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An. 1 Simp. Internacional do Adolescente May. 2005

 

Gravidez na adolescência e processos educativos: sexualidade, sentimentos e projetos de vida

 

 

Torres, Taluana Laiz Martins; Moreira, Maria de Fátima Salum

Faculdade de Ciências e Tecnologia - Universidade Estadual Paulista/UNESP – Programa de Pós-Graduação em Educação – SP

 

 

O presente trabalho apresenta reflexões parciais da pesquisa de Mestrado em Educação, que tem como objeto de estudo os sentidos e significações que as adolescentes atribuem para a maternidade, felicidade, amor romântico e sexualidade. Objetiva-se discutir e problematizar quais seriam os fatores socioculturais e afetivos/emocionais que implicam a vivência de uma gravidez não-planejada e/ou desejada por adolescentes que viveram/vivem tal experiência.

Observa-se que as profundas transformações culturais que ocorreram nas últimas décadas influenciaram diretamente o comportamento sexual dos adolescentes, particularmente no que se refere à ampliação da "liberdade sexual" e no aumento progressivo do número de adolescentes que se permitiram iniciar relações sexuais no período pré-casamento. Também as idealizações romântico-amorosas historicamente instituídas denotam um caráter móvel e ambíguo. Observa-se que, em tal contexto, o tema da gravidez nesse período da vida passou a ter maior visibilidade social, sendo freqüentemente abordado pelos meios de comunicação de massa.

Com base nos índices atuais de gravidez na adolescência, em nosso país, podemos considerar que pouco se avançou em direção à sua diminuição, sendo que tais índices aumentaram de forma excepcional, provocando preocupações no âmbito da família, educação, saúde etc. O Brasil é apontado, no relatório sobre população da ONU, como um dos países com taxas de gravidez na adolescência acima da média mundial1.

Outra constatação que está intimamente relacionada com o tema da gravidez na adolescência refere-se à fecundidade feminina, analisada por Berquó (2004), em que dados recentes mostram um declínio em relação à fecundidade das mulheres em geral; em contrapartida, no período entre 1991 e 2000, na faixa etária dos 15 aos 19 anos, essa fecundidade aumentou, representando 25% da fecundidade total. Por outro lado, a autora ressalta que dados dos dois últimos Censos revelam que esse aumento sofre diferenciação conforme a camada sócio-econômica na qual a mulher está inserida, um exemplo é o crescimento dessa taxa entre as adolescentes menos escolarizadas, que chegou a 44% e entre as mais pobres, alcançando o índice de 42%.

Berquó (2004) ressalta também que várias interpretações são lançadas na tentativa de explicar o porquê de os adolescentes não praticarem sexo protegido, entre as quais se destaca a falta de conhecimento acerca das representações que os adolescentes têm de si mesmos e do mundo que os cerca, bem como a presença pouco expressiva ou quase inexistente de programas de educação sexual, nas escolas.

Esta pesquisa também parte desses dois pressupostos e deseja contribuir para a discussão e enfrentamento dos fenômenos e problemas sócio-educativos apontados. Nesse sentido, pretende-se analisar como se correlaciona o tema da gravidez na adolescência com os valores e concepções sobre sexualidade, amor, felicidade e maternidade, expressos por adolescentes que estejam grávidas ou que sejam mães.

Objetiva-se questionar e analisar os significados socioculturais e afetivos/emocionais que contribuem para a vivência da gravidez não-planejada e/ou desejada pelos adolescentes. Tal problemática inclui a hipótese de que o ideal de amor romântico e de felicidade são elementos fundamentais constitutivos dos valores e representações que se conjugam às atitudes e projetos de vida dessas garotas, já que entre os vários fatores que determinam tal situação pouco têm sido considerados os aspectos culturais que a envolvem.

Para isso, são utilizados os referenciais teóricos da História Social e da Cultura, uma vez que esses referenciais dão ênfase para o estudo dos aspectos simbólicos e mentais através dos quais uma dada coletividade, grupo social ou sujeitos dão sentido ao mundo em que vivem, produzindo "práticas de significação" para os modos de ordenamento e hierarquização do mundo social.

Emprega-se uma proposta teórica em que as referências empíricas (fontes) são colocadas em diálogo constante com os estudos sobre a cultura contemporânea. Os procedimentos metodológicos de pesquisa ligam-se à abordagem qualitativa, através do uso de fontes orais e de escritas pessoais, uma vez que os instrumentos básicos para coleta de dados são questionários, relatos orais de "histórias de vida" , entrevistas semi-estruturadas e escritos espontâneos (diários ou agendas).

A população investigada constitui-se num grupo de 12 adolescentes com idades entre 15 e 18 anos, atendidas na Casa do Adolescente – AAVEAS - localizada no município de Presidente Prudente, oeste do Estado de São Paulo. Por meio dos questionários aplicados, levantou-se o perfil da população investigada, constituída por mulheres, em sua maioria solteiras, cuja metade se encontra em processo de escolarização, enquanto a outra metade está fora da escola, com renda econômica entre média e baixa e pouco acesso aos considerados bens culturais.

Na busca de uma compreensão mais ampla acerca dos aspectos sentimentais e culturais das adolescentes em questão, os dados obtidos através dos questionários foram correlacionados com a análise de algumas entrevistas que já foram realizadas. Essa análise propiciará a formulação de novas indagações acerca do fenômeno estudado, permitindo o adensamento e redimensionamento das questões prévias da pesquisa.

Os dados referentes à escolaridade revelam que a maioria das adolescentes cursa ou cursou o ensino médio e algumas apenas cursaram o ensino fundamental. Uma constatação importante é que, das garotas que responderam não estar freqüentando a escola, somente uma declarou ter concluído o ensino médio e por isso não estava mais estudando, ao passo que as demais interromperam os estudos, mas demonstram a intenção de retornar à escola.

Houve a explicitação do sentimento de vergonha em relação à assunção da gravidez perante a escola e os colegas. Uma das adolescentes declarou haver abandonado os estudos por esse motivo; já outra, que continuou estudando, voltou à escola por exigência da mãe, pois sua vontade era mesmo de abandoná-la nesse primeiro momento.

Tais indicações nos levam a questionar as relações existentes entre gravidez e abandono da escola, por parte das garotas. Essa relação de causalidade é desconstruída por estudiosos como Catharino e Giffin (2002, apud ABRAMOVAY, 2004), que alertam para a importância do conhecimento das condições de vida dessa população, já que muitas vezes o abandono antecede a gravidez, ou mesmo é fruto de uma vida escolar marcada por insucessos. De qualquer modo, Abramovay (2004) adverte que não existem pesquisas de amplo alcance que permitam generalizações a respeito do assunto.

Observa-se também que o tema da gravidez na adolescência confunde-se com valores e concepções morais referentes à constituição da família e do casamento, sendo comum entre as garotas o sentimento de incômodo pelo fato de ser "mãe solteira". Esse sentimento aparece diversas vezes na fala das adolescentes, em que "ficar solteira" se configura num grande problema para elas. A angústia verbalizada nos faz pensar no padrão de família que ainda é veiculado e aceito como ideal pela sociedade e o modo como interage com as experiências múltiplas em que a família real muitas vezes está muito longe desse modelo pré-estabelecido. O tipo de incômodo que lhes causa diante da não adequação e exclusão desse modelo familiar ideal também merece ser mais investigado na pesquisa que está sendo desenvolvida.

Por outro lado, fatores implícitos parecem causar maior constrangimento. O fato de ser mãe solteira ainda hoje recebe uma forte discriminação social, caso em que se acaba colocando em jogo a reputação e valor social da adolescente. Abramovay (2004) considera preocupante a proporção de alunos e pais que afirmaram que "não gostariam de ter como colegas de classe mães solteiras", pois, apesar do percentual aparentemente baixo, o número absoluto de respostas é bastante elevado, de sorte que a autora adverte que essa atitude se configura como um preconceito em relação a essas garotas.

Concomitantemente, Giddens (1993) salienta que, apesar das radicais mudanças no comportamento sexual dos adolescentes, a distinção entre "garota decente/garota vadia ainda se aplica em um certo grau". Desse modo, garotas sexualmente ativas são "mal vistas" não apenas pelos homens mas também pelas próprias mulheres e, conjugada a isso, a não realização de vínculos matrimoniais é percebida de forma depreciativa perante a sociedade, porque a constatação da iniciação sexual dessas adolescentes vai contra a ética do ideal de conduta feminina.

Uma das adolescentes relatou as discriminações que sofreu por ser mãe solteira, já que muitas pessoas questionavam a paternidade de sua filha: "Eu não sou casada, então muita gente falava: ‘Vai saber se é dele’". Ela é branca, ele é moreno, todo mundo falava: "É, não é dele, é de outra pessoa, biscate!!!".

As relações de gênero perpassam essas tensões, uma vez que essa visão não se aplica aos homens; de modo geral, a prática sexual masculina é vista como 'natural', inerente à condição de homem. Dessa forma, os significados do sexo são vistos de formas diferentes; por outro lado não se pode perder de vista que essas são concepções e construções sociais e culturais, produzidas historicamente e passíveis de mudanças.

Ademais, o tema da gravidez na adolescência também nos remete às mudanças concernentes aos relacionamentos característicos da modernidade que, conforme Giddens (1993), estão ocorrendo na maior parte das sociedades ocidentais. O autor denomina relacionamento como aquele que possui "um vínculo emocional próximo e continuado com outra pessoa".

Tal relacionamento, conforme Giddens, pode ser identificado com o que, atualmente, se denomina 'namoro', relacionamento bastante recorrente entre os adolescentes. Dentre as garotas entrevistadas, constatou-se que a iniciação a esse tipo de relacionamento ocorreu entre os 13 e os 15 anos de idade, observando-se que algumas experiências de namoro são mais duradouras, outras menos, e verificando-se, ainda, que o namoro requer o acordo tácito de ambos em torno de alguns princípios que constituem as regras desse relacionamento.

Foram mencionados, nos depoimentos, além do companheirismo, fidelidade e, na maioria dos casos, relações sexuais, regras como o encontro contínuo. Uma das adolescentes destacou que, apesar de o rapaz oficialmente ter feito o pedido de namoro, o fato de se encontrarem apenas nos finais de semana demonstrava estar aquém de sua expectativa em relação a esse tipo de relacionamento: "ele falava que a gente tava namorando, assim, só que a gente ficava só de final de semana mesmo".

A gravidez e a primeira relação sexual, em geral, também ocorreram na situação de namoro, mas o acontecimento da gravidez, relacionado com a duração – tempo - desse tipo de envolvimento varia conforma cada experiência. A gravidez ocorreu, segundo as garotas, tanto no primeiro mês de namoro, como depois de um ano de relacionamento. A situação conjugal em que se encontram essas adolescentes também se mostrou bastante variada, aparecendo desde a situação de namoro, casamento sem vínculo civil, até a situação da garota se encontrar sem nenhum relacionamento.

Apesar da presença da regra de fidelidade afetiva e sexual, seja de forma implícita, seja explícita, tal propósito parece não corresponder às condutas mais comumente encontradas nas relações de modo geral. Como nos lembra Giddens (1993), a freqüência de relações extraconjugais se encontra na mesma proporção entre mulheres e homens casados, o que não parece ser exceção nos relacionamentos entre a população mais jovem. A fala de uma das garotas instiga, pois, quando ela conheceu seu atual companheiro, ele estava namorando outra garota Ela também namorava outro rapaz, de forma que eles "ficavam" escondido. Outras falas exemplificam episódios nos quais a adolescente afirmou namorar um garoto e ficar com outro; por conseguinte, relatos de amor e traição são comuns nos depoimentos.

Bauman (2004) se refere a uma modernidade líquida, na qual os vínculos humanos se tornam cada vez mais frágeis, freqüentemente substituem compromissos duradouros. Nesse contexto, surge o "ficar", que conforme Rieth (1998, apud Pantoja, 2003) é um "envolvimento passageiro que não pressupõe qualquer tipo de compromisso entre o casal".

O 'ficar' é comumente citado pelas adolescentes. Uma delas declarou que quase não ficava com rapazes, mas o relacionamento com o pai de sua filha começou dessa forma, depois se tornou namoro: "Eu fui num baile e conheci o pai da neném [...] nunca tinha visto ele, fiquei com ele na sexta, no domingo a gente começou a namorar". Outro depoimento revelou que entre a adolescente com mais experiências amorosas, esse envolvimento sem compromisso era mais recorrente: "Nossa! Ficar foi bastante (risos)!!!"

Como afirma Giddens (1993, p. 109), "o compromisso é uma questão tão problemática quanto nos relacionamentos sexuais", já que as relações de parentesco não são mais pautadas na confiança e precisam ser negociadas continuamente, de maneira que essas relações cada vez mais passam por um processo de decisão, uma vez que o apoio material e social hoje depende muito da qualidade do relacionamento estabelecido.

A experiência das gerações anteriores de mulheres, geralmente, era estruturada a partir do casamento. Giddens (1993) ressalta que hoje a situação é muito diferente, pois, enquanto "os homens em geral falam em termos de 'eu', as mulheres se expressam em termos de 'nós'", o que acaba por causar inúmeras divergências e conflitos nos relacionamentos.

As idealizações em relação ao casamento comparecem em um dos depoimentos, em que o sonho de casar-se na igreja, além da exigência religiosa de "guardar-se", isto é, de casar virgem, é expresso pela adolescente com um tom de decepção, uma vez que as idealizações se chocam com as vivências reais, na qual essa realização se torna impossível: "Meu sonho era casar de véu e grinalda na igreja, virgem, né, antigamente... hoje eu não penso mais nisso porque tenho uma filha, já sou casada, entre aspas, amasiada, mas... fazer o quê... eu sonho assim, casar, mas não na igreja, no cartório tá bom".

Isto leva a questionar Giddens, quando explica que "nenhuma garota fala em 'se guardar' para o casamento, em vez disso falam em uma linguagem de romance e compromisso", porque esse depoimento aponta para algumas pistas indicadoras de que esse "ideal romântico do casamento" ainda aparece no ideário das adolescentes, o que merece uma verificação mais acurada.

Como Bauman (2004) nos lembra, as relações são cada vez mais inconstantes e duram até quando durar o desejo. É impossível tentar prever o final dessa história. Porém, esta investigação continua e, se não é possível ainda prever o seu final, já se pode constatar o modo como as suas questões iniciais se ampliaram e indicam para a necessidade de entender melhor o universo amoroso e sexual dos adolescentes, com todas as ambigüidades e diversidades que comporta.

 

Bibliografia

ABRAMOVAY, M.; CASTRO, M. G.; SILVA, L.B. Juventudes e Sexualidade. Brasília: UNESCO Brasil, 2004, p.19.

BAUMAN, Z. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Trad. Carlos Alberto Medeiros. São Paulo: Jorge Zahar, 2004.

CHARTIER, R. A História Cultural: entre práticas e representações. Trad. Maria Manuela Galhardo. Lisboa: Difel, 1990.

COLLUCI, C. Parto lidera ranking de internações juvenis. Folha de S. Paulo, S.Paulo, 24, jun., 2003. Cotidiano, p.1.

LOURO, Guacira Lopes (org.) O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

PAIVA, V. Sexualidades adolescentes: escolaridade, gênero, e o sujeito sexual., p.213. In: PARKER, R. e BARBOSA, R. M. (Org.) Sexualidades Brasileiras. Rio de Janeiro: Relume Dumará (ABIA), UERJ, 1996.

PANTOJA, A. L. N. "Ser alguém na vida": uma análise sócio-antropológica da gravidez/maternidade na adolescência, em Belém do Pará, Brasil. In: Cadernos de Saúde Pública, v.9, Rio de Janeiro, 2003.

 

 

1 COLLUCI, C. Parto lidera ranking de internações juvenis. Folha de S. Paulo, S.Paulo, 24, jun., 2003. Cotidiano, p.1.