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An. 1 Simp. Internacional do Adolescente Mayo. 2005

 

O resgate do sujeito desejante na figura do educador

 

 

Tatiana Karinya C. Rodrigues

Universidade de São Paulo Faculdade de educação

 

 

"Só levo a certeza de que muito pouco eu sei, eu nada sei".
Almir Sater e Renato Teixeira

 

Quem dera fosse essa a certeza de muitos educadores e pais. Talvez essa "certeza acerca da incerteza" tenha sido deixada de lado juntamente com outros aspectos que Hannah Arendt descreveu como sendo a "crise da educação", em meados da década de 60 no século passado.

Uma das conseqüências dessa crise descrita por Hannah Arendt (2000) é a falta de bom senso. E parece que ela perdura em nossos tempos.

"O fato importante é que, por causa de determinadas teorias, boas ou más, todas as regras do juízo humano normal foram postas de parte". (p.227) Ou seja, a importância dada às teorias, sejam elas quais forem (psicológicas ou pedagógicas), geraram conseqüências as quais vivemos até os dias atuais, porque ainda hoje essas teorias e outras mais que foram criadas e estão sendo criadas nesse momento, surgem como a esperança de ser esta a nova proposta que irá suplantar as dúvidas existentes.

O paradoxo da crise na educação descrito por Hannah Arendt permanece vivo. Então, ao mesmo tempo em que são criadas teorias pedagógicas com vistas à suplantar as dificuldades encontradas no educar, o próprio educador torna-se obsoleto porque não consegue dar conta daquilo que lhe é posto enquanto problema, mesmo que tenha para si a teoria pedagógica mais atual. Sabemos da impossibilidade de criar um saber que possa descrever e prever o comportamento humano, já que este é por si só infinito em suas condições. Portanto torna-se impossível criar uma teoria que possa abarcar toda uma problemática circundante da crise na educação.

Da mesma forma, mas agora num outro âmbito, vemos em nossa cultura uma profusão de livros sendo lançados nesses últimos anos que propõem formas de "como educar nosso filhos", destituindo mães e pais de seu lugar de saber diante de seus filhos.

Percebemos então, que tanto educador quanto pais ficam subjugados ao conhecimento teórico-científico e perdem aquilo que lhes é mais precioso, aquilo que Hannah Arendt chamou de "bom senso". Atualmente esse "subjugar" se dá pelo fato de estarmos inseridos num contexto pós-moderno, onde se acredita que o desejo pode ser alcançado e para isso existem técnicas, soluções mágicas, fórmulas revolucionárias, teorias enigmáticas, etc. Basta ligar a televisão para reparar no quanto as propagandas vendem objetos do desejo com vias a alcançar uma completude. Não é à toa que ao fazer uma pergunta para meus alunos de orientação vocacional a respeito de suas expectativas em relação ao curso eles respondem que pretendem alcançar ali a resposta para resolverem as questões atuais da vida de cada um. Quem dera essas certezas fossem um dia alcançadas.

Essa insegurança em lidar com aquilo que nos falta é que organiza a maneira de lidar com o mundo. Hoje esta incerteza é lida como incompetência e fracasso e é isso que faz com que professores e pais sintam necessidade de agarrar-se a um conhecimento dito maior e seguro, o conhecimento cientifico.

"Numa noite de verão de 1577, sua mãe (de Johannes Kepler) lhe prometeu uma surpresa. Logo que a noite caiu, Katherine levou o menino, então com seis anos de idade, para passear em uma colina próxima à cidade, de onde observaram um cometa. Três anos mais tarde, o pai do jovem Johannes acompanhou seu filho, de nove anos de idade, numa saída noturna. Os dois se instalaram pacientemente no campo. Nessa noite nenhuma nova luz no céu. Ao contrário, os dois puderam observar um eclipse da Lua que, segundo a descrição de Kepler, 'parecia inteiramente avermelhada'. Tratava-se provavelmente do eclipse de 31 de janeiro de 1580.
Para o jovem Kepler, esses instantes de calma, partilhados com uma mãe irascível e um pai briguento, foram raros e preciosos, e essas lembranças permaneceram gravadas como autênticos momentos inesquecíveis na memória do adulto Johannes Kepler." (Mourão, p. 32)

Nesse trecho, Mourão (2003) retrata a influência dos pais nas crianças. Se formos analisar a fundo, e com os olhos de nossa cultura atual, chegaremos a conclusão de que os pais de Kepler não foram adequados, pois chegaram até a entrega-lo aos cuidados de seus avós e estes o colocaram para trabalhar pesadamente no campo. Mas por outro ponto de vista poderemos perceber que, nas condições em que viviam, ajudaram na sua constituição psíquica no que tange seu desejo pelo mundo dos astros. Em suas memórias, Kepler registrou esses momentos e talvez tenham sido esses momentos que o tenham atraído para a observação do céu. Sem dúvida, não podemos afirmar com certeza que esses fatos tenham sido motivadores essenciais para a formação de um dos maiores astrônomos de todos os tempos, porém não podemos desconsiderar a importância desses momentos vividos com seus pais, pois fazem um testemunho verdadeiro de um "saber lidar com a falta"; ou seja, apesar das condições precárias em que Johannes foi criado, seus pais souberam lhe transmitir aquilo que há de mais precioso: a castração.

Na biografia de Sigmund Freud também é possível notar a influência de seus pais em relação aos estudos. Desde muito pequeno era desafiado com propostas de problemas intricados, os quais o estimulavam a compreender. Kupfer (1997) relata uma das conseqüências desse lugar em que Freud era colocado pelos pais. Freud tinha medo de ser medíocre diante do mundo, já que provavelmente queria corresponder ao amor de seus pais, quando eles o colocavam em prova. Certamente isso o impulsionou de forma marcante no mundo do pensamento. Outro aspecto que pode ter sido determinante no amor de Freud pelos estudos foi a cultura em que estava inserido. "(...) o tradicional amor aos estudos, característico dos judeus, passou a representar, na Viena da época de Freud, igualmente uma oportunidade de ascensão social". (Kupfer, 1997, p. 20). Freud não só tinha estímulos vindos de seus pais como também do meio em que vivia.

Vimos até aqui exemplos de como a família é significativa na transmissão de marcas de um saber, ou melhor, de um querer saber sobre aquilo que falta. Mas sabemos que não só nesse âmbito que ocorre essa transmissão. Em "O Banquete" Platão retrata diálogos entre filósofos e um em especial marca a relação daquele que transmite com o que recebe a transmissão. Alcebíades coloca Sócrates numa posição de suposto saber e este o sustenta até o momento em que seu saber é colocado em prova. É nessa suposição que Alcebíades (re)constrói um saber acerca do tema discutido. Além disso esse exemplo retrata como, a partir da relação transferencial, se dá a transmissão daquilo que não se sabe.

Que marcas foram essas deixadas em Johannes Kepler, Sigmund Freud e no efebo Alcebíades que os fizeram ir em busca de um conhecimento de tal forma a torna-los, em especial Kepler e Freud, pessoas voltadas para o campo do saber? Que transmissão é essa que impulsiona cada um desses pensadores para a construção de um conhecimento? Vale lembrar que trataremos aqui especificamente da transmissão que aponta para a sublimação, já que estamos falando da construção de um conhecimento, que é este uma das formas de lidar com a falta.

Temos aqui, então um exemplo que indica o quanto a figura parental é significativa na transmissão de um saber. Sabemos, no entanto, que a figura do educador também corrobora com essa transmissão, se não fosse isso nem poderíamos pensar na educação enquanto detentora de uma transmissão. Porém existem algumas diferenças nesse transmitir.

Sabemos então que existem duas ordens de transmissão, uma se dá no âmbito familiar e outra no escolar. Existe uma diferença aí que precisamos nos ater. É sabido que a escola não é capaz de tomar o lugar da família, embora muitas vezes é levada pela angustia parental, a tomar esse lugar como legítimo. Tanto no estágio que fiz numa escola para surdos, como em observações feitas de reuniões pedagógicas, muitos professores relatam que os pais colocam na escola a responsabilidade de educar e zelar pelo bem-estar de seu filho. Que discurso é esse, proferido por esses pais que os levam a abdicar de seu próprio saber em detrimento de um saber dito maior, o saber inculcado na escola? Seria isso uma das conseqüências da falta de autoridade dos pais? Hannah Arendt (2000) escreve a respeito da autoridade envolvida no educar da seguinte forma: "Qualquer pessoa que se recuse a assumir a responsabilidade coletiva pelo mundo não deveria ter crianças, e é preciso proibi-la de tomar parte em sua educação." (p. 239)

Essas duras palavras podem nos parecer exageradas de inicio, mas faz muito sentido se pensarmos nas conseqüências de assumir uma educação despida de autoridade. Cabe lembrar que isso vale tanto para pais quanto para educadores.

Leandro de Lajonquière (2000) fala de um saber difundido pela Pedagogia, onde tanto pais como educadores se "grudam" e fazem valer toda essa "certeza". A lógica pedagógica atual está calcada numa "(...) certeza natural do agir humano (...)", ou seja, "(...) tudo o que se faz tem que estar plenamente justificado, ou seja, deve estar deduzido como possibilidade a partir de uma realidade para além do próprio ato educativo". (p. 35 )

Essa falta de clareza nos papéis desempenhados por pais e educadores fica evidenciado nessa procura pela "certeza". Então, não é a toa que esse trabalho até o presente momento esteja fadado a confusões entre função parental e a do educador em relação à transmissão. Eles mesmos parecem estar mergulhados nessa confusão de papéis.

Maria Cristina Kupfer (2004) em seu texto "A transmissão do pai e suas conseqüências para a psicanálise" nos esclarece: "(...) o saber seguro da Ciência contribui em parte para o apagamento da incerteza do pai. Diante disso, poderiam ser dois os caminhos escolhidos pelos pais de hoje. Ou traduzem sua incerteza como impotência, e cedem então à desqualificação melancólica que o discurso social cientifico lhes imputa, ou então tornam-se um pater certissimus.1" (p. 89)

Talvez essa confusão de papéis que se tem nos pais e educadores seja um efeito desse discurso científico normatizador, mas quais seriam então as conseqüências diretas na transmissão realizada pelo educador? Kupfer fala, no texto citado acima, apenas da figura paterna, mas e o educador?

Sabemos que Johannes Kepler, apesar das dificuldades familiares, foi para uma escola onde aprendeu e certamente lhe foi transmitido algo que foi além daquele saber cientifico tido na época. Então, que marcas foram essas deixadas em Johannes Kepler que o fez ir em busca de um conhecimento de tal forma a torna-lo um dos mais renomados cientistas de sua época?

Para responder a essa pergunta é preciso antes saber do que estamos tratando aqui. Se acreditamos que algo é transmitido para a criança, precisamos saber, então o que é transmitido e como isso se dá.

 

O que se transmite?

Stolzmann e Rickens (1999) em "Do dom de transmitir à transmissão de um dom" dizem que "(...) aquilo que se transmite [na escola] não está simplesmente do lado das informações ou dos conteúdos, mas sim de uma operação que permite ao sujeito, em contato com algumas idéias, toma-las por meio de um árduo trabalho e reconstruí-las, imputando-lhes seu estilo, agregando-as ao que já havia constituído, e produzindo, como resultado, algo que reconhece como próprio." (1999, p. 43)

Portanto, se as informações em si não são aquilo que de fato se transmite, isso quer dizer que a metodologia empregada pouco importa. "(...) um educador guiado pela ética do desejo sabe que aquilo que o aluno aprende não depende tanto das formas como ele foi informado, nem de qual informação tenha sido essa, mas da possibilidade de, ao engajar aí o seu desejo, se tornar mestre se si mesmo. Ou seja, ensinar como se aprende e não fazer transmissão de informação simplesmente". (Souza e Rodrigues, 2001, p. 93)

Então se não é a informação que é transmitida, o que é transmitido?

Numa experiência específica, de ensino para surdos, fica fácil perceber que família e escola transmitem antes de mais nada marcas de pertença à uma determinada cultura. "A apropriação da criança numa filiação depende, entre outras coisas, de que os pais possam transmitir ao filho os traços de uma pertença marcada pelos ideais simbólicos do grupo ao qual essa família está referida." (Souza e Rodrigues, p. 92) Tanto escola quanto pais assumem essa "tarefa" de transmissores das marcas daquilo que faz com que as crianças sintam-se pertencentes à uma determinada cultura, espaço e tempo.

Para Calligaris (1994) educação e castração são sinônimos, pois são termos "(...) que designam processos pelos quais se pretenderia que o sujeito chegasse a encontrar um lugar possível na sociedade dos adultos." (p. 25)

Essa operação de castração é realizada a partir de um representante da chamada função paterna que irá instituir a falta, ou seja, irá separar a criança do desejo materno. Portanto num primeiro momento isso se dará no âmbito familiar e posteriormente será sustentado pelos educadores.

Segundo Kupfer (1997) o que é de fato transmitido é a castração e através dela o desejo de querer saber. É na descoberta de diferenças que a criança se vê angustiada e é exatamente isso que a leva em busca do "querer saber". Freud fala mais detalhadamente sobre a diferença entre curiosidade sexual e curiosidade intelectual no texto "Leonardo da Vinci e uma lembrança da sua infância (1910)". É aí que fala de como as pesquisas sexuais infantis desencadeiam-se e por conta dessa investigação quais são as três vicissitudes para o impulso de pesquisa: inibição neurótica; retorno ao inconsciente; sublimação. Dessas três, trataremos aqui mais especificamente da sublimação.

É a partir da castração que o sujeito será capaz de (re)construir o conhecimento sobre o real como um sujeito do desejo (Lajonquière, 2001). E isso se dá de uma forma singular atravessado por um discurso. Ou seja, quando o sujeito se vê castrado vai em busca daquilo que lhe falta para realizar seu desejo e o discurso é um mediador nessa incessante tarefa.

 

Quais são as condições para que a transmissão ocorra?

Posicionamento daquele que transmite versus posição daquele que recebe a transmissão.

Aquele que transmite, que está marcado pelo seu próprio inconsciente, deverá ocupar uma posição de suposto saber, pois é nesse suposto saber que a criança irá sustentar aquilo que procura. Paradoxalmente essa posição é de um ser em falta. Essa posição é necessária para que o desejo possa circular e produzir seus efeitos (Stolzmann e Rickens, 1999). Aqui está a prova de que a informação em si não é prerrogativa no ensino.

"(...) Portanto, o desenvolvimento do conhecimento só é possível se há alguém significativo que deseje e invista no sujeito da aprendizagem". (Stolzmann e Rickens, 1999, p. 47) Qualquer um pode encarnar essa posição de Outro e é a partir disso que a aprendizagem ocorrerá. É preciso também que o Outro acredite ser possuidor desse saber que lhe é outorgado (Becker, 1999), caso contrário não poderá sustentar tal posição.

O sujeito aprende porque, como nos lembra Freud em "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade", sua posição de efebo assim o permite. Para Freud essa posição está marcada por atributos anímicos femininos, que ele entende por: timidez, recato e necessidade de ensinamentos e assistência. E essas marcas colocam o sujeito numa posição de ser desejante que impulsiona o sujeito em busca do conhecimento. Conhecimento este que pretende preencher uma falta que foi marcada na castração e que nunca será alcançada efetivamente, porque essa falta nunca será preenchida.

 

Como se dá essa transmissão?

Sabemos que é na relação transferencial que se dá a transmissão do saber não sabido.

Kupfer (1997) também nos lembra que a transferência é uma manifestação do inconsciente que acontece em toda e qualquer relação. Freud falou inicialmente em seu texto "Dinâmica da transferência", desse fenômeno como sendo exclusivo da relação médico-paciente, mas depois ampliou esse conceito, como nos lembrou Kupfer (1997) e por isso podemos pensar no fenômeno transferencial presente em toda e qualquer relação inclusive na relação educador-aluno. Portanto para Freud, nesse período inicial, a transferência nada mais é do que a repetição de "clichês esteriotípicos", ou seja, são acontecimentos psíquicos que retornam do passado, atualizados na pessoa com que se relaciona no presente.

Mais tarde Freud vai mais além e já pensando também na relação educador-aluno descreve como se daria essa transferência. Kupfer (1997) nos lembra o que ele diz: "(...) a transferência se produz quando o desejo de saber do aluno se aferra a um elemento particular, que é a pessoa do professor". (p. 91) Esse desejo inconsciente busca aferrar-se à formas, daí podemos pensar em qualquer relação como passível desse fenômeno transferencial. No caso do educador, então, podemos dizer que ele torna-se depositário de algo que pertence ao aluno, ou seja, do desejo do aluno. Isso transfere sentido e poder à figura do educador, o que tem conseqüências que podemos pensar e retomar aquilo que Hanna Arendt (2000) escreveu a respeito da crise na educação, quando fala da perda da autoridade por parte de pais e educadores. Se os educadores perderam autoridade diante do aluno então o que podemos pensar da posição que ocupa? O que resta ao educador de hoje?

Podemos pensar em três possibilidades decorrentes desse intrincamento no qual nos encontramos:

1. O educador pode negar esse lugar de sujeito-suposto-saber que lhe é atribuído, apagando então qualquer possibilidade do desejo do aluno circular;

2. O educador pode submeter-se a sustentar esse lugar de sujeito-suposto-saber, sem encarnar essa atribuição que lhe é feita;

3. Talvez esse lugar de sujeito-suposto-saber nem esteja disponível na estrutura transferencial, e portanto ele é destituído de uma posição que permita a ele ter autoridade.

Dessas posições possíveis podemos pensar na primeira e na última como possibilidade para gerar o fracasso escolar e na segunda como produtora do sucesso.

Cabe-nos então a seguinte questão: nas condições atuais qual a posição comumente assumida pelos educadores?

Precisamos sempre nos lembrar que o ocultamento do sujeito castrado no educador nos permite ter a ilusão de que ele é o representante do Outro e portanto ele pode sustentar o lugar de sujeito-suposto-saber. Mas exatamente por ser castrado o educador não encarna esse lugar, ao contrário, aponta para a destituição dele.

Em "Por uma vara de vidoeiro simbólica", Kupfer (2004) nos lembra do quanto a figura do educador está fragilizada, do quanto a sua castração é escancarada em nossa cultura.

"A castração imaginária, porém, é denunciada pela sociedade a plenos pulmões. Assim, os alunos da periferia apedrejam o fusquinha do professor estacionado no pátio da escola, porque sua pobreza é uma ofensa. O baixo salário, longe de denunciar a exploração a que são submetidos os professores, é signo de incapacidade, de impotência de incompetência para a vida, contraposto a uma potencia imaginária vivida pelos alunos das escolas particulares, que desautorizam seu professor dizendo-lhe: Sou eu quem lhe paga, portanto, cale a boca." (p. 92)

Sabendo que a posição assumida geralmente pelos educadores, que lhes é imposta, é a de fracassado, como pensar em uma educação, em uma produção de conhecimento nessas condições?

Isso nos remete ao que Arendt (2000) falou sobre a falta de autoridade e do quanto nossos educadores estão desprovidos dessa condição. Para Kupfer (2004) existe somente uma solução para isso, já que não é possível restaurar a figura de autoridade: "Resta, então a tentativa de fazer passar o mestre impotente da castração imaginária para a posição um mestre não-todo. Um mestre que opera supondo, levando em conta sua castração simbólica." (p. 94)

Um educador que possa ser capaz de errar e saber lidar com isso saberá passar ao seu aluno a castração de tal forma que ele será capaz de ir em busca de seu desejo sabendo que o erro, o engano, a falta são coisas que fazem parte da condição humana.

Resgatar a figura do educador como um sujeito desejante e, portanto, castrado, faria com que, certos da incerteza do saber, pudessem caminhar lado a lado com os alunos em busca daquilo que lhes falta. Os educadores fariam, então, dos alunos, mestres de si mesmos. Em decorrência disso, mesmo que pudéssemos pensar no sucesso da educação, isso pouco importaria, porque o que está em jogo aqui não é atingir o sucesso - já que ele é impossível - mas a constante busca pelo saber não sabido, que é infinita.

 

Bibliografia

ARENDT, Hannah (2003) Entre o Passado e o Futuro São Paulo: Editora Perspectiva.

BECKER, Ângela Lângaro Agressividade em Psicanálise Revista da Associação Psicanalítica de Porto Alegre no. 16, 1999 – ano IX; Porto Alegre: APPOA.

CALIGARIS, Contardo (1995) Educa-se uma criança? Porto alegre: Artes e Ofícios.

KUPFER, Maria Cristina (1997) Freud e a Educação – o mestre do impossível São Paulo: Editora Scipione.

LAJONQUIÈRE, Leandro de (2000) Infância e ilusão (Psico)Pedagógica – Escritos de psicanálise e educação, Petrópolis/RJ: Vozes.

LAJONQUIÈRE, Leandro de (2001) De Piaget a Freud – Para repensar as aprendizagens - A (psico)pedagogia entre o conhecimento e o saber, Petrópolis/RJ: Vozes.

MOURÃO, Ronaldo Rogério Freitas (2003) Kepler – A descoberta das Leis do Movimento Planetário São Paulo: Odysseus Editora.

SOUZA, Sandra e RODRIGUES, Tatiana Karinya (2001) Articulações entre psicanálise e educação e algumas especificidades numa escola para surdos in Distúrbios da Comunicação, São Paulo, 13(1): 85-96, dez, 2001.

STOLZMANN e RICKENS Do dom de transmitir à transmissão de um dom Revista da Associação Psicanalítica de Porto Alegre no. 16, 1999 – ano IX; Porto Alegre: APPOA.

 

 

Orientadora: Renata Petri - São Paulo - 2004
Trabalho de conclusão de curso como exigência para a especialização no curso "Psicanálise, Infância e Educação"
1 Kupfer chama de "pater certissimus" aquele que tenta apagar de qualquer forma a incerteza existencial que lhe é própria através da aplicação de um saber cientifico dado a priori.