1Ser educador, o que significa isso? Um estudo do sentido do ser educador para as formandas de Pedagogia, curso que hoje apresenta a perspectiva de atuação na educação informalFormação docente e ação multiplicadora entre pares na discussão de temas sobre saúde cardiovascular author indexsubject indexsearch form
Home Pagealphabetic event listing  





An. 1 Congr. Intern. Pedagogia Social Mar. 2006

 

Cartografia como instrumento da pedagogia social

 

 

Maria Júlia Azevedo Gouveia*

 

 


RESUMO

O Projeto Gestores de Aprendizagem Sócio-educativa tem o objetivo de contribuir para o desenvolvimento das ações sócio-educativas desenvolvidas cotidianamente nas organizações não-governamentais por meio da formação de profissionais das ONGs e de técnicos do poder público, responsáveis pelo acompanhamento do trabalho destas organizações. O princípio da formação destes profissionais é o planejamento coletivo de projetos educativos que considerem a aprendizagem como foco prioritário do trabalho desenvolvido e os sujeitos criança/adolescente como atores principais da ação pedagógica. Essa condição de centralidade dos educandos no processo educativo é concretizada por meio da estratégia da cartografia. O primeiro objetivo da realização de atividades cartográficas é considerar o universo das crianças e adolescentes ao explicitar seus sonhos, desejos e percepções. O segundo é incluir os diversos espaços de aprendizagem da comunidade nos projetos educativos, a partir da cartografia dos relacionamentos estabelecidos pelas crianças e jovens em seus territórios. Esta ferramenta pedagógica permite que os educadores desenvolvam projetos educativos que considerem os universos de interesses, desejos e relacionamentos das crianças e jovens. A adoção da cartografia como ferramenta pedagógica também produz efeitos na gestão destas ONGs, como: a ampliação de espaços coletivos de planejamento; avaliação das ações; incremento dos recursos materiais a disposição do aprendizado; aumento da interlocução das organizações com outros atores da comunidade.

Palavras-chave: educação não-formal; metodologia de ensino da geografia; cartografia; ações sócio-educativas.


 

 

O termo cartografia remete a um território espacial e às rotas de navegação, ao lançar-se para o desconhecido, seguindo um sonho, um interesse, um desafio. Ao ser apropriado pela psicologia, o conceito cartografia incorpora uma dimensão subjetiva, vai mapear o existencial, também um espaço desafiador, instigante, ao mesmo tempo único e multifacetado, povoado por sonhos, desejos, percepções, sensações, constantemente atravessado pela vida, pelos acontecimentos que ela gera. Esses acontecimentos atravessam a vida das pessoas e as afetam com diferentes graus de intensidade, produzindo mudanças no nosso modo de ver e de viver, gerando sensações de diferentes tonalidades: encorajamento, conforto, medo, abalo, frustração, potência. Em todos os acontecimentos, a vida pulsando, em constante movimento, um convite à transformação, á autoconstrução.

A investigação cartográfica quer captar a vida onde ela está acontecendo, nas pessoas e nos grupos com os quais trabalhamos, nos seus territórios, onde elas e eles circulam, vivem, aprendem, vibram, se relacionam, produzem.

Aplicada à pedagogia social, torna-se um poderoso instrumento para investigação do universo das crianças e adolescentes: seus interesses, sentimentos, relacionamentos, para localizar o que pode ser vitalizador, aumentar ou diminuir a potência das aprendizagens, de mudanças significativas nesse universo.

É assim que a cartografia é concebida e trabalhada no Projeto Gestores de Aprendizagem Socioeducativa - como um instrumento de investigação do universo das crianças e adolescentes de 7 a 14 anos, atendidos por organizações não-governamentais que desenvolvem programas de ações socioeducativas no contraturno da escola.

O Projeto Gestores de Aprendizagem Socioeducativa, iniciativa da Fundação Itaú Social e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e coordenado pelo CENPEC tem como ação estratégica a formação conjunta de profissionais de ONGs e das secretarias municipais de educação e assistência social. Pretende constituir um marco-referência para uma ação educativa diferenciada nas organizações não-governamentais, introduzindo a aprendizagem como foco prioritário do trabalho desenvolvido e os sujeitos crianças/adolescentes como fundamentais da ação pedagógica.

Ao participar de um processo de formação com a duração de um ano, seus educadores aprendem a utilizar a cartografia como um poderoso instrumento gerador de valiosas descobertas e aprendizagens sobre suas crianças, que, por sua vez, acabam produzindo transformações na sua prática pedagógica.

A cartografia dos diversos territórios por onde a criança circula – ONG, escola, família, igreja e demais espaços da comunidade – permite identificar, reconhecer e ampliar a percepção do educador de onde a criança aprende, o que aprende e com quem aprende.

Nesse processo, o educador se torna um educador-cartógrafo, sempre interessado, curioso e aberto para perceber a vida, o movimento que acontece no grupo de crianças ou adolescentes com quem trabalha, ou seja, onde está a pulsação desse grupo, onde estão as intensidades, as possibilidades de mudança, de transformação.

Ao propor uma investigação cartográfica, o educador abre canais de comunicação, cria campos de diálogo, com as crianças e entre elas. Percebe as singularidades do olhar da criança e se surpreende com o que ela vê e como vê.

Por outro lado, as próprias crianças aprendem sobre si mesmas e ampliam seu horizonte de possibilidades e relacionamentos. Ao deixar-se afetar por essas descobertas e por seu potencial de gerar transformações, de potencializar aprendizagens, o educador incorpora em seus planos de trabalho o desejo, os afetos, os sonhos das crianças. Educador e educando se tornam parceiros, cúmplices do mesmo desejo de transformação, concretizado por meio de projetos educativos. Altera-se assim a relação educador-educando, ambos envolvidos no mesmo processo de aprender e realizar. Os projetos formulados conjuntamente por educador e educandos desvelam e afirmam o potencial criador e transformador de ambos, seus territórios existenciais se enriquecem, novas possibilidades de aprendizagem são percebidas e geradas, ambos deixam de ser somente atravessados pelos acontecimentos para se perceberem como produtores de movimentos no território, capazes de gerar transformações, de produzir realidades.

É importante salientar que no Projeto Gestores de Aprendizagem Socioeducativa a cartografia é um instrumento que está implicado com as concepções de aprendizagem, de criança e da relação educador-educando defendidas por este projeto.

Para nós a aprendizagem acontece na relação da pessoa consigo mesma, com as outras pessoas, com a cultura, com objetos e espaços. A aprendizagem tem, portanto, uma dimensão pessoal e coletiva, tem como foco a ampliação de significados em que a pluralidade e a diversidade são vistas como riquezas.

Com a ação estratégica de formar profissionais das ONGs e do poder público, o Projeto Gestores de Aprendizagem Socioeducativa tem conseguido criar condições favoráveis à reflexão conjunta entre os técnicos das Secretarias Municipais de Assistência Social e de Educação dos municípios envolvidos, que se desdobra na criação de oportunidades de ação conjunta no território, especialmente no que se refere ao planejamento e acompanhamento do trabalho das ONGs e no desenvolvimento de ações socioeducativas. Essa atuação conjunta permite a criação de uma sinergia na ação que se expressa num trabalho mais rico em possibilidades de intervenção e na conseqüente melhoria da qualidade do trabalho socioeducativo ofertado à população infanto-juvenil.

As ONGs passam a se reconhecer como parte de um sistema maior que, sinergicamente, busca a formação integral de crianças e adolescentes, o que estimula a troca de informações e conhecimento entre diferentes profissionais. Há também mudanças na gestão destas instituições quanto ao seu projeto pedagógico, como a ampliação de espaços coletivos de planejamento e avaliação das ações.

Percebe-se o aumento da interlocução entre ONGs, escolas e demais instituições da comunidade; ONGs e Conselhos de direitos e entre diferentes ONGs.

A mudança na vida de crianças e adolescentes se dá através da qualificação dos serviços socioeducacionais, do reconhecimento deste público como sujeitos de direito e a conseqüente ampliação da possibilidade de terem seus interesses reconhecidos nos planos educativos.

Através de instrumentos e análises cartográficas foi possível:

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Cadernos CENPEC, No. 1 (2005). São Paulo, 2005.

CENPEC/Fundação Itaú-Social/UNICEF - Muitos Lugares Para Aprender. São Paulo, 2003.

EGLE, V. e KAZUO, N. Investigação Biocartográfica. Mimeo.

ROCHA, A. L. Cartografia – aposta para ir além. In: Boletim Educação & Participação ano IV – no. 14, ago/set 2005.

 

 

* Maria Júlia Azevedo Gouveia é psicóloga, mestre em Educação e coordenadora da área Educação e Comunidade do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação. E-mail: majuazevedo@cenpec.org.br
O CENPEC — Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária — é uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos que tem como missão intervir na realidade educacional brasileira, visando a melhoria da qualidade da educação pública e assumindo a escola e outros espaços educativos como fundamentais para o avanço da democracia, da justiça social e do exercício da cidadania no País. Desde 1987, o Cenpec propõe e executa ações, estudos e pesquisas nas áreas de educação e ação comunitária, estabelecendo parcerias e prestando serviços junto a órgãos governamentais, instituições não-governamentais, agências internacionais e empresas privadas.