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An. 1 Congr. Intern. Pedagogia Social Mar. 2006

 

Violência e políticas setoriais: escola e polícia para quem precisa

 

 

Mírian Assumpção e Lima1

 

 


RESUMO

Este artigo objetiva apresentar, por meio de dois estudos de caso, que atuações não conjugadas de profissionais da educação e outros atores sociais são ineficazes para reduzir a violência no cotidiano escolar. Os casos relatam programas de enfrentamento da violência em escolas, elaborados e implementados por policiais militares, em bairros da periferia de Belo Horizonte (MG). A educação escolar brasileira segue um modelo no qual o ensino se reduz à transmissão de saberes. Esta compreensão, que permeia expectativas e lógicas de ação, limita significativamente as possibilidades de diversificação de aprendizagens e apresenta soluções isoladas para o enfrentamento da violência surgida no ambiente escolar. O aumento da violência é uma das facetas pela qual se constata que esse modelo de atuação isolada de educadores ou policiais tem se mostrado insuficiente e ineficaz para reduzir crimes e incivilidades ocorridas em escolas.

Palavras-chave: estudo de caso; violência escolar; educação não-formal; Belo Horizonte; escola.


 

 

" Dizem pra você obedecer
dizem pra você responder
dizem pra você cooperar
dizem para você respeitar".

 

1. INTRODUÇÃO

Da maneira como vem sendo pautada pela mídia e por discussões, inclusive acadêmicas, a violência é um fenômeno intrínseco às sociedades, embora seja intenso o debate presente na teoria sociológica sobre o significado de violência e de sociedade.

Alguns autores diferenciam grupamentos humanos como sendo comunidade ou sociedades. Ferdinand Tönies (1887), pai da sociologia alemã distingue comunidade de sociedade especificando relações sociais que seriam características de cada uma. Assim, os laços de sangue e o grupo familiar consistiriam, p.ex., referências típicas no que o autor identifica por comunidade. Para ele, esses laços são menos intensos nas sociedades, principalmente as observadas, no final do séc. XIX, quando mudanças rápidas e intensas ocorreram deslocando populações numerosas da vida rural para a urbana. Saber se a violência é intrínseca à sociedade é, portanto, um tema em aberto, uma vez que é cada vez maior o desacordo sobre o que seria sociedade.

Quando se trata de reconhecer a violência, o desafio não é menor. Primeiro, porque identificar uma conduta como violenta é algo que depende da percepção de quem identifica. Por exemplo, alguns alunos jovens podem considerar natural falar com um professor no mesmo tom de voz com que discutem com colegas, enquanto alguns professores entenderiam essa conduta como uma agressão.

Segundo, os significados vão sendo alterados a partir das mudanças havidas e aceitas como éticas nas relações sociais. Há cerca de 30 anos, os castigos físicos aplicados por adultos em crianças dificilmente receberiam o qualificativo de práticas violentas.

Terceiro, em geral, oscila-se entre dois extremos: uma abordagem exarcebada do fenômeno criminalizando comportamentos comuns e, de outro lado, uma abordagem restrita desconsiderando as vítimas e as microviolências1a. Um empurrão na fila da merenda pode ser transformado numa representação de agressão pelos pais do aluno ofendido e o ato de "furar a fila" por alunos maiores pode não ser considerado uma violência contra os alunos menores.

Embora autores como CHAUÍ apud CANDAU (s.d.), apresentem uma definição2 para a violência, diante de casos concretos as pessoas vão considerar determinadas práticas como violência ou não. O aumento da percepção ou da importância dada a estas práticas tem determinado propostas de intervenção para minimizar acontecimentos considerados violentos no cotidiano escolar.

Neste artigo, dois exemplos de intervenção implementados por policiais militares em escolas públicas da periferia de Belo Horizonte são descritos com o objetivo de demonstrar que a atuação isolada de quaisquer profissionais tem se mostrado insuficiente e ineficaz para reduzir crimes e incivilidades ocorridas em escolas.

No item seguinte é apresentado o estudo de caso do projeto O que você faz pela Paz? Sua atitude faz a diferença., implantando durante o segundo semestre de 2000 e o primeiro de 2001, inicialmente, em oito escolas públicas da região oeste de Belo Horizonte, Minas Gerais.

O caso da Campanha Educativa do Programa de Homicídio do Morro das Pedras realizada no segundo semestre de 2002, também na capital mineira, é retratado no item 3. As conclusões sobre as duas experiências finalizam este artigo.

 

2. A EXPERIÊNCIA DO SOM DA PAZ

Nos anos de 2000 a 2001, observou-se um crescimento3 significativo dos índices de crimes e incivilidades ocorridos no interior e entorno das escolas na cidade de Belo Horizonte4. Apesar do aumento registrado, uma política intersetorial não foi estabelecida pelas Secretarias de Estado e Municipal de Educação, Secretaria de Segurança Pública, Polícia Militar de Minas Gerais, Conselhos Tutelares, Ministério Público, Juizado da Infância e Adolescência e Colegiados Escolares para o enfrentamento do problema. Intervenções isoladas eram adotadas pelas instituições sempre que ocorria um incidente de maior repercussão na mídia.

Na segunda quinzena de agosto de 2000, o comando da 10ª Companhia de Polícia Militar5, com o crescente aumento do número de chamadas para intervenção policial no interior das escolas e seu entorno, realizou um encontro com a presença de representantes6 de instituições e entidades que atuavam nas escolas locais. Todos os representantes expuseram a missão e atuação do órgão nas escolas daquela região, para nivelamento das informações entre os participantes e também para que fossem evidenciadas ações superpostas. Ao final do encontro, ficou acertado um calendário para novas reuniões nas quais seria elaborado um plano de intervenção conjunta entre as instituições e entidades visando a redução dos índices de crimes no interior e entorno das escolas. Por motivos diversos, o grupo não voltou a se reunir.

Na primeira semana setembro de 2000, um adolescente foi assassinado7 na porta da Escola Estadual Geraldo Jardim Linhares. O policiamento na entrada e imediações da escola foi reforçado para impedir a ocorrência de outras brigas ou represálias. Contudo, esta era uma solução paliativa, considerando que a região contava com 42 (quarenta e duas) escolas, entre estaduais, municipais e particulares de ensino fundamental, médio e superior, e o policiamento só poderia ser mantido ininterruptamente nos dias subseqüentes ao homicídio. Além disso, esta forma de emprego do policiamento atuava nas conseqüências e não nas causas do aumento de crime e incivilidades.

Uma mobilização de alunos e pais motivou a realização de uma reunião, no sábado subseqüente ao homicídio. Mais de mil pais de alunos foram convocados para juntos buscar com a diretoria da escola e o comando da 10ª Cia soluções para o problema. Apenas 20 (vinte) pais compareceram, apesar de indignados com a situação. A explicação dada pelos presentes, para as ausências, era de que os pais se sentiam impotentes para auxiliar em qualquer iniciativa, vez que muitos não conseguiam resolver em casa, casos similares aos ocorridos na escola. Segundo os presentes, a escola, anteriormente, resolvia sozinha a questão das incivilidades e violência.

Contudo, há muito que os problemas de indisciplina ou incivilidade8 antes solucionados pela coordenação ou diretoria tornaram-se "caso de polícia". Assim, o número de chamadas para que houvesse intervenção policial nas escolas9 superava a capacidade de atendimento da 10ª Cia, uma vez que outras demandas ocorriam simultaneamente e o efetivo de 97 (noventa e sete) policiais era o disponível para atender uma comunidade de aproximadamente 300 (trezentos) mil habitantes.

Uma das causas deste aumento do número de chamadas à polícia pode ser a crescente perda de sentido10 da educação escolar seja para seus profissionais, seja para os alunos, familiares e demais segmentos da sociedade nessa hipótese, os conflitos que têm ocorrido na escola são cada vez menos regulados, as regras de conduta também perderiam sentido. O "vai que eu estou mandando" não consegue mais se impor11 e, assim, as traquinagens infantis ou as reações descontroladas dos adolescentes que antes desafiavam os professores passaram a ameaça-los.

Esta fragilidade pode ser percebida pelo silêncio do corpo docente em relação à direção da escola, uma vez que não são constituídos espaços para debate e crítica em busca de propostas para enfrentamento do problema. A procura por fórmulas mágicas ou Messias que possam solucionar o problema com o menor envolvimento possível da comunidade escolar passam a ser vislumbradas como soluções em curto prazo.

Palestras e oficinas têm sido as saídas mais buscadas12. Um convite feito ao comando da 10ª Cia para realizar uma palestra numa escola municipal sobre a violência nas escolas possibilitou a abordagem do problema com aqueles considerados tanto agentes quanto vítimas desta crescente violência escolar: os alunos.

Essa palestra sobre a violência na escola centrou-se em três linhas de argumentação: (1) a segregação histórica entre policiais e grupos marginalizados (principalmente os negros); (2) a banalização da violência e da pobreza; (3) a diferença que a atitude de cada um fazia no aumento ou redução da violência. A discussão do tema iniciou-se após a exibição do clipe do RAPPA13, da canção "Minha alma", que serviu de âncora para construção da fala.

A comandante da 10ª Cia, para realizar a palestra, chegou à escola de capuz negro cobrindo o rosto (a PMMG proibiu o uso do capuz em abordagens, mas alguns policiais ainda o utilizam, principalmente no interior de favelas), colete à prova de bala, equipado com uma pistola 9 (nove) mm e dois pentes de recarga com 25 cartuchos cada um e sem a tarjeta de identificação14.

Enquanto era exibido o clipe, a comandante retirou o capuz, retirou o colete e a pistola ficando com a farda sem equipamentos. O impacto ao final da apresentação foi positivo sob três aspectos: (1) muitos desconheciam que o comando da Cia era exercido por uma mulher; (2) as cenas fortes do clipe e a canção retratavam a realidade vivida por muitos dos presentes; (3) uma integrante da PMMG discutia de forma direta a violência policial.

O debate após a palestra foi acalorado, mas todas as perguntas foram respondidas, mesmo as mais provocativas e um pacto foi proposto para minimizar a violência no cotidiano daquela escola, na forma de um lema: "Paz - sua atitude faz a diferença". Ficou acertado que cada um buscaria dentro de seus limites, minimizar os atos violentos. Pode-se inferir pelo número de convites recebidos para novas palestras, em outras escolas da região, que os resultados foram positivos.

Na palestra seguinte, a comandante da 10ª Cia, ao invés de retirar os equipamentos policiais, enquanto o clipe era exibido, chegou à escola sem a farda e vestiu-a no decorrer da exposição. Os alunos reagiram positivamente à "construção do papel do policial". Logo após esta apresentação para as primeiras três turmas, outras quatro turmas entraram no auditório e só houve tempo para a comandante colocar o capuz.

Assim, enquanto o clipe era exibido a comandante tirou toda a farda e ficou apenas com uma bermuda e uma malha, que compõe o uniforme de educação física. A "desconstrução da imagem policial" pareceu mais impactante aos olhos dos alunos, que se surpreenderam ao ver sob a farda uma mulher, franzina, descalça e desarmada igual a muitos deles.

O momento foi oportuno para que o pacto fosse traduzido em atividades. Assim, surgiu o Projeto O que você faz pela PAZ ? Sua atitude faz a diferença. Dentre as 42 (quarenta e duas) escolas da região foram selecionadas 8 (oito)15, principalmente em função do número de chamadas, incivilidades e crimes ocorridos na escola ou em seu entorno. O projeto visava promover, por meio da conscientização de cada aluno, a redução da violência e da criminalidade nas escolas e na comunidade, buscando uma mudança de comportamento para conseguir-se uma vivência melhor.

O trabalho nas escolas foi dividido em dois módulos, focados na paz que seria ideal para uma melhora do convívio na comunidade. No primeiro módulo, os militares-palestrantes16 iam às escolas e expunham o tema sobre a paz. Terminada a palestra cada turma recebia uma pergunta, que seria respondida num encontro posterior, da forma que os alunos acordassem entre si. Um coordenador de atividades e seis auxiliares eram indicados pela turma e o contato destes alunos anotado pelo policial para que, caso houvesse alguma dúvida, pudesse ser sanada. O professor que acompanhava a turma durante a palestra era responsável pelo monitoramento do trabalho desenvolvido.

As questões apresentadas aos alunos foram as seguintes

a) Qual o significado da palavra PAZ para você?

b) O que você pode fazer pela sua própria PAZ?

c) O que você pode fazer pela PAZ na sua família?

d) O que sua escola pode fazer pela PAZ?

e) O que sua comunidade pode fazer pela PAZ?

f) Qual a PAZ que queremos viver?

Para responder as questões propostas, os jovens elaboraram peças teatrais, murais com textos e poesias, músicas e danças. Na Escola Municipal Mário Werneck, os professores envolveram-se no projeto a ponto de apresentarem no dia do segundo módulo um jogral sobre a Paz, composto pelos próprios docentes.

A rádio 98 FM patrocinou um concurso de músicas, para os alunos das oito escolas participantes do projeto O que você faz pela Paz. O estilo musical seria escolhido pela banda, mas a letra deveria falar sobre a paz. O concurso recebeu mais de trinta inscrições entre rock, rap, gospel e outros estilos. Nas eliminatórias, cada escola classificou duas músicas para a final. As eliminatórias foram realizadas num auditório e a final, numa casa de shows. Os participantes pareciam motivados, pois muitos deles nunca haviam subido num palco.

As canções finalistas fazem parte de um CD, O SOM DA PAZ, que foi distribuído entre as bandas e escolas participantes. O projeto teve grande repercussão na mídia e infere-se que esta repercussão elevou significativamente a estima dos alunos. As mudanças puderam ser observadas na conservação e limpeza das escolas e na redução do número de chamadas á polícia. Uma dupla de policiais motorizada visitava as 42 escolas da região a partir de um calendário previamente distribuído. Nestas visitas, realizavam palestras e aconselhamentos aos alunos.

No ano de 2001, o Comando de Policiamento da Capital da PMMG decidiu ampliar o projeto para a região metropolitana de Belo Horizonte, considerando os resultados alcançados nas oito escolas. As discussões para que isto acontecesse ficaram adstritas à PMMG e à 98 FM. O envolvimento dos principais atores da comunidade escolar não foi considerado.

Para o lançamento do projeto, na região metropolitana, foi realizado um grande show com a presença da banda TiaNastácia, dos jogadores da seleção do Minas Tênis Clube, dentre outros artistas e atletas. O projeto na região metropolitana, entretanto, não teve continuidade. Infere-se que, a mobilização conseguida com o projeto O que você faz pela PAZ – sua atitude faz a diferença não garantiu a abertura de espaços para debates e críticas nas escolas e nem a atuação conjugada entre a PMMG e as Secretarias de Educação. Escolas como a E.E. Geraldo Jardim Linhares, que conseguiram garantir a articulação e participação continuada da Polícia Militar, dos professores, dos pais e da comunidade apresentaram resultados mais perceptíveis e constantes na redução dos crimes e incivilidades.

O relato da experiência das campanhas educativas do Programa de Controle de Homicídios do Morro das Pedras, a seguir, vem corroborar que apenas a mobilização por meio de palestras e oficinas não garante a redução da violência.

 

3. A EXPERIÊNCIA DA CAMPANHA EDUCATIVA NAS ESCOLAS DO MORRO DAS PEDRAS

O fenômeno do crescimento do crime de homicídio em Belo Horizonte, a partir do ano de 1998, tem chamado a atenção de autoridades e administradores públicos locais, bem como mobilizado a opinião pública da cidade. A imprensa tem destacado o acentuado aumento no número de homicídios, principalmente, nos finais de semana, que vitima especialmente jovens de bairros pobres da capital mineira.

De fato, os números indicam claramente este crescimento, especialmente nos últimos cinco anos, conforme constata-se no gráfico 1, destacando o homicídio como um dos problemas centrais a serem enfrentados pelas agências e organizações que tratam do problema da segurança. O desenvolvimento de estratégias e programas específicos para o tratamento do tema, entretanto, tem sido bastante incipiente, senão inexistentes. Homicídios são tratados na mesma categoria de outros tipos de delitos, o que dificulta o desenvolvimento de estratégias específicas e eficazes.

 

 

As formas tradicionais adotadas para lidar com a questão têm atestado de forma inequívoca o fracasso dos modelos reativos de enfrentamento do problema. A resposta isolada, desarticulada tem se traduzido neste contínuo e acentuado aumento das taxas sendo que, no ano de 2003, o número de homicídios ultrapassou a 1200 casos.

No confronto de dados da Polícia Militar, da Secretaria Municipal de Saúde e da Secretaria de Assistência Social, constata-se que os homicídios são mais freqüentes nas áreas em que os indicadores de bem estar social e qualidade de vida são bastante inferiores aos do restante do município. Essa constatação possibilitou as autoridades locais a constituírem uma rede formada pela Polícia Militar, Polícia Civil, Ministério Público, Judiciário, Prefeitura Municipal de Belo Horizonte e Universidade Federal de Minas Gerais. O principal objetivo dessa rede tem sido compreender o fenômeno para a apresentação de alternativas de intervenção.

Desta forma, a rede vem analisando detalhadamente os homicídios, o que possibilitou dar visibilidade a algumas características, discutidas a seguir. Em primeiro lugar, conforme, observa-se no gráfico 2, há uma participação crescente de jovens de menos de 24 anos como autores destes crimes. Em 1998, o início do crescimento significativo de homicídios coincide com a participação majoritária dos jovens de menos de 24 anos nos homicídios cometidos nas regiões violentas da cidade de Belo Horizonte.

 

 

O problema dos homicídios encontra-se concentrado em torno de alguns aglomerados da cidade de Belo Horizonte. O mapa de Kernel, a seguir, identifica "hotspots" dos homicídios registrados pela polícia para os anos 95-200017.

A análise mostra que a incidência dos clusters deu-se em apenas seis dos 81 aglomerados urbanos onde estão as favelas existentes na cidade. Desta forma, a percepção de senso comum de que favelas constituem-se em condição para existência de criminalidade violenta não é verdadeira. Existem diversos aglomerados com incidência de criminalidade similar a outros bairros.

 

 

Da mesma forma que o crime de homicídio têm um padrão espacial bastante definido, nota-se claramente como, nos locais assinalados, eles tendem a ter uma distribuição temporal também definida. O gráfico 4 demonstra que os crimes ocorrem principalmente entre as 20 e 24 horas, e em sua grande maioria nos finais de semana, especialmente no sábado e domingo.

 

 

No caso de Belo Horizonte, os dados sobre homicídios tem possibilitado as autoridades identificar local, horário, perfil de agentes e vítimas para o desenvolvimento de políticas públicas de segurança. A análise e interpretação dos dados permitiu identificar que o grupo de risco é composto por jovens de periferia, onde as condições sócio-econômicas estão degradas.

O homicídio foi identificado então, como um fenômeno ligado a guangues juvenis. Essa constatação, de fundamental importância, tem permitido que os esforços de intervenção sejam convergidos na direção de políticas que impactem na ação das guangues. A rede de controle de homicídios desenhou a seguinte estratégia de intervenção:

"Em termos genéricos, existem vários níveis nos quais podem-se desenvolver estratégias de intervenção de problemas relacionados as gangues. É importante ressaltar que cada um deles servirá de suporte aos outros, de forma tal a garantir a continuidade dos resultados.

No nível institucional, trata-se de medidas de políticas a longo prazo efetivadas pelos diversos órgãos e agências encarregados de desenvolver políticas e programas de natureza preventiva voltados para jovens e adolescentes.

Do ponto de vista das medidas repressivas de prazo mais curto, algumas modificações no desenho organizacional das agências envolvidas podem surtir efeitos imediatos no controle dos homicídios. No nível comunitário de intervenção, medidas de mobilização dos grupos e associações ali existentes podem ensejar resultados de médio e longo prazo.

Finalmente, no nível individual buscar-se-á desenvolver estratégias de sensibilização entre jovens através de campanhas na TVs, e também nas rádios, escolas e da distribuição de panfletos. Um dos resultados mais notáveis observado nos depoimentos com o grupo de trabalho foi o fato de que muitos jovens parecem não se dar conta da situação em que estão envolvidos nas gangues".

Projeto Controle de Homicídio, CRISP, 2002

A estratégia estava desenhada, mas as autoridades participantes da rede ainda estudavam onde o programa deveria iniciar, uma vez que foram detectadas seis favelas com maior concentração de homicídios. Uma chacina ocorrida no Morro das Pedras foi o mote para que o programa lá se iniciasse.

Para efetivar as ações de sensibilização, as preventivas e as repressivas foram criados grupos de trabalho. Uma das primeiras ações de sensibilização implantada foi a campanha de divulgação do programa de controle de homicídios junto as escolas. A palestra inicial foi realizada em setembro de 2002, para grupos de alunos das cinco escolas públicas18 do Morro das Pedras e de policiais militares que trabalham nessa região. O objetivo da campanha nas escolas era informar crianças, adolescentes e jovens sobre o programa de controle de homicídios e a grave situação de risco de vida que esse grupo se encontrava.

Na palestra inicial, novamente foi utilizado o clipe do RAPPA e apresentado os gráficos que demonstravam a gravidade da situação. Alunos e militares participaram com perguntas (algumas um tanto ásperas), e ao final da palestra apresentou-se um cronograma de visitas às escolas, para que os alunos que não estivessem presentes pudessem ter conhecimento do programa.

Nas escolas, a apresentação era realizada para, no máximo, três turmas da mesma série ou de séries subsequentes. Para facilitar a aproximação junto as crianças, adolescentes e jovens, logo no início da palestra explicava-se o objetivo, deixando bem claro que os policiais19 ali presentes não estavam em busca de informações sobre marginais que atuavam mo Morro. Até porque, muitos dos alunos eram filhos, sobrinhos, primos ou vizinhos dos procurados pela polícia.

As palestras nas escolas produziram um efeito, que era esperado da panfletagem20 e da mídia, multiplicador de informações sobre o programa e sobre a situação dos homicídios no local. Além deste resultado, a redução de ocorrências nessas escolas também pode ser observada pelas estatísticas, da PMMG.

A expectativa, em dezembro de 2002, era de que as palestras realizadas pelos policiais tivessem continuidade no ano seguinte. Contudo, a troca do governo estadual não permitiu a efetivação desta medida. Os policiais continuaram indo as escolas, em 2003, mas dentro das ações do programa da PMMG denominado "Anjos da Escola", executando, na maioria das vezes, apenas passagens periódicas. Um trabalho de continuidade à sensibilização implementadas através das palestras não foi realizado. Em 2003, os índices de homicídio no Morro das Pedras diminuíram. Entretanto, no início de 2004, um adolescente foi assassinado e outra baleada durante um tiroteio, dentro de uma das escolas do Morro.

As ações subsequentes ao assassinato foram, basicamente, de natureza policial. Os docentes exigiam a presença de policiais para que pudessem lecionar. A atuação policial nas escolas do Morro estava sendo, iminentemente até então, preventiva, com palestras e aconselhamentos. Após o assassinato, outros policiais que não do policiamento escolar, passaram a dar busca nas mochilas e permanecer no interior da escola.

Os docentes, amedrontados, preferiram não discutir o ocorrido com a comunidade escolar. A presença da polícia garantia a permanência dos professores. Mas, como diz o RAPPA, na canção "Minha alma", " paz sem voz não é paz, é medo".

 

4. CONCLUSÃO

Por meio dos dois estudos de caso apresentados, constata-se que atuações não conjugadas de profissionais da educação e da segurança pública são ineficazes para reduzir a violência no cotidiano escolar. Os resultados positivos percebidos logo após a mobilização ou sensibilização, vão para a mídia, de forma maximizada. Contudo, para uma redução constante e duradoura, os esforços subsequentes demandariam uma atuação conjunta de profissionais da educação e outros atores sociais. Muitas vezes, os profissionais da educação não se dispõem a promover a articulação por entenderem a violência "um problema de polícia".

O texto do coordenador do projeto Integrar pela Educação, Elie Ghanem, no item lições aprendidas e recomendações corrobora a hipótese de que a articulação é fundamental para garantir espaço de discussão e a participação de todos os níveis da hierarquia e todas as categorias envolvidas na intervenção proposta.

"Por sua vez, o modelo de educação escolar centrado no ensino é compatível com a aceitação de uma hierarquia de poder, no topo da qual encontram-se os pequenos grupos que decidem sobre as grandes orientações da educação. No nível intermediário, situam-se os educadores que atuam mais diretamente com os educandos. Ocupam esse nível de decisão os adultos na família, os professores e técnicos nas redes escolares e os profissionais que operam os meios de comunicação de massa. O nível inferior é preenchido por aquelas pessoas que, mesmo diretamente implicadas nas práticas educacionais, mantêm-se predominantemente na condição de educandos. Nessa condição, em relação à gestão da educação, as pessoas estão sobretudo excluídas das decisões sobre grandes orientações e escassamente engajadas na tomada de decisões sobre o funcionamento da educação. Os educandos são, o mais das vezes, rigorosamente afastados da gestão da educação, continuando apenas como objeto do empenho educativo dos educadores.

O modelo predominante de educação compreende, portanto a separação entre a execução das tarefas educacionais e as diretrizes (políticas) que se estabelecem para elas. Mas não é possível tornar a educação adequada mantendo-se o isolamento da escola e a hierarquia de poder, sem participação. Assim como não é possível promover a participação sem remeter-se ao questionamento do modelo. Além disso, uma condição indispensável (geralmente desprezada) para essa participação é que ela seja promovida pelos próprios profissionais das escolas. Quando isso ocorre, buscam reorganizar suas condições de trabalho e evidenciam os limites postos pela ordem escolar atual, abrindo possibilidades de luta por sua alteração. Esses limites materializam o próprio modelo predominante.

Assim sendo, a intervenção de projetos que digam respeito à escola requer uma atuação conjugada que incida em todos os níveis da hierarquia escolar (escolas, órgãos administrativos intermediários e centros de comando político estatal) e em todas as categorias (técnicos, docentes, funcionários não docentes, alunos e familiares). Essa intervenção deve dirigir-se a animar a articulação de múltiplos agentes educativos e ser conduzida na forma de experimentos de inovação pedagógica simultaneamente concebidos como política educacional. Isso quer dizer elaborar os próprios experimentos em alianças que incluam os diferentes grupos da hierarquia de poder e as diferentes categorias implicadas nas práticas educacionais.

Projeto Integrar pela Educação, 2003

Esta compreensão reducionista abordada pelo integrantes do projeto Integrar pela Educação, que permeia expectativas e lógicas de ação, limita significativamente as possibilidades de diversificação de aprendizagens e apresenta soluções isoladas para o enfrentamento da violência surgida no ambiente escolar. O aumento da violência é uma das facetas pela qual constata-se que esse modelo de atuação isolada de educadores ou policiais tem se mostrado insuficiente e ineficaz para reduzir crimes e incivilidades ocorridas em escolas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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________________________ (2002). Educação e Incivilidade. Brasília: mimeo.

_________________________ (2002). Drogas nas escolas. Brasília: UNESCO.

BEATO, Claúdio C. (2000). Informação e desempenho policial. Paper apresentado no IV Seminário Brasileiro do Projeto Polícia e Sociedade organizado pela Fundação Ford.

CANDAU, Vera M. Direitos Humanos, Violência e Cotidiano Escolar. www.dhnet.org.br/direiros

CASOS DE SUCESSO. Violência nas escolas. www.fundep.ufmg.br/homepage/cases

CENTRO DE ESTUDOS DE CRIMINALIDADE E SEGURANÇA PÚBLICA. (2002). Projeto Controle de Homicídios, Trabalho elaborado na parceria da rede de Controle de Homicídios na cidade de Belo Horizonte.

GIGLIO, C. et al (2003). Novos sentidos da educação escolar: projeto Integrar pela Educação. São Paulo: s.ed. [ no prelo].

ITANI, Alice. (1998). A violência no imaginário dos agentes educativos. São Paulo: Cadernos Cedes, ano XIX, n.47, dezembro.

SPOSITO, Marília Pontes. (2001). Um breve balanço da pesquisa sobre violência escolar no Brasil. São Paulo: EdUSP. V.27,n.1,p.87-103,jan/jun.

 

 

1 Mestre em Políticas Sociais pela Fundação João Pinheiro
1a Esta abordagem é apresentada por Abramovay, M. et alii (2002) numa discussão sobre incivilidades. Para essas autoras, quando se trata da violência nas escolas, o conceito de violência deve incorporar: a violência física (crimes contra pessoa e patrimônio), a violência simbólica ou institucional e as incivilidades.
2 Para a autora "a violência é um ato de brutalidade, sevícia e abuso físico e/ou psíquico contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas pela opressão e intimidação, pelo medo e pelo terror".
3 O número de ocorrências registradas pela 8ª Região de Polícia Militar (compreende as cidades Belo Horizonte, Sabará e Ibirité) no interior ou entorno de escolas em 2000 foi de 627. Em 2001, 997 registros.
4 Os dados estatísticos específicos sobre escolas foram disponibilizados pelo setor de Estatística do 8ª RPM, Polícia Militar de Minas Gerais.
5 À época, eu respondia pelo comando da 10ª Companhia de Polícia Militar, sediada no bairro Palmeiras. Sob a jurisdição para execução do policiamento ostensivo da 10ª Cia estavam 34 bairros da região oeste de Belo Horizonte, incluindo o Aglomerado da Cabana do Pai Tomás. O número absoluto de homicídios ocorridos na Cabana era o 3ª maior da cidade.
6 A reunião foi realizada no auditório do 5º Batalhão de Polícia Militar e estiveram presentes representantes das Secretarias de Estado e Municipal de Educação e Segurança Pública, Ministério Público, Conselho Tutelar, Regional Oeste (gerentes dos programas de educação, esporte, cultura e assistência social), diretoras e professoras de escolas, associações de pais, vereadores e a imprensa.
7 L.S, 16 anos, foi assassinado por ter esbarrado na namorada de um traficante local durante a merenda. Após o assassinato, a casa da adolescente envolvida no homicídio foi criminosamente incendiada.
8 Para Abramovay, M. et alii (2002) " as incivilidades caracterizam-se pelas microviolências, humilhações, falta de respeito.
9 A diretora da Escola Estadual Dr. Antônio Augusto Soares Canedo chegava a acionar a companhia oito vezes ao dia.
10 GIGLIO, C. et alii (2003). Novos sentidos da educação escolar: projeto Integrar pela Educação. São Paulo: s.ed. [no prelo].
11 E em muitos casos se impõe as avessas, ou seja, os alunos atualmente é que ameaçam os professores.
12 E acredito as que menores resultados produzem. As palestras e oficinas funcionam bem enquanto mobilização, mas não se sustentam se não existir um projeto de participação consistente com objetivos bem definidos junto a todos os envolvidos.
13 O RAPPA é uma banda carioca cujas canções abordam temas ligados à violência ocorrida nas periferias
14 O uso da tarjeta de identificação é obrigatório por acordos internacionais, mas muitos policiais não a utilizam para dificultar a identificação em casos de abuso de autoridade.
15 As escolas participantes do projeto foram Escola Estadual Geraldo Jardim Linhares, Escola Estadual Leon Renault, Escola Estadual Aarão Reis, Escola Estadual Odilon Behrens, Colégio Tiradentes da Polícia Militar - Anexo 5º BPM, Escola Municipal Mário Werneck, Escola Municipal Mestre Ataíde, Escola Municipal João do Patrocínio.
16 As escolas possuíam um número elevado de turmas e de turnos. Para atender a demanda nas oito escolas foi criado um grupo para ministrar as palestras formado por uma soldado com habilitação em psicopedagogia (que atuava principalmente junto às crianças) e um soldado professor de história, escritor e dançarino de street dance, além da comandante da 10ª Cia.
17 A técnica utilizada para a identificação destes hotspots foi a kernel intensity. O método de interpolação permite estimar a densidade de pontos usando o método de suavização de densidade de kernel. Os kernels são colocados sobre cada ponto, a partir de um grid de células (uma malha), que cobrirá o espaço analisado (no caso, a cidade de Belo Horizonte ou a região central da cidade). A distância entre cada célula e cada ponto é avaliada por uma função de kernel. No caso específico, utilizou-se a função normal cujo tamanho do raio de interpolação foi definido em função da especificidade de cada crime ou da área em estudo. Em seguida cada estimativa individual de kernel é somada, para produzir uma estimativa geral de densidade para esta célula.
18 As escolas são: E.E. Mário Casassanta, E.E. Nsa. Sra. do Belo Ramo, E. E. N. Sra. Aparecida e E.M. Hugo Werneck, Mestre Paranhos.
19 Em razão de minha experiência anterior, fiquei responsável pelo grupo que foi formado com os policiais que atuavam no policiamento escolar no Morro das Pedras.
20 Uma das primeiras ações foi distribuir no Morro panfletos avisando sobre a atuação policial integrada para a prisão dos conhecidos autores de homicídios e sobre os projetos sociais e palestras que aconteceriam.