arte e Convívio conquistou uma parceria financeira com a UNESCO por meio da Coordenação Nacional de Aids/Ministério da Saúde, para a realização do projeto Viva com Vida, direcionado à prevenção de aids com adolescentes em situação de vulnerabilidade. O presente trabalho focaliza este projeto realizado de janeiro a dezembro de 2003, período em que a coordenação foi assumida por terapeutas ocupacionais.

No espaço da Associação Arte e Convívio se deram os encontros entre os participantes dos dois projetos. Tais encontros proporcionaram experiências arrojadas, tanto para os técnicos que lá trabalhavam como para os usuários e adolescentes, uma vez que muitas questões se mesclavam na convivência diária. Pois a Associação funcionava de maneira democrática onde todas as decisões em relação às regras de funcionamento, manutenção e de convivência eram realizadas em reuniões e assembléias abertas a todos.

Viva com Vida

No início, o projeto foi divulgado em escolas, projetos sociais e serviços de saúde do município e assim, foram formados grupos heterogêneos de discussão sobre sexualidade e as oficinas de atividades.

A coordenação atuava com plena autonomia em relação ao desenvolvimento técnico, portanto todo o método que será descrito foi formulado e desenvolvido pela mesma. Para execução do projeto a equipe foi ampliada contando com cinco monitores das oficinas de atividades que eram supervisionados pela coordenação do projeto e que também participavam de um grupo de estudo mensal.

A partir do reconhecimento da comunidade, o projeto passou a receber seguidos encaminhamentos vindos dos serviços de saúde mental do município (ambulatórios de psiquiatria, psicologia, psicopedagogia, terapia ocupacional entre outros) e dos serviços de assistência social (Centro Regional de Registros e Atenção aos Maus Tratos à Infância - CRAMI; Conselho Tutelar, e de outros projetos sociais, alguns ligados às instituições religiosas), além da demanda espontânea.

Ao chegar, os adolescentes passavam por uma entrevista inicial, cujo objetivo era coletar a história pregressa, sobretudo em relação: à família, à escola, à saúde mental e ao percurso até o projeto. Sempre que possível realizava-se contato com algum familiar que era a referência do adolescente para o projeto. Este primeiro contato também objetivava uma triagem, para que aqueles que não pudessem ser beneficiados fossem devidamente encaminhados. Assim, a terapeuta ocupacional definia junto com o adolescente seus primeiros interesses e necessidades.

A intervenção da terapia ocupacional, junto aos adolescentes nas oficinas de atividades e no grupo de orientação sobre sexualidade, baseava-se sempre na vontade e no desejo do adolescente desde que estivessem incorporados ao reconhecimento da dignidade e integridade das pessoas envolvidas no processo educativo, visando construir perspectivas de vida por meio de descobertas e capacitações de suas potências. Dava-se, igualmente, através da edificação de bases democráticas e igualitárias de comunicação no processo pedagógico.

"(...) o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem junto e em que os 'argumentos' de autoridade" já não valem. Em que, para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades e não contra elas.
Já agora ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo."
(FREIRE, 1987, p. 68-69)

 

OFICINAS DE ATIVIDADES

Partindo do conceito de vulnerabilidade social discutido anteriormente sabe-se que pessoas submetidas a esta condição estão inseridas numa posição na estrutura social que, combinada a um acesso diferenciado aos serviços e bens de assistência, encontram-se às margens das oportunidades de vivências e experiências necessárias para transformações sociais. Impedidas de construir novas possibilidades de vida, muitas vezes se vêem destinadas a apenas reproduzir suas gerações.

As oficinas de atividades, como espaços de experimentação e aprendizagem, pressupõem conceber o adolescente como ser ativo no processo de construção de sujeito, um ser da práxis, da ação e da reflexão. Nesse sentido, as diversas técnicas oferecidas proporcionavam contribuições lúdicas de vivências em comunhão para a consciência de sua condição de vida, aumentando seu repertório potencial e assim possibilitando autonomia para transformação.

Nesse sentido, MERCHÁN-HAMANN (1999), analisa que tanto Freire quanto Vygotsky, assinalam o caráter ativo do sujeito no processo do conhecimento, quando o mesmo organiza tarefas de construção de significados a partir de suas próprias experiências.

As oficinas de atividades oferecidas e seus objetivos foram:

Capoeira: proporcionar o contato com esta prática que trabalha disciplina corporal, coordenação e equilíbrio. Além de se preocupar em oferecer contato com os aspectos culturais que a envolvem.

Meio ambiente: através de pesquisa-ação, contribuir para conscientização, em relação aos problemas ambientais comuns, a fim de elaborar propostas de transformação no ambiente natural e/ou urbano almejadas pelo referido grupo, visando melhorias na qualidade de vida.

Pintura em tecido: oficina sugerida pela maioria das adolescentes que participavam do projeto, com perspectivas de oferecer capacitação para que junto com a oficina de costura fossem produzidas bolsas para venda e conseqüente geração de renda.

Brinquedoteca: favorecer autonomia nas atividades e no próprio processo do brincar, facilitando o aprendizado de novos conceitos, valores, habilidades e repertórios.

Música - Violão e Canto: oferecer oportunidade de se relacionar com a música e a produção musical de forma experimental e lúdica, sensibilizando os participantes em relação à percepção de elementos como ritmo, melodia, harmonia, coordenação motora, entre outros.

Ateliê terapêutico: realização de trabalhos manuais e artesanato. Paralelo ao trabalho já existente, os adolescentes participavam desta oficina que oferecia, além da convivência com os adultos portadores de sofrimento psíquico, aprendizagem de técnicas como pintura, desenho, bijuterias, mosaico, etc.

Oficina de Criatividade: tanto através de sugestões quanto de criação livre, oferecer materiais e suporte para que o processo criativo se desse de forma integrada e de acordo com os desejos dos adolescentes. Buscando trabalhar as etapas: projeto, execução, e apreciação.

Os objetivos apresentados são considerados como parte de um leque de opções para se alcançar um objetivo muito maior, como já descrito. Assim, segundo BARROS, GHIRARDI e LOPES (1999) "a atividade, a partir do aprendizado e do reconhecimento de necessidades do sujeito e desenvolvimento da capacidade deste de buscar soluções próprias e criativas para suas questões, torna a técnica dependente da interpretação e da apreensão da realidade e não o inverso".

 

GRUPO SOBRE SEXUALIDADE COM ADOLESCENTES

Todos os adolescentes passavam por uma triagem para posterior formação dos grupos de acordo com faixa etária e nível de experiências pessoais em relação à sexualidade.

Os grupos eram abertos, o que muitas vezes, demandava atenção individualizada aos recentes participantes. Apesar de heterogêneos, foram, essencialmente, formados por adolescentes meninas o que permitiu um acompanhamento muito especial em relação às questões femininas da sexualidade.

Os adolescentes, em sua maioria de baixa renda, encontravam-se numa faixa etária que variava de 15 a 20 anos.

Inicialmente foram realizados questionários para levantar os principais pontos de interesse, além de se buscar conhecer expectativas em relação ao grupo de orientação sobre sexualidade que estava se constituindo e do qual passariam a participar.

Neste grupo, de modo criativo, através de jogos, dinâmicas e material pedagógico, foram abordados diversos temas, tais como: o corpo - que se transforma, sente prazer, se reproduz, adoece e precisa de cuidados; métodos contraceptivos; DST; AIDS; namoro; "ficar"; homossexualidade, heterossexualidade e bissexualidade. Além de outros temas que surgiam a partir das dúvidas trazidas pelos próprios adolescentes mesclados às propostas das coordenadoras.

 

RESULTADOS

O projeto alcançou resultados bastante significativos observados na individualidade de inúmeros participantes. Esta experiência singular pode ser apreendida por todos participantes envolvidos neste processo de ensino e aprendizagem, coordenadores, monitores, adolescentes, familiares e até mesmo dos usuários participantes do projeto desenvolvido com os adultos (saúde mental).

As oficinas de atividades proporcionaram um espaço importante para todo o processo, afinal permitia cada um participar da forma que pudesse, dependendo de sua disponibilidade, inclusive interna. Sendo assim, pode apresentar diversos propósitos dependendo das características e necessidades de cada participante e assim, além de objetivos gerais pré-acordados entre os coordenadores e monitores estes espaços estavam imbuídos de expectativas e sensações que cada adolescente depositava. Esta flexibilidade foi fundamental para que os participantes se sentissem apropriados do espaço, acolhidos e respeitados. Portanto, as oficinas de atividades, muito além das técnicas, facilitaram espaços de expressão, autoconhecimento e, sobretudo possibilidade de existência.

Outro espaço de fundamental importância para o trabalho foi o grupo sobre sexualidade. A característica central desta oficina foi sua proposta de aprendizagem compartilhada, por meio de atividade grupal, face a face, com o objetivo de se construir coletivamente o conhecimento. As coordenadoras apenas facilitavam ou proporcionavam o debate, partindo sempre de dúvidas, opiniões, valores e principalmente da vivência dos próprios participantes. É possível que este acontecimento contribuísse para que os adolescentes entrassem em contato com sua realidade e pudessem se apropriar dos espaços para que falassem de si, de seu cotidiano inúmeras vezes muito difíceis de serem vividos, abordados e, sobretudo transformados, superados, mas possíveis de serem ressignificados. Assim, outros tantos temas foram discutidos, principalmente relacionados à violência; drogas (licitas e ilícitas); desemprego; família; pobreza; gênero/condição de mulher na sociedade; preconceito e exclusão.

Outro resultado importante para este trabalho, foi a formação do grupo de multiplicadoras. Seis adolescentes com maior envolvimento e tempo de participação no projeto se sensibilizaram para a formação deste grupo. Através de estudos individuais e orientação mais aprofundada, elas foram capacitadas em relação ao tema prevenção à aids. Dessa forma, quando eram realizadas oficinas fora da entidade, as adolescentes multiplicadoras estavam junto das coordenadoras, como equipe de apoio e monitoramento, muitas vezes tirando dúvidas de outras adolescentes de mesma idade. A partir da oficina de multiplicadores foram obtidos muitos resultados positivos. Muito embora as dificuldades ainda existam, é possível avaliar o salto na qualidade de vida que em especial este grupo apresentou. É possível citar exemplos, tais como: a própria amizade formada neste grupo, a volta para a escola, o início de trabalho remunerado, a maior facilidade e abertura para falar sobre o tema de sexualidade em casa e o uso mais efetivo de contraceptivos principalmente preservativos masculinos.

Nesta perspectiva, como espaço para troca de idéias e valores, as oficinas propiciaram auto-reflexão sobre questões sexuais, necessárias à ruptura do indivíduo com a alienação produzida pelo mundo social, a qual perpassa sua condição individual. As oficinas representam um ponto inicial necessário, mas não suficiente, para busca da autonomia do sujeito frente à sexualidade.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As abordagens de prevenção largamente adotadas pelas políticas públicas se baseiam num único referencial, como o modelo clínico, que permanece centrado na técnica de transmissão da informação, visando fundamentalmente mudança de comportamento, numa hierarquização do conhecimento e da informação. Neste relato é proposto um novo olhar para formas de prevenção, enfatizando condições culturais, econômicas, políticas, emocionais e éticas que estão estruturalmente implícitas em todo comportamento humano, sobretudo na situação de vulnerabilidade social. Assim, o cuidado de si passa por sua constituição enquanto sujeito e por sua subjetividade, e só então é efetivamente viável a mudança de comportamento.

A abordagem utilizada neste trabalho obteve os resultados aqui descritos, a partir da intervenção em terapia ocupacional que possuía um olhar singular na conscientização e reflexão sobre o cuidado de si. Além da insistente preocupação com a utilização de atividades que fizessem sentido com a realidade de cada um, tornando possível mudanças de consciência e comportamento e a existência de uma rede de apoio que transforme a condição social à qual estão submetidos aqueles adolescentes.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BARROS, D.D., GHIRARDI, M.I.G., LOPES, R.E. Terapia ocupacional e sociedade, Revista de Terapia Ocupacional, Universidade de São Paulo, v. 10, n.2-3, p.69-74, maio./dez, 1999.

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CAMPOS, T.N., DEL PRETTE, Z.A.P. & DEL PRETTE, A. (Sobre)vivendo nas Ruas: Habilidades Sociais e Valores de Criança e Adolescentes. Psicologia: Reflexão e Crítica, Vol. 13, n. 3, 2000, p. 517-527. ISSN 0102-7972.

CASTEL, Robert. Da indigência à exclusão, à desfiliação. Precariedade do trabalho e vulnerabilidade relacional.In: LANCETTI, A. (Org.) SaúdeLoucura, n. 4 São Paulo: Hucitec, 1994, p. 21-48.

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MENDONÇA, M. H. M. O desafio da política de atendimento à infância e à adolescência na construção de políticas públicas eqüitativas. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, Vol. 18 supl, 2002, p. 113-120. ISSN 0102 –311X.

MERCHÁN-HAMANN. Os ensinos da educação para a saúde na prevenção de HIV-Aids: subsídios teóricos para a construção de uma práxis integral. Cadernos de Saúde Pública, 1999, vol.15 supl.2, p.85-92. ISSN 0102-311X.

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* Este trabalho recebeu financiamento da Coordenação Nacional de DST/AIDS Ministério da Saúde - UNESCO