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An. 1 Congr. Intern. Pedagogia Social Mar. 2006

 

As influências advindas do contexto social na relação do educador social e a criança/ adolescente popular urbano

 

 

Marina Minussi Franco1; Patrícia Leme de Oliveira Borba2

 

 


RESUMO

Este relato pretende apontar algumas das influências advindas do contexto social no qual se dá a intervenção dos educadores sociais com seus educandos, no caso crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, num espaço institucional de educação não-formal. Os apontamentos aqui presentes fazem parte das reflexões junto a um grupo de educadores sociais do Projeto Gente Nova Progen. Esta instituição é uma Organização não-governamental que atua há 21 anos na Vila Castelo Branco, periferia da cidade de Campinas, interior do Estado de São Paulo, junto a crianças/adolescentes (entre 7 a 17 anos e 11 meses) e suas famílias que possuem suas rendes de suporte social bastante fragilizadas. No cotidiano, abre-se mão das mais diversas possibilidades de linguagem de expressão artísticas, culturais, jornalísticas, práticas profissionalizantes, etc. E busca-se a criação de um ambiente acolhedor onde a criança e o adolescente possam experienciar a prática da democracia e da cidadania. Advindo da localização física e social do contexto onde se desenvolve este trabalho, vivencia-se uma variedade de influências, que circulam entre o universo do macro e do micro social. Tem-se uma crescente desigualdade social por um lado e, por outro uma sociedade pautada no consumo, veiculada pelos meios de informação, gerando a ligação de muitos dos nossos usuários, cada vez mais novos, à ilegalidade e ao tráfico de drogas. A este quadro soma-se a precariedade das políticas sociais.

Palavras-chave: educação; educação não-formal; inclusão social; formação de educadores.


 

 

INTRODUÇÃO

Este artigo pretende apontar algumas das influências advindas do contexto social da criança e adolescente popular urbano na relação com o educador social nos espaços de educação não-formal. Os apontamentos que aqui serão descritos, só foram possíveis a partir da prática das autoras, como educadoras, assim como, atuando juntamente com educadores sociais na qualificação e criação de estratégias de intervenção junto ao público em instituições que atendem crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, na faixa etária de 7 a 18 anos, na periferia da cidade de Campinas, interior do Estado de São Paulo.

As pessoas envolvidas no campo da educação não-formal nomeiam a forma de atendimento prestado por estas instituições de diferentes maneiras: como atendimentos complementares, extra-escolares, e de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), atendimento sócio educativo em meio aberto.

Todas essas práticas apresentam, necessariamente, algumas das seguintes características segundo Simson, Park e Sieiro (2001):

"a não fixação de tempos e locais, ser uma área não escolar, à flexibilização na adaptação dos conteúdos de aprendizagem a cada grupo concreto, caráter voluntário no que se refere a participação, ter envolvimento com a comunidade, proporcionar elementos para a socialização e solidariedade, evitar formalidades e hierarquias, ter uma ligação mais prática com o cotidiano, favorecer a transformação tanto pessoal, como coletiva e social" (2001, p.11).

Devido à conjuntura política, social e econômica brasileira essa especificidade de educação se desenvolveu, principalmente, com as camadas mais baixas da população.

Se por um lado estas instituições buscam oferecer condições para que essas crianças e adolescentes construam projetos de vida que desencadeiem uma transformação social – individual e coletiva, por outro, as mesmas nasceram com os objetivos de tirá-los da rua e prevenir o risco da marginalidade (Simson, Park, Sieiro, 2001).

Somente a partir da década de 80 iniciou-se a produção teórica científica sistematizada da educação não formal. Com isso, existe um curto espaço de tempo histórico transcorrido, entre o nascimento dessas práticas e sua produção teórica, fazendo com que a modificação dos objetivos iniciais dessas instituições, seja um paradigma a ser transcendido.

Um dos caminhos que se tem vislumbrado na tentativa de transcendermos esse paradigma na prática é a busca de elementos que auxiliem na compreensão da complexidade do contexto social em que estamos inseridos e mais especificamente, do público atendido.

Busca-se também entender como este contexto pode interferir na constituição deste público, e conseqüentemente na prática educativa não formal.

Uma reflexão sobre as influências do contexto social

A primeira grande influência no contexto social das crianças e adolescentes populares urbanos está na estrutura econômica que rege a sociedade brasileira caracterizada pelo abismo social existente, fazendo com que uma minoria detenha a maior parte do capital e uma grande maioria vivendo em condições precárias, não raro miseráveis.

O presente artigo refere-se justamente à grande maioria destituída não só do capital, mas dos seus direitos garantidos na Constituição. Direito a uma habitação digna, serviços de saúde, educação, assistência, cultura, esporte e lazer de qualidade e possibilidade de inserção no mercado de trabalho.

As crianças e adolescentes, filhos e filhas, dessa grande maioria de brasileiros e público das ações educativas não formais, nascem e vivem no contexto do não - direito. Ainda que tais direitos sejam reforçados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990).

Para orientar o entendimento do contexto social, utilizamos o referencial teórico de Castel que conceitua inserção social, a partir de dois eixos:

"o da relação de trabalho (com uma gama de posições do emprego estável à ausência completa de trabalho), e o da inserção relacional (também com um leque de posições entre a inscrição nas redes sólidas de sociabilidade e o isolamento social total). O recorte desses dois eixos circunscrevem zonas diferentes do espaço social: zona de integração – onde se dispõe garantias de um trabalho permanente e se pode mobilizar suportes relacionais sólidos; zona de vulnerabilidade que associa precariedade do trabalho e fragilidade relacional; zona de desfiliação - neste espaço se conjugam ausência de trabalho e isolamento social, implicando uma dupla ruptura das redes de sociabilidade e participação" (LOPES et al. 2002 p. 427).

As crianças e adolescentes estão inscritos na zona da vulnerabilidade, e as influências que advém do contexto referido fragilizam-na, podendo levá-los a zona de desfiliação.

Soma-se à primeira grande influência, inúmeras situações vivenciadas no cotidiano das crianças e adolescentes que colaboram para a fragilização das redes de suporte social.

A sociedade pautada num modelo do consumo veiculada pelos meios de comunicação constitui uma influência importante no processo de fragilização citado. Levisky (1998) nos refina esse olhar para as informações que são bombardeadas diariamente, e que produzem e reforçam a filosofia do tudo pode, tudo vale, produzindo relações individualistas, dificuldade de se reconhecerem, crianças e adolescentes, como parte de um grupo, exclusão do diferente, etc.

Com a inculcação do consumo e a não possibilidade de alcançar por meios legais os objetos desejados, faz com que muitos, do público atendido, se vinculem a prática de atividades ilegais, comumente ao tráfico de drogas, dado a sua proximidade.

Observa-se que cada vez mais novos, crianças e adolescentes, tornam-se mão-de-obra e consumidores do mercado de drogas, que ultrapassa a relação de trabalho que se estabelece, a hierarquia do tráfico se infiltra nas relações sociais vivenciadas no espaço institucional, pois concede poder as famílias e aos envolvidos diretos/ indiretos, valoriza a figura de homem baseado no detentor do poder (ZALUAR, 2004) e dificulta a flexibilização das regras ali construídas.

Destaca-se a influência da fragilidade do sistema educacional público, o qual muitas vezes não atende a demanda da comunidade, oferecendo classes superlotadas associado a um sistema de progressão continuada. O impacto mais imediato tem sido a não alfabetização das crianças e adolescentes, ou a formação dos chamados alfabetos funcionais, que embora alcancem séries avançadas, não há qualquer ganho de aprendizagem, produzindo para dentro das salas de aulas, jovens isolados, e para fora, alienados numa sociedade letrada.

Nas camadas populares, por uma questão de sobrevivência, as famílias dos jovens consideram que ao se atingir uma determinada faixa de idade, eles devem se inserir o mais rápido no mercado de trabalho, vislumbrando a possibilidade da renda familiar ser incrementada. Este entendimento e ação colocam em risco a continuidade nos estudos desses jovens, pois quando se deparam com a dificuldade de conciliar o emprego e os estudos, priorizam, na maioria dos casos, o trabalho. Forma-se assim um ciclo vicioso que a longo prazo legitima o status quo e a manutenção de uma parcela de pessoas marginalizadas, por não terem oportunidade de ascender socialmente via o estudo (CHIESI e MARTINELLI, 1997).

Estas mesmas famílias, chefiadas por mulheres, compostas por crianças e adolescentes, avós, avôs, e os filhos dos adolescentes/ jovens, três a quatro gerações, de quatro a dez pessoas, vivem condições precárias de moradia e dividem cerca de 40/50 m2, e se sustentam freqüentemente das aposentadorias das pessoas mais velhas e das mais diversas possibilidades de geração de renda, seja formal ou informal, legal ou ilegal.

Por fim, e não menos importante, as diversas formas de violência doméstica – física, sexual e psicológica que as crianças/adolescentes tem sido submetidas, muitas vezes já foi normatizada e assimilada culturalmente para dentro dos contextos familiares e da comunidade.

E o educador social, o que lhe cabe ou lhe é cabido?

Um dos elementos chaves na execução das práticas educativas nos espaços não formais é o educador social. Este é proveniente das mais diversas formações e busca se instrumentalizar de linguagens de expressão para acessar o universo da criança e do adolescente. De acordo com Romans (2003) o exercício profissional do educador social se baseia na orientação e enriquecimento dos processos educativos, assim requer deste sujeito para além do conhecimento técnico, a capacidade de estabelecer uma relação de empatia, escuta e resposta ao seu usuário.

Assim nestas instituições propõe-se a vivência de uma relação profunda entre criança/ adolescente com os educadores, pois é na relação, que aparecem as perguntas, dúvidas, sonhos, desejos, e o educador baseado em conhecimento científico somado ao seu conhecimento popular e vivencial, poderá promover a redefinição das trajetórias de vidas, conferindo-lhes instrumentos hábeis a possibilitar a tomada de consciência crítica sobre a sua condição, como bem defendeu Paulo Freire em sua obra Educação como Prática da Liberdade (FREIRE, 1983), possibilitando a construção de projetos de vida autônomos das crianças e adolescentes, mudanças de valores, formas de expressar sentimento, desejos e na sua ausência, proporcionar a busca dos mesmos.

Esta função social que é cabida ao educador é melhor exercida na medida em que a leitura do contexto social for instigada a ser feita, aos poucos o senso comum dos conceitos, pré-conceitos, vão sendo diluídos, e conseqüentemente algumas frases, comumente ouvidas no cotidiano, vão sendo deixadas de ser verbalizadas, tais como "Ah, ele é assim por sacanagem", ou na existência de algum comportamento "diferente": "Aquela menina precisa de uma psicóloga"

Essas formas de entender os comportamentos já foram descritas por Franco Basaglia (1974), quando este autor, na luta pela desconstrução da estrutura manicomial, pautado na história da loucura, percebeu que os ditos normais classificavam os comportamentos desviantes ora como delinqüência, ora como loucura. E Basaglia apontou que para sairmos da polarização entre delinqüentes e loucos era preciso nos remetermos às histórias de vida desses indivíduos.

Isso foi publicado na década de 70, e é tão atual no campo da educação não formal, pois muitos profissionais ainda se valem deste tipo de classificação, o que pode ser explicado pelo desprovimento do entendimento histórico da sociedade e uma descontextualização do sujeito no seu universo, particular e geral, na sua faixa etária e na sua cultura. Dessa forma, (não) leituras da realidade contextual trazem ações que também se polarizam, só que nos pólos entre a rigidez e a super flexibilidade, ou seja, práticas caracterizadas por disciplinares, no pejorativo da palavra, relações autoritárias, hierárquicas, ou no tudo pode, não há regras, o desejo está em primeiro plano, onde o céu é o limite.

De modo a não arriscar-se, é preciso num primeiro momento sair da polarização da compreensão, então aquilo que é ou delinqüência ou loucura deve ser visto e entendido dentro de um contexto, é este contexto, onde as crianças e adolescentes, populares urbanos, estão inseridos, porém sempre atento ao fato de que a realidade é dinâmica e não limitante ao que se buscou descrever no presente artigo.

 

CONCLUSÃO

A produção de conhecimento científico e a sua propagação é imprescindível para a constituição do campo da educação não formal, pelo mesmo ser incipiente na sistematização teórica, somado a multiplicação de instituições e iniciativas e a falta de processos de formação continuada para as pessoas que nele atuam.

Conclui-se que a função social do educador entendida enquanto agente político somente será efetiva a partir da apropriação do contexto social no qual as crianças e adolescentes estão inseridos. Cabe ao educador ressignificar seus espaços de atuação, em especial na relação com seu educando, problematizando, questionando e junto com eles criar meios para a redefinição de suas trajetórias de vida individuais e coletivas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BASAGLIA, F.; O Homem do Pelourinho. 1974.

Brasil. Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo : Cortez, 1990.

CHIESI, A.; MARTINELLI, A. O trabalho como escolha e oportunidade. Revista Brasileira de Educação – Edição especial: Juventude e Contemporaneidade. maio/jun./jul./ago, no 5 e set/out./nov./dez , no 6. 1997.

FREIRE, P. Educação como prática para liberdade. Rio de Janeiro. Editora Paz e Terra. 1983.

LEVISKY, D. L. (org.). Adolescência pelos Caminhos da violência: a psicanálise na prática social. São Paulo : Casa do Psicólogo. 1998.

LOPES, R. E.; BARROS, D. D.; MALFITANO, A. P. S.; GALVANI, D.. Histórias de vida: a ampliação de redes sociais de suporte de crianças em uma experiência de trabalho comunitário. O Mundo da Saúde, São Paulo - SP, v. 26, n. 3, p. 426-434, 2002.

ROMANS, M., TRILLA, J., PERUS, A. Profissão Educador Social. Porto Alegre. Artes Médicas. 2003.

SIMSON, O. R. Von; PARK, M. B.; SIEIRO, R.F. Educação Não-formal: cenários da criação. Campinas, SP. Editora da Unicamp e CMU/ 2001.

ZALUAR, A. Integração perversa: pobreza e tráfico de drogas. Rio de Janeiro : Editora FGV. 2004.

 

 

1 Graduada em Pedagogia pela Unicamp, e-mail: marmimus@gmail.com.br
2 Graduada em Terapia Ocupacional pela UFSCar e Mestranda no Programa de Fundamentos da Educação na UFSCar, e-mail: pat_to00@yahoo.com.br