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An. 1 Simp. Internacional do Adolescente May. 2005

 

Recuperação de fontes seriais para a historiografia da criança institucionalizada no estado de São Paulo (Projeto de Políticas Públicas. Processo FAPESP 03/06363-2)

 

 

Coordenador: Prof. Dr. Roberto da Silva – Departamento de Administração Escolar e Economia da Educação da Faculdade de Educação da USP
Debatedora: Mayra Simioni Aparecido (Aluna de graduação em Direito pela Faculdade de Direito da USP; Bolsista CNPq-PIBIC)

 

 

O Projeto FAPESP "Recuperação de fontes seriais para a historiografia da criança institucionalizada no estado de São Paulo", sob a coordenação do professor Doutor Roberto da Silva, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, propõe-se ao estudo dos métodos educacionais empregados em instituições do estado de São Paulo no período de 1939 a 1990, isto é, até a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, que mudou completamente os paradigmas quanto aos chamados "menores", passando a equipará-los às "crianças", sujeitos de direitos, em desenvolvimento e detentores de prioridade, e deu à FEBEM a competência para tutela de infratores e não mais de órfãos e abandonados, como até então acontecia. Para tanto, faz-se mister apresentar o contexto de todo este percurso.

O Brasil, até 1824, não teve uma Constituição. Regia-se única e exclusivamente pela legislação portuguesa, que, por sua vez, era uma adaptação consuetudinária do Direito Romano. Isto significa dizer que a codificação promovida pelo imperador Justiniano (527 – 565 d.C.) manteve-se viva até a formação dos Estados Nacionais, apesar das adaptações sofridas, por influência da Igreja Católica, de bárbaros e mouros, e da criação exclusiva do Direito Penal pelo rei nas legislações Manuelinas, Filipinas e Afonsinas.

Estas leis não previam assistência alguma às crianças, que eram vistas como adultos em potencial, porém com menor dignidade e necessidade de cuidados. Ainda mais os "vadios", "meninos de rua", filhos de escravos, em sua maioria, que após a Lei Áurea foram frontalmente atacados por um decreto do Parlamento, de modo a serem internados em asilos correcionais para evitar que, por falta de instrução e qualificação, permanecessem nas ruas, "enfeiando" os palcos da alta sociedade. É certo que a vinda de europeus para o Brasil deu-se também como forma de embranquecer a população. Houve, no Rio de Janeiro, épocas em que se prenderam mais crianças que adultos. Além dos asilos correcionais, outra prática habitual, de origem européia, era a Roda dos Expostos, instrumento em que as mães, por medo de desonra, abandonavam seus filhos adulterinos, os "expostos" ou "enjeitados" à assistência de orfanatos, protegendo a identidade dos pais. Apesar de ser de uso primordial da elite, muitos filhos das classes menos favorecidas utilizaram este recurso. Quando do advento de práticas higiênicas de medicina, este mecanismo abolido, pois se enfrentava o problema da alta mortalidade. Além disso, com a industrialização, era cada vez maior o número de crianças e jovens em sub-empregos, em regime de exploração, ou nas ruas, pedindo esmolas ou fazendo algum "bico" para seu sustento e de sua família. As autoridades passam a temer o aumento da criminalidade juvenil.

Contudo, as tentativas de acalmar os "menores" não previam educação como instrução, mas apenas uma educação moral. O trabalho era tido como a melhor alternativa para as famílias pobres, evitando o ócio e a violência. Tobias Barreto questiona os critérios da irresponsabilidade penal do "menor" na legislação brasileira, e muitos juristas (Noé Azevedo, Evaristo Moraes, Lemos de Brito, Alfredo Pinto) defendem a necessidade de elaboração de uma legislação específica para os "menores". O primeiro Código de Menores do Brasil surgem em 1927, desdobrando-se me instituições como o Serviço de Assistência ao Menor, fundado em 1940 e depois transformado na FUNABEM. Este modelo colocou em primeiro plano as preocupações com a delinqüência precoce. Regulamentava o trabalho infanto-juvenil. É neste período que surge a categoria jurídica "menor abandonado", que não tem residência certa ou meios de subsistência, está sempre na vadiagem ou mendicidade, é vítima de maus-tratos, abandono moral e material pelos pais e responsáveis. A instituição envolve, agora, a família como um todo: o Estado passa a ser tutor dos "menores" e fiscal dos pais e das instituições. Passa-se à equiparação de "menor abandonado" a delinqüente.

É este espírito de proteção aos "menores" e de combate à delinqüência com o fim de criar cidadãos em seu conceito pleno que dá origem ao Código de Menores de 1979, que conta com a característica da militarização, e do tratamento dos "menores" como se adultos fossem, além das características presentes no Código de 1927. Neste período surgem as maiores críticas ao sistema, o que, após a redemocratização, culminou na elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente. Até que houvesse a mudança no paradigma legal, os "menores" estavam sempre colocados em posição de suspeita. Este conceito fixou-se na sociedade, onde permanece até hoje. Não se realizou uma expansão dos direitos destas crianças, com a regulamentação do trabalho infantil ou da garantia à educação.

Questões atinentes a este problema permanecem até hoje, referentes à prostituição infantil, ao comércio de crianças, ao acesso restrito às universidades públicas, ao trabalho infantil, à escravidão, às drogas, à fome etc. Basta recordar que a maior parte dos garotos assassinados é negra (60%).

O presente Projeto de Pesquisa pretende utilizar-se dos cerca de 300.000 (trezentos mil) prontuários do arquivo da FEBEM/SP , parceira do Projeto, para fazer o estudo dos métodos educacionais utilizados, completando assim, uma lacuna presente na história da criança. Além disso, a proposta é a de elaboração de um banco de dados, que servirá como instrumentação para pesquisadores de diversas áreas.

O Projeto conta hoje com bolsistas de graduação, pós-graduação, técnicos das áreas de Psicologia, Direito, Pedagogia, Ciências Sociais, Serviço Social, História, Arquivologia e Ciências da Informação. Além disso, é associado ao Centro de Atendimento Biopsicosocial "Meu Guri", onde os pesquisadores podem avaliar as práticas de abrigamento existentes hoje na sociedade.

A linha de pesquisa em Direito pretende estudar a categoria jurídica "menor" em sua evolução, e a forma com que era vista pelas instituições família e FEBEM. Além disso, é possível fazer um estudo das diversas legislações vigentes a cada momento – leis esparsas, legislações portuguesas, Constituições, Códigos de Menores – além de uma análise jurisprudencial e um estudo comparado de legislação. Faz-se mister ainda o estudo dos valores "petrificados" na sociedade e, conseqüentemente, na legislação a cada momento histórico. O estudo da família e do menor "desviantes" também é do âmbito de nossa linha de pesquisa, e das práticas de proteção à família, dos institutos de pátrio poder, adoção, e outros de Direito Penal, Direitos Humanos e de Direito Internacional, especialmente das organizações internacionais e suas normas, tratados, convenções, sua ratificação pelo Brasil e a aplicação de tais normas.

 

BIBLIOGRAFIA

ADORNO, Sérgio, Os aprendizes do poder: o bacharelismo liberal na política brasileira. Ed. Paz e Terra. Rio de Janeiro. 1988.

ALVAREZ, Marcos César, Menoridade e delinqüência: uma análise do discurso jurídico e institucional da "assistência e proteção aos menores" no Brasil. Artigo. São Paulo.

BARRETO, Tobias, Menores e Loucos e Fundamento do Direito de Punir. Obras completas, vol. V, Rio de Janeiro, 1926.

DIMENSTEIN. Gilberto, O cidadão de papel: a infância, a adolescência e os direitos humanos no Brasil. 11ª ed. São Paulo. Ática. 1995.

GUIMARÃES, Samuel Pinheiro, Quinhentos anos de periferia: uma contribuição ao estudo da política internacional. 3ª ed. Ed. Universidade UFRGS. Porto Alegre/ Rio de Janeiro. 2001.

SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo. 21ª ed. São Paulo. Malheiros. 2002.

SILVA, Roberto da, Os filhos do Governo: A formação da identidade criminosa em crianças órfãs e abandonadas. 2ª ed. Ed. Ática. São Paulo. 1998.