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An. 1 Congr. Intern. Pedagogia Social Mar. 2006
A educação social no Brasil: contribuições para o debate
Josué de Oliveira Carvalho1; Lindalva R. S. O. Carvalho2
RESUMO
O presente artigo discute o surgimento do termo Educação Social no contexto brasileiro. Partindo da problematização do termo em si pelo pleonasmo que representa, demonstra como este conceito tem sido concebido como um conjunto de ações que atribuem à educação não-formal a tarefa de minimizar as conseqüências de um quadro social que multiplica a população de miseráveis no país desde as duas últimas décadas do séc. XX.
Discorre também sobre as novas formas de articulação da sociedade civil com o poder público que, numa relação de parceria, se associam na busca de uma solução comum. Finalmente, apresenta as medidas sócio-educativas como pertencentes ao escopo da educação social e como estas vêm sendo executadas no Estado de Minas Gerais através de parcerias do poder público com a sociedade civil.
Palavras-chave: Educação social; Pedagogia social; Educação não-formal; sociedade civil.
Toda educação é social
O termo Educação Social tem sido utilizado em uma grande variedade de contextos e atuações. Isto tem trazido consigo algumas dúvidas ou indefinições sobre o que realmente significa. Uma síntese dessa discussão pode ser percebida nas abordagens de TRILLA (2003) que, ao analisar a variedade e a limitação no uso e no entendimento deste termo, conclui que este é atribuído quando ocorrem, pelo menos, duas das seguintes situações:
1) dirigem-se, prioritariamente, ao desenvolvimento da sociabilidade do sujeito;
2) destina-se de forma privilegiada aos grupos em situação de conflito ou risco social; e
3) têm lugar em contextos ou por meios de educação não formal (TRILLA, 2003:28).
Mas, o que realmente queremos dizer quando nos referimos à Educação Social? Isto porque toda e qualquer forma de educação é, essencialmente, social.
Fernando de Azevedo, educador brasileiro e um dos signatários do Manifesto dos Pioneiros3, por exemplo, entendia a educação como um fenômeno social que se produz em todas as sociedades humanas, cuja unidade, continuidade e evolução a supõem e implicam, como uma de suas condições e funções fundamentais (AZEVEDO, 1951:121).
Neste sentido é possível pensar a educação como essencialmente social a partir de três argumentos que ora abordamos.
O primeiro deles é de que todo processo educativo tem seu conteúdo e formato estabelecidos socialmente. Em suas pesquisas sobre a relação do homem com o saber, Charlot retoma as discussões de Kant quando afirma que o homem é a única criatura que precisa ser educada, pois nasce incompleto, inacabado. Nas palavras do autor "o essencial já está ai: o homem não é, deve tornar-se o que deve ser; para tal, deve ser educado por aqueles que suprem sua fraqueza inicial e deve educar-se, tornar-se por si mesmo" (CHARLOT, 2000:52).
No desenvolvimento de seu argumento, Charlot menciona a educação vinculada a uma tríplice construção do ser humano: sua hominização (tornar-se homem), sua singularização (tornar-se exemplar único de homem) e de socialização (tornar-se membro de uma comunidade, partilhando seus valores e ocupando lugar nela). Pensando dessa forma, o conteúdo da educação é, obrigatoriamente, algo que encontra sua razão de ser na vida social, na relação do homem com os seus semelhantes.
Este mesmo conteúdo (seja da educação formal ou não, laica ou religiosa, dirigida a adultos ou a crianças) também representa ou sofre influência dos valores sociais da classe dominante e das disputas e relações de poder presentes em cada sociedade.
O segundo argumento consiste em que a educação é feita a partir de objetos e conhecimentos socialmente produzidos. Montessori afirmava que o raciocínio de uma criança nos seis primeiros anos de vida se formava a partir dos estímulos exteriores captados pelos sentidos. Daí a sua proposta de valorização do sensorial na educação infantil. Entretanto, todos os sons, aromas, imagens, ruídos e sensações táteis percebidas, mesmo quando relacionadas a aspectos da natureza (como calor, frio, vento, etc.) são captadas em um contexto imerso em uma cultura que, por sua vez, influencia sobre o modo e a intensidade de tais percepções. E toda cultura é, por definição, uma construção social (LARAIA, 2001).
Também Vygotsky entendia que todos os objetos que circundam o ser humano foram imaginados, construídos, apropriados ou modificados a partir de uma utilização socialmente concebida. Por isto a importância da intermediação de um outro sujeito que, conhecendo a utilidade social de cada objeto e tendo a noção do mundo que o cerca, poderia ajudar a criança na obtenção de novos conhecimentos e formulação de novos pensamentos. Lembramos ainda Comenius que, em suas propostas pedagógicas, considerava como obrigatória a intermediação de um educador no processo de aprendizagem.
Embora os autores apresentados focalizem suas análises na infância, entendemos que tais observações podem, perfeitamente, ser aplicadas também à adolescência.
Sobre a influência da cultura no modo de percebermos os objetos e fenômenos que nos circundam, Laraia se manifesta dizendo que
O modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa, os diferentes comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais são assim produtos de uma herança cultural, ou seja, o resultado da operação de uma determinada cultura. (LARAIA, 2001: 68).
Faz-se, ainda, necessário destacar que tal influência independe da etapa da vida do sujeito, direcionando o processo cognitivo durante toda a vida, de forma imperativa.
Para o caso brasileiro tem-se algumas preocupações derivadas. A diversidade cultural no Brasil contemporâneo é tão relevante, que fez surgir o debate do multiculturalismo como forma de coexistência de pessoas com traços culturais diferentes ou, até mesmo, divergentes. E de fato, não se admite que o não compartilhamento de valores entre dois sujeitos se avolume ao ponto de que a intolerância represente um risco à existência de um deles, ou de ambos.
Mas, se assumimos que cada nova experiência ou conhecimento do sujeito será assimilado a partir dos traços culturais que mais lhe sejam próximos, concordamos que uma mesma situação objetiva poderá ser entendida de forma diferente por sujeitos diferentes. Não estamos falando apenas de preferências, mas da construção de valores e da visão de mundo e de sociedade.
Retomando a discussão central, se as duas primeiras questões apresentadas dizem, respectivamente, do conteúdo da educação e das estruturas das quais esta se utiliza, a terceira versa sobre os seus objetivos. A fim de nortear nossa reflexão retomamos as considerações de alguns pensadores clássicos4 sobre a educação e seus objetivos.
Para Rousseau, a educação teria o objetivo de preparar o indivíduo para a vida e a liberdade, e não necessariamente para as rotinas sociais. Para Comenius, o objetivo seria o de formar bons cristãos, uma vez que o conhecimento aproxima o homem de Deus ao potencializar o conhecimento sobre as Suas obras. Pestalozzi preconizava a educação para o desenvolvimento da inteligência do indivíduo. Froebel dizia que a educação deveria instruir sobre valores e práticas familiares e comunitárias. Dewey considerava a importância de habilitar a criança para "viver o seu mundo", trazendo a realidade social do mundo adulto para dentro da escola. Finalmente, Freire considerava que só através da educação o ser humano poderia se libertar das elites opressoras.
Mesmo entre os que apontam para motivos individuais da educação, como Rousseau, uma análise mais aprofundada revelará que os objetivos individuais estão sujeitos às questões sociais. Por exemplo, ao preconizar a educação para a liberdade, Rousseau certamente considerava a possibilidade de que o indivíduo viesse a perdê-la, ou não adquiri-la, ou possuindo-a, dela não se utilizasse plenamente. Isto porque a liberdade versa sobre a relação entre pessoas. Logo, esta só pode ser entendida em um contexto social.
Entendendo, então, que toda educação é social, convidamos ao leitor a refletir sobre a que nos referimos quando mencionamos o termo Educação Social. Este é o assunto da próxima sessão.
Educação Social no Brasil: formação ou conformação?
É interessante perceber que as ações intituladas como Educação Social, normalmente contam com a participação ativa da sociedade civil, que pode se encontrar organizada através de uma instituição juridicamente constituída ou não. No caso brasileiro, ao que tudo indica, a educação social não se constitui como um campo novo, embora só recentemente as discussões sobre o tema comecem a ganhar certa visibilidade.
De acordo com Oliveira & Haddad (2001), desde os anos 60-70 as associações civis sem fins lucrativos, provenientes das igrejas, partidos políticos e universidades, realizavam um trabalho social junto às populações menos favorecidas, principalmente no que tange à educação e aos direitos humanos.
Entretanto, é nos anos 80-90 que a educação social ganha maior relevância no Brasil, com o esgotamento do Estado de Bem-Estar social, a partir da crise do petróleo, e da alteração no processo de acumulação do capital. A educação conquistada, após muitas lutas, como direito do cidadão e dever do Estado, dada a nova organização do Estado passou a ser tratada como responsabilidade da sociedade civil e da família e a qualificação/preparação para o mercado de trabalho tornou-se, consequentemente, responsabilidade do cidadão (RIBEIRO, 2004).
Como conseqüência da crise econômica pela qual atravessava o país, com estagnação da economia e adoção de uma nova política econômica e comercial, ocorreu um aumento dos níveis de desemprego estrutural e um inchaço das camadas populares, desprovidas de recursos financeiros e carentes da aquisição de serviços. Esse processo de empobrecimento de grande parcela da sociedade apontava para o surgimento de fortes tensões sociais que precisavam ser mantidas sob controle. (RIBEIRO, 2004). Mas como? A partir da educação social!
Também são relevantes as análises de Machado (2004). Segundo a autora a sociedade moderna tem apresentado demandas sócio-educacionais que transpõem os tênues e formais limites escolares, valorizando como educativo espaços outros, como a própria cidade que, recentemente, tem se tornado objeto de investigação por parte de vários teóricos. Para a autora, embora se tenha muito ainda a discutir sobre uma educação formal para todos (básica, secundária, superior), que é questão prioritária em nosso país, uma nova forma de educação menos teórica e mais prática tem se feito necessária. A esta nova forma de praticar a educação Machado dá o nome de educação social. Dessa forma entende-se ser esta uma educação de caráter interdisciplinar, situada no campo da educação não formal5, fundamentada, teoricamente na nascente Pedagogia Social. Esta, por sua vez concebida como uma ciência normativa, que se articula a outras áreas do conhecimento, como a Sociologia, Antropologia, Psicologia e História da educação.
Esta interdisciplinaridade justifica a existência de diversas categorias de trabalhadores que atuam nesta área, desde aqueles que se reconhecem como animadores sociais aos profissionais de formação superior. Dentre esses últimos, temos uma predominância de profissionais da Psicologia e do Serviço Social mas, em contrapartida, uma proporção muito menor de profissionais da educação. Não queremos, com isso, construir um discurso corporativista, mas ressaltar que a contribuição dos profissionais da educação nos parece ainda tímida, como que vindo a reboque da atuação de outras áreas. Talvez isto se justifique pelo fato de que tais profissionais ainda não tenham percebido a educação social como parte de sua área de atuação.
Retomando as análises de Ribeiro, a Educação Social parte de uma política compensatória de formação para a infância e a juventude oriundas das classes populares em situação de risco, cujo objetivo é o de possibilitar a re-inserção ou inclusão dessa parcela de indivíduos na sociedade, minimizando, desta maneira, as tensões e a crescente desigualdade social (RIBEIRO, 2004). Mas, se a origem dos problemas sociais encontra-se externa à educação, há de se questionar que tipo de educação poderá atuar como promotora de uma solução efetiva e duradoura.
Isto nos permite concluir que, pelo menos no contexto brasileiro, a educação social surge no intuito de reduzir as conseqüências do quadro sócio-econômico, sem que a estrutura criadora deste quadro seja, real e profundamente, questionada. Isto não quer dizer que as ações da educação social sejam ineficazes. Certamente seu impacto é perceptível na sociedade e várias de suas soluções têm sido significativas para muitas famílias e comunidades.
Apenas reiteramos que, tais ações, vêm se constituindo em constantes propostas de Políticas Sociais e, como tais, focalizadas e redistributivas sem, contudo, tornarem-se diretrizes de Políticas Públicas, universais, distributivas e condizentes com a doutrina da proteção integral preconizada pela Lei 8069/90 (ECA).
Alguns outros riscos são iminentes quando se fala em ações da Educação Social. O primeiro deles é de que tais ações possam voltar seus objetivos continuamente para as questões sociais sem, necessariamente, buscarem a dimensão educativa. Outro risco é que esta, ao surgir, represente, apenas o papel da reprodução ideológica, na tentativa de adequar o sujeito desta educação a uma realidade social como se a única alternativa possível fosse o realinhamento dos sujeitos a tal "realidade". Pode ocorrer, ainda, que outras iniciativas limitem-se a buscar o fortalecimento de traços culturais ou mesmo a atuações assistencialistas.
Logo, faz-se necessário que todos os projetos, programas e iniciativas da educação social busquem uma proposta, uma metodologia e formas de operacionalizar ações que possam constituir-se em uma "educação libertadora" nos moldes sugeridos por Paulo Freire. Caso contrário nossos esforços estarão criando um contexto de fortalecimento e reprodução dos problemas que pensamos estar combatendo.
Feitas estas ponderações abordamos, na próxima sessão, a participação da Sociedade Civil nas ações que são entendidas como Educação Social. Isto será feito de forma tangencial, apenas para servir como pano de fundo para a abordagem do caso específico a que nos pretendemos na sessão posterior.
A Educação social e a participação da Sociedade Civil
A participação da Sociedade Civil na busca de soluções para problemas que antes eram entendidos como de responsabilidade do Estado, tem crescido desde as duas últimas décadas do séc. XX. Vários autores (DAGNINO (2002) por exemplo) têm abordado este fenômeno sob a ótica da ampliação da democracia e da participação popular na política nacional.
Mesmo sem discordar deste ponto de vista, DELUIZ et al analisam que o Estado, incapacitado de atender às demandas sociais que têm emergido, busca estimular iniciativas de parceria6 com diversas instituições da sociedade, dentre elas as Organizações Não Governamentais - ONGs7, transferindo para elas parte de sua responsabilidade. Enquanto as instituições assumem o papel de agências executoras de diversos projetos de ações educativas junto à sociedade, ao Estado cabe o repasse integral ou parcial dos recursos, atuando assim, como uma instância provedora.
Mas a articulação entre a Sociedade Civil e o Governo nem sempre adquiriu o formato de parceria. Esta modalidade de organização passa a se fazer mais presente a partir da década de 1990. A partir deste novo pacto, intitulado por DAGNINO (2002) "neocorporativismo", a Sociedade Civil deixa de fazer oposição hostil ao Governo, para se aliar a este na busca por soluções de interesse coletivo.
Foi também nos anos 90, com o respaldo da Lei 9394/96, que as instituições parceiras, principalmente as ONGs passaram a ter maior ação sobre a educação, quando então, o artigo primeiro da referida lei explicita que a educação abrange processos formativos ocorridos em diferentes lugares, inclusive nos movimentos sociais e nas organizações da Sociedade Civil, extrapolando assim os limites da escola.
As análises sobre parcerias desta natureza normalmente nos levam a um questionamento: a participação da Sociedade Civil na solução de problemas entendidos como de responsabilidade do Poder Público não levaria este último a retrair sua esfera de atuação, eximindo-se gradativamente de suas responsabilidades? A resposta positiva a esta pergunta não deve ser descartada como uma possibilidade.
Entretanto, a preocupação expressa no questionamento acima, não deve atuar como barreira na busca por tais parcerias, uma vez que as entendemos como potencialmente profícuas. Devem, contudo, balizar as propostas e intenções de cada parceria estabelecida no intuito de representar, realmente, uma agregação de forças, sem a abdicação de responsabilidades.
No tópico seguinte apresentamos as medidas sócio-educativas como uma faceta da educação social para, posteriormente, abordar a execução destas medidas no Estado de Minas Gerais através das parcerias entre o Estado e a Sociedade Civil.
Medidas Sócio-educativas: Uma faceta da Educação Social
A Lei 8069/90 (O Estatuto da Criança e do Adolescente) prevê, em seu artigo 112, que ao jovem a quem for atribuído o cometimento de atos infracionais, poderá ser determinada a sua passagem por uma medida sócio-educativa. Percebe-se, então, o entendimento de que o adolescente que se envolve em atos infracionais pode ter o curso de sua vida alterado através de ações educativas e sua conseqüente reinserção na rotina normal da sociedade.
Temos por certo que estas ações não ocorrerão apenas no âmbito da escola. Logo, percebemos a intenção de que as chamadas Medidas Sócio-educativas se apresentem como um conjunto de ações educativas, focadas em um público em situação de vulnerabilidade social e que ocorrem para além dos limites da escola. Dessa forma, por definição, temos que tais medidas faz parte do escopo da educação social.
O artigo citado prevê a aplicação de seis diferentes medidas, com a possibilidade de concomitância de outras oito chamadas de Protetivas, que são descritas no Art. 100. As seis Medidas Sócio-educativas são: a) advertência, b) obrigação de reparar o dano, c) prestação de serviço à comunidade, d) liberdade assistida, e) inserção em regime semiliberdade e f) internação em estabelecimento educacional. Destas, as quatro primeiras são entendidas como medidas de meio aberto, uma vez que o adolescente é mantido em sua comunidade. As demais são concebidas como restritivas de liberdade, por exigirem que o adolescente passe parte do tempo (semiliberdade) ou integralmente (internação) em uma unidade específica para o cumprimento da medida.
Também por força de lei as medidas restritivas de liberdade devem ficar a cargo do Estado, enquanto as demais são, via de regra, geridas pelo poder público municipal.
No tópico a seguir, abordamos as medidas sócio-educativas restritivas de liberdade no Estado de Minas Gerais e como estas têm sido executadas a partir de diversas parcerias entre o Poder Público Estadual e a Sociedade Civil.
As medidas restritivas de liberdade em Minas Gerais e as parcerias com a Sociedade Civil
O Estado de Minas Gerais, respaldado pelas disposições da Constituição Federal, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96) e, sobretudo, pelo ECA (Lei 8069/90) tem buscado parcerias com as instituições da Sociedade Civil e mesmo com outras esferas do Poder Público para a execução das medidas restritivas de liberdade. Tais instituições são financiadas e fiscalizadas pelo Estado, atualmente por intermédio da Secretaria de Estado de Defesa Social do Estado de Minas Gerais (SEDS), através da Superintendência de Atendimento às Medidas Sócio-educativas (SAME).
Nem todas as unidades são mantidas através de parcerias. De fato, segundo informações obtidas na SAME, das 18 unidades em funcionamento sob a gestão do Estado (incluindo internação, internação provisória e semiliberdade), apenas 7 são geridas através de parcerias com organizações civis, todas confessionais, e apenas 1 é mantida através de parceria do Poder Público Estadual com o Poder Público Municipal.
Em nossa opinião, as parcerias firmadas no Estado de Minas Gerais podem ser consideradas como modelo de articulação entre Estado e Sociedade Civil, uma vez que garantem uma aliança equânime do ponto de vista político-administrativo. Não há, até onde temos percebido, retração na atuação do Poder Público, conforme questionado anteriormente. Antes, seguindo os moldes descritos por Deluiz et al, o Estado apresenta-se como instância provedora e ainda mantêm uma co-gestão através de deliberações normativas a ações de fiscalização.
Isto não quer dizer que tais parcerias estejam livres de ponderações, sobretudo no que tange ao alinhamento ideológico-metodológico entre os parceiros, e à sincronização entre demanda (parceiros) e liberação de recursos (Estado) para a execução dos projetos. Relevamos apenas a correlação de esforços e responsabilidades entre tais parceiros.
Ao mencionar o alinhamento ideológico-metodológico, não podemos nos refutar ao comentário de que sua ausência não se faz sentir apenas quando analisamos as parcerias estabelecidas para a execução das medidas sócio-educativas aqui mencionadas. Antes, percebe-se que cada iniciativa, embora concorde com um núcleo mínimo e comum de diretrizes, apresenta uma metodologia e um entendimento sobre o objetivo final que não são, necessariamente, convergentes.
Não queremos, com isto, defender que haja uma uniformidade em todas as ações. A diversidade pode trazer não apenas uma maior riqueza de entendimentos, como também propor diferentes formas de trabalho que se adeqüem aos diferentes perfis dos adolescentes que se constituirão em "usuários" deste serviço. No entanto, ressaltamos a necessidade de um maior diálogo entre todos os atores envolvidos, buscando uma análise mais crítica e produtiva sobre os meios empregados, até porque os resultados alcançados ainda não são considerados satisfatórios por nenhum destes atores.
Em tom de conclusão: o que nos falta?
Ao questionarmos o termo educação social no início deste trabalho, tínhamos a intenção de que este fosse uma provocação que nos convidasse a rever os conceitos e práticas que possam nos parecer óbvios ou já sedimentados. O trabalho em torno da Educação Social tem se multiplicado em quantidade e em diversidade, mas ainda estamos mergulhados nos problemas que buscamos enfrentar.
Einstein dizia que não se pode obter resultados diferentes, se fazemos as coisas sempre do mesmo jeito. Se quisermos resultados diferentes, então talvez devêssemos buscar ações diferentes. Temos boas instituições, propostas que nos parecem idôneas, investimentos que aumentam ou minguam movidos pela sazonalidade dos governos, mas que existem. Temos um modelo convincente de parcerias e um leque considerável de profissionais.
Mas, certamente, o ponto crítico ainda paira sobre a eficácia e eficiência da aplicação das medidas sócio-educativas. De fato o número de adolescentes envolvidos com atos infracionais tem aumentado ano após ano. Mas não é apenas isto. O nível de agressividade e de ameaça a vida (própria ou de outrem) também têm aumentado. Igualmente crescente são os números relativos aos adolescentes que reincidem em atos infracionais ou que morrem devido ao tráfico de drogas, mesmo após ter passado por uma medida sócio-educativa.
Enquanto buscamos soluções melhores para estas questões, consideramos necessário que todos os profissionais que atuam nesta área tenham duas convicções. A primeira delas é a de que não existe educação que prescinda da escolha do indivíduo pois,
Há sempre uma apropriação do conhecimento pelo sujeito que não é única e nem ocorre de forma passiva. Cada sujeito posiciona-se diante do saber, e isto ocorre de forma diferenciada em cada sujeito. (CARVALHO, 2004:34)
Mas é importante perceber que tais escolhas sofrem influência do meio onde o indivíduo encontra-se inserido. Nesse sentido é possível pensar a eficácia de uma educação social libertadora que, para além do mero assistencialismo e minimização de conflitos, esteja centrada na formação de um sujeito engajado social e politicamente. Pois pensamos que só a atuação ativa e consciente deste sujeito poderá iniciar um processo de transformação social.
A segunda convicção versa sobre a não acomodação ante o quadro apresentado. É necessário um repensar constante sobre a metodologia utilizada, na busca de intervenções que acompanhem a dinâmica social e que possam fazer sentido para cada sujeito a ponto de influenciá-lo de forma contundente em suas escolhas.
Finalmente, se toda educação é social conforme iniciamos nossa discussão, o tratamento destas questões devem, igualmente, convidar a toda a sociedade desde o seu debate até a sua execução. É preciso que todos assumamos que fazemos parte do sistema que tem sido a matriz destes problemas e, portanto, todos devemos fazer parte de sua solução. Caso contrário, a educação social deixará de lado seu objetivo de inclusão, para tornar-se uma incubadora de guetos.
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1 Pedagogo e especialista em Políticas Públicas pela UFMG. E-mail: jomaster@uol.com.br
2 Pedagoga e Mestranda em Educação pela UFMG.
3 Documento redigido em 1932 através qual diversos intelectuais da sociedade brasileira defendiam, dentre outras coisas, a democratização da educação. Esse documento influenciou a redação da Constituição de 1934 no tocante à Educação.
4 A apresentação e síntese das principais idéias de cada um deles pode ser pesquisada a partir do site institucional www.fae.ufmg.br/teoriaspedagogicas.
5 Segundo Trilla (1996), o termo educação não-formal surge relacionado ao campo pedagógico, quando uma série de críticas ao sistema formal de ensino são realizadas, em um momento histórico compreendido como crise do sistema escolar. Neste momento a escola é percebida como impossibilitada de responder à todas as demandas sociais que lhe são impostas, delegadas e desejadas.
6 Esta parceria nos anos 90, contou com o estímulo de programas de financiamento internacional, cuja exigência era a presença da sociedade na implementação de programas governamentais financiados pelas agências de cooperação. (DELUIZ, GONZALEZ e PINHEIRO [s/d])
7 Nos anos 90 o modelo de movimento social norte–americano chegou ao Brasil, por intermédio das ONGs. Um modelo de movimento-organização com: auto-estruturação, política interna de captação de recursos, constituição de uma base de adeptos ou militantes, e articulação com a sociedade civil e política através de políticas de parceria; e envolvimento em projetos sociais operacionais (GOHN, 1997: 240).