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An. 1 Congr. Intern. Pedagogia Social Mar. 2006
Educação não-formal na pedagogia social
Maria da Glória Gohn1
RESUMO
O trabalho objetiva refletir sobre a educação não-formal e seu papel educativo nos marcos da Pedagogia Social. Considera-se a educação não-formal como um campo de conhecimento em construção. Analisa-se como ocorre a mediação deste processo educativo com a escola por meio da participação da sociedade civil organizada em estruturas colegiadas de interação entre as escolas e o território que a circunda. Busca-se as aprendizagens que acontecem das interações geradas pelo processo participativo
O trabalho se divide em duas partes: a primeira de caráter teórico - discute a categoria educação não-formal em si, seu campo, atributos e relação com a Pedagogia Social. Por meio da análise comparativa, busca-se diferenciar a educação formal, da informal e da não-formal. A segunda utiliza os pressupostos da educação não - formal para observá-la em ação: em colegiados escolares, no interior das escolas e em movimentos sociais que atuam no campo da Pedagogia Social.
Palavras-chave: Pedagogia social; educação não-formal; movimentos sociais; redes solidárias;
1ª Parte
Educação não-formal: a busca para a construção de um conceito
Este texto é parte de uma pesquisa mais ampla que tem como objetivo analisar o protagonismo da sociedade civil em ações coordenadas por ONGs, movimentos e redes solidárias na área da educação em geral. Uma das questões desta pesquisa é investigar as formas educativas existentes no universo daquelas ações buscando qualificar o caráter da educação gerada.
Para tal recorremos a uma categoria que desenvolvemos em pesquisa anterior que é a da educação não-formal (GOHN, 1999). Naquela pesquisa, nos ocupamos em definir a categoria, delimitar seu campo e apontar lacunas e necessidades para a ampliação de seu entendimento e campo de estudo.
Na pesquisa atual, ao investigarmos sobre a questão do sentido e significado da educação produzida nas ações coletivas protagonizadas pelas redes associativas da sociedade civil, retomamos a categoria da educação não-formal, não mais como construção teórica/abstrata mas como ferramenta operacional de análise. Mas a passagem de categoria abstrata para categoria operacional teve que passar pela mediação de novas reflexões e elaborações pois sentimos a necessidade de aprofundar o estudo sobre as lacunas antes apontadas, principalmente as de ordem metodológica.
Com este objetivo, nasceu a primeira parte deste texto; ele foi elaborado para ser um aprofundamento da categoria "educação não-formal" objetivando sua operacionalização, tanto na pesquisa mencionada acima, como em outras pesquisas que venham a ser realizadas no campo de uma Pedagogia Social.
A segunda parte do texto faz utiliza a categoria educação não-formal para uma síntese da pesquisa mencionada acima, destacando os colegiados escolares. Para nós, a educação não-formal é a categoria central de trabalho de um educador social, numa pedagogia social.
1. Distinções entre Educação Não Formal, Formal e Informal
A educação não-formal designa um processo com várias dimensões tais como: a aprendizagem política dos direitos dos indivíduos enquanto cidadãos; a capacitação dos indivíduos para o trabalho, por meio da aprendizagem de habilidades e/ou desenvolvimento de potencialidades; a aprendizagem e exercício de práticas que capacitam os indivíduos a se organizarem com objetivos comunitários, voltadas para a solução de problemas coletivos cotidianos; a aprendizagem de conteúdos que possibilitem aos indivíduos fazerem uma leitura do mundo do ponto de vista de compreensão do que se passa ao seu redor; a educação desenvolvida na mídia e pela mídia, em especial a eletrônica etc. Em suma, consideramos a educação não-formal como um dos núcleos básicos de uma Pedagogia Social.
Quando tratamos da educação não-formal, a comparação com a educação formal é quase que automática. O termo não-formal também é usado por alguns investigadores como sinônimo de informal. Consideramos que é necessário distinguir e demarcar as diferenças entre estes conceitos. A princípio podemos demarcar seus campos de desenvolvimento: a educação formal é aquela desenvolvida nas escolas, com conteúdos previamente demarcados; a informal como aquela que os indivíduos aprendem durante seu processo de socialização - na família, bairro, clube, amigos etc., carregada de valores e culturas próprias, de pertencimento e sentimentos herdados: e a educação não-formal é aquela que se aprende "no mundo da vida", via os processos de compartilhamento de experiências, principalmente em espaços e ações coletivos cotidianas. Vamos tentar demarcar melhor essas diferenças por meio uma série de questões, que são aparentemente extremamente simples, mas nem por isso simplificadoras da realidade, a saber:
Quem é o educador em cada campo de educação que estamos tratando? Em cada campo, quem educa ou é o agente do processo de construção do saber? Na educação formal sabemos que são os professores. Na não- formal, o grande educador é o outro, aquele com quem interagimos ou nos integramos. Na educação informal, os agentes educadores são os pais, a família em geral, os amigos, os vizinhos, colegas de escola, a igreja paroquial, os meios de comunicação de massa etc.
Onde se educa? Qual é o espaço físico territorial onde transcorrem os atos e os processos educativos? Na educação formal estes espaços são os do território das escolas, são instituições regulamentadas por lei, certificadoras, organizadas segundo diretrizes nacionais. Na educação não -formal, os espaços educativos localizam-se em territórios que acompanham as trajetórias de vida dos grupos e indivíduos, fora das escolas, em locais informais, locais onde há processos interativos intencionais (a questão da intencionalidade é um elemento importante de diferenciação). Já a educação informal tem seus espaços educativos demarcados por referências de nacionalidade, localidade, idade, sexo, religião, etnia etc. A casa onde se mora, a rua, o bairro, o condomínio, o clube que se freqüenta, a igreja ou o local de culto a que se vincula sua crença religiosa, o local onde se nasceu etc.
Como se educa? Em que situação, em qual contexto? A educação formal pressupõe ambientes normatizados, com regras e padrões comportamentais definidos previamente. A não-formal ocorre em ambientes e situações interativos construídos coletivamente, segundo diretrizes de dados grupos, usualmente a participação dos indivíduos é optativa, mas ela também poderá ocorrer por forças de certas circunstancias da vivência histórica de cada um. Há na educação não-formal uma intencionalidade na ação, no ato de participar, de aprender e de transmitir ou trocar saberes. Por isso, a educação não-formal situa-se no campo da Pedagogia Social- aquela que trabalha com coletivos e se preocupa com os processos de construção de aprendizagens e saberes coletivos. . A informal opera em ambientes espontâneos, onde as relações sociais se desenvolvem segundo gostos, preferências, ou pertencimentos herdados.
Qual a finalidade ou objetivos de cada um dos campos de educação assinaladas? Na educação formal, entre outros objetivos destacam-se os relativos ao ensino e aprendizagem de conteúdos historicamente sistematizados, normalizados por leis, dentre os quais destacam-se o de formar o indivíduo como um cidadão ativo, desenvolver habilidades e competências várias, desenvolver a criatividade, percepção, motricidade etc. A educação informal socializa os indivíduos, desenvolve hábitos, atitudes, comportamentos, modos de pensar e de se expressar no uso da linguagem, segundo valores e crenças de grupos que se freqüenta ou que pertence por herança, desde o nascimento Trata-se do processo de socialização dos indivíduos. A educação não- formal capacita os indivíduos a se tornarem cidadãos do mundo, no mundo. Sua finalidade é abrir janelas de conhecimento sobre o mundo que circunda os indivíduos e suas relações sociais. Seus objetivos não são dados a priori, eles se constroem no processo interativo, gerando um processo educativo.Um modo de educar surge como resultado do processo voltado para os interesses e as necessidades que dele participa. A construção de relações sociais baseadas em princípios de igualdade e justiça social, quando presentes num dado grupo social, fortalece o exercício da cidadania. A transmissão de informação e formação política e sócio cultural é uma meta na educação não formal. Ela preparar os cidadãos, educa o ser humano para a civilidade, em oposição à barbárie, ao egoísmo, individualismo etc.
Quais são os principais atributos de cada uma das modalidades educativas que estamos diferenciando? A educação formal requer tempo, local específico, pessoal especializado. Organização de vários tipos (inclusive a curricular), sistematização seqüencial das atividades, disciplinamento, regulamentos e leis, órgãos superiores etc. Ela tem caráter metódico e, usualmente, divide-se por idade/ classe de conhecimento. A educação informal não é organizada, os conhecimentos não são sistematizados e são repassados a partir das práticas e experiência anteriores, usualmente é o passado orientando o presente. Ela atua no campo das emoções e sentimentos. É um processo permanente e não organizado. A educação não -formal tem outros atributos: ela não é, organizada por séries/ idade/conteúdos; atua sobre aspectos subjetivos do grupo; trabalha e forma a cultura política de um grupo. Desenvolve laços de pertencimento. Ajuda na construção da identidade coletiva do grupo (este é um dos grandes destaques da educação não-formal na atualidade); ela pode colaborar para o desenvolvimento da auto-estima e do empowerment do grupo, criando o que alguns analistas denominam, o capital social de um grupo. Fundamenta-se no critério da solidariedade e identificação de interesses comuns e é parte do processo de construção da cidadania coletiva e pública do grupo.
Quais são os resultados esperados em cada campo assinalado?
Na educação formal espera-se, além da aprendizagem efetiva (que, infelizmente nem sempre ocorre), há a certificação e titulação que capacitam os indivíduos a seguir para graus mais avançados. Na educação informal os resultados não são esperados, eles simplesmente acontecem a partir do desenvolvimento do senso comum nos indivíduos, senso este que orienta suas formas de pensar e agir espontaneamente. A educação não- formal poderá desenvolver, como resultados, uma série de processos tais como:
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consciência e organização de como agir em grupos coletivos;
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a construção e reconstrução de concepção (s) de mundo e sobre o mundo,;
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a contribuição para um sentimento de identidade com uma dada comunidade;
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forma o indivíduo para a vida e suas adversidades ( e não apenas capacita-o para entrar no mercado de trabalho);
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quando presente em programas com crianças ou jovens adolescentes a educação não-formal resgata o sentimento de valorização de si próprio (o que a mídia e os manuais de auto-ajuda denominam, simplificadamente, como a auto-estima); ou seja dá condições aos indivíduos para desenvolverem sentimentos de autovalorização, de rejeição dos preconceitos que lhes são dirigidos, o desejo de lutarem para de ser reconhecidos como iguais (enquanto seres humanos), dentro de suas diferenças (raciais, étnicas, religiosas, culturais etc.);
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os indivíduos adquirem conhecimento de sua própria prática, os indivíduos aprendem a ler e interpretar o mundo que os cerca.
2 - Algumas Características da Educação Não-Formal: Metas, Lacunas e Metodologias
A seguir listamos algumas características que a educação não formal pode atingir em termos de metas. Consideramos estas metas como um campo a ser desenvolvido pela Pedagogia Social:
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Aprendizado quanto a diferenças - aprende-se a conviver com demais. Socializa-se o respeito mútuo;
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Adaptação do grupo a diferentes culturas, e o indivíduo ao outro, trabalha o "estranhamento";
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Construção da identidade coletiva de um grupo;
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Balizamento de regras éticas relativas às condutas aceitáveis socialmente.
O que falta na educação não-formal:
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Formação específica a educadores a partir da definição de s eu papel e atividades a realizar;
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Definição de funções e objetivos de educação não formal;
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Sistematização das metodologias utilizadas no trabalho cotidiano;
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Construção de instrumentos metodológicos de avaliação e análise do trabalho realizado;
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Construção de metodologias que possibilitem o acompanhamento do trabalho realizado;
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Construção de metodologias que possibilitem o acompanhamento do trabalho de egressos que participaram de programas de educação não formal;
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Criação de metodologias e indicadores para estudo e análise de trabalhos da educação não formal em campos não sistematizados. Aprendizado gerados pela vontade do receptor;
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Mapeamento das formas de educação não formal na auto aprendizagem dos cidadãos (principalmente jovens no campo da auto-aprendizagem musical);
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Metodologias
A questão da metodologia merece um destaque porque é um dos pontos mais fracos na educação não-formal e a comparação com as outras modalidades educativas que utilizamos no item anterior não nos ajuda muito. De toda forma, na educação formal as metodologias são, usualmente, planificada previamente segundo conteúdos prescritos nas leis. As metodologias de desenvolvimento do processo ensino/aprendizagem são compostas por um leque grande de modalidades, temas e problemas e não vamos adentrar neste debate porque não é nossa área de conhecimento. A educação informal tem como método básico à vivência e a reprodução do conhecido, a reprodução da experiência segundo os modos e as formas como foram apreendidas e codificadas. Na educação não-formal, as metodologias operadas no processo de aprendizagem parte da cultura dos indivíduos e dos grupos. O método nasce a partir de problematização da vida cotidiana; os conteúdos emergem a partir dos temas que se colocam como necessidades, carências, desafios, obstáculos ou ações empreendedoras a serem realizadas; os conteúdos não são dados a priori. São construídos no processo. O método passa pela sistematização dos modos de agir e de pensar o mundo que circunda as pessoas. Penetra-se portanto no campo do simbólico, das orientações e representações que conferem sentido e significado às ações humanas. Supõe a existência da motivação das pessoas que participam. Ela não se subordina às estruturas burocráticas. É dinâmica. Visa a formação integral dos indivíduos. Neste sentido tem um caráter humanista. Ambiente não formal e mensagens veiculadas "falam ou fazem chamamentos" às pessoas e coletivos, e as motivam. Mas como há intencionalidades nos processos e espaços da educação não-formal, há caminhos, percursos, metas, objetivos estratégicos que podem se alterar constantemente. Há metodologias, em suma, que precisam ser desenvolvidas, codificadas, ainda que com alto grau de provisoriedade pois o dinamismo, a mudança, o movimento da realidade segundo o desenrolar dos acontecimentos, são as marcas que singularizam a educação não-formal.
Qualquer que seja o caminho metodológico construído ou reconstruído, é de suma importância atentar para o papel dos agentes mediadores no processo: os educadores, os mediadores, assessores, facilitadores, monitores, referências, apoios ou qualquer outra denominação que se dê para os indivíduos que trabalham com grupos organizados ou não. Eles são fundamentais na marcação de referenciais no ato de aprendizagem, eles carregam visões de mundo, projetos societários, ideologias, propostas, conhecimentos acumulados etc. Eles se confrontarão com os outros participantes do processo educativo, estabelecerão diálogos, conflitos, ações solidárias etc. Eles se destacam no conjunto e por meio deles podemos conhecer o projeto sócio-educativo do grupo, a visão de mundo que estão construindo, os valores defendidos e os que são rejeitados. Qual o projeto político-cultural do grupo em suma.
Para finalizar a primeira parte deste texto destacamos que diferenciamos a educação não- formal de outras propostas educativas, que também se apresentam como educação social, mas que tem um caráter conservador. A maioria dessas propostas se voltam para os grupos sociais dos excluídos objetivando, na maior parte das vezes apenas inseri-los no mercado de trabalho, com práticas assistencialistas apoiadas por políticas sociais compensatórias. Entendemos a educação não - formal como aquela voltada para o ser humano como um todo, cidadão do mundo, homens e mulheres, numa perspectiva da emancipação, numa pedagogia libertadora e não integradora a uma dada ordem social desigual . Em hipótese NENHUMA a educação não-formal substitui ou compete com a Educação Formal, com a educação escolar. Poderá ajudar na complementação dessa última, via programações específicas, articulando a escola e a comunidade educativa localizada no território de entorno da escola. A educação não- formal tem alguns de seus objetivos próximos da educação formal, como a formação de um cidadão pleno, mas ela tem também a possibilidade de desenvolver alguns objetivos que lhes são específicos, via a forma e os espaços onde se desenvolvem suas práticas, a exemplo de um conselho ou a participação em uma luta social, contra as discriminações, por exemplo, a favor das diferenças culturais etc. Resumidamente podemos enumerar os objetivos da educação não-formal como sendo: uma educação para cidadania. Esta educação abrange os seguintes eixos:
a) Educação para justiça social;
b) Educação para direitos (humanos, sociais, políticos, culturais etc.);
c) Educação para liberdade;
d) Educação para igualdade;
e) Educação para democracia;
f) Educação contra discriminação;
g) Educação pelo exercício da cultura, e para a manifestação das diferenças culturais.
2ª Parte
A Educação Não-Formal em Ação
Conselhos e Colegiados na Escola: Espaços de Educação Não Formal
Observa-se que inúmeras inovações no campo democrático advêm das práticas geradas pela sociedade civil que alteram a relação estado-sociedade ao longo do tempo e constroem novas formas políticas de agir, especialmente na esfera pública não estatal. De fato, são inúmeras as novas práticas sociais expressas em novos formatos institucionais da participação, tais como os conselhos, os fóruns, as assembléias populares e as parcerias. Em todas elas a educação não-formal está presente, como processo de aprendizagem de saberes aos e entre seus participantes.
Ao analisarmos as possibilidades de participação da comunidade educativa em uma escola, articulando-a aos processos de aprendizagem não-formal que os métodos de gestão participativa desenvolvem, não podemos deixar de tecer algumas considerações sobre as estruturas de participação que já existem no interior das escolas, a exemplo dos distintos e diferenciados colegiados e conselhos. Nos conselhos se entrecruzam necessidades advindas da prática da educação formal/escolar, com a educação não-formal, principalmente no que se refere à participação dos pais e outros membros da comunidade educativa nas suas reuniões.
Observa-se que o processo brasileiro de descentralização da educação não descentralizou, de fato, o poder no interior das escolas. Usualmente, esse poder continua nas mãos da diretora ou gestora, que o monopoliza, faz a pauta das reuniões dos conselhos e colegiados escolares, não a divulga com antecedência etc. A comunidade externa e os pais não dispõem de tempo e, muitas vezes, nem avaliam a relevância de participar ou de estarem presentes nas reuniões. Além disso, usualmente, esses pais não estão preparados para entender as questões do cotidiano das reuniões, como as orçamentárias. Só exercem uma participação ativa nos colegiados aqueles pais com experiência participativa anterior, extra-escolar, revelando a importância da participação dos cidadãos (ãs) em ações coletivas na sociedade civil. O caráter educativo que essa participação adquire, quando ela ocorre em movimentos sociais comunitários, organizados em função de causas públicas, prepara os indivíduos para atuarem como representantes da sociedade civil organizada. E os colegiados escolares são uma dessas instâncias.
Muitos funcionários das escolas são membros dos conselhos e dos colegiados escolares mas, usualmente, exercitam um pacto do silêncio, não participando de fato e servindo de "modelo passivo" para outros setores da comunidade educativa que compõem um colegiado. Por que eles se comportam assim? Porque, na maioria dos casos, estão presentes para referendar demandas corporativas, ou para fortalecer diretorias centralizadoras. Como elo mais fraco do poder, eles participam para "compor", para dar número e quorum necessários aos colegiados, contribuindo com esse comportamento para não construir nada e nada mudar.
Por que isso ocorre? Porque, embora os colegiados sejam um espaço legítimo e de direito, e uma conquista para o exercício da cidadania, até por serem previstos em lei, essa cidadania tem que ser qualificada e construída na prática. Os projetos políticos dos representantes dos diferentes segmentos e grupos, seus valores, visões de mundo etc. interferem na dinâmica desses processos participativos. Para terem como meta projetos emancipatórios, eles devem ter como lastro de suas ações os princípios da igualdade e da universalidade. Os colegiados devem construir ou desenvolver essa sensibilidade por meio de um conjunto de valores que venham a ser refletidos em suas práticas. Sem isso, temos uma inclusão excludente: aumento do número de alunos nas escolas e estruturas descentralizadas que não ampliam de fato a intervenção da comunidade na escola. Temos setores que pretensamente estão representando o interesse público, mas que na realidade defendem o interesse de grupos e corporações, ou a manutenção do poder tradicional, cujo papel é exercer o controle, a vigilância em razão de uma falsa participação ordeira e voltada para a responsabilização da comunidade (pais, mães e outros mais ) nas ações em que o Estado se omite (vide SILVA, 2003).
Não se deve perder de vista que, por intermédio dos Conselhos, a sociedade civil exercita o direito de participar da gestão de diferentes políticas públicas, tendo a possibilidade de exercer maior fiscalização e controle sobre o Estado, em suas políticas públicas. Os fóruns são frutos das redes tecidas nos anos 70/80 que possibilitaram aos grupos organizados olhar para além da dimensão do local; têm abrangência nacional e são fontes de referência e comparação para os próprios participantes. As assembléias e plenárias têm ganhado formatos variados que vão de encontros regulares e periódicos entre especialistas, interessados e gestores públicos, como no caso da saúde, a observatórios e grupos semi-institucionalizados do orçamento participativo. As novas práticas constituem, assim, um novo tecido social denso e diversificado, tencionam as velhas formas de fazer política e criam novas possibilidades concretas para o futuro, em termos de opções democráticas. As novas práticas de interação escola/representantes da sociedade civil organizada devem ser examinadas à luz dos processos da educação não-formal caracterizados na primeira parte deste texto. São aprendizagens que estão gerando saberes. Processos difíceis, tensionados mas educativos para todos, pelo que trazem de novo, pela resistência ou pela reiteração obstinada do velho, que não quer ceder à pressão das novas forças
Conclusões e desafios
Articular a educação, em seu sentido mais amplo, com os processos de formação dos indivíduos como cidadãos, ou articular a escola com a comunidade educativa de um território, é um sonho, uma utopia, mas também uma urgência e uma demanda da sociedade atual e uma necessidade na Pedagogia Social. Por isso trabalhamos com um conceito amplo de educação que envolve campos diferenciados, da educação formal, informal e não-formal. Acreditamos que propostas se fazem com idéias e fundamentos; por isso, dedicamos a primeira parte do texto a qualificação e diferenciação de um conceito que tem centralidade no tema que estamos discutido, qual seja: a importância da educação não-formal. Conceituamos a educação não-formal no campo da Pedagogia Social- aquela que trabalha com coletivos e se preocupa com os processos de construção de aprendizagens e saberes coletivos.
Reiteramos neste texto a perspectiva que aborda a educação como promotora de mecanismos de inclusão social. Entende-se por inclusão as formas que promovem o acesso aos direitos de cidadania, que resgatam alguns ideais já esquecidos pela humanidade, como o de civilidade, tolerância e respeito ao outro; contestam-se concepções relativas às formas que buscam, simplesmente, integrar indivíduos atomizados e desterritorializados, em programas sociais compensatórios.
A gestão compartilhada em suas diferentes formas de conselhos, colegiados etc. precisa desenvolver uma cultura participativa nova, que altere as mentalidades, os valores, a forma de conceber a gestão pública em nome dos direitos da maioria e não de grupos lobista. Isso implica a criação de coletivos que desenvolvam saberes não apenas normativos - legislações, formatos de aplicação de verbas etc., embora esses itens também sejam importantes, dado o papel dos fundos públicos no campo de disputa política em torno das verbas públicas. É preciso desenvolver saberes que orientem as práticas sociais, que construam novos valores, aqui entendidos como a participação de coletivos de pessoas diferentes, com metas iguais. Isto tudo está no campo da educação não-formal e da Pedagogia Social.O perfil do educador social se constrói e está sendo reinventado neste processo.
Entretanto, se não houver sentido nas formas de participação na área da educação, com projetos de emancipação dos cidadãos que objetivem mudanças substantivas e não instrumentais, corre-se o risco de se ter espaços mais autoritários do que já eram quando centralizados. Como democratizar esses espaços? Como ressignificá-los para que as obras e serviços realizados numa escola, por exemplo, não sejam vistos como dádivas de uma diretora, ou de algum político ou administrador público, e sim como direito da população? Como resgatar o direito à educação enquanto política educacional ao nível das instâncias locais, sem esquecer que elas são parte de um todo que extrapola as fronteiras nacionais? Como gerar novas políticas na gestão dos fundos públicos?
São desafios e tarefas gigantescas. Não dá para contar apenas com heroísmos de alguns gestores públicos bem intencionados ou de poucas lideranças da sociedade civil, pois construir sentido e significados novos na gestão da escola é uma prática que tem que se pautar por um outro olhar em relação ao papel da escola num dado território. Não é mais possível permanecer no conformismo diante de espaços dominados por antigos métodos clientelistas, pela ordem tradicional. É preciso criatividade e ousadia porque as novidades só ganham força quando passam a ter hegemonia em certos coletivos organizados mais amplos. Por isso, é preciso voltar os olhos para a organização da sociedade civil, para os processos de educação não-formal que nela se desenvolvem, e para o papel que a escola pode ter como campo de formação de um novo modelo civilizatório. Precisamos de uma nova educação que forme o cidadão para atuar nos dias de hoje, e transforme culturas políticas arcaicas, arraigadas, em culturas políticas transformadoras e emancipatórias. Isso não se faz apenas em aulas e cursos de formação tradicionais, formulados no gabinete de algum burocrata, ou de seminários de capacitação –usualmente só técnica; isto se faz sim a partir da prática da gestão compartilhada escola/comunidade educativa, no exercício das tarefas de uma dada escola, numa determinada comunidade territorial. Participar dos conselhos e colegiados das escolas é uma urgência e uma necessidade imperiosa, mas exige uma preparação contínua, um aprendizado permanente, uma atividade de ação e reflexão. Não basta um programa, um plano, ou mais um conselho. É preciso reconhecer a existência e a importância da educação não-formal no processo de construção de uma sociedade sem injustiças, democrática. É preciso sistematizar dados, gerar e extrair saberes, e produzir conhecimentos no campo da Pedagogia Social.
Construir cidadãos éticos, ativos, participativos, com responsabilidade diante do outro e preocupados com o universal e não com particularismos, é retomar as utopias e priorizar a mobilização e a participação da comunidade educativa na construção de novas agendas. Essas agendas devem contemplar projetos emancipatórios que tenham como prioridade a mudança social, qualifique seu sentido e significado, pense alternativas para um novo modelo econômico não excludente que contemple valores de uma sociedade em que o ser humano é centro das atenções e não o lucro, o mercado, o status político e social, o poder em suma. A educação não - formal é um campo valioso na construção daquelas agendas, e para dar sentido e significado as próprias lutas no campo da educação visando à transformação da realidade social.
Concluímos este texto com uma proposta de caráter sociopolítico: a de transformar as escolas em centro de referências civilizatórias nos bairros onde se localizam. Para isso propomos a articulação dos processos de participação da sociedade civil organizada com as escolas. Propomos, em suma, a articulação da educação formal com a não-formal para dar vida e viabilizar mudanças significativas na educação e na sociedade como um todo. Com isso, a Pedagogia Social se legitimará como área fundamental no campo da produção de conhecimento.
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1 Docente atuante na Unicamp, UNINOVE e CNPq. E-mail: mgohn@uol.com.br