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An. 1 Congr. Intern. Pedagogia Social Mar. 2006

 

A cultura como base tecnológica na construção do conhecimento: uma experiência com jovens em situação de risco social

 

 

Eugênia-Maria de Mendonça Rodrigues1

 

 


RESUMO

O presente texto relata uma experiência exitosa na utilização da cultura local nas oficinas de arte-educação, esportes e lazer, desenvolvida com jovens de 14 a 24 anos em situação de risco social de abrigos, grotas e favelas da região metropolitana de Maceió, Estado de Alagoas. A experiência foi desenvolvida por um período de dois anos com o educador social, pentacampeão pernambucano e bicampeão brasileiro de ginástica olímpica e trampolim acrobático - Gilvan Ciríaco - e agentes jovens multiplicadores da iniciativa.

Palavras-chave: educação não-formal; arte-educação; formação continuada; historia de vida.


 

 

Objetivos

Educar a emoção através da arte educação, promover a formação de jovens pensadores e questionadores, expandindo os horizontes da inteligência. Jovens que tem acesso aos bens culturais são determinados, criativos e empreendedores, sobrevivendo no sistema competitivo da sociedade.

Retomar as ações comunitárias com o estímulo adequado à vivência em coletividade, a solidariedade e o respeito às diferenças na perspectiva da superação do individualismo, procurando reduzir os riscos psicossociais aos quais estão expostos, com o objetivo de criar possibilidades para que os próprios integrantes do grupo possam juntos apropriar-se dos espaços sociais, como autores de suas histórias de vida e das transformações nos territórios a que pertencem.

 

Problema

Apesar dos avanços dos indicadores sociais de Alagoas, o Estado ainda se mantêm entre os que apresentam os piores índices de IDH do país, segundo o IBGE. A síntese dos indicadores sociais de 2003, abordando aspectos demográficos, saúde, educação, trabalho e rendimento, trabalho de crianças e adolescentes e os dados do censo de 2002 do PNAD, apontam que: a taxa de analfabetismo de pessoas de 15 anos ou mais continua sendo a maior do país, com 31,2% (a média nacional é 11,8%). Detém a menor média de estudo das pessoas de 10 anos ou mais de idade, 4,1 anos (a média nacional é 6,2). Ocupa a sétima menor proporção de domicílios com abastecimento de água por rede geral e o terceiro menor índice de esgotamento sanitário, com 16,4% de domicílios com saneamento adequado (a média nacional é de 63,5%). Quando o recorte é a criança e o adolescente, na zona urbana dos municípios alagoanos, 30.444 mil crianças exercem algum tipo de trabalho, segundo dados da OIT e da DRT/AL.

Na Conferência Estadual dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes, dados apontavam que apesar das políticas públicas, crianças ainda viviam nas ruas vendendo coisas e mendigando, sofrendo vários tipos de violência, agressão física e psicológica. Na área de saúde, a capital liderava o ranking de gravidez na adolescência (2002 – 32% dos bebês são filhos de jovens menores de idade, acima da média nacional, de 25% , segundo a secretaria municipal de saúde).

Com precário acesso à assistência médica e social, alto nível de desemprego, condicionados à falta de atendimento a outras necessidades básicas e à inexistência de espaços comunitários de cultura e lazer, os jovens que hoje compõem o grupo não possuíam até então uma perspectiva em relação a uma saída da situação em que se encontravam, o que os levava a um quadro de baixa estima, alto índice de evasão escolar, acesso a drogas e marginalidade.

 

Justificativa

A primeira consideração a ser feita em relação ao regime proposto pela doutrina de proteção integral à criança e ao adolescente em situação de risco social é a inadequação do seu nome, de sócio-educativo, para social e educativo. O conceito social e educativo no contexto do ECA passa então, a ser mais abrangente, propondo uma mudança significativa de conteúdo, de paradigma de prevenção de delito, de forte herança assistencialista (que ainda vê nas ações educativas uma compensação das falhas da família e da escola), e de que a educação abrange todas as atividades formativas, que ocorrem em diversos espaços sociais, conforme preconiza a LDBE.

A proposta de um trabalho social e educativo do GRUPO TRAMPOLIM, prima por ações de arte-educação, que venham a constituir-se em condições mínimas de acesso do adolescente às oportunidades de superação de sua situação de exclusão, bem como a formação de valores positivos de participação na vida social: um SALTO PARA A VIDA.

 

Embasamento teórico-metodológico

Aspecto contextual:

A sociedade atual utiliza o termo tecnologia, sem entender seu significado polissêmico e o fenômeno social que agrega em si. A tecnologia é vista apenas como uma expressão material de um processo que se manifesta por meio de instrumentos, máquinas, produtos e serviços tecnológicos, que possuem como único objetivo facilitar a vida das pessoas. Nesse termo, atribui-se assim um significado apenas instrumental, otimizando os processos produtivos e o conhecimento científico, itens decisivos para o desenvolvimento tecnológico (Carvalho et al, 2005).

Ainda segundo Carvalho, na reflexão de Gama (1986) acerca da tecnologia, ainda mais abrangente que a anterior, o conceito tecnologia não é apenas um conjunto de técnicas; não é a forma como os homens constroem as coisas, não é apenas um conjunto de ferramentas, não é um conjunto de invenções, não é ciência aplicada, não é mercadoria e não deve ser confundida com o modo de produção capitalista.

Essa nova visão passa a contemplar dimensões sociais e culturais envolvidas em sua produção. Quando envolve outros tipos de organização social que não se moldam pela lógica capitalista, como a cultura nordestina, com sua pluralidade, sua riqueza de símbolos e significados, sua transmissão oral e imaterial, podemos afirmar que uma nova produção de instrumentais e técnicas pedagógicas aplicadas à dimensão da educação não formal e a arte educação passam a carregar em si aspectos humanos, elementos regionais culturais, religiosos, econômicos e políticos, que viabilizam o conhecimento científico, e passam a ser considerado um procedimento no campo da educação tecnológica, a partir da definição que parece mais adequada ao termo, ou seja, a disciplina que estuda a aplicação do conhecimento, da criatividade, dos recursos na resolução dos problemas e na expansão do potencial humano, em todos os campos do saber (Both, 1990).

No contexto da globalização e face à competição dos mercados, a educação e a formação são consideradas como o melhor dos investimentos. O conjunto dos talentos humanos e as capacidades para imaginar, criar inovações e correr riscos são de mais valia. É um processo complexo a definição do termo tecnologia aplicado à área cultural e social, mas é também extremamente dinâmico.

Para Vygotsky, a importância sociocultural do processo de ensino aprendizagem devem ser particularizados de acordo com a realidade e necessidade em que o sujeito está inserido. Nessa concepção, o conhecimento adquirido por meio de um amplo processo de interação social, de aquisição de novas informações, habilidades, atitudes, valores a partir do sujeito com outras pessoas, é fator determinante para que ocorra a aprendizagem. A partir da criação da "ferramenta tecnológica" adequada a realidade local, do conhecimento latente na comunidade, poderá o educador elaborar etapas de aprendizagem cada vez mais complexas e gradativas a serem alcançadas pelo sujeito.

A compreensão da criatividade humana e da imaginação, apesar das determinações sociais, o "elemento escuro" (Vygotsky, 1926), e da explicação da catarse provocada pela arte, analisada também como "técnica da emoção", a emoção nunca será o bandido do conhecimento, provocador de erros e perturbador da ordem natural, mas a base para a construção do conhecimento, em uma análise psicológica do homem criativo (Sawaia, 2000).

Vejamos, se a Pedagogia Social significa "agir sobre si mesmo, com os outros e com as perguntas da sociedade, de tal forma que nossa ação torne possível o desenvolvimento sadio de outras pessoas e das condições sociais".,ela é também uma aplicação das idéias de Rudolf Steiner sobre organização social, formuladas em 1919 com o nome de "Trimembração do Organismo Social" , em que no âmbito de grandes ou pequenos grupos sociais e também no âmbito do desenvolvimento de sensibilidade, responsabilidade e ação sociais individuais, ocorrem ações educativas.

Aqui, três aspectos são centrais na discussão sobre a construção do conhecimento na educação não formal: a função social, função cultural, e a base tecnológica. Ambos os aspectos precisam ser tratados com base em referenciais históricos e com base em uma sociedade com desigualdades sociais profundas.

Na perspectiva de adotarmos uma concepção tecnológica da cultura, devemos considerar a extrema carência de equipamentos sociais e escolas adequadas para jovens e crianças das camadas populares como justificativa.

Como então favorecer o pleno desenvolvimento intelectual? Face ao exposto, apresento a proposta construída a partir de uma experiência exitosa, como uma tentativa de vislumbrar novos caminhos do aprender.

 

Proposta Político- Pedagógica:

Ao analisarmos a inexistência e/ou baixa qualidade de espaços específicos para que se realizasse a proposta, identificando os inúmeros problemas existentes na comunidade, destacando as situações de exclusão que precisavam de intervenções urgentes, identificando os escassos recursos (materiais e financeiros), mas acreditando no potencial humano existente, definimos as metas e os objetivos, priorizando algumas ações (como artes plásticas, expressão corporal, teatro experimental, trampolim acrobático) em um contexto cultural regional como ferramenta tecnológica.

 

Metodologia:

Como estratégia metodológica para viabilizar o enfoque multidisciplinar da proposta e desenvolver as competências e habilidades necessárias, elegemos um caminho: os temas integradores.

O tema integrador foi concebido a partir de uma experiência desenvolvida pela UFPE, para uma proposta de escola em tempo integral junto aos governos municipais, perfeitamente aplicáveis a espaços pedagógicos não definidos formalmente.

Os temas são propostos a partir de situações-problemas que possam levar ao desenvolvimento de um projeto. O tema em si, não exige a solução para o problema, mas o seu conhecimento.

A concepção é mais ampla, pois o sujeito social reconhece a situação como sua, imagina uma ação, define um plano para executá-lo em um determinado tempo, controla os imprevistos e chega a uma proposta.

Nesse processo, ressaltamos a importância do papel do educador social, mesmo que sem formação específica na área e que a partir de experiências próprias, concebe uma ação pedagógica. Cabe ao arte-educador ter clareza das competências que deseja que os sujeitos sociais adquiram, dos conhecimentos necessários para isso e criar as condições para que a proposta aconteça.

A partir da escolha de um tema, geralmente um fato da atualidade, mas que tenha uma linha imaginária de relação com os contextos a serem trabalhados, surge a elaboração e organização da ação.

O arte-educador e o educador social estabelecem então um esquema cognitivo, utilizando a emoção como lócus na produção do conhecimento (SAWAIA,2000). Isso permite que a proposta vá além dos aspectos informativos.

Para enriquecer o conteúdo e as atividades a serem trabalhadas, procura-se outras fontes para enriquecer a proposta, buscando informações que possam ser trabalhadas individuais e coletivamente, distinguindo diferentes pontos de vista e estabelecendo novas relações a respeito do assunto abordado.

 

Operacionalização

A partir da síntese dos aspectos tratados (e dos que ficam abertos para futuras aproximações pelo grupo), a definição das prioridades, do grau de importância das ações planejadas, inicia-se o trabalho dentro do contexto cultural e as oficinas são propostas.

 

Resultados

Como resultado temos a mobilização social, cultural e educativa. A iniciativa vem preencher a inexistência de políticas públicas voltadas para a juventude. A proposta é o aprimoramento da iniciativa, com diretrizes que possam orientar melhor o trabalho e novas formas de aproximação com os jovens, contemplando seus interesses, respeitando suas características, abrindo espaços para a produção e manifestação de diferentes formas de expressão cultural, conhecimentos e vivências. A diversidade cultural é muito intensa e a resposta educativa tem de ser, no mínimo, diferente e adequada à realidade das comunidades.

Com a participação dos jovens, houve uma interação também com a família.Na medida em que há abertura, ocorre um diálogo entre comunidade e os jovens através de demonstrações públicas e do reconhecimento pela iniciativa.

 

Conclusão

Os participantes passam a refletir sobre a iniciativa, compartilhar e expressar um conjunto de novos significados, um conjunto se símbolos específicos de pertencimento a um novo grupo, uma nova linguagem, pelos quais a vida adquire sentido.

Na comunidade local/ regional, o jovem do grupo passa a ser visto como um ser que é capaz de fazer algo pelo local em que vive.

A ações pedagógicas passam a ser concebidas com foco na comunidade local, vendo a proposta como uma intervenção social capaz de modificar os espaços públicos.

O poder público passa a perceber que é preciso colocar as especificidades da cultura local como foco para implantação ou adequação das políticas públicas voltadas para as crianças e jovens em situação de risco social.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Apoio Social e Educativo em Meio Aberto. Centro de Estudos para o Terceiro Setor. FGV, 2005.

CARVALHO, Marília Gomes, et al. O que é Tecnologia?

Documento Final Conferência nacional de Esportes. Esporte, Lazer e Desenvolvimento Humano. Brasília - DF, Junho 2004.

GUEDES, Deusimar Wanderley. Drogas, família e escola. A informação como prevenção. 1ª edição. João Pessoa - PB, 2003.

GHIRALDELLI, Paulo. O que é Pedagogia?

KUNZ, Elenor. Concepção de Aulas Abertas. Didática da Educação Física. Vol. 1. Coleção educação física, Ed. UNIJUI, 1998.

LESCHER, Auro Danny e Graziela Bedoian. Dependência de drogas: uma dimensão social. Projeto Quixote, UNIFESP.

MACHADO, Evelcy Monteiro e Iolanda B. C. Cortelazzo. Pedagogia e Pedagogia Social: educação não formal, Universidade Tuiuti do Paraná, 2002.

MORGENSZTERN, Vitor. Pedagogia Social. 1998.

SAWAIA, Bader Burihan. A emoção como lócus de produção do conhecimento. São Paulo, PUC, 2000.

Secretaria Municipal de Esportes, Lazer e Recreação de SP. Prioridade Social também para o Esporte e o Lazer. Setembro, 2001.

TELLES, Vera da Silva. Pobreza e Cidadania. 34. Ed. São Paulo: ESP, 2001.

UNICEF. Meninos e Meninas de rua: políticas integradas para a garantia de direitos/ Paica-rua (org). São Paulo: Cortez, 2002.

UNICEF. Situação Mundial da Infância 2002. Vozes da Juventude. Mudando o mundo com as crianças. Pág.30. Tradução e Edição: Rio Grande Comunicação. Publicação Unicef, Brasília, DF.

UNICEF. Vários autores. Org. Rosilda Arruda Ferreira. Ampliando Horizontes – uma proposta para a escola de tempo integral.

VARGAS, Milton. Para uma filosofia da tecnologia. São Paulo, Alfa Omega, 1994.

VYGOTSKY, L.S (1924). Psicologia da Arte. São Paulo. M Fontes, 1998.

VYGOTSKY, L.S. (1925). Psikologiia Iskusstva. The Psychlogy of Art. Cap. 9, 10 e 11. Nate Schomolze: tradução. Mit Press – 1971.Scripta Technica Inc.

 

 

1 Assessora Técnica de Projetos da Secretaria Executiva de Inserção e Assistência Social do Estado de Alagoas. E-mail: eugmari@uol.com.br