2Imagens sobre o trabalho: notas para uma pedagogia juvenilA Pedagogia Social na Educação: análise de perspectivas de formação e atuação dos educadores sociais no Brasil author indexsubject indexsearch form
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Congr. Intern. Pedagogia Social Mar. 2009

 

Educação escolar pública na perspectiva de jovens protagonistas participantes de uma ONG1

 

 

Denise Maria Reis2

 

 


RESUMO

Este trabalho analisa a compreensão de jovens denominados/as protagonistas a respeito da educação escolar pública em confronto com a educação desenvolvida na e pela ONG da qual fazem parte na cidade de Campinas/SP. O estudo é parte da pesquisa de mestrado desenvolvida junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos. Considerando o contexto crescente de responsabilização das ONGs pela educação para a cidadania, torna-se relevante investigar a compreensão que possuem a respeito destas, tendo em vista a sua melhoria a partir das relações estabelecidas ou não com os processos educativos vivenciados. A educação popular libertadora (Freire e Fiori), a anti-pedagogia (Enrique Dussel)e a educação social (Trilla e Petrus) constituem o referencial teórico-metodológico central do estudo. A abordagem qualitativa de pesquisa de natureza descritiva, adotando-se o paradigma da Teoria Crítica, abrange procedimentos metodológicos de caráter participativo, tais como o diálogo e a convivência com os/as jovens em momentos de formação e de participação social designada protagônica. Os resultados indicam que os/as jovens têm apreendido a educação escolar como mera obrigatoriedade para ingresso no mercado de trabalho e a escola pública como desconectada de seus interesses de vida. Ainda assim, assinalam a importância que deveriam ter para a sua formação integral, apresentando anseios que levam em conta as suas subjetividades, através das mais variadas formas de expressão, e a construção conjunta de espaços democráticos.

Palavras-chave: Educação Escolar Pública, Educação Não-Escolar, Educação Popular, Processos Educativos, Participação Social e Protagonismo Juvenil


 

 

1. Introdução

Este trabalho tem como objetivo analisar as compreensões de jovens denominados/as protagonistas a respeito da educação escolar pública em confronto com a educação desenvolvida na e pela Organização Não-Governamental SOS adolescente da qual fazem parte na cidade de Campinas/SP. Dizemos "denominados/as" por duas razões: 1) Os/as jovens não se autodenominaram protagonistas, mas receberam esse "título" da própria Organização; 2) A palavra contém o gênero feminino em função do grupo ser composto também pelas jovens. Além disso, evidenciar este gênero na escrita (assim como na oralidade) visa contemplar relações mais igualitárias entre homens e mulheres, bem como chamar a atenção para esta questão, provocando a reflexão e o debate, uma inquietação na sociedade em geral e na própria academia, seja nos/as docentes e estudantes dos mais variados cursos, seja nos grupos de pesquisa, comitês científicos de eventos ou nas instituições responsáveis pela publicação de trabalhos.

O estudo irá compor parte da pesquisa de mestrado da autora pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), área de concentração em Metodologia de Ensino e linha de pesquisa Práticas Sociais e Processos Educativos. Esta pesquisa pretende investigar como os/as próprios/as jovens chamados/as protagonistas compreendem a participação social e as ações protagônicas nos múltiplos espaços em que estão inseridos/as, tendo em vista os processos educativos e as relações de gênero que vivenciam.

Dessa forma, o presente trabalho é um recorte de uma pesquisa mais ampla e um estudo preliminar do tema da educação escolar pública. Trazemos, assim, mais elementos para o debate do que aspectos estritamente conclusivos.

Para auxiliar a compreensão do objetivo do estudo, lançamos mão de um breve esclarecimento sobre a linha de pesquisa. Ela pretende investigar práticas sociais situadas em ambientes não-escolares e escolares e os processos educativos que nelas ocorrem, buscando compreender como as pessoas se educam ao longo de suas vidas e as relações entre estes processos e os promovidos pela escola, sempre na perspectiva de sujeitos, grupos ou comunidades "desqualificados/as" ou "marginalizados/as" socialmente. Dessa forma, é de suma importância o perguntar aos sujeitos e com eles desenvolver as pesquisas.

O confronto assinalado no objetivo do estudo, portanto, não pretende realizar a contraposição entre educação escolar e educação não-escolar para suscitar uma disputa de poder. Esta perspectiva binária tem dois propósitos relacionados entre si: 1) Identificar, na perspectiva dos/as jovens, processos educativos ocorridos nos dois contextos, as relações que podem ou não ser estabelecidas entre eles visando contribuir com a melhoria da escola. 2) Problematizar as formas de regulação social, considerando a presença cada vez mais contundente da lógica do mercado e das privatizações.

A perspectiva dos/as jovens denominados/as protagonistas se apresenta como relevante também por haver expectativas da sociedade em geral sobre os/as jovens que possuem essa denominação, depositando uma aposta neste protagonismo ou carga sobre eles/as (ABRAMO, 2005).

Na década de 1940, a expressão ONG foi mencionada pela ONU (Organização das Nações Unidas) para indicar entidades não-oficiais que realizavam projetos sociais de "desenvolvimento da comunidade" com a ajuda financeira de órgãos públicos (GOHN apud TEIXEIRA, 2003, p. 18). No Brasil, as ONGs despertaram o interesse da imprensa e do universo acadêmico durante os anos 90, especialmente após a ECO-92 (Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento), o que as fez tornarem-se mais numerosas e visíveis. A partir desta década, organizações de "assessoria e apoio" aos movimentos populares dos anos 70 e 80 começam a reivindicar para si o papel de ator social, passando a viver uma relação ambígua, ao mesmo tempo de autonomia e dependência, com outras instituições. Destaca-se ainda um segundo grupo de ONGs, com origem mais recente, que traz à tona "novos" temas (ambientalistas, de apoio aos portadores de HIV, de atendimento aos "meninos de rua", de apoio ao indígenas, entre outros) e que muitas vezes confunde-se com os movimentos sociais a que está vinculado. Nesta década surge ainda um terceiro grupo que também se apropria da sigla ONG: grupos e fundações empresariais. Por fim, tem-se um vasto número de entidades que se reconheciam anteriormente apenas sob a denominação de "entidades filantrópicas" (TEIXEIRA, 2003).

É notável, no campo da educação, a presença de diversas ONGs que são chamadas a colaborar com o Estado justamente no contexto onde a mesma vem, cada vez mais, deixando de ser um direito para a conquista da cidadania, para se tornar uma mercadoria.

"Nos últimos anos, o Brasil, pressionado pela crise fiscal e pelo desenvolvimento do capitalismo internacional, vem executando um processo de reforma do Estado. Essas orientações gerais no plano econômico produziram uma reversão nas expectativas expressas na elaboração da Constituição de 1988, quando se consagrou a conquista de uma série de direitos inclusive no campo da educação. As políticas públicas de educação no Brasil vêm se reorganizando em razão dessa lógica. Um dos aspectos mais importantes dos processos de reforma dos sistemas educacionais é a redefinição dos limites entre o público e o privado. Ao redefinir o papel do Estado no atendimento dos direitos educativos, o governo brasileiro, premido pelas limitações econômicas, tem convocado a sociedade civil a exercer essa função pública. Se, antes, a participação da sociedade civil se circunscrevia aos processos de democratização do Estado, pelo seu papel de controle e direcionamento dos serviços públicos, neste momento ela é conduzida a colaborar diretamente com a oferta dos serviços educacionais, na lógica de diminuição das responsabilidades do Estado. Ao mesmo tempo, verifica-se, no âmbito da sociedade civil, que certas entidades vão ganhando relevância no campo da educação. São entidades filantrópicas ou de caráter assistencial, chamadas a colaborar com o Estado, deslocando parte da responsabilidade pelo sistema escolar do plano das políticas universais públicas para o plano das políticas compensatórias". (OLIVEIRA, HADDAD, 2001, p. 79-80)

A educação escolar pública, por sua vez, tem sua qualidade posta em xeque. Se, por um lado, o problema da oferta de vagas e acesso à escola parece ter sido praticamente resolvido no país, o mesmo não acontece quando se trata da qualidade. E aqui entram em cena noções de qualidade a partir da adoção de ciclos, da promoção automática e de programas de aceleração da aprendizagem, e por meio da generalização de sistemas de avaliação baseados em testes padronizados (OLIVEIRA, ARAÚJO, 2005). "A escola é, possivelmente, a mais importante instituição criada pelo homem moderno, mas deve ser repensada e adaptada às novas necessidades do mundo de hoje" (PETRUS apud ROMAN, PETRUS, TRILLA, 2003, p. 53). Isto significa que, ao nosso ver, por mais que se crie estratégias de fluxos de estudantes ou de avaliações de seus desempenhos, o cerne da discussão da qualidade da educação está mesmo nas possibilidades de articulação com as realidades sócio-culturais dos sujeitos, tendo em vista seu desenvolvimento integral — agentes de sua história pessoal e social.

Por isso mesmo, a educação não-formal desenvolvida no interior dessas Organizações Não-Governamentais tem roubado a cena por, muitas vezes, possibilitar a criatividade humana e a criação de novos conhecimentos (GOHN, 2001).

Os/as jovens deste estudo são alunos/as de escolas públicas da cidade de Campinas/SP3 e participam de um projeto social pautado na proposta educativa chamada Protagonismo Juvenil que "diz respeito à atuação criativa, construtiva e solidária do jovem, (...) na solução de problemas reais na escola, na comunidade e na vida social mais ampla" (COSTA, 2006, p. 22). Reúnem-se semanalmente para a discussão de assuntos da atualidade, articulam-se com movimentos sociais, participam de conferências, fóruns, conselhos municipais, elaboram, executam e avaliam ações educativas voluntárias em suas comunidades, centros comunitários e de saúde, entidades sociais e em suas escolas.

"O protagonismo juvenil é uma forma de atuação com os jovens, a partir do que eles sentem e percebem da sua realidade. Não se trata de uma atuação para os jovens, muito menos de uma atuação sobre os jovens. Portanto, trata-se de uma postura pedagógica visceralmente contrária a qualquer tipo de paternalismo, assistencialismo ou manipulação". (Ibidem, p. 23)

Em grupo, e considerando as ações desenvolvidas no e pelo projeto, vivenciam diversos processos educativos que mesmo não os denominando explicitamente são humanizadores. Isto porque afirmam que neste espaço (do grupo, do projeto e da ONG) convivem com pares que, em geral, ali estão pelo mesmo objetivo e passam por situações semelhantes desta "fase da vida", são ouvidos/as e podem se expressar mais livremente, têm a possibilidade de conhecer e debater assuntos ligados à sua vida cotidiana, podem trocar esses conhecimentos e experiências com outros/as jovens, tornando-se, muitas vezes, uma referência importante a estes/as, têm sua "bagagem" cultural valorizada e mais oportunidade para desenvolvimento de suas habilidades e potencialidades criativas. Por fim, ressaltam que conseguem apurar seu olhar crítico, lutando por mais espaço ao/à jovem na sociedade, reivindicando seus direitos, mas também se "policiando" no que se refere aos seus deveres. Vale ressaltar a necessidade de aprofundar a investigação sobre o significado que atribuem a esse "policiamento". Apesar dos aspectos positivos por eles/as levantados, também não estariam percebendo as regras deste espaço de convivência e aprendizado como arbitrárias? E mesmo os aspectos positivos não estariam sendo interpretados como a construção de um "espaço protegido" da violência e exclusão sociais (ou até mesmo das responsabilidades de um mundo não mais infantil), ou ainda como "ocupação do tempo ocioso"?

Para ilustrar a compreensão humanizadora, trazemos algumas respostas dos/as jovens4 à pergunta "Por que você quer continuar neste projeto?", realizada todo início de ano em conversas em grupo ou individuais e na ficha de inscrição do projeto:

"Tenho muito a contribuir com o grupo... Passar meus conhecimentos e aprender ainda mais. E porque faço o que gosto e gosto de fazer o que amo. E o que eu gosto é aplicar oficinas". (Maurício, 17 anos)

"Para ter algo a mais em minha vida, para mostrar que o adolescente é capaz de todas as coisas, que podemos exigir nossos direitos e deveres". (Sheila, 17 anos)

"Porque eu aprendo, e ensino, sorrio e faço sorrir, participo e ajudo na participação dos outros, cresço e também ajudo no crescimento dos outros, e pergunto e sou perguntado, respondo e sou respondido. E sempre mantendo um aprendizado. E eu adoro o Núcleo". (Pedro, 17 anos)

"Quero crescer como adolescente ainda mais, multiplicar, participar de um grupo onde eu possa falar e expressar minhas opiniões". (Vânia, 15 anos)

 

2. Os processos educativos

Compreendemos, pois, que tais processos educativos assinalam uma perspectiva emancipadora5 uma vez que são desencadeados por relações dialógicas estabelecidas entre a educadora do grupo e educandos/as. A intersubjetividade como comunicação das consciências (FIORI, 1986), como dialogicidade, implica que homens e mulheres só se recriam e interferem no mundo, transformando-o, porque aprendem uns(umas) com os/as outros/as e é porque participam ativamente do processo histórico-cultural que aprendem: a presença dos processos educativos, portanto, é constante.

"(...) o educando precisa de se assumir como tal, mas, assumir-se como educando significa reconhecer-se como sujeito que é capaz de conhecer e que quer conhecer em relação com outro sujeito igualmente capaz de conhecer, o educador e, entre os dois, possibilitando a tarefa de ambos, o objeto de conhecimento. Ensinar e aprender são assim momentos de um processo maior — o de conhecer, que implica re-conhecer". (FREIRE, 2006, p. 47)

Assim, as pessoas se educam o tempo todo e nos mais variados espaços e práticas sociais, e não somente na escola. E esta participação ativa da qual falamos vai ao encontro do desafio atual da educação social que, para Petrus (op cit.), é provocar transformações nas condutas dos/as cidadãos/ãs, nas instituições sociais e escolares. Certamente, devemos nos perguntar em que perspectiva se dariam essas transformações, tendo em vista a coexistência de culturas como a eurocêntrica/estadunicêntrica — elitista — e a popular. Vale dizer que é importante a atuação complementar das educações escolar e social, entendendo que a aversão pela primeira já não é mais funcional aos sujeitos (TRILLA apud ROMANS, PETRUS, TRILLA, 2003), embora suspeitemos que possa ser funcional ao processo de desresponsabilização do Estado para com as políticas públicas educacionais.

No processo de coleta de dados, perguntamos aos/às jovens: "O que é a escola para vocês? Para que ela serve?"

"Neste último ano, não está servindo para nada". (Camila, 17 anos)

"Sem escola não dá para conseguir um emprego". (Fábio, 16 anos)

"Nem tem aula. Até combina de não ir na escola de sexta-feira". (Mariana, 16 anos)

"Por que isso acontece?", prosseguimos.

"Os alunos não têm interesse". (Cíntia, 15 anos)

"Mas isso porque existe essa liberdade". (Camila, 17 anos)

"Os métodos precisam ser mais atrativos". (Sandra, 17 anos)

"Minha professora põe a culpa no governo, no salário baixo". (Lucas, 15 anos)

"Por que há diferença entre o Bentão (escola central) e uma escola de periferia se o professor é o mesmo?". (Jaqueline, 16 anos)

Aqui observa-se a compreensão "micro", isto é, assinalam que a responsabilidade pertence a eles/as próprios/as e ao contexto escolar (incluindo os/as professores/as e demais profissionais), mas também a perspectiva "macro", visto que percebem elementos da política educacional vigente.

Na seqüência, perguntamos: "O que ela tem de bom?"

"Amigos". (maioria do grupo)

"Ela não é mais minha prioridade". (Kátia, 17 anos)

A noção de mera transmissão de conhecimentos acumulados historicamente também é por eles/as apontada nas respostas à pergunta "Por que ela surgiu?":

"Porque alguém quis passar os seus conhecimentos para alguém". (Camila, 17 anos)

Há ainda relatos de muitas outras situações envolvendo discussões com professores/as, e diretores/as, cópia de conteúdos que não se mostram úteis para eles/as e, muitas vezes, ministrados por professores/as substitutos/as, ausência de equipamentos e materiais, dificuldade de pedir ajuda e tirar dúvidas com professores/as, inclusive sobre a sexualidade, decisões que vêm "de cima para baixo", entre outras.

Durante as conversas em grupo surgiu o tema do ensino superior e lhes foi perguntado: "Por que querem fazer uma faculdade?"

"Porque lá vamos estudar aquilo que gostamos". (Fábio, 16 anos)

"Tem a ver com o que queremos, é mais, sei lá, específico". (Kátia, 17 anos)

É preciso aprofundar o estudo nesta compreensão que parece idealizar o ensino superior como um nível que irá trazer-lhes satisfação e realização.

A escola, segundo Fiori (1991), institucionaliza de forma mistificadora o saber, reduzindo sua função à reprodução de idéias e valores que mantém e intensificam a dominação. Por isso mesmo, entende que ela precisa ser reintegrada "ao processo totalizante da cultura" (Ibidem, p. 88).

A desinstitucionalização da condição juvenil (SPOSITO apud ABRAMO, BRANCO, 2005) indica uma crise nas instituições mais tradicionais de transmissão da cultura adulta dominante — como a família e a escola — impulsionando os/as jovens a retirarem delas a sua confiança e a construírem novas formas de ser jovem. Entretanto, na pesquisa quantitativa "Perfil da Juventude Brasileira" (Ibidem) realizada em 2003 com jovens de 15 a 24 anos de áreas urbanas e rurais de todo o território nacional, constatou-se que 74% dos/as jovens entrevistados/as consideram que a escola contribui para uma maior compreensão da realidade e mais da metade — 57% dos/as entrevistados/as com nível fundamental ou médio de ensino e 74% com nível superior — se sente muito satisfeita com a educação recebida — 89% dos sujeitos da pesquisa freqüentam ou freqüentaram escolas públicas. Tais dados contrariam os obtidos por este trabalho, porém destacamos dois pontos importantes: 1) A autora que analisou os dados da pesquisa reconhece que os sujeitos consideraram a escola como um todo e não somente os conteúdos sistematizados, por exemplo. 2) A pesquisa, por ser quantitativa, pode não ter revelado as compreensões e significados ocultos dos sujeitos a respeito das perguntas realizadas. Estas mesmas podem ter sido interpretadas de diferentes maneiras.

Entendemos que a escola, especialmente a pública que é aqui o nosso foco, precisa transcender sua mera função de transmissão de conhecimentos acumulados pela humanidade e seguir em busca da produção de novos conhecimentos, da humanização e libertação dos sujeitos que, em conjunto, lutam por uma vida mais digna e justa. É preciso, então, lançar mão do desafio complexo (porém possível) da construção de uma anti-pedagógica proposta por Dussel (s/d) que defende a invenção, isto é, a criatividade humana de que falamos anteriormente. Contrapõe-se, assim, à disciplina. O autor6 trata ainda de uma educação comunitária baseada numa comunidade educadora, no diálogo e participação que faz uso não só da instituição escolar, mas também de outros instrumentos educativos.

 

3. Metodologia de pesquisa

Utilizou-se, neste estudo, uma abordagem qualitativa de pesquisa de natureza descritiva (GIL, 2007), adotando-se o paradigma da Teoria Crítica (ALVES-MAZZOTTI, GEWANDSZNAJDER, 2004) visando o confronto dialético-crítico entre a investigação teórico-bibliográfica com situações práticas da realidade em questão.

Os procedimentos metodológicos empregados para a coleta de dados foram de natureza participativa e envolveram o convívio e o diálogo (OLIVEIRA, 2003) com os/as jovens. A convivência requer, pois, um envolvimento pessoal, permitindo o conhecer e se fazer conhecer, é questão central para o diálogo (OLIVEIRA, STOZ, 2004). A forma de registro dos dados se deu por meio de notas de campo.

Enfatizamos que investigar os processos educativos ocorridos em práticas sociais, como pretende esta linha de pesquisa, nos parece ser altamente relevante para a contextualização histórica, cultural e política latino-americana e sua transformação numa perspectiva de humanização, de diálogo e libertação das classes oprimidas.

 

4. Resultados

Os resultados indicam que os/as jovens têm apreendido a educação escolar como mera obrigatoriedade para ingresso no mercado de trabalho e a escola pública como desconectada de seus interesses de vida. Denunciam abusos de poder e a desmotivação dos/as professores/as, diretores/as e demais profissionais, reclamam da pouca ou nenhuma participação em suas decisões e expressam abertamente a falta de sentido que os conteúdos lhes apresentam, bem como a escassez de materiais e a fragilidade dos vínculos afetivos com os/as adultos/as. Idealizam o ensino superior como uma etapa que atenderá suas expectativas individuais de ordem pessoal e profissional, ao contrário do que vivenciam nos ensinos fundamental e médio.

Ainda assim, assinalam a importância que a escola e educação públicas deveriam ter para a sua formação integral, apresentando anseios que levam em conta as suas subjetividades, através das mais variadas formas de expressão, e a construção conjunta de espaços democráticos. Portanto, apreendem os processos educativos tais como a convivência, o diálogo, a amizade, a autonomia e criatividade, os debates, o olhar crítico, o trabalho em grupo, a multiplicação de conhecimentos, a participação, entre outros vivenciados na ONG como significativos para a melhoria da qualidade da educação escolar pública porque propiciam esse contexto prazeroso, relacionado com suas realidades, de aprender uns-com-os-outros.

Segundo Freire (2006), uma das tarefas da educação democrática e popular é a de possibilitar na e com as classes populares o desenvolvimento de sua palavra que, surgindo da e voltando-se sobre sua realidade, delineie seus projetos por um mundo melhor, pela invenção da cidadania. O ensino, portanto, deve "enraizar-se e nutrir-se da cultura popular" (FIORI, 1986, p. 10), comprometendo-se com a reflexão crítica.

Salientamos ainda que, embora os papéis de educadores/as e profissionais sejam muito distintos dos papéis dos/as jovens, há que se considerar o compromisso numa perspectiva democrática dos/as primeiros/as, de não fazer uso do "falar de cima para baixo", mas ao contrário, do falar com. Por isso mesmo, dar prioridade ao fazer com, pois a formação integral destes/as jovens não se reduz a um mero treinamento (FREIRE, 1996).

Vale destacar ainda a possibilidade destes e destas jovens denominados/as protagonistas serem cobrados/as a dar respostas imediatas aos problemas da educação e escola públicas e não somente ocuparem a posição de "críticos" do sistema educativo. Contudo, é preciso levar em conta a dificuldade que vêm sinalizando de não conseguirem ser referências para outros/as jovens justamente por conta de um contexto de consumo exacerbado e de posturas individualistas, conforme análises já realizadas em estudo anterior7.

Para o Protagonismo Juvenil participar é envolver-se com a resolução de problemas reais (COSTA, op. cit) e a educação escolar pública tem o dever de não virar as costas para esta possibilidade, lembrando que não se pode manipular ou "treinar" para a participação os/as jovens porque esta não é um conteúdo a ser inserido em suas consciências. Ao contrário, algo que somente pode ser aprendido na práxis grupal (BORDENAVE, 1994).

 

5. Referências bibliográficas

ABRAMO, H. O uso das noções de adolescência e juventude no contexto brasileiro. In: FREITAS, M. V. de. Juventude e adolescência no Brasil: referências conceituais. São Paulo: Ação Educativa, 2005.

ALVES-MAZZOTTI, A. J., GEWANDSZNAJDER, F. O Método nas Ciências Naturais e Sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004.

BORDENAVE, Juan Díaz. O que é Participação. São Paulo: Brasiliense, 1994.

COSTA, Antônio Carlos da. Protagonismo Juvenil: adolescência, juventude e participação democrática. 2.ed. São Paulo: FTD; Salvador: Fundação Odebrecht, 2006.

DUSSEL, Enrique. A pedagógica latino-americana (a Antropológica II). In: -. Para uma ética da Libertação Latino Americana III: Erótica e Pedagógica. São Paulo: Loyola; Piracicaba: UNIMEP, p. 153-281, s/d.

FIORI, Ernani Maria. Conscientização e educação. Educação e Realidade. Porto Alegre: UFRGS, v. 11, n.1, p. 3-10, Jan./Jun. 1986.

_________________. Textos Escolhidos V. II: Educação e Política. Porto Alegre: L&PM, 1991.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa.17. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

_____________. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. 13. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006.

GIL, Antônio Carlos. Como Elaborar Projetos de Pesquisa. São Paulo: Atlas, 2007.

GOHN, Maria da Glória. Educação não-formal e cultura política. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001.

OLIVEIRA, Anna C., HADDAD, Sérgio. As organizações da sociedade civil e as ONGs de educação, Cadernos de Pesquisas Fundação Carlos Chagas, n. 112, p. 61-83, março/2001.

OLIVEIRA, Maria Waldenez de. Processos Educativos em Trabalhos Desenvolvidos entre Comunidades: perspectivas de diálogo entre saberes e sujeitos. 2003, 152 p. Tese (Pós-Doutorado) - Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro.

OLIVEIRA, Maria Waldenez; STOZ, Eduardo Navarro. Perspectivas de diálogo entre organizações não governamentais e instituição acadêmica: o convívio metodológico. Anais da 27ª reunião da ANPES. GT Educação Popular. 2004. Em CD ROM.

OLIVEIRA, Romualdo P. de., ARAÚJO, Gilda C. de. Qualidade do ensino: uma nova dimensão da luta pelo direito à educação. Revista Brasileira de Educação, n. 28, p. 5-23, Rio de Janeiro, jan./abr. 2005.

ROMANS, Mercê, PETRUS, Antoni, TRILLA, Jaume. Profissão: educador social. Trad. Ernani Rosa. Porto Alegre: Artmed, 2003.

SPOSITO, Marília. Algumas reflexões e muitas indagações sobre as relações entre juventude e escola no Brasil. In: ABRAMO, H., BRANCO, P. P. M. Retratos da Juventude Brasileira: análises de uma pesquisa nacional. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2005.

TEIXEIRA, Ana Cláudia C. Identidades em construção: as organizações não-governamentais no processo brasileiro de democratização. São Paulo: Annablume, Fapesp, Instituto Polis, 2003.

 

 

1 Trabalho apresentado no Simpósio de Pós-Graduação do II Congresso Internacional de Pedagogia Social, evento realizado pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo - USP no período de 16 a 19/04/2008. Título original "A Educação Escolar Pública na Perspectiva de Jovens Denominados/as Protagonistas Participantes de uma Organização Não-Governamental" substituído em atendimento às solicitações do Comitê Científico do evento. A relevância dos termos suprimidos será apresentada já no início do texto.
2 Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos - UFSCar - Área de Concentração Metodologia de Ensino - Linha de Pesquisa Práticas Sociais e Processos Educativos - São Carlos - São Paulo - Brasil - Orientadora: Profª Drª Aida Victoria Garcia Montrone - e-mail: denisebv@terra.com.br.
3 Município que conta com diversos projetos e instituições sociais destinados à educação de jovens para o "protagonismo e cidadania", executando, inclusive, um programa chamado Jovem.Com (http://www.programajovem.com/) com bolsa incentivo para a inclusão digital e formação socioeducativa dos/as jovens.
4 Os nomes foram substituídos por nomes fictícios para assegurar o sigilo dos sujeitos da pesquisa.
5 É importante apontar que nem todas as práticas sociais e processos educativos são humanizadores e emancipadores, mas podem também oprimir, excluir e desqualificar pessoas e grupos.
6 Enrique Dussel, filósofo latino-americano, pensador de uma Filosofia e Ética da Libertação para e provenientes da América Latina. Perspectiva que se contrapõe à eurocêntrica/estadunicêntrica citada neste trabalho.
7 Trabalho intitulado "Protagonismo Juvenil na Sociedade de Consumo: jovens como referência para outros/as jovens?" apresentado no II Encontro Estadual de Pedagogia Social realizado pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL - Unidade São José Campinas em 23 e 24/11/2007.