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An. 1 Congr. Intern. Pedagogia Social Mar. 2006

 

Expropriação da vida nas ocupações marginais: a migração nordestina para a Zona Leste de SP

 

 

Elisabete Costa Dantas1

 

 


RESUMO

O desafio central colocado pela pesquisa e o de analisar e refletir sobre as questões suscitadas pela migração forçada da população nordestina, e o estabelecimento das relações interculturais com uma comunidade de periferia , especificamente no bairro de Guaianazes, na Zona Leste de SP. Através da Comunidade Kolping - onde os migrantes a elegem como interlocutores dos processos e discursos que vão assumindo no cotidiano - revelam uma subalternização da vida e do trabalho - ou do estabelecimento de processos de dialogicidade com os limites impostos pelo ser e estar no urbano que os levam a serem expropriados em diversas dimensões da vida. Investigando os entre-lugares de construção plural de significados e as possibilidades de descoberta, procuramos levantar questões sobre as conseqüências pedagógicas e metodológicas que unem estas pessoas no que fazer da comunidade: produção de identidade, sujeição, introjeção da perspectiva da dominação e do poder enquanto "hospedeiros da opressão",conforme retrata Paulo Freire (Pedagogia do Oprimido e Pedagogia da Esperança) levando-os ao enfrentamento e a violência cotidiana. A migração nordestina para SP constitui, portanto, uma relação entre culturas diferentes entendidas como contextos complexos que produz encontros e desencontros entre visões de mundo que muitas vezes se contrapõem, criando subjetividades, operacionalizada como uma pedagogia da experiência complexa do conflito/acolhimento/alteridade/identidade/negação.

Palavras-chave: migração; Guaianazes; Kolping; periferia; identidade.


 

 

A emergência de um espaço pedagógico na comunidade

O acolhimento aos migrantes na comunidade Kolping de Guaianazes, Zona Leste de São Paulo, evidencia e impõe um convite a observação vivencial, à experiência do sentir, através da prática do cotidiano, como as pessoas se relacionam, como é a dinâmica e a lógica de vida, do lugar e dos migrantes.

Acompanhar as reuniões do grupo, ouvir os assuntos mais domésticos, participar das festas, partilhar afazeres rotineiros, enfim entrar no seu cotidiano mais familiar, possibilita estabelecer com as pessoas uma relação que faz ouvir os seus afetos, os seus sonhos, as suas histórias de vida. É o desprendimento do caçador que se deixa transformar em caça. É isso o que faz acreditar, cada vez mais, que o cotidiano traz uma riqueza que faz de cada um de nós, participante de uma nova história, construída junto, na travessia.

"O cotidiano é considerado o lugar privilegiado da análise social, pois é nele que é aprendido o irracional, o não lógico, a desordem, o acaso, a diferença, isto é, a organização dos múltiplos e complexos elementos componentes de uma organização social" (Teixeira,1990:38).

É através da convivência efetiva com a comunidade de migrantes, que o cotidiano se revela importante para a compreensão da migração. Migração esta, que não se dá apenas no deslocamento dos corpos dóceis para o trabalho, mas também no silêncio e na solidão que se transforma em resistência e como produto resultante de embates que se dão de forma mais ampla, no social.

O fato de estar inscrevendo-se numa postura metodológica de análise do micro-social, de análise de situações e programas desenvolvidos pela comunidade, leva-nos a encontrar apoio em um referencial-metodológico que postula a necessidade de que em toda situação de pesquisa, ou na vida comum, haja três tipos de escuta: a científica - clinica, que caracteriza a pesquisa-ação; a mito poética e existencial, que busca entender a trajetória e sentimentos que ligam os membros de um grupo a sua história;e a filosófica, que se define como a escuta dos valores e esclarecem suas práticas. Essa vivência, segundo René Barbier (1993), vão indicando os caminhos e trajetória metodológica , como componente principal da compreensão não dos produtos da pesquisa, mas de seus próprios processos.

A idéia de que o conhecimento possui uma natureza processual e que a sua elaboração funda-se na teia das relações sociais, numa dinâmica relacional, obriga-nos a buscar na pedagogia do oprimido, elaborado por Paulo Freire (1979) apoio ao entendimento do projeto pedagógico construído n a Comunidade Kolping São Francisco de Guaianazes

A pesquisa no departamento de geografia da USP, me faz percorrer muitas trilhas na perspectiva de entender como, no espaço da comunidade, circulam discursos dos que migram, e, que problematizam a emergência de uma pedagogia que coloque em pauta s valores culturais. Enfim, pensar a prática discursiva junto às práticas sociais, no caso específico dos migrantes nordestinos em relação ao seu próprio espaço e com o seu exterior.

Tomando para compreensão as falas registradas, pergunto: de que modo, as falas , estão atravessadas por vários discursos? Em que medida elas podem ser lidas como construções do silêncio? O que ambas trazem em comum, e que materialidade histórica imprimem que as transformam em apelo a uma consideração com um saber em que as palavras vêm carregadas de silêncio, constituindo-se como espaço pleno de significação. Essa interdição, marcada pelas condições sócio-históricas e ideológicas nas quais a migração forçada faz submergir, não deriva do sentido das palavras, mas de historicidades, das determinações a que estão submetidas.

 

A mobilidade do trabalho e a mobilidade educacional

A qualificação profissional

A reprodução da força de trabalho exige não somente a reprodução de sua qualificação (função esta da escola nas sociedades industriais), mas, ao mesmo tempo, uma reprodução de sua submissão às regras da ordem estabelecida já que a "sujeição", é por sua vez, a condição sem a qual a própria qualificação para o trabalho seria impossível. (Freitag,1979:32)2

No entanto,a mobilidade do trabalho e a mobilidade educacional, são faces de uma mesma moeda,que no sistema produtor de mercadorias, dão legitimidade às desigualdades sociais, levando o trabalhador a crer que o sucesso ou o fracasso profissional, depende do esforço individual.A mobilidade proposta, não se concretiza , pois a estrutura ocupacional não absorve o número crescente de qualificados.Portanto, as desigualdades são vistas como diversidade necessária, tendo um caráter complementar, orgânico e integrador.

 

O território das Ongs : lugar e o cotidiano do migrante

 

 

A mobilidade da força-de-trabalho se tornou uma regra na modernidade. A migração forçada,se sobrepõe à convivência, aos trajetos, às imagens e paisagens na qual o sertanejo participava. A familiaridade, fruto de uma história construída lentamente, no ritmo da natureza, dá lugar à mudança constante, abrindo espaço aos produtos, às mercadorias, as idéias, as tecnologias. Tudo muda rapidamente. A desterritorialização, que pode significar estranhamento, é também a desculturização.Sair do campo e vir para a cidade grande é, certamente deixar uma cultura e se encontrar com outra.

A história cotidiana, os vizinhos, as comemorações, as festas, as doenças, as alegrias, as tristezas, os perigos e os contrastes estão presentes de forma singular nos depoimentos gravados, tendo sido alguns, inclusive, filmados e fotografados. Este conjunto de histórias narrado por moradores busca perceber a dinâmica da vida e dos processos de mudança constantes pelo qual se depara esta população, diante da permanente migração,interna e externa, dada pelas instalações, na maioria, provisórias. As imagens destas narrativas associadas ao registro do ambiente das comunidades que se compõem como um documento crítico, se propõe a estimular discussões na própria comunidade e, mesmo no meio acadêmico.

A migração forçada, traz muitas lembranças e experiências que pouco servem para a luta cotidiana e o entendimento da cidade.Trata-se do embate entre o tempo da ação e o tempo da memória. É preciso reaprender o que nunca foi ensinado. O novo meio atua como detonador de relações, obrigando a um relacionar-se dialeticamente com a territorialidade nova e uma nova cultura: "Quanto menos inserido o migrante , mais facilmente o choque da novidade o atinge e a descoberta de um novo saber se torna mais fácil" (M. Santos,1997).

É neste momento que a pesquisa nas organizações sociais, podem trazer elementos de análise, sobre as ações baseadas em ativar e incentivar tais migrantes, fazendo-os crer que são "co-responsáveis de sua própria condição de vida e protagonistas das transformações necessárias para alcançar novas formas possíveis de qualidade de vida" (depoimento de uma liderança da comunidade).

"A memória olha para o passado, a nova consciência olha para o futuro. O espaço é um dado fundamental nessa descoberta" (M. Santos, 1997).

Os responsáveis em conduzir o processo de organização na comunidade, destacam a possibilidade de estabelecer, por um lado, uma estratégia de relação entre os distintos setores e níveis de estrutura do tecido social, e de outro, encontrar métodos, que sejam capazes de construir uma metodologia de mediação social, ou uma pedagogia que leve a uma crítica social radical, e que assim, ao apontar para as causas da desigualdade e marginalidade, que desenraizam milhões de migrantes, e milhares de outros, seus descendentes, que forçados pelo capital, vieram do norte e nordeste do país para se instalarem nas grandes cidades, possam contribuir para a superação da violência e expropriação a que estão sujeitados.

As relações estabelecidas pelas comunidades territoriais e a população migrante, exigem no cotidiano, intervenções que se estabelecem em distintos níveis:

O estudo em uma comunidade (associação) na periferia da Zona Leste de São Paulo, tem demonstrado os efeitos que os processos de racionalização da vida social e a desterritorialização, provocam a nível local, constituindo normas de usos para o exercício das ações no território.

Através de programas de Intermediação de mão-de-obra e geração de renda, aparecem os reflexos da ordem global no plano local, que se superpõem, num processo dialético, em confronto. Fica evidente, o caráter mercantil do consumo da cidade. A exigência de qualificação do trabalhador e a obrigatoriedade de um programa de alfabetização para um grande número de pessoas, na maioria migrantes adultos, nos leva a questionar as intenções de um mercado de trabalho que exige mais flexibilidade, ampara a baixa qualificação, a insegurança e precarização do emprego, a informalidade, provocando a baixa inserção e escassa possibilidade de mobilidade social, principalmente direcionada para a origem étnica, de gênero, de idade, afetando integralmente a maioria de migrantes.

 

A Comunidades Kolping e a organização em comunidades territoriais

 

 

A Kolping, como são chamadas, são as comunidades referidas ao território, experiências que possuem origem distinta , pois não têm como objeto a educação escolar. São experiências ligadas a estratégias de desenvolvimento comunitário no âmbito econômico, baseadas na vocação comunitária, e que têm tido um crescimento espetacular nestes últimos anos.

As Comunidades referidas ao território são estratégias de desenvolvimento local inseridas no cenário de novas tecnologias, de globalização econômica e cultural. São experiências muito dirigidas, que buscam estabelecer desenvolvimento econômico sustentável de entornos comunitários (César Coll).

Com maior referência em educação atuando desde o âmbito europeu e latino-americano,as Comunidades Kolping no Brasil, formam um conjunto de experiências orientadas pela efetividade de aprendizagem e que tem a orientação de tentar unir o mundo escolar ao mundo do trabalho, ao mundo econômico, formando um conjunto de estratégias de desenvolvimento comunitário que inclua a intermediação de mão de obra e geração de renda,na qualificação profissional, nos programas de alfabetização, mas que torne a aprendizagem a base da elaboração de estratégias de desenvolvimento em âmbito local.

O fundador das Comunidades Kolping, Pe. Adolfo Kolping, um sapateiro alemão, em 1850, viu nestas comunidades a realização de um projeto de integração dos migrantes e de mobilidade social para as camadas mais pobres. Sob a orientação da Obra Kolping Internacional, com sede em Colônia, na Alemanha e a Obra Kolping do Brasil, com sede no bairro da Lapa em São Paulo, através do trabalho e da formação profissional, possuem uma grande variedade de iniciativas nas mais de trezentas comunidades espalhadas no país.

Entre as características das Comunidades Kolping, está o reconhecimento de que nas comunidades territoriais, existem uma série de recursos de todo tipo - educativos, econômicos, serviços, equipamentos - que normalmente são mal aproveitados e que seriam muito úteis se utilizados em atividades educativas. Outra característica é que essas Comunidades, dão uma enorme importância à parceria com os órgãos de educação, saúde,assistência, justiça e outros de âmbito local, estadual e federal. Todos os agentes que operam no território e que têm relação com atividades que podem influir sobre a educação e a formação podem agir no sentido de desenvolver pontos concretos de atuação, contando com os recursos, os equipamentos desse território. Porém, em todos os casos, sem um parceiro forte, que compartilhe recursos e objetivos, não é possível levar adiante uma comunidade referida ao território. Esta é a idéia fundamental. É também , o desafio por que passa a Comunidade Kolping de Guaianazes, localizada no extremo leste da capital de São Paulo.

Uma idéia que aparece com freqüência nas comunidades territoriais, é que, junto com a aprendizagem formal, estas experiências conferem uma grande importância à educação não-formal, aquela que tem lugar à margem de qualquer intencionalidade pelos participantes, mas que possui uma retribuição educativa - e às vezes deseducativa - sobre as pessoas que participam das atividades. Um exemplo típico de educação informal é o impacto educativo ou deseducativo que têm sobre os jovens e as crianças muitos dos programas de televisão.Outro exemplo, é a formação de jovens e adultos que se reúnem em garagens, salas cedidas pelos educadores, em igrejas, escolas ou barracões, com o objetivo de alfabetização,estimulam os grupos a também realizarem atividades de cultura,saúde e geração de renda, realizando trabalhos de artesanato, costura, jardinagem, reciclagem entre outras atividades.

As comunidades territoriais se organizam em torno de dois objetivos básicos. Um deles é o geográfico, e as experiências mostram que o tamanho do território em torno do qual elas se organizam é importante. Quanto menor o território, mais rápido se sentirá a ação da comunidade e maior o compromisso e a co-responsabilidade por parte dos diferentes agentes sociais. Já o objetivo funcional pressupõe que os agentes desse território compartilhem objetivos e idéias. Levar a cabo as atividades e alcançar resultados são condição para levar adiante uma Comunidade territorial.

Também aparece constantemente nesta experiência , a importância da aprendizagem ao longo da vida, como princípio organizativo e como objetivo comunitário, favorecendo e melhorando a interação social. Por isso, as comunidades territoriais cumprem papel importante especialmente em áreas desfavorecidas. Daí a necessidade de que as Comunidades Territoriais desenvolvam planos de atividade que sejam específicos, para atingir objetivos concretos e realistas.

 

As comunidades e os desafios da mobilidade

A um toque de sino e com a notícia correndo de boca em boca, as pessoas acorriam a um ponto central determinado, já conhecido. A reunião prontamente identificava o que se costumou denominar comunidade: um grupo de pessoas em relação de vizinhança que compartilhava, além do espaço, a produção, as tradições e os problemas surgidos nesta convivência.

Dada a necessidade de ação coletiva, fosse para a solução de problemas num nível em que o âmbito individual mostrava-se insuficiente,fosse para a celebração conjunta de eventos ou os rituais religiosos em espírito de comunhão, os sujeitos dispersos se moviam em convergência. Uma vez reunidos,identificados os propósitos do encontro, agiriam sob regras devidamente acordadas –sejam as já estabelecidas pela própria tradição, sejam outras demandadas pelo bom senso em relação às circunstâncias. Assim podemos, de forma simplificada, descrever o processo de mobilização coletiva.É ainda possível reconhecer, em lugares pequenos e/ou que ainda vivem de uma maneira profundamente enraizada na tradição esse mesmo procedimento.

Somos capazes de perceber até hoje os vestígios destas formas, que já nos parecem arcaicas. Os sinos, afinal, ainda estão em seus lugares. Se muitos já emudeceram, outros ainda persistem em sua função comunicativa e nos permitem realizar uma exploração arqueológica reveladora da dinâmica de comunicação essencialmente oral, que combinava a relação direta face-a-face com este instrumento de mediação, com seus códigos próprios.A grande questão é que, mesmo que este esquema simples ainda possa ser identificado, podemos perceber que não corresponde ao desenho complexo das relações que se estabelecem nos espaços urbanizados. Mesmo assim podemos também indagar se nessas comunidades já não temos a presença de muitos elementos novos que tendem a se incorporar a este esquema e transformá-lo progressivamente. É a complexidade da vida moderna que passará a exigir novas formas de convocação e de mobilização das pessoas e, com isso, alterará a própria noção de comunidade.

A centralidade desses lugares era marcada, em geral, pela igreja, o principal ponto de convergência. Nela estava, portanto, o instrumento de convocação – o sino, o que lhe conferia um extraordinário poder .

Evidentemente, há que se considerar uma evolução paralela, não menos importante:quando nos referimos às comunidades mais tradicionais, estamos falando com freqüência, especialmente no caso brasileiro, de um conjunto de pessoas ainda pouco alfabetizadas, cuja cultura, evidentemente, baseia-se na oralidade. Entretanto não podemos desconhecer e negligenciar o papel crescente da comunicação escrita. Este é outro aspecto fundamental: no último século a expansão da educação de massa vai também incorporar novos contingentes alfabetizados.

Nos grandes centros urbanos esse processo se dá de forma ainda mais rápida. Dessa forma, além dos instrumentos da oralidade, os meios impressos começarão a desempenhar um papel crescentemente importante para a mobilização coletiva. Com estes instrumentos advêm novas e maiores preocupações com a composição da mensagem, agora pensada em termos de permanência. E, sob o ponto de vista estratégico, logo se nota a necessidade de que estes meios – orais e escritos, face-a-face ou mediados – se complementem e se reforcem mutuamente, passando a inclusive a fazer parte das exigências para uma ocupação no mercado de trabalho.

Mas a questão da mobilização contemporânea não pode ser vista somente em relação ao âmbito local. O avanço e o acoplamento das várias tecnologias,especialmente dos meios eletrônicos, passa a prover um contato cada vez mais intenso e rápido entre quaisquer lugares do mundo, numa escala global. Isso permite transcender o local, quebrando o isolamento de comunidades e tornando-as extremamente permeáveis.Como se vê, as mudanças nos meios de produção e circulação das formas simbólicas é fator preponderante de transformação das próprias relações sociais, ou seja,a comunicação e a informação interferem nas relações sociais e na organização do tempo e do espaço. Algumas mudanças também se operam a mudança na noção de "comunidade" e a mudança nas formas e nas estratégias de mobilidade.

 

A mobilidade do trabalho na modernidade

A Comunidade Kolping de Guaianazes e os programas de inserção no trabalho e a qualificação do migrante

Analisar as estruturas como lugares não apenas em termos retóricos,mas também em termos da dinâmica de sociabilidade das Comunidades locais, é o que se propõe este quadro. Cada lugar estrutural é constitutivo de uma espacialidade especifica, e as interações sociais que ele exige e possibilita tem uma referencia a nível local inscrita no que, através delas, é feito ou pensado.O momento exige que repensemos uma nova pedagogia de inserção social e um novo olhar para as organizações não-governamentais.

A geografia provou, não só que os espaços são socialmente constituídos, mas também as relações sociais. Através da pesquisa-ação sobre a mobilidade do trabalho e a expropriação da vida do migrante na Zona Leste de São Paulo ,será possível, analisar e relacionar as sociedades e o sistema mundial, não como partes de uma totalidade englobante, mas como um sistema de totalidades parciais (Santos, B.S – A critica da razão indolente: contra o desperdício da experiência)

A problemática da mobilidade se coloca hoje como preocupação emergente para as investigações sociais. Os deslocamentos humanos são determinados por uma série de fatores. Os motivos que fazem as pessoas se deslocarem são complexos e consequentemente devem ser investigados a partir de um referencial teórico compatível com tal complexidade. Tratar-se-á, nesta pesquisa, da noção de mobilidade do trabalho como sendo uma das ordens de mobilidade apresentadas por Jean Paul de Gaudemar em sua tese Mobilidade do Trabalho e Acumulação Primitiva do Capital, 1976.

O paradigma norteador desta noção é o materialismo histórico dialético, a partir da critica a economia política em Marx. Inicia-se a trajetória a partir da história do uso do conceito de mobilidade nas ciências econômicas, até o momento da crítica marxista a uma mobilidade instrumental do sistema produtor de mercadoria e do êxodo rural-urbano.

Novas preocupações com a história dos espaços urbanos e a estreita relação do homem com os meios de produção e o ambiente construído, se revelaram durante as duas guerras mundiais, dado o interesse pela geografia e pela história das técnicas (Certeau,1995). Para Lewis Mumford (1965; [1998]) as questões referentes às transformações ocorridas nas estruturas urbanas a partir do século XIX estão associadas ao desenvolvimento da industrialização e do capitalismo, que, ao requererem territórios livres para seu desenvolvimento, destruíram as velhas estruturas, ocupando-as com uma densidade superior para a qual haviam sido projetadas, e/ou expandiram a malha urbana em direção às áreas situadas fora dos limites das cidades, os subúrbios.Os termos interior e periferia, cidade e campo, centro urbano e subúrbio, urbano e cidade, cidade e anticidade, passaram a ser freqüentemente utilizados para distinguir os novos e diversos tipos de assentamentos urbanos, distribuídos em escalas territoriais e locais.

 

As comunidades contemporâneas

A palavra "comunidade" pode encerrar múltiplos significados. Mas seja qual for o sentido que se dê, refere-se sempre a um ponto em que algo é posto em comum entre as pessoas. Sem a pretensão de nos aprofundarmos em seu estatuto sociológico, o que genericamente denominamos de "comunidade" possui alguns traços que ainda remetem a formas ancestrais de convivência e de arranjos da vida coletiva. Assim a comunidade, ainda hoje, muitas vezes é vista como sendo composta pelos habitantes de um território delimitado, que criam as suas condições de produção e de reprodução de modo coletivo e possuem problemas comuns que não podem ser individualmente resolvidos (Nisbet, 1977; Paiva, 2003).

Pelo menos duas características básicas dessa noção podem ser examinadas à luz das transformações na modernidade e que fazem com que as comunidades tenham que ser consideradas como formas estruturadas em múltiplos eixos: (a) a centralidade e (b) a territorialidade.

Vários serão os fatores que colocarão em também em xeque a noção de territorialidade.A comunidade - vista apenas a partir do compartilhamento de um território comum, não consegue mais corresponder à mobilidade ampliada dos agrupamentos humanos.

Outros problemas se apresentam quando examinamos os grandes espaços urbanos: as comunidades, quando limitadas geograficamente como segmentos desse território, poucas vezes se apresentam numa composição relativamente homogênea. Além disso, pela altíssima permeabilidade, cada um desses segmentos estabelecem múltiplas relações com os demais segmentos, num trânsito frenético e incessante de informações.

Assim, um bairro não constitui, necessariamente, uma comunidade, em seu sentido tradicional. Ou mesmo pode compor-se de várias comunidades, tantos quantos forem os interesses e modos de vida que ali puderem se agrupar. E de fato se agrupam, nem sempre circunscritos àquele território, mas projetando-se também fora dele. Forma-se uma verdadeira teia de relacionamentos, que orientam a vida coletiva não apenas numa direção, mas numa pluralidade de sentidos – que às vezes pode ser percebida como caótica.

Mesmo assim, o próprio conceito que atribuímos a comunidade está carregado de valores que compõem seus estereótipos. Costumamos associá-las, por exemplo, à resistência, aos lugares dos pobres. Muitas vezes, quando usamos a palavra comunitário queremos dar uma conotação de alternativo, de resistência a poderes hegemônicos. Também é comum que o termo seja usado apenas para designar os territórios dos pobres, ou das pessoas que de alguma forma necessitem de assistência. Mas também é vista como um lugar de pertencimento, o lugar da segurança e do aconchego, onde as pessoas podem estar próximas de semelhantes, com os quais possuem um laço de identidade (Bauman, 2003) como é o caso dos migrantes nordestinos que se unem em laços familiares na Comunidade Kolping de Guaianazes, para resistirem a violência, ao desemprego, a marginalidade crescente.

Sem dúvida, esta noção aponta para um aspecto que transcende a territorialidade: se até um dado momento este reconhecimento identitário era obtido dentro de fronteiras mais ou menos demarcadas, hoje estas fronteiras não existem mais ou, quando existem, possuem menor precisão.

Assim, é possível estabelecer mesmo à distância, laços de identidade, e conseqüentemente de pertencimento que, em lugar de uma produção de sentido comum apenas na situação de co-presença, opera também como uma forma de convívio virtual.

E essa forma de convívio já conta com sofisticados dispositivos mediadores como os serviços de grupos em redes informatizadas. A tal ponto que os serviços mais recentes denominem estes grupos de comunidades. Um exemplo é o Orkut (www.orkut.com), que é um site de relacionamentos ou social networking, onde os internautas têm à disposição uma lista de amigos organizados por alguma afinidade, denominada de comunidade.

Portanto, ao longo da própria modernidade, a noção de comunidade, confinada dentro de fronteiras territoriais e onde se poderia encontrar certa homogeneidade cultural foi sendo progressivamente desafiada. A emergência de novos sujeitos e de novas formas de organização coletiva desses sujeitos (formas estas descentradas, deslocadas, fragmentadas), traz à cena o problema de lidar com a diversidade que se forma dentro dos mesmos limites geográficos – uma célula territorial. Assim, se são difusos os limites externos da comunidade, seu centro também não pode ser estabelecido com precisão, pela inexistência de um único eixo orientador, fazendo mais sentido pensar numa estrutura ampla, com diversos centros de convergência.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1 É mestranda pelo departamento de Geografia Urbana/FFLCH-USP, orientada pelo Prof. Dr. Heins Dieeter Heideman.
2 Bárbara Freitag. Escola, Estado e Sociedade. SP: Cortez & Moraes, 1979, 3ª.ed. ver, p.32.