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An. 1 Simp. Internacional do Adolescente May. 2005
Uso de contraceptivos e informações: estudo sobre a utilização de métodos anticoncepcionais entre os universitários da FCL/UNESP de Assis
Teixeira-Filho, Fernando SilvaI; Pratta, NaraII; Colhante, Carolina CardosoIII
Faculdade de Ciências e Letras "Julio de Mesquita Filho" - Universidade Estadual Paulista - Departamento de Psicologia Clínica da Universidade Estadual Paulista - Av. Dom Antônio, no. 2100, Prédio 2, Sala 3, CEP: 19.806-900 Assis/SP - Tel/fax: (018) 3302-5885/3302-5890
IPsicólogo, psicanalista, professor Assistente Doutor junto ao Departamento de Psicologia Clínica e Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Estadual Paulista – Júlio de Mesquita Filho, Campus de Assis. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre as Sexualidades (GEPS). Pós-doutor pela Universidade Charles de Gaulle, em Lille, França. Membro fundador da ong Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre as Sexualidades a qual visa desconstruir mitos e tabus ligados às diversidades sexuais e aids. Correio Eletrônico: nando@assis.unesp.br
IIGraduanda do terceiro ano do Curso de Graduação em Psicologia da Unesp, Campus de Assis. Correio eletrônico: narapratta@linkway.com.br
IIIGraduanda do terceiro ano do Curso de Graduação em Psicologia da Unesp, Campus de Assis. Correio eletrônico: colhante_carol@yahoo.com.br
INTRODUÇÃO
Observa-se nos diferentes meios de comunicação a profusão de informações acerca da importância da utilização de métodos contraceptivos, ao mesmo tempo em que se aponta o aumento de gravidez indesejada e transmissão de DSTs, em especial o HIV, entre os jovens.
Segundo a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura) existem 11,8 milhões de pessoas entre 14 e 24 anos com AIDS em todo o mundo, e uma em cada dez meninas engravidam com menos de 15 anos no Brasil. A Organização aponta, dentre os principais fatores para essas ocorrências, a falta de informação e conscientização sobre a utilização de métodos contraceptivos.
Em estudo feito na Universidade Estadual do Rio de Janeiro1 com oito mil primeiro anistas, constatou-se que 50% dos universitários acreditam que não estão vulneráveis à AIDS. Apenas 25% deles usam preservativo na primeira relação sexual com o(a) parceiro(a), porém o dispensam na segunda ou terceira relação sexual.
Outro estudo sobre a percepção e prevenção da Aids realizado por LOYOLA (1994) no Rio de Janeiro, envolveu uma amostra de 163 sujeitos de ambos os sexos, onde 57 eram profissionais de nível superior (incluindo-se aí estudantes universitários), 55 bancários e 51 metalúrgicos. Em relação ao uso da camisinha, os participantes da pesquisa revelaram crenças do tipo: "não tem motivo" (42,5%); ou "porque não gostam" (13%). Segundo a autora (citada por DIAS, 2001, p.40) usar ou pedir ao parceiro para usar a camisinha equivale a dizer que o mesmo seja portador de uma doença grave.
Realizou-se um estudo na Universidade Federal de Minas Gerais2 (UFMG) com 4235 alunos, o qual constatou que: a prática de sexo sem a utilização de preservativo é grande apesar do nível de informação; há um forte indicativo de atitudes preconceituosas em relação às pessoas vivendo com o vírus HIV/AIDS; o pensamento de que o casamento protege contra infecção está presente na concepção feminina.
Um estudo que associou metodologia quantitativa e qualitativa, realizado em Londrina por BATISTA (1992), junto a universitários da Universidade Estadual de Londrina, demonstrou que 33% dos jovens dizem ter modificado o seu comportamento sexual a partir do advento da Aids. Também foi possível constatar que 43% afirmaram usar o preservativo sempre; 24% às vezes; 11% quando a parceria é desconhecida; e 24% nunca usam. Nas entrevistas aprofundadas, percebe-se que o critério usado não é a informação correta sobre as formas de contágios, mas baseia-se em critérios subjetivos fundamentados em crenças, tradições, paixões e preconceitos do tipo: conhecer melhor o(a) parceiro(a)/ confiar no(a) parceiro(a)/ amar ou estar apaixonado(a).
Em pesquisa com 650 primeiro anistas da PUC/SP3 ficou constatado que os jovens chegam às universidades com pouca informação sobre a AIDS: 51,39% deles acreditam estar invulneráveis à AIDS por não pertencerem a nenhum "grupo de risco", e 40,13% dos alunos disse que não eram promíscuos e não usavam drogas injetáveis, o que, para eles, seriam as variáveis determinantes que propiciam a contaminação por alguma DST e/ou HIV.
Em Campinas, MONTEIRO (1995) realizou uma pesquisa de mestrado envolvendo 736 alunos da UNICAMP em início da carreira universitária, e os resultados mostraram que os estudantes têm um nível adequado de informação, mas um comportamento incoerente com esses conhecimentos, ou seja, os estudantes têm a informação, mas não a utilizam. Segundo a pesquisadora isto se deve ao fato de que as informações visam à prevenção de problemas e não à instalação de uma nova cultura de saúde do corpo e sexual.
Em recente pesquisa realizada por DIAS (2001, p.41) com alunos primeiro e segundo anistas de Psicologia acerca das suas motivações para exercerem esta profissão, encontramos as seguintes motivações: a) conflitos vividos junto à família parental; b) conflitos relativos à vida matrimonial; c) dificuldades de auto-aceitação e busca de alternativas de mudanças; d) busca de um conhecimento para redução do sofrimento psíquico alheio; e) desejos de exercer uma profissão liberal e obter sucesso financeiro; f) conflitos relativos à prática da vida sexual; g) conflitos relativos à própria identidade sexual. A pesquisa de Dias, concentrada na região Sudeste, aponta para o fato de que os estudantes de Psicologia, além de apresentarem dúvidas sobre sua própria sexualidade, ainda são ensinados a solucionar os problemas dos outros a partir de disciplinas que priorizam a focalização no indivíduo — visto enquanto um ser isolado de seu contexto sócio-cultural —, em detrimento de uma perspectiva extrapsíquica, isto é, com ênfase nos aspectos relacionais e sócio-histórico-culturais que influem na prática sexual dos parceiros envolvidos. Estas evidências nos dizem que as questões tabus relacionadas à sexualidade não são trabalhadas na universidade e continuam a angustiar os universitários. Talvez isto ajude a explicar a presença do alto nível de preconceito, tabus e desinformação em torno da sexualidade e doenças sexualmente transmissíveis (CAVALCANTI, 1993; GIR et. al., 1997; LESCURA, 1997) nesta população como nos mostram os dados a seguir.
Em 1997, GUIDUGLI et. al., realizaram uma pesquisa sobre o comportamento sexual dos universitários frente à Aids com estudantes do segundo ao quarto ano da UNESP/Assis, envolvendo os quatro cursos (Biologia, História, Letras e Psicologia). Através de questionário baseado em ANGELI (1992), a pesquisa teve um total de 386 respondentes, sendo 289 do sexo feminino e 97 do sexo masculino com idades entre 19 e 37 anos. Conclui-se desta pesquisa que os métodos contraceptivos mais usados são a camisinha e a pílula anticoncepcional, porém, embora a maioria dos respondentes conheça estes métodos e os utilize, boa parte da amostra não usa preservativo em todas as relações sexuais (50%). Deste modo, inferiu-se que há maior interesse em se evitar a gravidez do que se prevenir da Aids. Grande parte dos estudantes (45%) tem como fonte de informação sobre prevenção as DSTs/HIV-Aids, livros e revistas, seguidos de conversas com amigos (15%). Todavia, a eficácia destas fontes de informação deve ser questionada já que 39% dos universitários não assinalaram corretamente as questões que indagavam sobre as formas de intimidade sexual que podem transmitir o HIV. Tal fato é preocupante já que metade dos indivíduos que compõem a amostra dos cursos de História e Letras não é bem informada sobre a Aids e não modificou seu comportamento por causa dela. Além disso, a concentração de mulheres nos cursos mencionados endossa a tendência de outras pesquisas que revelam que as mulheres têm mais riscos de contrair o vírus do que os homens.
Em pesquisa mais recente realizada em abril de 2002, também na UNESP de Assis4 com 199 respondentes de ambos os sexos, sendo 3,51% não alunos, 56,28% alegaram fazer uso do preservativo em todas as relações sexuais; 36,18% às vezes e 6,53% nunca usam. Aliado a estes dados, temos a curiosa informação de que 63,81% dos respondentes sentem vergonha de conversar sobre o tema Aids, mesmo embora tenham mostrado alto grau de informação quanto ao convívio social com os portadores, já que 95,47% responderam que se um portador entra em uma piscina não há motivo para sair, pois sabe-se que a Aids não é transmitida em piscinas e tampouco em abraços (98,49%). Estes dados estão em acordo com os apresentados em recente pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde5. Ali também se encontram as variáveis grau de instrução, sexo e idade como determinantes de menor vulnerabilidade. Observou-se nessa pesquisa que quanto maior é o grau de instrução do indivíduo (88,45% são universitários), se este é mulher (59,79%) e se é jovem (89,45% < 25 anos), maiores são suas informações sobre as formas de contaminação pelo vírus. Todavia, como destacou a pesquisa citada, o alto nível de formação e informação não é determinante para se evitar um "comportamento de risco".
Preocupando-nos com as questões acima, desenvolvemos uma enquete com o intuito de averiguar, entre os universitários da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista (UNESP) – campus Assis, o conhecimento das atitudes preventivas, seu entendimento frente à paternidade/maternidade, bem como suas conseqüências para a vida acadêmica da pessoa6.
OBJETIVOS E JUSTIFICATIVA
POPULAÇÃO E METODOLOGIA
A presente enquete foi desenvolvida por meio da aplicação de um questionário, o qual contava com 12 questões (além de identificação – sexo, idade, estado civil e curso) abertas e fechadas, em uma população de quatrocentos sujeitos, de ambos os sexos, da UNESP/Assis, incluindo todos os cursos do campus: Letras, História, Psicologia, Biologia e Biotecnologia. Dos questionários aplicados 16 foram anulados por falta de dados essenciais; por isso, os resultados foram discutidos com base em 384 sujeitos.
Calculamos tal amostra a partir de uma porcentagem de 23,6% de cada curso, proporcionalmente ao ano e período; sendo a amostra aleatória e estratificada com 138 sujeitos do curso de Letras, 86 de História, 116 de Psicologia, 42 de Biologia e 18 de Biotecnologia7.
Para discussão dos resultados utilizamos gráficos das questões mais relevantes para o enfoque desta pesquisa (no trabalho aqui apresentado explicitamos somente os gráficos essenciais por falta de espaço).
Entendendo que o preservativo previne, além da gravidez indesejada, as DSTs, destacamos nos resultados a utilização deste método. Ao depararmo-nos com uma porcentagem de 40% de sujeitos que se mostraram vulneráveis, fizemos, a partir do levantamento estatístico, uma análise qualitativa dos dados obtidos baseando-nos na perspectiva psicanalítica freudiana, considerando conceitos como "pulsão de morte", "castração", "princípio de prazer", "princípio de realidade" e "além do princípio do prazer" para podermos fazer uma leitura dessas vulnerabilidades no plano individual.
DEFININDO CONCEITOS
Por vulnerabilidade compreendemos, a partir das conceituações de AYRES (2001, p. 18), como sendo "não a distinção daqueles que têm alguma chance de se expor à AIDS, mas sim ao fornecimento de elementos para avaliar objetivamente as diferentes chances que todo e qualquer indivíduo tem de se contaminar, dado o conjunto formado por certas características individuais e sociais de seu cotidiano, julgadas relevantes para a maior exposição ou menor chance de proteção diante do problema." Este conceito, emprestado da epidemiologia e introduzido nesta por MANN et. al. (1993), nos é trazido por AYRES (1996; 1998; 2001) como contraponto à idéia de risco. Segundo ele, o conceito de risco, embora bastante operacional na epidemiologia, tem "freqüentemente apresentado 'custos' técnicos, sociais e políticos superiores a seus benefícios" (2001, p.17) dado o grau de preconceito relativo aos então chamados "grupos" de risco ou a despreocupação em relação à epidemia de quem "não tinha comportamento de risco" unicamente, por exemplo, por se estar casado(a). Assim é que, a idéia de risco submerge à vulnerabilidade, sendo, doravante entendida como um grau de exposição a quaisquer fenômenos que atravessam os indivíduos (Aids, gravidez na adolescência, drogas, violência, acidentes etc.), sem contudo serem unicamente gerados pelos próprios indivíduos. Assim, "os comportamentos associados à maior vulnerabilidade devem ser entendidos não como uma decorrência imediata da ação voluntária dos indivíduos, mas como relacionados a condições objetivas do meio natural e social em que se dão esses comportamentos, ao grau de consciência que estes indivíduos têm sobre tais comportamentos e condições objetivas e ao efetivo poder de transformação de comportamentos a partir dessas consciências" (AYRES, 2001, p. 18) - também conhecida como resiliência. Assim é que no contexto em que o conceito de vulnerabilidade surgiu, ou seja, o da prevenção da Aids há três planos a serem considerados, a saber: 1) o individual; 2) o social; e 3) o institucional ou programático (AYRES, CALAZANS e FRANÇA Jr.; 1998 apud ABIA, 2001b, p. 23-24).
O plano individual diz respeito aos determinantes sociais que, ao longo das experiências pessoais fazem mudar o comportamento de uma pessoa. O plano social remete ao contexto de existência dos indivíduos, isto é, suas condições sócio-econômicas, cotidiano, aspectos culturais que influenciam na construção de sua sexualidade (tabus, mitos, representações sobre sexo e sexo seguro, relações de gênero). O plano institucional ou programático, por fim, diz respeito aos investimentos políticos e públicos para garantir os direitos dos cidadãos ao acesso às informações, à educação, aos programas de prevenção, materiais informativos, insumos, criação de programas de assistência e prevenção (AYRES, 2001).
Em certo sentido, no que se refere à questão da redução da vulnerabilidade à infecção de DSTs/HIV-Aids para a população jovem (isto é, abaixo de 25 anos), no plano institucional, podemos dizer que houve significativos avanços no Brasil.
Como aponta uma pesquisa realizada pela ABIA (2001b, p.35): "através do levantamento das políticas públicas existentes no país dirigidas à população jovem e dos programas de âmbito nacional e regional que permitem a implementação destas, verificamos que o Brasil, sobretudo nos últimos 20 anos, evoluiu de forma significativa em termos de políticas públicas que facilitam o exercício da saúde sexual e reprodutiva da população jovem". A pungente necessidade de uma modificação de paradigmas na área da Saúde e da Educação, a partir do advento da Aids e de altos índices de gravidez na adolescência, forçou a população e o governo a pensarem a saúde a partir da prevenção e não mais apenas a partir da assistência.
Ao que pese os problemas ainda vigentes com a mídia, seja a impressa, a televisiva ou falada, campanhas de prevenção às DSTs/HIV-Aids têm sido realizadas.
Entretanto, o grande desafio ainda se concentra na mudança de comportamento de risco no plano individual. Por isso, lançamos mão de conceitos psicanalíticos que possam nos ajudar a tentar avançar quanto às dificuldades de mudanças de comportamento de risco para outros mais preventivos.
Embora Freud já esboçara suas primeiras definições do que vem a ser o princípio do prazer e o da realidade, é apenas em 1911 (Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental) que ele irá produzir um refinamento sobre esses conceitos. Para ele, os processos inconscientes (primários) são dominantemente regidos pelo princípio do prazer o qual visa impedir o desprazer a partir da evitação de qualquer evento que desperte ou provoque excesso de excitação (desprazer). Tal procedimento configura o que na época Freud entendia como sendo o recalque. De outro modo, o princípio de realidade visa à satisfação (alívio da excitação) a partir de elementos do mundo externo, o que Freud acreditava ter a ver com a substituição deste pelo primeiro. Vemos aqui um Freud tentando traduzir os sentimentos (aspectos qualitativos da subjetividade) a partir de elementos quantitativos (quantum de satisfação), próprios de sua primeira tópica interpretativa do aparelho psíquico a qual se baseava mais nos aspectos dinâmicos do que estruturais.
Entretanto, em 1915 no texto A pulsão e seus destinos, esta hipótese dinâmica já não o satisfaz, pois que não se mostra precisa em diversos aspectos. Ele dirá:
Preservaremos cuidadosamente, contudo, essa suposição em sua atual forma altamente indefinida, até conseguirmos, caso possível, descobrir que espécie de relação existe entre o prazer e o desprazer, por um lado, e flutuações nas quantidades de estímulo que afetam a vida mental, por outro. (FREUD 1915, p.141)
Já no texto Esboço para uma psicologia científica (1950[1895], p. 397), Freud deixa entrever, a partir da alucinação de satisfação, que, de algum modo, o aparelho psíquico busca modificar a realidade visando adaptar-se ao princípio do prazer. E é justamente essa noção de ação do psiquismo sobre a realidade externa que leva Freud a produzir o conceito de princípio de realidade. Como dirá D'ASSUNÇÃO (2005):
A introdução do princípio de realidade produz transformações no ego; de um ego-prazer dominado pelo princípio de prazer-desprazer forma-se um ego-realidade. Tal como o ego-prazer nada pode fazer a não ser querer, trabalhar para produzir prazer e evitar o desprazer, assim o ego-realidade nada necessita fazer a não ser lutar pelo que é útil e resguardar-se contra danos (FREUD, 1911, p.241). Enfim, o prazer momentâneo e incerto é abandonado por um prazer seguro, porém mais tardio. No entanto, como já foi assinalado inicialmente, o princípio de prazer não é suprimido, ou deposto. Se, por um lado, o princípio de realidade busca a satisfação no real, por outro, o princípio de prazer continua a reger a instância inconsciente, a qual funciona de acordo com as leis dos processos primários e apresenta uma outra realidade, isto é, as fantasias.
Dessa feita vemos que Freud formula que embora não se confundam, há pelo menos duas realidades: a interna (psíquica) e a externa (material), sendo que, de modo geral, o sujeito do inconsciente não faz distinção entre uma e outra. Ainda em 1911 veremos que Freud irá dizer que o princípio do prazer se baseia nas pulsões sexuais e o princípio de realidade nas pulsões de autoconservação. Isto porque Freud imaginava que a primeira se satisfaria no nível do corpo, pois que auto-erótica, sendo a segunda dependente da realidade material, ou seja, do mundo fora do psiquismo. Vemos aí o vínculo estreito estabelecido entre pulsões sexuais, auto-erotismo e fantasia e sua contraparte, pulsões de autoconservação, realidade externa e regulações egóicas.
Entretanto, com a introdução dos conceitos de libido do ego e libido do objeto em seu texto Sobre o Narcisismo (1914), a pulsão torna-se uma só: a sexual. Esta nova conceituação leva Freud à segunda tópica de modo a considerar que os dois princípios não funcionam mais de modo dialético, mas sim em consonância já que o ego, visando o adiamento da satisfação pulsional, já se articula com a fantasia e, portanto, resulta no mesmo objetivo: a satisfação pulsional.
Sabemos que mais tarde Freud irá reformular suas teorias pulsionais tentando adaptá-las a sua segunda tópica perfazendo, portanto, o percurso dinâmico aliado ao estrutural, o que redimensionará a leitura sobre os princípios de realidade e do prazer. De um modo geral, ao redefinir suas concepções sobre o recalcamento e, logicamente, sobre a angústia, Freud dirá que a angústia é propriamente aquela que traz em si a pulsão de morte a qual se alimenta da repetição do mesmo e não da diferença. Nas palavras de (SANTOS8,2005):
[…] propomos que a angústia é a legítima representante da pulsão de morte na vida psíquica. Desencadeada automaticamente como efeito do trauma de nascimento, revela-se como uma força cega, demoníaca, inflexível, insistente e repetitiva. Em nenhum outro aspecto da vida psíquica a pulsão revela seu caráter plenamente. Enigmática, na sua indiferença pelo prazer ou pelo desprazer, jamais encontra no Nebensmench, no próximo, no sexual, anteparo suficientemente poderoso para barrar sua inexorabilidade, sujeitando-a ao princípio do prazer. O problema do homem não é sujeitar o princípio do prazer ao princípio de realidade e sim sujeitar o princípio da repetição à regulação do prazer-desprazer.
Neste sentido vemos que o destino humano é propriamente a busca de um equilíbrio entre a regulação do prazer-desprazer e esta inexorável força de compulsão à repetição que é, propriamente, a causa do aparelho psíquico. Uma tal regulação, entretanto, é impossível. Ainda nas palavras da autora9:
O desamparo é um destino inexorável da humanidade. No "Mal-estar na Civilização" Freud assinala que ele nos ameaça em três frentes: o corpo é vulnerável, mundo físico é adverso e a convivência entre os homens está longe de ser pouco decepcionante. A realidade psíquica, não é menos disposta à harmonia. Os textos metapsicológicos de 1920 não são apenas o efeito do ceticismo freudiano ou do desencanto com a cruzada terapêutica, são, no nosso entender, a expressão de um acesso à intimidade da relação do homem com a morte. O desamparo do homem, sua vulnerabilidade, é também a causa de sua profunda má vontade. É a fenda, aberta pelo nascimento, que instaura o movimento pulsional, que é força constante porque incapaz de encontrar um anteparo que possa barrar definitivamente sua busca de satisfação, pois, se puder encontrá-lo, seu destino - que é a morte - se cumpre.
Tendo estas concepções como referência, ousamos formular a hipótese de que, apesar do grau de informação que os estudantes universitários já possuem ser medianamente razoável, alguns ainda não se previnem da infecção pelo vírus HIV/AIDS e outras DSTs ou mesmo da gravidez movidos pela compulsão a repetição. Entretanto, a leitura que fazemos nos leva a pensar que, tornar-se vulnerável teria mais a ver com uma forma de barrar a compulsão à repetição do que propriamente de se deixar levar por ela. Vejamos o que os dados nos revelam.
RESULTADOS
Foram feitos gráficos e tabelas de todas as questões, porém apresentaremos aqui alguns gráficos que se mostraram mais relevantes para nossa discussão.
Consideramos, para análise dos resultados, as respostas dadas por 384 sujeitos, já que 16 questionários foram anulados por falta de dados essenciais. Dos sujeitos respondentes 72% eram mulheres, a maioria, e 28% homens.
Constatamos, através da análise dos resultados, que dos sujeitos que afirmaram ter vida sexual ativa 93% asseveraram fazer uso de algum tipo de método contraceptivo sendo que 7% não utilizam nenhum método.
Por meio do gráfico 1 observamos que a grande maioria dos respondentes se previnem quanto às DSTs e gravidez – sendo que alguns utilizam preservativo apenas e outros fazem uso de pílula e preservativo associados. Porém, constatamos ainda uma porcentagem significativa de 33% de sujeitos vulneráveis às DSTs e/ou gravidez (17% utilizam apenas pílula e 16% outros métodos, que não o preservativo).
Contamos então, ao todo, com uma população de 40% de sujeitos que estão vulneráveis às DSTs e/ou gravidez, os 33% citados acima somados aos 7% que responderam não utilizar nenhum tipo de método contraceptivo; foi tomando por base esta população que analisamos qualitativamente a presente pesquisa.
*Obs: a coluna nenhum do gráfico corresponde a combinações de métodos, não explicitados no gráfico, bem como a outros métodos utilizados.
Pode-se verificar a partir do gráfico acima que as mulheres mostram-se mais vulneráveis quanto às DSTs e/ou gravidez do que os homens – o que será abordado na discussão dos resultados. Quanto à gravidez e às DSTs estão numa proporção de vulnerabilidade aproximada de 2 para 1 (2 mulheres para 1 homem).
Quanto à questão referente à opinião frente ao aborto, não há grande diferença entre homens e mulheres. A grande maioria dos respondentes está entre ser favorável em todos os casos ou somente em casos de abuso sexual.
No que diz respeito à avaliação da possibilidade de ter filhos durante a graduação, a grande maioria dos respondentes se encontra nas categorias de péssima (49%) e ruim (39%), ou seja, acreditam que não seria nada benéfica uma paternidade/maternidade durante o período de graduação. Totalizam uma porcentagem de 88%, porém isto contradiz a questão central levantada nesta pesquisa, já que há uma porcentagem de aproximadamente 23% de pessoas vulneráveis à paternidade/maternidade (7% que não utilizam nenhum tipo de método contraceptivo e 16% que fazem uso de outros métodos ou combinações que não englobam pílula e/ou preservativo).
A maioria dos sujeitos que responderam a questão referente ao gráfico acima (60%) assinalou a opção continuar o curso com dificuldades, o que nos levou, entre outras coisas, à discussão qualitativa central do nosso trabalho, que será discutida abaixo: dificuldade imposta ao saber total.
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Na perspectiva psicanalítica freudiana, a curiosidade referente ao saber sobre sexo, que tem origem na fase fálica, é de alguma forma "castrada", ou seja, não é permitido que se tenha um acesso total a este saber. Ao longo da vida, as barreiras postas a diferentes tipos de saber continuam; um exemplo claro é o conhecimento acadêmico (desde a educação infantil até o ensino médio); durante toda esta fase o saber é de alguma forma limitado e há sempre uma referência, um direcionamento para este. No meio universitário tudo isso muda, as pessoas terão que repensar suas referências, que não estão dadas como anteriormente. Agora o saber total, universitário, no sentido de "universal", não só é "permitido" como também é estimulado. O que fazer então com esta "liberdade" de acesso ao saber?
Levando em consideração que a lógica do inconsciente é um discurso sobre o desejo (diferente da lógica do consciente que é um discurso da razão) e que "todo desejo de saber é desejo de saber sobre o desejo" (AULAGNIER (1964) apud KUPFER (2001)), inferimos que 40% da população pesquisada – já citada nos resultados – coloca-se em vulnerabilidade como meio de barrar o excesso de saber, qual seja: o de saber sobre o seu objeto de desejo da fantasia. Um excesso que poderia estar levando ao gozo. Assim, associamos o risco de contaminação ou gravidez ao modo de barrar as exigências pulsionais).
Notamos também que as mulheres mostram-se mais vulneráveis que os homens; o que pode tanto ser explicado a partir de questões de gênero e funções do feminino em nossa cultura, quanto a partir das relações da mulher com o saber.
Inferimos que, talvez, a população vulnerável faça uso da castração (colocar-se em risco) com a finalidade de esquivar-se da pulsão de morte (satisfação total/gozo – que seria no caso, o acesso ao saber sobre o seu objeto de desejo).
Entendemos deste modo que o "princípio de realidade" para essas pessoas seja a imposição de uma dificuldade tais como a gravidez, ou o risco de contaminação por uma DST, evitando, assim, irem "além do princípio do prazer".
CONCLUSÃO
À exceção de algumas iniciativas como as de FAGUNDES (1996), MAIA (2000), TEIXEIRA-FILHO (2001), AGGLETON (2001), a Educação Sexual nos espaços escolares ainda é vista como uma "questão menor", uma temática de especialistas, um "problema" de difícil solução, enfim, uma coisa com a qual o professor seja do ciclo básico, fundamental ou médio, não deve "nem chegar perto", a não ser, é claro, o professor de Ciências e o de Biologia que têm "obrigação" de falar sobre a fisiologia do corpo e da Reprodução Humana.
Sabemos que a falta de programas de Educação Sexual nas escolas (em todos os ciclos de ensino) coloca os universitários em um alto grau de vulnerabilidade institucional, pois que a Educação Sexual nas escolas é importante para informar aos alunos sobre as formas de contaminação pelo vírus HIV (que causa a Aids), bem como levar informações a eles sobre o funcionamento e fisiologia dos aparelhos sexuais humanos. Mas isto não é condição necessária para que as pessoas incorram em risco. O que mais, então, é necessário dentro de um programa de Educação Sexual na escola para que ele seja efetivo?
Acreditamos que, de uma forma ou de outra, os programas de Educação Sexual devam também contribuir para a reflexão crítica do atravessamento do risco nos processos de construção de subjetividade de seus alunos. Acreditamos que assim, poderão eles apreciar outros modos de contenção da angústia que lhes reduza danos, ao invés de serem mais danosos. Sabendo todos da condição de miserabilidade humana, assumir esta condição é o primeiro passo para tentarmos gerenciá-la. Em outros termos, não podemos eliminar os riscos, mas podemos aprender a conviver com eles.
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1 Dados apresentados na Internet: www2.uerj.br/~clipping/maio/d02/uerj_aids_jb.html
2 Dados apresentados na Internet: http://www.interuni.com.br/ambulatorio/grupos_risco_az.htm
3 Dados apresentados na Internet: http://www.bibli.fae.unicamp.br/cat/370.htm
4 Pesquisa realizada pelo Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Sexualidade (GEPS) – Grupo de pesquisa cadastrado no CNPq. (mimeo)
5 MINISTÉRIO DA SAÚDE. Comportamento sexual da população brasileira e percepções do HIV/Aids. (Série Avaliação, n.º 4). Brasília – DF, 2000, p. 85-87.
6 Tal enquête foi parte de trabalho apresentado como exigência obrigatória para a disciplina Técnicas de Observação e Entrevista ministrada pelo Doutor Nelson Silva Filho aos alunos do 2º ano do Curso de Graduação em Psicologia, lotado junto ao Departamento de Psicologia Clínica da FCL/UNESP-Assis.
7 Agradecemos aqui a importante colaboração do Professor Doutor Pedro Henrique Godinho (Departamento de Psicologia Experimental e do Trabalho da FCL/UNESP-Assis) que nos auxiliou no desenho e cálculo da amostra e da análise quantitativa dos dados.
8 Endereço: http://www.nucleosephora.com/laboratorio/laboratorio1/disc8_principalPPrazer.html. Data de acesso: 05/06/2005.
9 Endereço: http://www.nucleosephora.com/laboratorio/laboratorio1/disc8_principalPPrazer.html. Data de acesso: 05/06/2005.