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An. 1 Congr. Intern. Pedagogia Social Mar. 2006

 

Fundamentos teóricos e metodológicos da pedagogia social na Europa (Itália)

 

 

Geraldo Caliman1

 

 


RESUMO

Notamos com satisfação a riqueza da ação sócio-pedagógica vivida no momento atual pelo Brasil. Tal diversidade de metodologias e de projetos ficou patente, por exemplo, por ocasião do Iº Encontro Nacional de Educação Social realizado no Anhembi, SP, em junho de 2001. Mas, sobretudo com a convocação do presente congresso em um ambiente tão significativo como a USP. Tal riqueza emerge com intensidade em todos os recantos do Brasil, mas não pode permanecer para sempre como uma riqueza: ela deve ser estudada, sistematizada, e difundida. Ela tem como fio condutor a Pedagogia Social, disciplina de crescente importância em tempos de aguçar-se das desigualdades sociais em contextos urbanos. A importância, hoje da pedagogia social está no fato de que ela se empenha diretamente no aprofundamento de perspectivas teóricas e de propostas metodológicas finalizadas ao bem-estar social, à analise e avaliação das situações e condições sociais que condicionam a educação e a delinear uma orientação em base à qual seja possível intervir em termos formativos no âmbito da diversidade social, do desvio e da marginalidade, e da equidade dos recursos sociais.2

Palavras-chave: Educação; pedagogia social; educação não-formal;


 

 

1 Concepções da pedagogia social

Os precursores da pedagogia social têm suas origens na ação caritativa do cristianismo e em pedagogistas como Pestalozzi e Froebel, antes ainda que se sistematizasse como disciplina. A ação socioeducativa supera o âmbito das instituições caritativas e passa a se desenvolver dentro das políticas assistenciais e sociais. O termo é de origem alemã e foi utilizado inicialmente por K. F. Magwer em 1844, na "Padagogische Revue", e mais adiante por A. Diesterweg (1850) e Natorp (1898), que a analiza como disciplina pedagógica. Foram as problemáticas sociais que emergiram da industrialização, a partir da metade do século XIX, especialmente na Alemanha, que motivaram tal sistematização da pedagogia social como ciencia e como disciplina.

Da literatura podemos individuar diversos endereços dentro dos quais a pedagogia social se desenvolve e articula.3

1. Como reflexão da educação em geral, a pedagogia social tem dois objetivos: de elaborar o conceito de educação em chave social e de contribuir para a concordância e integração das finalidades expressas pelas várias instituições sociais. Depois o autor analiza: a) os fatores sociais da educação presentes nas instituições que demonstram intencionalidade declaradamente educativa; b) os fatores sociais da educação presentes nas instituições que, por si só, não têm intencionalidade educativa, mas podem estar carregadas de potencialidade educativa; c) as finalidades educativas nos seus significados e na sua magnitude social.

2. Uma segunda aproximação a entende como doutrina da educação política e nacionalista do individuo: sujeito da educação se torna então o Estado, em relação ao qual os fins e objetivos dos individuos deveriam se conformar e sintonizar. A pedagogia social, assim entendida, torna-se pedagogia nacionalista, voltada para a formação cívica da juventude. Formação essa que, em geral, é norteada por ideologias políticas que se difundem dentro de regimes políticos preferencialmente totalitários.

3. Como educação na sociedade, através da sociedade e para a sociedade (P. Natorp). O homem se torna homem somente através da sociedade humana. As instituições sociais podem ser, em quanto construção do homem, oportunidade para o homem, a favor do homem. Cresceu muito nos nossos tempos, o compromisso com a formação e a cultura. O empenho se alastra por outros conceitos como de comunicação, de intercultura, de participação, de cooperação etc. Tal influxo educativo da sociedade ocorre, mais que nas relações individuais (com pais, mestres e grupos de pares), na cultura do grupo social de pertença, do ambiente social, dos meios de comunicação e na educação informal. Neste sentido, o meio mais válido para a socialização não é uma sociedade indistinta, mas os corpos intermediários, as comunidades ou as instituições que a compõem (por exemplo, a família, a igreja, o sindicato, as comunidades de recuperação). É uma pedagogia que educa, de preferência dentro de ambientes institucionais educativos, ao senso de pertença, à responsabilidade social, à cidadania, à solidariedade social etc.

4. Como pedagogia para os casos de necessidade, no sentido seja de ajuda que de prevenção. A pedagogia é uma ciência prática. O pedagogista é um homem imerso na realidade social: percebe a realidade com a sensibilidade educativa e, premido por ela, responde às demandas emergentes. São exemplos os educadores São João Bosco, Henrique Pestalozzi, Paulo Freire: homens de convicção. Em outras palavras, é a fase da pedagogia social na qual o pedagogo social concorre fortemente pela recuperação da dignidade humana. Essa aproximação acentua a intervenção preventiva e de recuperação nos casos em que vem a faltar uma adequada socialização. Tal intervenção foi inicialmente concebida como educação da infância e da juventude em situação de desvantagem social, para posteriormente se espandir para a educação de adultos, da terceira idade, das famílias em situação de risco. Trata-se, particularmente, da educação não-formal, refere-se no mais das vezes aos serviços sociais e políticas públicas, desde que esses tenham uma função educativa e não somente assistencial

5. Como ajuda para a vida: em um ultimo estádio, a pedagogia social não responde somente a necessidades emergentes, mas as supera. A quarta fase responde à necessidade de solidariedade social que já está presente no Estado, mas também na sociedade civil: voluntariado, instituições de acolhida, prevenção, recuperação e reinserção social etc. É a pedagogia do compromisso. É o momento da responsabilidade social em resposta às necessidades sentidas não somente por parte dos socialmente excluídos, mas também de quem ajuda.

A Pedagogia Social foi por mim definida, no "Dizionario di Scienze dell’Educazione" como uma ciência prática, social e educativa, não formal, que justifica e compreende em termos mais amplos, a tarefa da socialização, e em modo particular a prevenção e a recuperação no âmbito das deficiências da socialização e da falta de satisfação das necessidades fundamentais.4

De fato, ela é compreendida por outros estudiosos também como uma articulação e especialização do discurso pedagógico, como o são também a pedagogia comparada, a história da pedagogia, a pedagogia experimental e especial5. A ótica da pedagogia social parece mesmo estar concentrada nos processos conexos com a socialização dos individuos, o crescimento da identidade, da personalidade humana nos vários contextos onde ela se insere e os condicionamentos que tais contextos impõem à formação de atitudes, valores, crenças etc. Neste sentido está ligada de modo particular às necessidades humanas de sujeitos sociais contextualizados.

Atualmente a pedagogia social parece orientar-se sempre mais para a realização prática da educabilidade humana voltada para pessoas que se encontram em condições sociais desfavoráveis. O trabalho do educador social emerge, pois, como uma necessidade da sociedade industrializada, enquanto nela se desenvolvem situações de risco e mal estar social que se manifestam nas formas da pobreza, da marginalidade, do consumo de drogas, de abandono e de indiferença social. A pedagogia social se realiza especialmente dentro de intervenções educativas intencionais e não formais, e é organizada fora das normais agencias educativas como aquela escolar e familiar, embora não exclui essas duas instituições de sua metodologia. Se diferencia da educação formal que se desenvolve diretamente na família e na escola, e daquela informal, caracterizada pela falta de intencionalidade educativa e que se desenvolve através da convivencia familiar, do grupo de pares e dos meios de comunicação.

 

2 Formação do Educador na área da Pedagogia Social (UPS)

Os profissionais da pedagogia social: onde deve atuar? Com qual destinatário? Ccom quais métodos? Ele seria um "educador social", um educador profissional, ou mesmo um pedagogista social? Qual é a diferença entre ele e o profissional ligado ao serviço social (social work)? Essas e outras perguntas mostram a importância da definição da identidade dos profissionais da pedagogia social.

O programa de pedagogia social na "Università Pontifícia Salesiana di Roma" (UPS) tem como objetivo a formação de experts, pesquisadores, docentes e operadores com competência sociopedagógica no setor da educação, da prevenção e da reeducação de sujeitos em idade evolutiva, com problemas de marginalização, desadaptação social e comportamento desviante.6 Sua formação se dá dentro de uma Faculdade de "Ciências da Educação". Em outros casos, na Itália, tal formação se dá dentro de uma Faculdade de Ciências da Formação.

Para formar tais profissionais a Faculdade de Educação da UPS (Itália) distribui assim a sua grade disciplinar: 31,2% de pedagógicas, 14,6% de Psicológicas, 14,6% de Humanísticas, 12,5% são disciplinas sociológicas, 12,5% são técnicas e de animação cultural, 4,2% jurídicas.

A área mais extensa no currículo é a da ciência pedagógica (31,2% do conjunto de disciplinas oferecidas). A pedagogia geral e a pedagogia social estão na base e são aprofundadas nas dimensões da pedagogia familiar, pedagogia especial, educação de adultos. A formação se complementa também através de seminários e estágios ligados ao tema. Compõem a grade curricular, entre disciplinas obrigatórias e optativas: Pedagogia das Relações Humanas, Pedagogia da Reeducação de Menores, Pedagogia Intercultural, Pedagogia da Comunicação Social, Educação e Ciências da Religião, Processos Formativos e Formação de Adultos, Biologia da Educação, História da Educação e da Pedagogia, Prevenção e Tratamento da Toxicodependência, Sistema Preventivo na História.

A segunda área mais extensa (14,6% das disciplinas) está ligada à psicologia. Além da psicologia geral, que fornece a base para a compreensão do dinamismo interno e relacional dos indivíduos, os profissionais da área socioeducativa se dedicam à aprendizagem de setores específicos como a Psicologia do Desenvolvimento, Psicologia Social, Psicologia da Comunidade, Psicologia do Trabalho, Psicologia da Religião, Psicologia, Psicopatologia do Desenvolvimento.

Dividem o segundo lugar com área psicológica, as disciplinas humanísticas (14,6% das disciplinas) que têm seu espaço na formação dos operadores socioeducativos. O trabalho que lhes espera demanda um forte grau de idealismo e, em muitos casos, vem como resposta a uma inspiração existencial e, às vezes, também mística. Basta lembrar aqueles que trabalham com aidéticos, nas comunidades de recuperação para toxicodependentes, para meninos de rua e em conflito com a lei. Em muitos casos essas disciplinas estão ligadas à ética, aos princípios que inspiram a missão das instituições que trabalham na área socioeducativa. No caso da UPS a missão tem sua inspiração humanística e existencial e, portanto, busca nas disciplinas Filosofia da Educação, Ética Profissional, Teologia da Educação, Educação e Bíblia, Antropologia e Comunicação, Antropologia Cultural as bases para uma formação em sintonia com a missão institucional.

A área Sociológica (12,5% da grade curricular) compreende a leitura e interpretação da realidade social, utilizando-se seja de referenciais teóricos mais amplos (Sociologia da Educação) como daqueles mais específicos ligados aos destinatários da ação profissional do educador social: sociologias focalizadas na juventude, na marginalidade e no desvio social, nas toxicodependências, na delinqüência juvenil, na família, no tempo livre, nas instituições escolares (Sociologia da Educação, Sociologia da Família, Sociologia do Desvio, Sociologia do Tempo Livre, Sociologia dos Processos Culturais, Sociologia das Organizações). A Sociologia da Educação nas suas diversas matizes disciplinares pretende fazer a ponte entre os fenômenos e os condicionamentos sociais que eles comportam, para iluminar a prática e a metodologia, na construção de soluções segundo a ciência pedagógica. A razão da extensão maior do campo sociológico parece estar no fato de que o profissional da pedagogia social deva necessariamente ter uma razoável compreensão das dinâmicas e dos processos que incidem sobre os sujeitos que pertencem ou se relacionam com os grupos sociais e com a sociedade em geral. De fato, parece ser na interação social que acontecem os maiores problemas relacionados à assunção de culturas alternativas e desviantes, ao iniciar-se de um processo de rotulação, estigmatização e a formação de identidades marginalizantes; como também é através da interação social que a pedagogia colhe os recursos para a recuperação e reinserção social dos indivíduos.

Uma quinta área disciplinar nós a denominamos como "técnica e de animação social"(6 disciplinas ou 12,5% do total). Compreende todas aquelas disciplinas que são destinadas ao estudo das técnicas a serem aplicadas na metodologia pedagógica, assim como a aprendizagem da aplicação dos instrumentos de interação social: Teorias e Técnicas de Aconselhamento, Gestão dos Recursos Humanos, Animação Sociocultural, Teorias e Técnicas de Orientação Educacional, Relações Humanas e Dinâmica de Grupo, Multimídia e Processos Formativos. A pedagogia social italiana tem privilegiado de modo particular a animação sociocultural, uma vez que ela pode ser aplicada para a ocupação do tempo livre das populações juvenis de periferia, dando oportunidades para a inclusão cultural e social de sujeitos marginalizados.

O âmbito metodológico tem bem cinco disciplinas (10,5% do total) entre as 48 oferecidas. Compreendem desde a metodologia da pesquisa, do trabalho cientifico e também do trabalho pedagógico. São elas: a Metodologia da Pesquisa Pedagógica, Metodologia Pedagógica Evolutiva, Estatística, Metodologia do Trabalho Cientifico, Metodologia da Prevenção e Reeducação.

Outras disciplinas (4,2%) estão ligadas a argumentos específicos tais como Legislação (Legislação do Menor, Direitos Civis e Cidadania).

A propósito da nossa reflexão, na Itália, poderíamos distinguir os profissionais da pedagogia social em dois âmbitos: operacional e teórico projetual. O ensino superior divide-se em três ciclos: o primeiro ciclo dura cerca de tres anos e corresponde ao mestrado (bacharelado). O segundo ciclo acrescenta mais dois anos, dedicados ao mestrado (láurea). O terceiro ciclo corresponde ao doutorado (2 a 3 anos).

Assim, o primeiro ciclo tem objetivos de formar educadores profissionais (educatori professionali), algo parecido com a nossa licenciatura. Os estudantes se preparam para atuar nas comunidades terapêuticas para toxicodependentes, nas comunidades e abrigo para menores, no atendimento da terceira idade, etc. Durante o 2º ciclo os estudantes entram em um percurso formativo teórico projetual que tende a formar, mais que educadores sociais, os pedagogos sociais.

Esses profissionais estariam preparados para atuarem na projetação de interventos e de instituições sociais, levam mais tempo na formação e fazem um mestrado ou doutorado voltados para a vida acadêmica. O 3º ciclo capacita para as atividades do ensino, da pesquisa e da gestão em maior grau.

 

3 Identidade da Pedagogia Social

Naturalmente que a pedagogia social se distingue da pedagogia escolar por diversas razões. Entre elas pela evidência dos fatos, ou seja, na medida em que ela tende a suprir os casos em que a pedagogia escolar não consegue atender. Mas essa seria uma identidade que partiria de um fato negativo. Na verdade a pedagogia social tem sua identidade ligada – como veremos mais adiante – a objetivos, objetos de pesquisa, finalidades, métodos característicos, não confundíveis com os de outros campos da ciência social e pedagógica. As distinções servem para construir identidades e limites. Uma dessas distinções está na diferenciação entre a dimensão formal e não-formal de educação. Outra distinção é aquela entre a pedagogia social e pedagogia escolar.

Por instituição formal de educação entendemos aquela que atua tendo como base os currículos oficiais que respondem às exigências de um percurso formativo normal e cujos títulos são reconhecidos pelo governo. Pertencem a esta categoria, por exemplo, os Colégios e Centros de Formação Profissional.

Por instituição não formal de educação podemos entender aquela que se desenvolve para responder às exigências das necessidades das categorias em desvantagem social, de modo particular dos jovens pobres e abandonados. A tais instituições não são exigidas formalidades curriculares como acontece para as escolas; e, muitas vezes, não oferecem um titulo reconhecido oficialmente pelo estado. Exemplos dessas instituições são os Centros Juvenis, e as formas cooperativas para a formação de adolescentes no e para o trabalho, os projetos sócio-educativos mais variados localizados nas comunidades e bairros. Essas instituições e programas se exprimem de várias formas e têm bastante flexibilidade para responderem de maneira mais adequada às necessidades dos destinatários, às limitações e exigências específicas das comunidades e dos bairros e apontam para uma população infantil e adolescencial em situação de risco.

A educação informal, por sua vez entra no âmbito da socialização primária e secundária, entendida como educação não intencional, exercida dentro da sociedade e certos grupos, a família, os meios de comunicação social etc. Não parece existir um limite estanque entre a informalidade e a não-formalidade da educação. Muitas vezes certas intervenções dos meios de comunicação e da família podem ter um caráter educativo intencional e, portanto, se situariam teoricamente dentro do âmbito da educação não-formal.7

Uma segunda distinção é derivada da anterior e diz respeito á diferença entre pedagogia escolar e pedagogia social. A primeira tem toda uma sua história e é amplamente desenvolvida pela didática, ciência ensinada nas universidades. A segunda, a pedagogia social, se desenvolve dentro de instituições não formais de educação É uma disciplina mais recente que a anterior. Nasce e se desenvolve de modo particular no século XIX como resposta às exigências da educação de crianças e adolescentes (mas também de adultos) que vivem em condições de marginalidade, de pobreza, de dificuldades na área social. Em geral essas pessoas não freqüentam ou não puderam freqüentar as instituições formais de educação. Mas não só: o objetivo da pedagogia social é o de agir sobre a prevenção e a recuperação das deficiências de socialização, e de modo especial lá onde as pessoas são vítimas da insatisfação das necessidades fundamentais8. Podemos re-afirmar, portanto, que no Brasil atual a Pedagogia Social vive um momento de grande fertilidade. É um momento de criatividade pedagógica mais que de sistematização dos conteúdos e dos métodos. Em outras palavras, mais que pedagogistas, temos no Brasil educadores que colaboram com o nascimento e o desenvolvimento de um know how com identidade própria, rica de intuição pedagógica e de conteúdos. Ao mesmo tempo nos damos conta de que é chegado o momento no qual precisamos sistematizar toda essa gama de conhecimentos pedagógicos para compreender melhor e interpretar a realidade e projetar intervenções educativas efetivas.

Uma dimensão privilegiada da pedagogia social é aquela dos espaços de transformação da educação não intencional, ou não declaradamente intencional, em educação intencional; de espaços deseducativos ou potencialmente educativos em espaços declaradamente educativos através de uma intervenção direta no ambiente. Exemplo disso é a abertura das escolas como espaços de cultura, educação e tempo livre nos fins de semana.

Acredito que não possamos listar de uma vez por todas os espaços de pesquisa e de intervenção da pedagogia social. O que parece permanente são os critérios com os quais reconhecemos esses diversos âmbitos de atuação: a educação em função social com pesquisa e intervenções orientadas a esse fim.9

Podemos, no entanto, dizer que existem alguns âmbitos de atuação que atualmente correspondem a tais critérios: a educação de adultos, a educação de adolescentes em situação de risco, a recuperação e reinserção social de sujeitos toxicodependentes, a orientação escolar de alunos atingidos por fortes condicionamentos sociais (pobreza, exclusão social, desagregação familiar), o agir educativo dentro dos ambientes familiares, a influência dos meios de comunicação social e das associações e grupos juvenis (grupo de pares, gangues etc).

Podemos identificar, de uma maneira bastante ampla, como finalidade educativa da pedagogia social, a elucidação de significados próprios e que caracterizam a dimensão social, o estudo de conformismos (consensos) e inconformismos (dissensos), e os condicionamentos provenientes de tais contextos, com o objetivo de individuar modalidades de intervenção e de metodologias que recuperem condições de qualidade de vida para os indivíduos e de desenvolvimento humano para as comunidades. Neste sentido a pedagogia social tem como finalidade de pesquisa a promoção de condições de bem estar social, de convivência, de exercício de cidadania, de promoção social e desenvolvimento, de superação de condições de sofrimento e marginalidade. Tem a ver com a construção, aplicação e avaliação de metodologias de prevenção e recuperação.

 

4 Considerações sobre a pesquisa social

4.1 O Desenvolvimento da pesquisa sociológica

Podemos identificar algumas etapas do desenvolvimento da pesquisa social, ou quatro grandes fases:

Período preparatório: século XVII – inicio do século XIX, caracterizado por dificuldades de obtenção das informações sistemáticas. O que se faz são muito mais relevamentos de dados demográficos (ex. Lavoasier na nascente República francesa).

Período de "desconhecimento": o século XIX até a primeira década do século XX. Tal fase se caracteriza por motivações sociais para as pesquisas e pela falta de conhecimento de que se fazia também pesquisa social no momento em que se ligavam dados estatísticos ou documentos relativos a fenômenos sociais. Deste período pertencem algumas pesquisas típicas como as do suicídio de E. Durkheim, sobre "estatística moral" de Quételet10; sobre as condições de pobreza na Inglaterra de Rowntree.

Período das escolas: entre as duas grandes guerras nascem as grande "escolas". Se caracterizam especialmente pelo movente social, como a criminalidade11, o desvio social, a assimilação dos imigrantes12, o conflito racial13 (Charles S. Johnson 1930). Fazem escola sobretudo a Escola ecológica de Chicago que, com o estudo e a observação dos territórios problemáticos, se preocupa com a descoberta das causas do desvio social e da marginalidade presentes na cidade.

Período do pós-guerra: caracterizado pelo desenvolvimento das pesquisas sociais segundo uma aproximação quantitativa de ampla influência, nacional e internacional, utilizando-se já dos instrumentos informáticos; e o desenvolvimento também das pesquisas segundo uma aproximação qualitativa.

Dentro da aproximação qualitativa podemos individuar tres endereços de pesquisa, ou seja, o interacionismo simbólico ( e a "labelling theory"), a etnometodologia e a teoria do estigma.

O primeiro endereço, o interacionista, focalizza o processo interativo que se desenvolve entre as pessoas, entre as ações, as percepções da ação e a reação a ela14 (H. Becker 1963) de modo a provocar um processo de rotulação nos sujeitos que manifestem comportamentos alternativos, estilos de vida, diversidade social15 (David Matza 1976).

O segundo endereço, a teoria do estigma16 (E. Goffman 1968) se caracteriza pela concepção segundo a qual o ator social constrói o seu mundo: a sociedade é um palco onde acontecem inúmeras representações idealizadas. Cada um é aquilo que finge de ser.

A terceira, a etnometodologia, por sua vez, se origina das críticas às metodologias empiricas, ou à pretensão dessas de descobrirem uma "ordem social". Se nega assim a posição funcionalista segundo a qual os fatos sociais possuem uma realidade própria; se preocupa, ao invés, de como as pessoas constroem, contratam tornam comum e depois percebem as regras comportamentais.

A etnometodologia é uma das correntes que mais radicalmente adota esta metodologia weberiana: assim não buscam formular leis cientificas gerais, mas sim concentram-se nas situações únicas dos sujeitos e nos significados que eles dão ao mundo que os circunda. Tendem mais a "trabalhar na reconstrução de um fragmento particular da realidade social em base aos elementos que o mecanismo estrutural postula, aumentando assim a visibilidade de outros fragmentos, o auto-conhecimento coletivo"17.

A corrente qualitativa (ou humanista ou hermenêutica) se serve da observação. Tende a utilizar uma aproximação mais semelhante àquela de M. Weber. Se concentra decididamente sobre a analise das conversações para uma compreensão mais subjetiva dos objetos da sua pesquisa; coincide o mais possível com os modelos de análise da ciência social com a percepção subjetiva que os atores sociais têm dos próprios estilos de vida quotidianos. Ao invés de conceberem a realidade social como objetiva e determinada, a c0ncebem como um problema sempre aberto. Ao invés de conceberem o individuo como produto da sociedade e condicionado por estruturas, por regras, por sistemas de valores, essa corrente sustenta que dos indivíduos emanam todas as formas sociais. Ao invés de se moverem sob o plano das funções coletivas, dos macrodeterminismos, preferem trabalhar sob o nível baixo das interações que ocorrem na vida quotidiana, sobre a pesquisa de significados e sobre percepções que os atores sociais têm da vida.

4.2 A relação entre teoria e pesquisa científica

4.2.1 Os paradigmas

O termo paradigma significa um conjunto de proposições que formam uma base de acordo sob a qual se desenvolve uma tradição de pesquisa científica. Em outras palavras, a linguagem com a qual são formuladas as teorias científicas. No âmbito das ciências sociais nos referimos seja ao termo paradigma sociológico seja ao termo tradição de pesquisa.

A maior parte dos paradigmas sociológicos demonstram a probabilidade de um risco "determinista" enquanto consideram as ações dos agentes sociais como integralmente explicáveis partindo de elementos anteriores a tais ações (limitações estruturais, processo de socialização etc.). O determinismo cancela a intencionalidade ou a vontade do agir humano. Estes paradigmas deterministas são:

- o hiperfuncionalismo: onde a análise dos papeis, das normas e das expectativas são executadas de modo rígido, como um dado, negando qualquer criatividade e interpretação subjetiva dos papeis;

- o hiperculturalismo: onde a interiorização de normas e valores determina a ação e os comportamentos;

- o realismo totalitário: onde as escolhas do indivíduo são determinadas pela estrutura social.

4.2.2 A imaginação sociológica

... constitui uma espécie de atitude do pesquisador, o qual deve observar a realidade social sob diversas dimensões:

- dimensão histórica: para que possamos nos aperceber das transformações que ocorreram, que ocorrem e que se prefiguram em torno das formações sociais;

- dimensão antropológica, ou a capacidade de superar a concepção etnocêntrica que acredita de poder, a partir de uma ‘cultura universal’, julgar as outras culturas. O pesquisador deve ter a imaginação sociológica para utilizar instrumentos de pesquisa (questionários, escalas de avaliação) que sejam adaptados ao contexto cultural no qual são usados. Por ex. a pergunta "quantos filhos você tem" deve ser seguida por uma interpretação que tome em consideração os significados que acompanham o desejo de ter ou não filhos: o apoio das políticas sociais ao orçamento familiar; o apoio quando os pais entrarem no período da terceira idade; a realização pessoal; o medo de não conseguir a autosustentação.

Como conseqüência do posicionamento entre estas perspectivas, o campo de aplicação da pesquisa sociológica muda, entre "realidade social" objetiva e o "agir social" subjetivo, entre macro e microssociologia, como também entre teorização e pesquisa empírica.

4.2.3 O campo de aplicação da pesquisa sociológica

A inteira realidade social: aspectos estruturais, condutas coletivas. A pesquisa privilegia a quantificação da realidade social e se estuda as instituições (como a família, a escola, os partidos políticos, etc.), o condicionamento que estas estruturas provocam sobre a percepção das pessoas e a reação delas a tais condicionamentos.

O agir social estudado a partir da conjugação entre a compreensão dos fenômenos sociais com a respectiva explicação (M. Weber): a pesquisa privilegia o aspecto qualitativo das informações, aprofunda a percepção dos indivíduos para explicar a história individual com as regularidades do agir social.

Boudon (1970) distingue três grandes categorias de pesquisa social:

Que tem como objeto as sociedades entendidas na globalidade:

– focalizadas sobre as mudanças sociais: por exemplo a pesquisa de M. Weber sobre a relação existente entre ética protestante e nascimento do capitalismo moderno (qualitativa); de E. Durkheim sobre a divisão do trabalho e sobre o suicídio (quantitativa);

- focalizadas sobre sistemas sociais: por exemplo a pesquisa de T. Parsons sobre a relação que ocorre entre o sistema econômico e o sistema da socialização.

b) Que têm como objeto segmentos particulares da sociedade:

- se referem não às sociedades no seu conjunto, mas a fenômenos parciais que dizem respeito a indivíduos e ao ‘campo’ social no qual eles agem. Se baseiam sobre pesquisa sondagem (survey). Por exemplo, a pesquisa de M. Halbwachs sobre necessidades e as preferências no consumo da classe operaria francesa; de G. Tarde sobre os comportamentos sociais imitativos.

c) Que têm como objeto uma unidade social:

- o ponto de referencia não é nem a sociedade global nem os segmentos sociais, mas as unidades sociais ‘naturais’, como os grupos, as instituições e as comunidades. Por ex. a pesquisa de R. Lynd e H. Lynd sobre a mudança da estratificação social dentro de uma comunidade urbana, antes (no ano de 1929) e depois (no ano de 1937) da grande depressão da economia dos Estados Unidos.

4.2.4 As relações de circularidade entre teoria e pesquisa empírica

Encontramos na história das ciências sociais uma continua dialética entre paradigmas macro e microsociológico e entre teoria e pesquisa empírica.

Por um lado, o problema da relação entre condicionamentos estruturais e o agir individual determina uma variação das impostações metodológicas entre os paradigmas macrosociológicos e os microsociológicos.

O paradigma macroisociológico se ocupa de processos extensos, tais como o Estado, a classe social, a cultura, a organização. E o método mais utilizado é o da análise histórico-comparativa, com uso de estatísticas oficiais, da pesquisa com amostragem (survey).

O paradigma microsociológico, por sua vez, consiste na analise detalhada dos micro-processos da vida quotidiana: aquilo que se fala, que se faz, que se pensa; o método privilegia a observação direta (registro escrito, oral e visual).

Por outro lado, a questão entre a teoria e a pesquisa empírica. Nota-se alguns desvios entre a relação recíproca entre essas duas dimensões da pesquisa. Por um lado a teoria conceitual como fim em si mesma, ou a assim denominada "grande teorização". Por outro, as sofisticações empíricas levadas ao extremo no "empirismo abstrato". Ambas as impostações devem ser evitadas.

R. Merton propõe uma solução para a relação entre teoria e pesquisa empírica, e entre macro e micro analise sociológica, que ele denomina de circular: a reflexão teórica orienta o trabalho de pesquisa e este por sua vez, influencia a teoria, a valida ou a substitui por um modelo mais válido.

A circularidade se realiza em dois tempos: 1) o primeiro tempo vale-se de um percurso dedutivo no qual são enunciados formalmente as hipóteses e o quadro teórico de referência, que posteriormente são relacionados de modo claro aos dados e às variáveis a serem verificadas; 2) o segundo tempo trata de ajustar os resultados obtidos, comparando-os com outros que antes pareciam diferentes.

4.2.5 A relação com as outras disciplinas

Além da relação que ocorre entre teoria e pesquisa empírica, consideramos também o que ocorre entre a pesquisa sociológica e as pesquisas de outras disciplinas. A pesquisa social apresente com mais freqüência ocasiões de sobreposição ou de integração com outras disciplinas como a antropologia cultural, a psicologia social, a ciência política, a economia, a história. É necessário estar atentos para não confundir os campos de atuação Existem dois critérios para individuar a identidade e a autonomia da pesquisa sociológica: uma "residual" e outra "formal".

Residual: aqueles que seguem tal critério crêem que a pesquisa social se deva ocupar dos fenômenos humanos que não sejam objetos de uma outra disciplina especializada. Pressupõe, assim, confins claros entre as disciplinas. Esta perspectiva é muitas vezes criticada, visto que as diversas disciplinas estudam substancialmente a mesma realidade fenomênica e as sobreposições entre os confins entre as diversas disciplinas são mais numerosas que as áreas de separação entre elas.

Formal: a análise se desloca do conteúdo dos fenômenos sociais às relações que intercorrem entre os sujeitos individuais e coletivos. As várias disciplinas podem concentrar-se sobre um mesmo objeto e convergir os seus recursos metodológicos, de modo que interpretem-no segundo perspectivas diferentes. Cada disciplina, pois, renuncia a uma possível "soberania territorial" sobre o objeto estudado, que no mais das vezes colabora somente para a reificação do saber.

 

5 A Pesquisa na pedagogia social

5.1 O objeto

Objetos primeiros da pesquisa sócio-educativa são a educação e a sociedade nas suas relações recíprocas. Naturalmente muito amplos. Mas entende-se que ao centro da pesquisa deve estar a intervenção e a metodologia pedagógica, a práxis e a teoria, uma vez que as outras ciências, de inspiração sociológica ou psicológica, têm a finalidade de clarificar a realidade em seu contexto a fim de que a pedagogia possa agir através de métodos mais eficazes e eficientes. A sociologia, no seu caso específico, tende a construir a ponte com a outra margem, a ciência pedagógica, fornecendo-lhe categorias interpretativas do contexto onde estão inseridos os sujeitos da educação social.

A pedagogia social tem limites muito amplos, uma vez que está aberta a respostas metodológicas as mais diferenciadas, dentro das quais se adaptará às questões que emergem da prática sócio-educativa quotidiana. Parecem metodologias idôneas tanto o tratamento de dados quantitativos como qualitativos tais como as histórias de vida, dinâmicas de grupo, analises de contexto, grupo focal, pesquisa-ação.

Do ponto de vista espacial: pode ser constituído por grupos uniformemente distribuídos; ecologicamente concentrados; ou que compartilham o mesmo espaço lógico (classe escolar, setor de uma industria); pessoas em transição sob o território (imigrantes, nômades).

Do ponto de vista do aspecto temporal: a pesquisa pode ser transversal e longitudinal. Transversal quando se dedica ao estudo de um segmento diversificado por idade, sexo, raça, religião, ocupação, renda, instrução, em um determinado momento prefixado. São mais adaptadas às análises macrossociais, típicas das pesquisas por amostragem (surveys). A pesquisa longitudinal, por sua vez, concentra-se sobre um determinado grupo social, sobre um período de tempo prolongado. Exemplo é a pesquisa dos Lynd sobre a "Middletown" americana (1927-1937). Servem mais às analises das mudanças sociais, das correntes migratórias, das mobilidades sociais, da urbanização, da colonização, da integração racial etc.

A pesquisa sociopedagogica estuda a fenomenologia educativa em três dimensões: em quanto fatos, eventos e interventos:

1. Os fatos educativos: dizem respeito às situações ou às situações de fato que são acompanhadas no seu processo evolutivo (estruturas econômicas, taxas de analfabetismo, desocupação intelectual, dispersão escolar etc.).

2. Os eventos educativos são acontecimentos de natureza pedagógica e não-pedagógica que condicionam, positivamente ou negativamente, os fatos com relevância pedagógica: reformas escolares, transformações econômicas, evoluções do mercado de trabalho etc. São eventos que, favorecendo a educação em si, são definidos eventos educativos. Os resultados são denominados formação (integração, sociabilidade, profissionalização etc.).

3. As intervenções educativas consistem nas atividades e nos processos da educação intencional, com particular atenção aos grupos sociais e às instituições educativas.

5.2 A metodologia

Os principais tipos de pesquisa são dois:

A pesquisa pode ter um objetivo cognoscitivo, para o enriquecimento do patrimônio das informações. Ela não incide diretamente sobre a formação das decisões, mas formula hipóteses, faz comparações ou indica ulteriores setores de pesquisa;

A pesquisa pode ter um objetivo operacional, de avançar propostas, e portanto, de influenciar as decisões e as opções políticas. As opções e as decisões políticas estão na origem dos grandes eventos da natureza educativa ou tem o poder de influenciar o universo educativo: o estado social, a formação das elites e dos professores, a reforma escolar, a coordenação das políticas sociais, o direito familiar, o direito do menor.

A pedagogia social mantém estes dois tipos de pesquisa (cognoscitiva e operacional) coligadas entre si no circulo teoria-praxis-teoria da pesquisa ação. Esta última se dá quando o pesquisador orienta as próprias pesquisas em vista de um fim significativo. Ele inicia uma relação de continua verificação entre conhecimento e operacionalidade; uma experimentação em vista do aperfeiçoamento do método educativo.

A pesquisa sociopedagógica tem, portanto: um caráter interpretativo (pesquisa cognoscitiva) em quanto quer analisar e explicar os conteúdos dos conhecimentos; um caráter compreensivo (pesquisa-ação) em quanto compreende a reflexão e a descoberta; um caráter proposicional (pesquisa operacional) em quanto sua finalidade última é a projeção, a correção de rota no processo educativo, e a intervenção educativa (Cf. Figura 1).

 

 

 

 

A pesquisa não é somente pedagógica ou somente social, mas sócio-pedagógica. Ela tem como fim modificar a realidade sob o perfil educativo. Além de buscar fatores ligados a uma situação de fato, ou às variáveis de um evento, a pesquisa sócio-pedagógica entende promover intervenções mais oportunas para melhorar ou modificar um determinado aspecto da vida social: o da formação humana, em particular do itinerário formativo infantil, adolescencial e juvenil.

5.3 Conceitualização do objeto da pesquisa

A conceituação do objeto da pesquisa busca trazer clareza ao estudo e abri-lo para confrontos e verificaçõe sucessivas. Os conceitos através dos quais o objeto é definido compõem-se de abstrações racionalmente retalhadas do fluxo infinito de experiências dentre as quais o fenômeno considerado se apresenta. Analisa-se pois seja os significados que são dados ao objeto por parte do referencial teórico existente, seja dos significados que lhe são atribuídos pelo senso comum.

Os resultados da pesquisa não são generalizáveis além do âmbito espaço-temporal dentre o qual a amostra foi aleatoriamente escolhida.

O conhecimento teórico é necessário para articular a hipótese pois consegue situar em qual quadro ela pode ser, metodologicamente, mais adequadamente explicada.

Tomemos como exemplo o fato de que uma senhora dê um tapa na face de um senhor desconhecido. Podemos avançar três hipóteses: que ela é louca; que pensou se tratasse de uma outra pessoa; que tenha feito um movimento desgovernado com os braços atingindo-o involuntariamente. Se tomarmos em analise a primeira hipótese, de loucura, devemos nos orientar em direção a um quadro teórico que avalie as reações dos doentes mentais. Para verificar tal hipótese, devemos torná-la operativa.

 

6 Análise de um modelo: pesquisa sobre desvio entre adolescentes de periferia

A título de exemplificação trazemos o percurso de uma pesquisa sócio-educativa sobre o desvio social entre adolescentes e jovens trabalhadores.

6.1 Fase propedêutica

6.1.1 Definição dos objetivos e da hipótese inicial

O pesquisador é motivado quase sempre por um questionamento sob determinada realidade que se torna o motivo central, antes de tudo, do próprio interesse, e depois, da elaboração da pesquisa. Em segundo lugar, ele deve fixar objetivos da pesquisa: onde quer chegar com uma provável pesquisa no campo escolhido: e depois formular hipóteses iniciais.

6.1.2 Pesquisa de fundo

A pesquisa de fundo tem como finalidade recolher elementos de conhecimento seja a nível teórico que empírico que já existam sobre o objeto a ser pesquisado. Utiliza-se de maneira privilegiada a biblioteca para individuar documentos, textos e artigos que digam respeito ao argumento. Se aconselha a elaboração de um fichário sintético dos textos consultados. Fazem parte da pesquisa de fundo (a) o levantamento de pesquisas empíricas ou qualitativas previamente desenvolvidas sobre o tema; (b) a reconstrução do contexto economico, político, social e cultural dentro do qual o fenomeno estudado se situa; (c) o enriquecimento das informações com as entrevistas aos "experts" e testemunhas privilegiadas. Estes últimos são os líderes formais (sindicalistas, assessores, autoridades civis e religiosas, experts, policia) e informais (o professor, o carteiro, o educador de rua etc.).

Dentro da nossa exemplificação, os conceitos relacionados a serem considerados no quadro teórico são: necessidades humanas, pobreza, marginalidade, risco social, desvio social.

6.1.3 Pesquisa bibliografica

É a fase em que o pesquisador freqüenta a biblioteca, seja ela física ou virtual: uma etapa dedicada à leitura e à sistematização do quadro teórico.

6.2 Fase da articulação

6.2.1 Escrevendo o quadro teórico

O quadro teórico tem como objetivo situar a hipótese dentro do conhecimento já obtido por outros pesquisadores até o presente momento. Ele comporta, sobretudo, a exposição das principais correntes interpretativas do fenômeno, a identificação e a justificação das correntes que parecem mais adaptadas e o levantamento dos resultados das pesquisas mais recentes. Não se trata, pois, de construir um "manual" sobre o argumento em questão, mas - recordando que antes de nós existiram outros que interpretaram a mesma realidade – de utilizar de maneira adequada os recursos e as metodologias disponíveis na literatura científica.

6.2.2 O avançamento de hipóteses

Hipótese geral: "As reações irracionais e desviantes são conseqüência da frustração constante das necessidades da pessoa humana". A hipótese geral que escolhemos para a nossa exemplificação pressupõe a existência de uma correlação positiva entre frustração das necessidades e sintomas do desvio social. A nossa pesquisa se propõe a levantar as situações de risco social nas diferentes áreas de vida (das necessidades, da família, do trabalho, da escola, do tempo livre), confrontando-as com a variável dependente, que no nosso caso corresponde à incidência ou menos de desvio social.

6.2.3 Individuação dos indicadores

Descobrir as diferentes modalidades de frustração das necessidades, por exemplo, no âmbito familiar: no caso devemos identificar indicadores de risco (frustração) já identificados na literatura científica pré-existente. Tais indicadores servem para a formulação das hipóteses operativas: "No âmbito da família partimos da hipótese de que exista uma maior incidência de desvio social entre os jovens que pertencem a famílias com problemas estruturais (famílias desestruturadas, desagregadas, com pais ausentes); que vivem em famílias cujo ambiente manifesta acentuadamente relacionamentos conflituosos; cujos filhos demonstram escasso nível de participação nas responsabilidades domésticas; que demonstrem insatisfação em relação à vida afetiva familiar; e que assinalem dificuldades de comunicação com os pais".

6.2.4 Construção e aplicação do instrumento de investigação

Por exemplo, o questionário, onde se tenta traduzir as informações necessárias e os indicadores através de construtos coerentes, sem ambigüidade e de fácil compreensão. Os indicadores são conceitos através dos quais é possível individuar uma escala de valores diferente dentro da demanda considerada. Por exemplo, um indicador de risco familiar é a percepção negativa que o adolescente tem do clima familiar. Pode-se, então, perguntar como ele avalia o clima, entre excelente, bom, regular, péssimo, utilizando-nos de uma escala Likert18.

6.2.5 Técnicas de investigação:

A observação: Passa pela percepção sensorial do pesquisador, que busca ver e sentir muito mais coisas de quanto comumente o senso comum deixa passar. A observação é o levantamento de determinadas situações de fato, conduzidas em base a um plano preciso, no curso do qual o pesquisador se coloca em uma atitude receptiva em relação ao objeto a ser estudado. A observação pode ser controlada ou não controlada. A observação não controlada diz respeito à observação participante, onde o pesquisador se insere no mesmo nível dos sujeitos observados. A observação controlada comporta a criação de condições artificiais ou de laboratorio para observar os sujeitos.

A entrevista: Um diálogo entre dois ou mas pessoas durante o qual uma (o pesquisador ou entrevistador) interroga a outra com o fim de conhecer suas opiniões e experiências sobre alguns temas ou fatos que o digam respeito. Em geral as entrevistas podem ser classificadas entre: (a) entrevistas com questionário: para grandes quantidades de entrevistados. Implica mais rigidez das respostas; técnicas eletivas das pesquisas quantitativas do tipo sondagem (survey); (b) entrevistas semi-estruturadas: são fichas de recolhimento de dados moderadamente rígidas, com espaço livre para respostas abertas. (c) Entrevistas livres: conduzidas pelo entrevistador, o qual tem ampla liberdade para conduzir e finalizar o colóquio. Podemos distingui-la entre aquelas não diretivas, com ampla espontaneidade, consentida ao entrevistador; aquelas focalizadas sob determinado tema; aquelas finalizadas ao levantamento de histórias de vida (dados biográficos); e aquelas efetuadas através de contactos telefônicos.

Quanto à modalidade de aplicação dos questionários dizemos que eles podem ser:

 

 

A linguagem do questionário deve demonstrar um equilíbrio entre a eficiencia, a coerencia e a simplicidade, demonstrando atenção à excessiva simplificação e banalização. Devem ser evitados os termos técnicos ou especialisticos que requerem alto nível de instrução como aqueles próprios da linguagem profissional (o sociologuês), aqueles com frases coloquiais ou de gírias e aquelas perguntas "viciadas" ou tendenciosas (por ex. "é possível que você seja favorável ao aborto?").

6.3 Fase de elaboração dos dados e dos resultados

A fase de elaboração inclui a colheita e a elaboração dos dados que constituirão as fontes em base às quais o pesquisador poderá descrever e interpretar a realidade estudada.

a) Elaboração dos dados: quando os resultados dos questionários chegam, em um primeiro momento eles podem ser colhidos através de um programa adequado de computador. As modalidade de emissão dos dados e de software4s disponíveis são muitas e deve-se dar a preferencia àquels que oferecem mais segurança e simplicidade. Um segundo momento diz respeito á elaboração dos dados quando o pesquisador deve fazer opções específicas sobre quais variáveis e quais caminhos percorrer para obter os resultados prefigurados nas hipóteses. Os instrumentos estatísticos são variados: desde aqueles que nos oferecem a possibilidade de uma simples descrição dos resultados (por exemplo os percentuais, a média ponderada) e aqueles mais sofisticados que oferecem a possibilidade de explicar e interpretar de maneira mais aprofundada os dados (por ex. análise fatorial, cluster analysis, path analysis).

b) Elaboração do relatório: a elaboração do relatório pode se servir tanto da descrição dos dados quanto da sua interpretação. No primeiro caso utilizamos a descrição dos dados, utilizando-nos de uma leitura das tabulações dos diversos pontos de vista (linear, cruzada etc.). A pesquisa interpretativa, por sua vez, se utiliza de instrumentos mais sofisticados que permitem a explicação de hipóteses através de análises de correlações entre as variáveis em questão. Exemplo de instrumentos estatísticos em linha interpretativa são a análise fatorial, a path analysis e a cluster analysis.

6.4 Fase aplicativa

A fase aplicativa compreende a elaboração dos principais rsultados e constrói a ponte – no caso da sociologia da educação – entre a sociologia e a pedagogia, entre o "sócio" e o "pedagógico", em vista da planificação das intervenções educativas.

a) Principais resultados (conclusões): o último momento é dedicado à síntese dos principais resultados da pesquisa descritiva e interpretativa e às conclusões operativas. É o momento no qual o pesquisador confronta os resultados com os objetivos da pesquisa: se a pesquisa se move em campo educativo ele deve construir a ponte entre os resultados e a metodologia educativa que lhe consinta de intervir sobre a realidade estudada.

b) Conclusões operativas (aplicações no âmbito educativo): a pesquisa em sociologia da educação tende a interpretar os fenômenos para depois colocar os resultados como conhecimentos disponíveis para os educadores. A pedagogia tem um caráter aplicativo, prático e tem necessidade da pesquisa sociológica em quanto ela dá explicações mais precisas e atualizadas aos fenômenos que ocorrem em pequenos grupos e coletividades e aos fenômenos condicionantes da vida quotidiana de tais grupos e coletividades. O pesquisador deve, pois, saber fazer a ponte entre uma margem, que tem um caráter mais interpretativo (a pesquisa sociológica) e a outra, que tem um caráter mais normativo (a metodologia pedagógica) para impostar de maneira coerente e eficaz as intervenções educativas.

 

 

1 Doutor em Educação pela "Università Pontifícia Salesiana di Roma". Ex Diretor do Programa Mestrado e Doutorado em Pedagogia Social daquela Universidade.
2 BECCEGATO, L. Santelli. Pedagogia sociale: riferimenti di base. Brescia: La Scuola, 2001, 20.
3 AGAZZI, Aldo (Org.). Educazione e società nel mondo contemporaneo. Brescia: La Scuola. 1965; QUINTANA CABANAS, José M.. Pedagogia social. Madrid: Dykinson, 1984: FERMOSO, Paciano Pedagogia social: fundamentación científica. Barcelona: Herder. 1994.
4 CALIMAN, Geraldo Pedagogia sociale. In: PRELLEZO, José Maria ; NANNI, Carlo ; MALIZIA, Guglielmo. Dizionario di Scienze dell'Educazione. Milano ; Roma ; Torino: Elle Di Ci ; LAS ; SEI, 1997. p. 802-803.
5 BECCEGATO, L. Santelli. p. 10.
6 Pedagogia social. Roma: 12 de dezembro de 2005. Disponível em http://www.unisal.it/index.php?method=section&id=91&id_subsection=&action=&pag=2. Acesso em 12.12.2005.
7 SOUZA CAMPOS, Maria C. S. Educação: agentes formais e informais. São Paulo: EPU, 1985.
8 CALIMAN, Geraldo. Pedagogia sociale. p. 802-803; CALIMAN, Geraldo Normalità devianza lavoro. Roma: LAS, 1997, pp. 460.
9 IZZO, Domenico. Manuale di pedagogia sociale. Bologna: CLEUB, 1997, p. 24.
10 QUÉTELET, Adolphe. Adolphe Quételet: l’ouvre sociologique et dèmographique: choix de textes. Bruxeles: Centre d’âetude de la population et de la famille 1974, 183 p.; GUERRY Andrè M., Statistique morale de l’Angleterre comparée avec la statistique morale de la France. 1964.
11 THRASHER, Frederic M. The gang. A study of 1.313 gangs in Chicago. Chicago: University of Chicago Press 1963, viii + 388 p.
12 THOMAS, William I. ; ZNANIECKI, Florian W. Il contadino polacco in Europa e in America. Milano: Edizioni di Comunità 1968.
13 JOHNSON, Charles. The Negro in American civilization. New York: H. Holt, c1930, xiv + 538 p.
14 BECKER, Howard S. Outsiders: New York, The Free Press 1963.
15 MATZA, David. Come si diventa devianti. Bologna, Il Mulino 1976.
16 GOFFMAN, Erving. Asylums. Le istituzioni totali. Torino: G. Einaudi 1970.
17 CARBONARO, Antonio ; GURRIERI, Giovanna C. ; VENTURI, Domenico. La ricerca sociale: funzioni, metodi e strumenti. Roma: La Nuova Italia Scientifica, 1989, p. 51.
18 Uma escala Likert, proposta por Rensis Likert em 1932, é uma escala onde os respondentes são solicitados não só a concordarem ou discordarem das afirmações, mas também a informarem qual o seu grau de concordância/discordância. A cada célula de resposta é atribuído um número que reflete a direção da atitude do respondente em relação a cada afirmação. A pontuação total da atitude de cada respondente é dada pela somatória das pontuações obtidas para cada afirmação.