2O adolescente e as drogas no contexto da justiça: construções teórico- metodológicas do Projeto FênixO modelo sistêmico e da educação para a saúde na prevenção da drogadição no contexto da escola: proposta do Projeto Piloto SENAD / MEC e UNB author indexsubject indexsearch form
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An. 1 Simp. Internacional do Adolescente May. 2005

 

Escola como contexto de proteção: refletindo sobre o papel do educador na prevenção do uso indevido de drogas

 

 

Maria Fátima Olivier Sudbrack; Carla Dalbosco

Instituto de Psicologia / PRODEQUI-Programa de Estudos e Atenção às Dependências Químicas - Universidade de Brasília – UnB - Brasília – Distrito Federal

 

 

Introdução

A adolescência nos coloca face a desafios constantes que exigem disponibilidade e competências específicas. As ações educativas e terapêuticas bem sucedidas no enfrentamento destes desafios estarão garantindo o desenvolvimento dos potenciais que esta fase da vida abriga. Por sua vez, a falta do cuidado adequado com o adolescente pode representar não apenas o desperdício deste potencial, mas sua exposição a situações de risco ao seu desenvolvimento e, por vezes, riscos à sua própria vida.

A construção identitária nesta fase transcende apenas a questão das crises e rupturas, aparecendo também como um momento de vulnerabilidade e fragilidade em relação ao social. Esse quadro faz com que tenhamos que estar muito atentos aos fatores de risco e proteção dos adolescentes em relação ao uso indevido de drogas, não apenas na família, mas também no interior da escola, a qual aparece com lugar de destaque enquanto fator de formação e de socialização dos adolescentes. Neste sentido, também os professores ocupam importante papel dentro de uma visão sistêmica de desenvolvimento da personalidade, pois estamos trabalhando com sistemas que englobam não só o adolescente, sua família e amigos, mas também outros grupos de inserção social, nos quais a escola e os professores desempenham um importante papel. O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) exige um tratamento diferenciado para as crianças e adolescentes que, enquanto seres em formação, demandam cuidado e orientação.

Há inúmeros prismas através dos quais podemos lançar um olhar sobre esta discussão. Os fenômenos sociais sempre têm um significado específico de acordo com o contexto no qual estão situados. Precisamos pensar, cada vez mais, qual o papel e o lugar ocupados pela escola e pelos adolescentes como atores e/ou vítimas desta saga e, de que forma podemos buscar alternativas que venham permitir a ampliação da discussão sobre este tema por si só tão multifacetado.

Neste sentido, algumas questões ficam no ar e precisam ser problematizadas: Qual o papel da escola? Como aparece o papel dos professores enquanto educadores? Como estes encaram o tema da drogadição? De que forma a escola pode atuar como contexto protetivo? Que fatores de risco levam o adolescente a envolver-se com drogas? A escola consegue perceber seu papel ativo na proteção dos alunos, ou apenas busca proteger-se desta temática com a qual não se sente preparada para lidar?

O presente trabalho propõe-se a explorar um dos eixos de intervenção do Projeto de Prevenção do Uso Indevido de Drogas para Educadores de Escolas Públicas (promovido pelo MEC e pela SENAD em parceria com a UnB), o qual refere à escola como um contexto de promoção de saúde e proteção do adolescente em situação de risco pelo envolvimento com drogas.

É claro que dar conta destas articulações e deste tema seria muita pretensão, mas as questões aqui refletidas são um convite a que ampliemos nossa visão, pois precisamos olhar o fenômeno do uso indevido de drogas como complexo e multifacetado. Neste sentido, a escola aparece como cenário cotidiano que reflete em seu interior essas questões sociais mais abrangentes, sendo um contexto da mais ampla importância.

 

O Que é Adolescência?

Precisamos, inicialmente, traçar uma reflexão acerca do que consiste, afinal, a fase da adolescência. Que visão é transmitida sobre o adolescente em nosso momento histórico atual, e mais, até que ponto podemos falar em uma adolescência de modo universal, ou será que o mais correto seria falarmos em várias formas de adolescer diferentes, de acordo com o contexto social, econômico, cultural, etc.

Segundo Becker (1994), a etimologia da palavra adolescente vem do latim ad, que significa para e olescere , que quer dizer crescer; ou seja, "crescer para". Na verdade, inúmeras palavras são associadas a este momento do ciclo vital da família: crise, ruptura, crescimento, descobertas, oportunidades, iniciação, incertezas, esperanças e formação da personalidade. Falamos aqui em ciclo vital pois são mudanças que afetam, não apenas ao adolescente, mas a todos que estão ao seu redor. Em meio a essa crise de identidade, o jovem vai partir em busca de novas identificações, novos padrões de comportamento, sempre que possível bem diferentes daqueles que seus pais representam. Há uma enorme necessidade de pertencer a um grupo, fato que ajuda o indivíduo a encontrar a própria identidade nos contextos sociais.

A adolescência inclui este momento de saída do mundo privado para o mundo público de uma forma mais efetiva, mais autônoma, em contato com um novo leque de possibilidades de vir-a-ser. A incógnita que permanece é se todos passam por esta fase de forma semelhante, ou se, ampliando a questão, podemos pensar que alguns adolescentes parecem mais identificados, propensos e sensíveis ao envolvimento com situações de risco, como por exemplo, o envolvimento com drogas.

A conceituação da adolescência é tema polêmico que se insere na polêmica maior das teorias psicológicas sobre o próprio desenvolvimento humano. Estas oscilam basicamente entre duas grandes tendências: aquelas que consideram a adolescência como um processo de natureza mais individual, enfatizando os aspectos biológicos e psicológicos e aqueles que defendem que a adolescência é um fenômeno criado e sustentado culturalmente, enfatizando os aspectos sociológicos, antropológicos e mesmo políticos e ideológicos.

Existem, porém, aspectos do desenvolvimento biológico que perpassam as variações culturais e marcam mudanças significativas relativas ao crescimento físico, em especial à maturação sexual. Trata-se do fenômeno da puberdade, que constitui a referência da entrada na adolescência.

Segundo Nunes de Souza (1997), a crise da adolescência é sempre mencionada como um período difícil que "eles", os adolescentes, atravessam. Mas não são apenas as transformações físicas que geram dificuldades. Elas constituem uma pequena parcela dos problemas a serem resolvidos pelo adolescente e sua família. Na verdade, a adolescência é um momento de crise para todos, pois as transformações pelas quais passam o jovem, não são restritas a ele, ainda que possam ser desencadeadas por uma crise individual.

Muitas vezes, o jovem tem necessidade de contestar os valores estabelecidos pelo grupo familiar, procurando se afirmar na qualidade de indivíduo com existência e características próprias. Podemos perceber que, quanto mais os pais se mostram exigentes na manutenção da sua ordem, tanto mais os adolescentes podem ter necessidade de contradizê-la. A contestação individual, dependendo da flexibilidade dos padrões familiares, poderá ter repercussões em todo o grupo.

Nunes de Souza (1997), cita uma frase de Aberastury (s/d):

"Entrar no mundo dos adultos - desejado e temido - significa para o adolescente a perda definitiva de sua condição de criança. É um momento crucial na vida do homem e constitui a etapa decisiva de um processo de desprendimento que começou com o nascimento." (p.153)

Este é o momento em que a redistribuição do poder se coloca muito intensamente. O poder decisório dos pais entra em declínio. Como adultos não lhes cabe mais a última palavra. As escolhas e decisões deverão ser negociadas.

Além de buscar a autonomia, o adolescente precisa certificar-se de seu pertencimento, recuperar sua história, testar a solidez de suas referências de autoridade, para então ampliá-las e conduzir o seu processo de separação e individuação. Há um paradoxo existencial de dependência versus autonomia. (Sudbrack,s/d). Como nos fala Fishman (1996), crescer envolve separação e a idéia é poder ajudar o adolescente à "caminhar para fora de casa e não sair correndo".

Ahrens (1997), nos atenta para o fato que o processo da adolescência dos jovens de classe média e de baixa renda se dá de forma diferenciada. Muitas vezes, o adolescente de baixa renda não tem tempo para "ser adolescente", porque logo assume a responsabilidade do trabalho ou das tarefas domésticas. Não dispõe de condições materiais para experimentar a adolescência enquanto um período de descomprometimento com o processo produtivo e de preparação para a idade adulta.

Se, por um lado, encontramos no Brasil o fenômeno da adolescência prolongada - atualmente muito debatido na realidade européia, por exemplo - temos, igualmente, a realidade de um significativo contingente populacional de crianças que, pelas condições de pobreza de suas famílias fica impedido de viver esta etapa do desenvolvimento, sendo obrigados a uma inserção precoce no mercado de trabalho. A adultização de meninos trabalhadores foi estudada em pesquisa, defendida como tese de doutorado (Marques, 2000). Este estudo revelou o prejuízo psicológico e social desta queima de etapas do desenvolvimento, e as repercussões transgeracionais do trabalho infantil na identidade familiar, ou seja, a transmissão de padrões familiares em que a inversão de papéis cristaliza um funcionamento familiar onde os filhos – adultizados - sustentam os pais e estes – infantilizados - dependem dos filhos.

Chamamos a atenção para estas tantas adolescências, vividas, mal vividas ou mesmo impedidas, nos diferentes contextos socioculturais da realidade brasileira que lançam desafios múltiplos. Se, por um lado, nas classes média e alta a condição adolescente tende a prolongar-se em função das expectativas de uma formação profissional cada vez mais exigente e especializada, nas classes pobres desde tenra idade as crianças já assumem, literalmente, uma função de adultos na medida em que não apenas se sustentam, mas, ainda sustentam a própria família. Por este motivo, entendemos que devemos considerar esta pluralidade na expressão do que nomearemos como as adolescências brasileiras. Nem a escola consegue mais cumprir o seu papel de amenizar as diferenças.

Outro ponto importante é que, o aparecimento das tribos parece, muitas vezes, responder a todas as questões existenciais do adolescente. De modo geral, podemos situar a adolescência como uma fase na qual junto com a tentativa de independência, há esta busca de pertencimento a um grupo ou tribo, podendo muitas vezes passar pela experiência com o uso de drogas. Esta é uma situação vivenciada por todos, independentemente de classes sociais.

A construção de uma identidade sólida depende da imagem que o sujeito introjeta de si mesmo, da imagem que os outros tem dele e da imagem que ele pensa que os outros fazem dele. Por isso, para sentir-se um cidadão, ou seja, para sentir-se sujeito de direitos e se assumir enquanto sujeito de deveres é fundamental o sentimento de pertencer a uma comunidade. É no sentimento de pertença que se alicerça a autonomia. Como nos ensina muito bem Edgar Morin (1996), a conquista da autonomia é um processo complexo que, paradoxalmente, implica em muitas dependências.

Na origem etimológica, do termo "autonomus" significa ser capaz de dar as leis a si próprio. A psicanálise nos ensina que só é possível a introjeção das normas a partir de uma relação afetiva positiva com as figuras de autoridade, vividas desde a tenra infância. Sabemos que, na adolescência, este processo atinge o seu auge de efervescência no momento em que o indivíduo precisa ampliar suas referências, projetando-se dos valores da família aos valores da sociedade mais ampla para se reconhecer inserido em uma cultura. O sucesso desta inserção social no papel adulto e esta transmissão dos valores sociais e culturais dependerá das bases construídas na infância que possibilitarão a separação da família, tarefa crucial da fase adolescente. Aqueles que não tiveram oportunidade de vivenciar uma referência de autoridade positiva terão dificuldade em introjetar as regras e as leis com conseqüentes problemas respeitar os limites.

É imprescindível que pensemos nas diferenças, ao invés de simplesmente utilizarmos conceitos universalizantes e absolutizadores. A identidade também é uma construção relacional e dinâmica. Todo sintoma deve ser entendido como tendo um caráter relacional. Até mesmo o envolvimento com drogas ou atos infracionais também devem ser vistos como tentativas de buscar saídas para a crise identitária da adolescência. O grupo de pares ocupa posição primordial, na medida em que, o sentimento evocado de pertencimento a um grupo detém importante papel.

Portanto, a adolescência envolve uma série de significados paradoxais e controversos, mas, na medida em que consiga ser olhada em sua complexidade, pode vir a tornar o entendimento do adolescente mais enriquecedor. Parece-nos que olhar o contexto seja uma forma de sair da visão limitada unicamente ao indivíduo ampliando-a para os sistemas. Há também uma função social da adolescência, traduzida na maneira peculiar do adolescente olhar o mundo. Há um choque entre o velho e o novo, entre as regras estabelecidas e a possibilidade/necessidade de transgressão.

O desafio imposto é de dar conta da complexidade desta fase da vida. Precisamos caminhar rumo a uma visão mais inteira, que leve em conta os sistemas nos quais o adolescente está inserido, as redes sociais que o cercam, fatores de risco e proteção de acordo com o contexto de cada um deles. Precisamos estar atentos às diferenças, saindo de um modelo fragmentado tradicional para abarcar um modelo mais inclusivo, mais honesto, explicitando que comprometimentos ideológicos estão presentes em determinados comportamentos.

Desta concepção da adolescência enquanto fenômeno que extrapola o indivíduo e se coloca enquanto processo relacional, decorrem implicações fundamentais para as ações educativas relativas a esta faixa etária. Os programas devem incluir não apenas os adolescentes, mas também, os demais segmentos envolvidos, destacando-se: a família, a escola, as instituições e os grupos de pares.

Há um duplo jogo, entre a individualidade e a coletividade, pois, como nos fala Morin (1991), sempre há um imprinting cultural determinando nossas percepções de mundo. Há uma possibilidade de autonomia relativa do indivíduo em relação à cultura. Porém, este autor ressalta ainda que sempre existem as "brechas", ou seja, as folgas e hiatos que dão a possibilidade de surgimento do novo. Uma crise sempre provoca a busca por novas soluções. Sendo assim, é apenas redirecionando nosso olhar para novos horizontes que será possível desvendar todo o potencial criativo que pode estar encoberto em processos de envolvimento com drogas em nosso país.

 

O Adolescente na Escola

O ponto de partida para toda e qualquer ação educativa relativa à população juvenil refere-se ao resgate do adolescente enquanto sujeito transformador. Os jovens precisam encontrar espaços de participação na família e na escola para assumirem o protagonismo de sua história e de seu futuro na sociedade. Na escola, o adolescente tem oportunidade de viver experiências com novas figuras de autoridade, bem como com o grupo de pares.

A educação do importante contingente populacional formado pela juventude brasileira é, sem dúvida, o maior desafio que se coloca para as políticas sociais neste início de milênio. Somente um trabalho conjunto entre a escola, a família e demais instituições responsáveis pela proteção à infância e adolescência permitirá o pleno alcance desta meta que é prioritária no atual cenário brasileiro. Os adolescentes deixarão de representar apenas quantidade para se tornarem verdadeiros protagonistas do desenvolvimento social somente se tiverem acesso à educação que compreende tanto uma completa formação como a plena escolarização.

Situamos a escola como a instituição de vanguarda neste processo, uma vez que, juntamente com a família desempenha papel decisivo no processo de formação destes adolescentes enquanto sujeitos plenos, capazes de exercitar seus direitos e corresponder com seus deveres na sociedade brasileira que os integra como cidadãos.

A escola constitui referencial estruturante nesta fase importante da formação da personalidade que é a adolescência e, por este motivo, deve contemplar em seu projeto pedagógico atividades que promovam o amadurecimento do jovem. Cabe, pois, à escola, além das ações específicas da escolarização, assumir seu papel de instância formadora e de preciosa influência sobre a pessoa do adolescente em desenvolvimento.

 

O papel do professor como novo modelo de autoridade para o adolescente

As vivências escolares do adolescente são valiosas no seu processo de socialização e de desenvolvimento. Cabe lembrar que os professores representam modelos de autoridade alternativos aos da família e o processo de transformação vivido pelo adolescente na sua relação com as figuras parentais estará sendo transferido, ou ampliado para suas relações com os educadores. Estes passam a exercer uma influência muito importante enquanto modelos alternativos de identificação, permitindo que o jovem reconstrua suas próprias referências e relações com as figuras de autoridade. Aos educadores cabe, pois, além das tarefas pedagógicas em si, a função de oferecer a continência de que o jovem necessita neste seu momento de incertezas, angústias, instabilidade e necessidade de afirmação. Na medida em que os professores representam um prolongamento de suas relações com a autoridade, a postura do jovem face aos mesmos tenderá a ser, igualmente, permeada de conflitos e ambivalências. Se, por um lado, estão buscando segurança e proteção, precisam também confrontá-los, questioná-los. Por esta razão, esta possibilidade de exercitar sua postura crítica aos modelos de autoridade e de receber o retorno dos mesmos numa relação sincera e de respeito constitui ingrediente fundamental para a formação de uma postura crítica madura.

A escola precisa oportunizar contextos de expressão para que o jovem possa elaborar este turbilhão de energia e também de angústias que afloram em seu ser. Neste sentido, são fundamentais atividades artísticas e de expressão de todo o gênero: literárias, cênicas, musicais, esportivas, entre outras. Representam recursos preciosos neste sentido, oficinas de discussão sobre os temas de interesse da idade através das quais o jovem possa exercitar a habilidade de expressão verbal de seus sentimentos e de seus posicionamentos críticos, devendo sempre ser estimulado a construir propostas, num processo participativo e coletivo de resolução dos problemas ou situações colocadas. A sala de aula constitui um excelente fórum para exercício de cidadania no qual as habilidades e valores relativos à vida comunitária podem ser exercitados. Inclusive, extrapolando as ações de turma ou de sala de aula, precisamos resgatar a vida dos jovens em suas organizações juvenis mais amplas de cunho institucional.

Sendo assim, a escola assume função importante na aquisição das habilidades para o desempenho na vida societária. Destacamos aqui a noção de alteridade, ou seja, de reconhecimento e respeito às necessidades do outro, a ética das relações, a convivência com as diferenças.

 

Fatores de Risco e de Proteção Associados ao Uso de Drogas na Adolescência

O uso indevido de substâncias psicoativas tomou proporção de grave problema de saúde pública no país e esta constatação também se reflete nos demais segmentos da sociedade pela relação comprovada de tal uso com os agravos sociais dele decorrentes (Ministério da Saúde, 2001). Suas conseqüências afetam, com considerável prejuízo, homens e mulheres de diferentes grupos étnicos, independentemente de classe social e econômica, ou mesmo de idade (Macedo, 2004).

Existe uma tendência mundial que aponta para o uso cada vez mais precoce de substâncias psicoativas, incluindo o álcool, sendo que tal uso também ocorre de forma cada vez mais pesada. No Brasil, estudo realizado pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicoativas (CEBRID) acerca o uso indevido de drogas por estudantes de 1º e 2º graus em 10 capitais brasileiras (Galduróz & cols., 1997) revelou percentual altíssimo de adolescentes que já haviam feito uso de álcool na vida: 74,1%. Quanto a uso freqüente, o percentual foi de 14,7%. Também ficou constatado que 19,5% dos estudantes faltaram à escola, após beber, e que 11,5% brigaram.

O fato de a sociedade tolerar as drogas lícitas pode estar contribuindo para o aumento do consumo de álcool e tabaco entre os jovens. Muitos experimentam drogas muito cedo, passando do uso das drogas lícitas para as ilícitas. Essa passagem nem sempre está relacionada ao aumento da idade. Porém, é preciso considerar que o uso de álcool e do tabaco não condiciona o uso de outras drogas como maconha, cocaína e demais drogas.

 

O que leva os jovens a usar drogas?

A resposta a tal pergunta não é simples, dada a complexidade que envolve o fenômeno da drogadição. É preciso levar em consideração a tríade "substância, indivíduo e meio ambiente" (Olievenstein, 1990) e as suas mais diversas características. A enorme quantidade de variáveis implicadas neste consumo permite um número infindável de configurações possíveis para o uso de substâncias psicoativas.

De um modo geral, pode-se dizer que o que leva os jovens a usarem drogas é um conjunto de fatores denominados "fatores de risco". A combinação destes fatores ou a junção de alguns deles tornam uma pessoa mais ou menos propensa ao uso.

Fatores de risco para o uso de drogas são características ou atributos de um indivíduo, grupo ou ambiente de convívio social que contribuem, em maior ou menor grau, para aumentar a probabilidade deste uso. Não existe um fator único determinante do uso. Assim, para cada compartimento da vida (denominado de domínios da vida) há fatores de risco ou não, além de fatores protetores do uso. Entendem-se como domínios da vida: o individual, grupo de pares, familiar, o comunitário, o domínio escolar.

Assim, os fatores de risco e de proteção podem ser identificados em todos os domínios da vida adolescente: nos próprios indivíduos, em suas famílias, em seus pares, em suas escolas e nas comunidades, e em qualquer outro nível de convivência sócio-ambiental. É importante notar que tais fatores de risco não ocorrem de forma estanque, havendo entre eles considerável transversalidade e conseqüente variabilidade de influência.

É importante salientar, portanto, que se existem fatores de risco atuantes em cada um dos domínios citados, estes últimos também possuem os seus fatores específicos de proteção. A combinação dos fatores de riscos nestes diversos níveis vai tornar uma pessoa mais ou menos predisponente a se envolver com droga.

 

Contextualização do Curso de Prevenção do Uso Indevido de Drogas

Vimos que a escola, ao lado da família, ocupa lugar de destaque na formação e na socialização dos adolescentes, constituindo também um contexto privilegiado de proteção, por seu potencial na promoção da saúde integral do adolescente. Com o objetivo de instrumentalizar educadores com conhecimentos que lhes permitam implementar ações preventivas ao uso indevido de drogas no âmbito da escola, em consonância com a prática sistêmica, o Ministério da Educação (MEC), em parceria com a Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD) e a Universidade e Brasília (UnB) promoveram entre setembro e dezembro de 2004, um curso de educação à distância na área de Formação em Prevenção ao Uso Indevido de Drogas para Educadores de 1000 Escolas Públicas de todo o país, totalizando cerca de cinco mil participantes.

O conteúdo do programa contemplou temas como o adolescente em desenvolvimento na família e na escola, bem como a prevenção do uso indevido de drogas como questão educacional e de saúde. Os recursos utilizados foram: duas apostilas e 16 vídeos transmitidos pela TV escola, elaborados a partir de situações reais que remetem ao problema. Durante o curso, os educadores receberam assessoria de tutores por meio de telefone e Internet. Cada grupo tinha que elaborar um projeto de prevenção, visando a adequação do conteúdo do curso à sua realidade.

O modelo teórico de proteção e promoção de saúde em substituição ao modelo do medo, visa uma mudança de abordagem para estas situações. A proposta do curso trabalha com perspectivas de proteção a partir de recursos disponíveis na própria comunidade escolar, tendo como objetivo final a prevenção da drogadição na adolescência e, conseqüentemente, a proteção do adolescentes em relação a outros fatores, como por exemplo, a violência.

A partir deste modelo, os professores são convidados a propor novas formas de agir quando fatores de risco ultrapassam os muros da escola e, em especial, evitar a eclusão dos adolescentes usuários de drogas, resgatando o papel ativo da escola enquanto parte integrante da rede social de proteção. Os educadores são preparados para uma melhor abordagem das situações de risco pelo envolvimento com as drogas apresentadas no quotidiano escolar. O curso introduziu, dessa forma, uma nova perspectiva de abordagem do problema, visando ajudar o professor a rever seu papel neste processo enquanto um promotor da saúde.

A escola precisa resgatar a sua ação protetiva em relação ao adolescente e não apenas permanecer em uma atitude "defensiva" por não se sentir em condições de lidar com as questões suscitadas por este de forma adequada. Enquanto seres em desenvolvimento, o ECA assegura aos adolescentes o direito à vida, saúde, educação, lazer, participação cultural e dignidade. O jovem passa a ser visto como sujeito de direitos, também em situações de risco como é o uso de drogas. A aula nº 2, intitulada "Adolescentes: riscos e proteção", propunha uma reflexão a esse respeito, demonstrando o avanço que significou a criação do ECA e a necessidade de que ele possa, cada vez mais, ser implementado no cotidiano da sociedade.

Sabemos que os fatores de risco são presentes na escola. O seu papel está em aprender a proteger o jovem, articulando elementos de proteção-prevenção-ação-diálogo no contexto de sua realidade específica. Apenas assim, poder-se-á tornar a escola, de mais vulnerável, em mais protetora e protegida.

A fronteira entre a responsabilidade do aluno, da família e escola é delicada. Mais uma vez citando o ECA, é dever de todos zelar pela dignidade do jovem, colocando-o a salvo de qualquer tratamento desumano ou violência. É preciso sempre buscar medidas específicas de proteção. Os valores de cidadania e saúde só são resgatados na medida em que se envolve a comunidade como um todo. Um trabalho de inclusão social só é realizado quando se encontram novos padrões agregados às redes naturais das pessoas e dos grupos, sendo a escola também fortalecida enquanto instituição.

A escola não ocupa apenas o lugar de transmissora de conhecimento. É também um contexto de promoção de saúde e deve zelar pelo desenvolvimento integral dos jovens que a freqüentam. Precisa, a partir de um trabalho que envolva todas as redes do adolescente, criar condições que evitem situações de risco. A ideologia do medo se transfigura no medo da perda do controle da situação. É preciso buscar a autonomia, potencializando uma rede de ajuda a partir dos recursos existentes na própria comunidade. Buscar a força da cooperação e efetividade das ações coletivas. Esta é a nova perspectiva de abordagem do problema, que pretende ajudar o professor a rever seu papel neste processo enquanto promotor da saúde.

Durante o trabalho de tutoria, muitos professores telefonavam mobilizados com as situações expostas nos vídeos, muitas vezes, achando-as muito "idealizadas" e dizendo ser impossível aplicar integralmente este modelo à sua realidade. Percebe-se aí a dificuldade do olhar por um novo prisma, pois a ideologia do medo está bastante consolidada. A escola se vê fragilizada, necessitando ser protegida. Difícil ainda poder ver o que é possível fazer para mudar esta situação, frente a um "monstro ameaçador" que é o fenômeno do uso indevido de drogas, diretamente por eles associado à violência e à delinqüência que rondam os muros da escola.

Por ter sido um curso de âmbito nacional, podemos pensar que os projetos elaborados pelos professores possam retratar as mais variadas realidades de nosso país, uma vez que não se restringiram a uma única região, nem apenas aos grandes centros urbanos, abrangendo também pequenas cidades do interior. O leque que apareceu foi bastante heterogêneo, mas chama a atenção o quanto as preocupações, medos e inseguranças no tocante à questão da violência, uso de drogas e adolescência independem de região do Brasil. Trabalhamos com realidades diversas, mas ao mesmo tempo, bastante similares nos pontos considerados por eles frágeis e problemáticos. É necessário pensar até que ponto os professores se percebem como agentes de uma possível mudança destas realidades, ou sentem-se apenas vítimas impotentes e paralisadas.

As situações de risco a serem abordadas extrapolam o consumo de drogas, incluindo aquelas relativas ao contexto dos pares de consumo, do acesso e compra da drogas e dos meios para financiar a compra. É preciso um trabalho integrado e de apoio auxiliando a ampla gama de demandas que vêm junto ao problema decorrente do uso de drogas.

 

Domínio escolar

A escola é o ambiente em que boa parte os fatores de risco e de proteção podem ser percebidos:

 

 

Em suma, os maiores fatores de risco apresentados no domínio escolar são a falta de habilidade de convivência com grupos e a disponibilidade de álcool na escola e nas redondezas. Além disso, uma escola que apresente regras e papéis inconsistentes ou ambíguos com relação ao uso de drogas ou à conduta dos estudantes também constitui importante fator de risco relativo ao uso de álcool. Apresenta fatores de proteção a escola que evidencia regras de padrões comportamentais claros e consistentes, com exemplificação dos adultos. Da mesma forma, é importante a participação dos estudantes em decisões de questões escolares, com a inerente aquisição de responsabilidades (Macedo, 2004).

Qualquer sociedade deve assumir o compromisso ético de cuidar de suas crianças e adolescentes (Saggese, 2000) e, portanto, deve empenhar-se em diminuir a probabilidade do jovem envolver-se com o uso de drogas. Para isso, devem enfatizar a redução dos fatores de risco e ampliar os fatores de proteção. Nem toda pessoa que experimenta ou usa uma droga se tornará um dependente químico. Por outro lado, todo dependente invariavelmente um dia experimentou uma droga. O grande problema é que não dá para saber com antecedência, entre as pessoas que começam a usar drogas, quais serão usuárias ocasionais e quais se tornarão dependentes.

 

Para Concluir

Acreditamos, por fim, que a criação do ECA veio a auxiliar na mudança das visões absolutistas da adolescência, ao introduzir dimensões pluralistas e de caráter mais socialmente comprometido sobre esta fase da vida. O ECA exige um tratamento diferenciado para as crianças e adolescentes que, afinal, de "marginais" e "desviantes" passaram a ser vistos como seres em formação, em desenvolvimento e que também demandam cuidado. Portanto, ao invés de serem retaliados, excluídos pela sociedade de forma a determinar que seus destinos já estejam selados, o ECA introduz uma mudança de perspectiva: esses adolescentes precisam ser protegidos. Ficam assim, preservados os seus direitos e garantias fundamentais. A família enquanto o primeiro socializador, também tem de oferecer um ambiente sadio e ético, promovendo a construção da cidadania. Não cabe aqui analisar em que medida está sendo possível atingir esses objetivos, pela própria ineficácia na implantação de políticas públicas que integrem, por exemplo, a família à escola, mas é preciso ressaltar o quão significativa é esta mudança de perspectiva.

O uso indevido de drogas passa também a ser portador de um sentido e de uma função, tanto pessoal como social. A obrigação de seus grupos de inserção (família, escola, etc) é a de procurar proteger estes adolescentes dos riscos que correm. Numa visão mais aberta e despida de preconceitos, é possível também pensar que estes adolescentes estão sinalizando algo, pedindo uma continência e um olhar.

A constituição do sujeito é um processo complexo, dialético e permanente, que se dá através das relações com o outro. Neste sentido, o homem, simultaneamente, produz a cultura e é produzido por ela. (Siqueira, 1999). Precisamos pensar em novos modos de romper com estes ciclos, para que possamos construir mecanismos mais eficazes que protejam este segmento da sociedade, ao mesmo tempo em que lhes possibilite encontrar novas formas de relação. Precisamos valorizar seu desenvolvimento enquanto seres singulares que possam vir a exercer sua cidadania dentro de uma visão ética de mundo. Aqui entra o papel fundamental da escola.

Há ainda um último ponto que gostaríamos de destacar. A vulnerabilidade social nos mostra que devemos estar atentos aos múltiplos planos e estruturas sociais que a condicionam. É importante levar em conta os mecanismos que podem ser mobilizados no nível das famílias e/ou dos indivíduos, juntamente com os fatores educacionais, sem circunscrever tais recursos a uma perspectiva apenas econômica. É preciso acionar os atores para resistirem e enfrentarem situações socialmente negativas. Aprender, através do vivido, a tecer formas de resistências, formas de lidar com riscos e obstáculos de uma maneira criativa. (Abramovay, 2002)

Esperamos que todo o quadro que foi acima exposto possa nos servir de alerta, ajudando nas elaborações sobre a adolescência atual de uma forma mais inclusiva, mas que, ao mesmo tempo, nos ajude a pensar as diferenças. Neste sentido, capacitar os professores para atuarem enquanto promotores da saúde, e pensar na escola enquanto contexto de proteção é de importância primordial a fim de que se rompa este ciclo: uso de drogas – exclusão – violência. Olhar esta equação de forma linear não funciona mais.

Para finalizar, resgatamos a visão de Alberti (2004) que nos alerta ainda para a importância que a juventude têm na promoção de mudanças culturais, pois nada muda se a juventude for sacrificada. O fato de ter que brigar para fazer valer as suas contribuições à cultura, não é o problema da adolescência, mas sim, a sua função na cultura. A identificação com o grupo de pares é fundamental, e se faz presente desde a moda, até as disputas grupais. Mas para que o adolescente possa exercer de forma plena o seu papel, precisa, no mínimo, que suas condições de vida permitam o acesso à educação e à cultura, para que todos possam correr atrás de seus sonhos a fim de construir pontes entre os abismos existentes. A escola precisa estar aberta para essas mudanças. Construir alternativas de ajuda contando com recursos próprios de cada comunidade.

Precisamos, atualmente, rever muitos de nossos padrões sociais que continuam a andar de mãos dadas com o desrespeito aos outros seres humanos. Parece que neste cenário de desordem e desigualdade, fica difícil resgatarmos padrões éticos, morais e vermos também uma atitude positiva. Mas temos agora a clareza de pensar que uma aparente regressão pode, de fato, ser um novo começo. A mudança faz parte do próprio processo de nosso mundo. Vivemos, com certeza, um tempo de mudanças e revisões em todas as áreas do conhecimento, e, conseqüentemente, isso vem a exercer uma influência em nossa atitude enquanto cidadãos e profissionais que trabalham com o fator humano. Neste contexto, os professores precisam também encontrar novas formas de abordar velhos problemas, como se configura a relação dos adolescentes com as drogas e sua existência marginal.

O mais importante parece ser que possamos nos despir dos preconceitos. A partir deste trabalho, percebemos que as fronteiras entre o bem e o mal são extremamente tênues. Se olharmos, por exemplo, um adolescente usuário de drogas como portador do "mal", estaremos negando todo o contexto em que determinadas relações foram geradas. Precisamos de olhares focais, pois é no pequeno, no singular que as novas atitudes vão tomando forma. Todo o movimento de abordagem à questão das drogas, deve ser compreendido em sua ambigüidade.

Para encerrar, acreditamos que seja importante compartilhar da visão de Prata (2002), que nos alerta para o fato de que a desordem pode produzir novas formas. No caos pode-se produzir ordem, e desorganização nem sempre é sinônimo de desperdício de energia: a ordem e a desordem são indissociáveis. Nesse contexto, a grandeza do grau de desorganização da energia de um sistema nem sempre precisa ser relacionada à degradação e ao desperdício, pode ser fonte do novo. Há que se manter vivo ao menos um pouco de otimismo em relação à raça humana.

Podemos dizer que se a violência e a destruição se fazem presentes de forma tão assustadora, se o uso indevido de drogas (principalmente as lícitas) beira à epidemia, temos de lembrar que os laços sociais nos mantêm vivos e menos solitários e que devemos insistir em recriá-los, mesmo quando somos alimentados continuamente pela violência de nossa atualidade. A escola ainda ocupa importante papel de socialização. Não apenas reproduz padrões, mas pode tornar-se semente de mudanças a partir de si mesma. Como nos diz Prata (2002), a vida é um exercício constante de reconstrução. A transitoriedade do belo não implica a perda de seu valor, e é justamente dessa fragilidade que podemos extrair a preciosidade da vida.

 

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