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Congr. Intern. Pedagogia Social Mar. 2010

 

Pedagogia hospitalar na Pedagogia Social: reflexões teóricas

 

 

Ercília Maria Angeli Teixeira de Paula

Docente do Departamento de Educação e Mestrado em Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Paraná. E-mail: erciliapaula@terra.com.br

 

 


RESUMO

Neste artigo discute-se a inserção da Pedagogia Hospitalar na Pedagogia Social. O objetivo deste artigo é analisar questões conceituais e reflexões sobre a Pedagogia Hospitalar e Pedagogia Social. A metodologia utilizada no artigo foi revisão de literatura. A conclusão aponta aspectos que necessitam ser investigados com maior profundidade para uma compreensão mais crítica das áreas.

Palavras-Chave: Pedagogia Hospitalar, Pedagogia Social, Crianças, Adolescentes


ABSTRACT

This paper presents a discussion about the insert Education in Hospital in Social Pedagogy. The main of this article is to analyses questions and conceptions about Education in Hospital in Social Pedagogy. The methodology in this article was a review of the literature. The conclusion presents aspects that deserve to be studied in greater depth to bring more critical understanding of these areas.

Key Words: Education in Hospital, Social Pedagogy, Children, Teenager


 

 

INTRODUÇÃO

As preocupações da educação para segmentos historicamente excluídos têm sido discutidas há várias décadas por pesquisadores da Educação Popular, Educação Não Formal e mais recentemente por estudiosos da Pedagogia Social. Todavia, embora existam várias produções acadêmicas sobre estas temáticas, nos cursos de Pedagogia e licenciaturas no Brasil, essas discussões ainda são incipientes.

Este artigo tem como objetivo refletir teoricamente a respeito da inserção da Pedagogia Hospitalar na Pedagogia Social. Essas áreas apresentam especificidades, todavia, existem elementos comuns que agregam conceitos e idéias.

A justificativa pela opção deste tema está voltada pelo fato de que venho pesquisando, há alguns anos, a forma como está sendo organizada a Pedagogia Hospitalar no Brasil. Algumas reflexões já foram expressas nas seguintes publicações: Paula (2005), Paula (2007), Paula (2008). Também tenho buscado compreender a constituição da Pedagogia Social e suas nuances. Alguns apontamentos foram realizados nos seguintes trabalhos: Paula e Machado (2007,2009).

No que se refere à Pedagogia Hospitalar, durante muitos anos, as crianças e adolescentes hospitalizados foram marginalizados pelo sistema educacional. Por estarem internados, eles foram considerados incapazes de dar prosseguimento a seus estudos. Essas concepções fizeram com que muitas crianças e adolescentes tivessem uma dupla exclusão social, pois além de serem penalizados por suas doenças, também não tinham acesso à educação. Essas concepções de crianças e adolescentes estão sendo modificadas em tempos modernos em função dos avanços nas leis e garantias de proteção social a esta população, todavia durante vários anos, a invisibilidade destas crianças e adolescentes foram predominantes.

Arroyo (2008) considera que pro várias décadas a Pedagogia construiu seu pensar e fazer educativos através de imagens e verdades lineares e abstratas sobre infância e juventude. Estas categorias eram concebidas como dados naturalizados, tempo biológicos com etapas universais e pré-fixadas. Para ele:

As crianças concretas não foram nem são sujeitos da gestação de seus lugares, de suas imagens e de suas verdades. Com esta visão da infância foram construídas verdades históricas e imaginários sociais sobre elas. Foram construídos saberes, instituições, pedagogias, pedagogos e estratégias de gestão da infância. (ARROYO, 2008,p.125).

Desta maneira, Arroyo defende a necessidade do diálogo dos estudos da infância com várias ciências que contribuam para desnudar o pensar e fazer educativos. Para Arroyo (2008) não é possível entender o ofício da docência e da educação, suas identidades, pensamento, descolados das verdades históricas:

Entretanto, os estudos não deixam de mostrar-nos que há infâncias que ao longo da história não couberam, nem na atualidade cabem, nesse estatuto e perfil universais de infância; que há outras infâncias que não foram atingidas pelas estratégias e instituições civilizatórias e pedagógicas. Infâncias que não foram objeto dos mesmos saberes legitimados. Para essas outras infâncias foram pensados outros estatutos e outros saberes pedagógicos. Os estudos mostram que outros coletivos de adultos e crianças nem sequer foram imaginados como civilizáveis nem como educáveis. Se os estudos nos revelam que há outros adultos e outras crianças, como esses "outros" interrogam o pensar e fazer educativos? Como interrogam os estatutos e ideários, as instituições, estratégias e verdades e os saberes tidos como universais? A pedagogia que por oficio convive com esses "outros" adultos e jovens e com essas "outras" crianças sairá enriquecida se prestar atenção à diversidade de estudos que se voltam para a reconstrução histórica, sociológica e antropológica das outras infâncias" (ARROYO, 2008, p. 130)

Portanto, como é possível observar, vários estudiosos no Brasil têm procurado defender os direitos das crianças e adolescentes a uma educação de qualidade e com dignidade a todas as pessoas, indistintamente.

Nesse sentido, a Pedagogia Social está sendo discutida no Brasil como uma maneira de repensar caminhos, práticas e teoria.

As aproximações entre a Pedagogia Hospitalar e a Pedagogia Social no Brasil, estão relacionadas ao fato de serem áreas que buscam garantir os direitos educacionais aos segmentos historicamente excluídos.

Nesse sentido, a problemática principal que norteou este estudo foi: Como a Pedagogia Hospitalar tem instituído seu corpus de conhecimento no Brasil e quais as relações com a Pedagogia Social?

Esta pesquisa é qualitativa e de cunho teórico. Os procedimentos metodológicos foram pautados na revisão de literatura fundamentada e crítica das produções de Pedagogia Hospitalar e Pedagogia Social.

De acordo com Alves-Mazzotti (2006) a revisão de literatura exige uma postura do pesquisador comprometida e engajada com a crítica sobre o estado atual do conhecimento de sua área de interesse. Para isso, faz-se necessária a comparação e contraste de abordagens teórico-metodológicas utilizadas, avaliação da confiabilidade dos resultados de maneira que sejam identificados os pontos de consenso, controvérsias, regiões e lacunas que precisam ser esclarecidos. Em função da necessidade de compreensão destas áreas, a seguir, serão analisadas suas especificidades.

1. A Pedagogia Hospitalar e suas relações com a Pedagogia Social

A Pedagogia, diante das transformações da realidade econômica, política e cultural que o Brasil enfrenta, tem feito com que cada vez mais novas tarefas sejam atribuídas para o educador e para a população a quem atende.

Para Libâneo (1991), a Pedagogia tradicional caracteriza-se por enfatizar a tradição constituída e unilateral entre educadores e alunos. Já a Pedagogia Nova, privilegia o trabalho conjunto de descobertas educadores-educandos e busca abarcar várias dimensões do desenvolvimento humano.

Desde o início da década de 90, Libâneo (1991) em um dos seus artigos publicado em uma coletânea sobre Psicologia Social, já fazia alguns apontamentos e reflexões sobre a constituição da Pedagogia Social no Brasil.

Para ele, naquela época, nas discussões sobre a escola, os pesquisadores, ora privilegiavam as críticas a escola como reprodutora das relações sociais vigentes e ora se restringiam a discutir as experiências das classes populares para possibilitar adquirir consciência crítica. A partir dessas questões, Libâneo fazia a proposição de uma Pedagogia diferenciada na seguinte afirmativa:

Uma Pedagogia social voltada para os conteúdos culturais entende que há saberes universais que se constituíram em domínios de conhecimento relativamente autônomos incorporados pela humanidade e que devem ser permanentemente reavaliados em face às realidades sociais, através de um processo de transmissão-assimilaçãoreavalidação crítica. O objetivo da escola, assim, será garantir à todos,o saber e as capacidades necessárias a um domínio de todos os campos da atividade humana, como condição para redução das desigualdades de origem social. (LIBÂNEO, 1991,p.166)

Portanto, percebe-se que Libâneo já chamava a atenção para a necessidade de uma Pedagogia voltada para o social nas escolas.

Posteriormente, Libâneo (1999) vai analisar as relações da Pedagogia na modernidade e a ampliação da educação e suas áreas de atuação. Para ele, a educação está presente nos meios de comunicação, nos movimentos ecológicos, nas Organizações Não Governamentais (ONGs), em meios profissionais, sindicais, políticos, nos quais, assiste-se a uma redescoberta do pedagógico, a ponto de se falar em uma "sociedade pedagógica". Ele considerava também que nesta extensão, a ação pedagógica extrapolava a sua atuação para outros âmbitos além da escola: como a pedagogia familiar, a pedagogia profissional, social, sendo que as ações pedagógicas realizadas nos serviços de saúde eram denominadas práticas educativas extra-escolares. Neste sentido, os profissionais que trabalhavam nestas modalidades de ensino distinguiam-se em dois aspectos: 1) aqueles que exerciam de forma sistemática essas atividades e 2) aqueles que ocupavam parte de seu tempo nas mesmas e eram classificados como formadores, animadores, instrutores, organizadores, técnicos, consultores, orientadores, que desenvolviam atividades pedagógicas (não escolares) em órgãos públicos, privados e públicos não estatais, ligadas às empresas, à cultura, aos serviços de saúde, promoção social, etc.

A educação, portanto, já não estava mais circunscrita aos muros da escola. Ela acontecia através da mídia, em diferentes locais como hospitais, presídios, na rua. Há de se considerar que, quando os educadores começam a educar em ambientes diversificados, a educação assume características bem peculiares, que se diferem um pouco das instituições educacionais formais, mas também conservam elementos comuns. É necessário lembrar que essas formas de educar assumem compromissos significativos com a formação de quem se educa e quem é educado.

Luckesi (2000), ao analisar as implicações da educação na vida dos educandos, considera que:

A educação, nos seus diversos â, familiar, religiosa, não formal, formal, tem a possibilidade de mediar uma construção sadia da vida. Na medida em que grande parte da população mundial passa por ela, é imenso o poder que tem a educação de interferir numa direção sadia a ser dada à vida. (LUCKESI, 2000, p. 10).

Portanto, esses diferentes cenários educativos estão constituindo a cultura da educação escolar atual que vem sendo alterada em função das transformações sociais.

Nóvoa (2002) considera que a escola atualmente está enfrentando uma crise devido ao fim do "Estado educador" e está em um momento de transição, uma zona intermediária, que atende, tanto aos interesses do Estado, como do setor privado, que estão oportunizando novos espaços públicos de educação. Ele propõe um "novo" espaço público da educação, que não se limite a pequenos retoques na escola pública estatal. Desta maneira, defende a idéia de que é preciso renovar a escola como espaço público a partir do enfrentamento de três dilemas que influenciam na profissão docente: a necessidade do professor saber se relacionar com a comunidade; saber se organizar para ter autonomia em seu trabalho e saber analisar os fenômenos educativos através do conhecimento. Esses três aspectos redefinem a presença dos professores no espaço público da educação.

Nóvoa cita o livro "Sociedades sem Escolas" do pesquisador Illich, que na década de 70, apregoava a idéia de que a escola não resistiria as crises que enfrentava. No entanto, ressalta o fato que, apesar das críticas que foram realizadas: " Nos últimos trinta anos assistiu-se a um crescimento dos sistemas escolares, que foram invadindo todos os espaços e tempos da vida. O apelo recente à educação e formação ao longo da vida é o episódio mais recente de um longo processo de escolarização da sociedade." (Nóvoa, 2002, p. 13).

Para Nóvoa, a "crise" da escola em tempos modernos, tem criado espaços alternativos para proteger as crianças como: escolas comunitárias, escolas em ambientes religiosos, ensino doméstico (aulas em casa), os "cheques-ensino" (modalidade portuguesa para atender as populações desfavorecidas) e práticas de voluntariado. Ele considera que, como não se tem uma unicidade nas ações, pois existe uma multiplicidade de soluções e políticas, ainda não se tem elementos que permitam avaliar rigorosamente o impacto acadêmico e social destas políticas. Todavia, está ocorrendo uma renovação da educação como espaço público. Para ele, repensar a educação como espaço público, implica em compreender as razões que impediram a escola de cumprir muitas de suas promessas históricas. Estas reflexões possibilitam reconciliar a escola com a sociedade e chamar a sociedade para dentro das escolas.

Na realidade brasileira é preciso discutir o papel e a necessidade do Estado em relação às Políticas Públicas para educação e para o cuidado integral com as crianças e adolescentes, entretanto, é preciso considerar também que os movimentos de expansão da educação não formal1 que vem expandido no Brasil, têm-se inserido nas "brechas" das funções que a escola, o Estado e a educação formal, têm deixado de cumprir, assim como também representa a elaboração de uma outra ordem no sistema escolar. Nas escolas formais, em sua grande maioria, por ainda predominar, um modelo excludente, uniformizador e segregacionista, esse "modelo" de educação tem tido dificuldades de cumprir o seu papel em relação às minorias, nas quais se inserem as crianças e os adolescentes hospitalizados.

Quando uma criança ou adolescente estão sendo escolarizados e são internados em hospitais, muitas vezes, muitos professores das escolas de origem não se preocupam com o que está ocorrendo com eles. Para muitos desses professores, as condições precárias de trabalho associados ao desinteresse pela realidade dos alunos faz com que essas crianças e adolescentes sejam esquecidas. Os movimentos de setores da sociedade civil em prol da educação para essas minorias têm procurado atender a essas demandas, possibilitando outras formas de educação na sociedade brasileira, não somente as tradicionalmente existentes.

Na década de 90 no Brasil, por força dos movimentos sociais e ações do poder público, foram criadas leis como o Estatuto da Criança e do Adolescente ECA (BRASIL, 1990). Ceccim e Carvalho (1997) também descrevem a lei dos Direitos das Crianças e dos Adolescente Hospitalizados elaborada pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA). Essas leis visam a proteger a infância e juventude e servir como instrumento para garantia de uma sociedade mais justa.

De acordo com Ceccim e Carvalho, na Resolução n.41, de 13 de Outubro de 1995 da lei dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes Hospitalizados, chancelada pelo Ministério da Justiça, existem vinte itens em defesa da criança e jovens hospitalizados.

Dentre os artigos apresentados está previsto o direito à educação: "Artigo 9. Direito de desfrutar de alguma forma de recreação, programa de educação para a saúde, acompanhamento do currículo escolar durante sua permanência hospitalar". (CECCIM e CARVALHO, 1997, p. 188)

Embora esteja previsto por lei que as crianças tenham acompanhamento pedagógico no hospital e que existam professores para realizálo, os hospitais, de modo geral, quer sejam públicos ou privados, têm feito muito pouco para possibilitarem à criança hospitalizada dar continuidade aos seus estudos; salvo raras exceções que têm se preocupado em atender as necessidades biopsicosociais dessa população. Também os órgãos públicos, os educadores e a sociedade em geral, pouco reconhecem esses espaços educativos como uma modalidade oficial de ensino em nosso país, pois são raras as Secretarias de Educação que implantam essas práticas educativas nos hospitais, garantindo-lhes apoio e assistência.

Todavia, cabe destacar as ações da Associação das Pioneiras Sociais que é responsável pelo Hospital Sarah que realiza concursos públicos para professores hospitalares e oferece condições de trabalho expressivas. O Programa Sareh no Estado do Paraná da Secretaria Estadual da Educação também tem se destacado como política pública significativa na implantação do trabalho do professor nos hospitais do seu Estado.

O pesquisador Aquino (2000), ao discutir a questão da escolarização das crianças e adolescentes hospitalizados, considera que ainda há muito por se fazer nessa área devido ao descaso com que a própria sociedade trata essa questão. Ao discutir o papel do professor no hospital, as condições dos alunos, a diferença e da hospitalização, considera que existem um distanciamento muito grande entre o que denominamos de democracia política e democracia social. Para ele:

[...]não basta democratizar o país na esfera política se não houver democracia também nas instituições que regem o dia a dia. E essa é a tarefa principal de nossa geração. [..] Por que, por um lado, excedemos em compaixão quando às crianças "diferentes" do padrão (e aí incluída a criança hospitalizada) e, por outro lado, proporcionamos sua invisibilidade e seu silenciamento civil? Em termos mais concretos, por que temos tido tanta dificuldade de garantir espaços sociais de fato inclusivos, e, para todos?(AQUINO, 2000, P. 25).

Segundo dados de Fonseca (1999), a educação nos hospitais brasileiros iniciou-se desde 1950, com a primeira Classe Hospitalar no Hospital Jesus no Rio de Janeiro. Mas, essa modalidade de ensino só foi reconhecida em 1994 pelo Ministério da Educação - MEC (BRASIL, 1994)

A expansão das escolas nos hospitais no Brasil vem ocorrendo com muitas indefinições sobre sua identidade, principalmente no que se refere ao seu caráter de pertencimento, pois não se tem muito claro se essa modalidade de ensino faz parte da Educação Especial ou da Educação Geral. Existe uma polaridade e dicotomia nas denominadas "classes hospitalares"2 implementadas pois ora pertencem a educação regular, ora a educação especial. Também não há identidade na formação do professor, se pedagogo ou formado nas licenciaturas.

Entretanto, embora as escolas nos hospitais ainda não tenham uma clareza na sua identidade, estão em fase de expansão em nosso país, em vias do seu reconhecimento, assim como em vários países do mundo e começam a surgir as produções acadêmicas a respeito deste assunto.

Na França, de acordo com Rosenberg-Reiner (2003, p.16) a primeira escola no hospital foi implantada em 1929 por Marie-Luoise Imbert. Na década de 40, foi criada a associação Animation, Loisirs à l Hôpital (Animação, Lazer no Hospital) e na década de 80 foi fundada a Associação para a melhoria das condições de hospitalização das crianças - (APACHE), vinculada a European Association for Children in Hospital (Associação Européia para Criança em Hospital - EACH) que reúne várias entidades no país em defesa dos direitos das crianças e adolescentes hospitalizados. Existem Associações específicas com objetivo de dar continuidade a escolarização da criança hospitalizada e são constituídas por professores aposentados, professores da Educação Nacional e voluntários que acompanham as crianças nos hospitais e também na alta, antes do retorno a escola regular. Segundo Rosenberg-Reiner, na França, essa associação conta com 3.600 professores e é similar a associação que organiza as bibliotecas nos hospitais.

Em Portugal, a Carta da Criança Hospitalizada (2000), inspirada nos princípios da Carta Européia da Criança Hospitalizada, aprovada pelo Parlamento Europeu em 1986, também reflete as preocupações com projetos de humanização nos hospitais, com o bem estar da criança hospitalizada e os aspectos educativos. O princípio 7 da Carta de Portugal propõe que: " O Hospital deve oferecer às crianças um ambiente que corresponda às suas necessidades físicas, afectivas e educativas, quer no aspecto do equipamento, quer no de pessoal e da segurança." (Mota, 2000, p. 58).

Na Espanha, a escola no hospital vem sendo cientificamente estudada desde a década de 80. A Pedagogia Hospitalar é considerada como um novo ramo tanto de investigação, de ampliação da atividade profissional do pedagogo e de educação permanente da pessoa:

A Pedagogia Hospitalar se trata, de um trabalho de equipe, tanto no terreno prático como no teórico. No fundo se pretende atender as necessidades fundamentais da pessoa enferma, as necessidades humanas que perpassam a ação comum do pessoal sanitário, muitos centros hospitalares já tem uma pessoa especializada (assistente social, serviço pastoral...) para tais funções; mas estas devem ampliar-se, e já é chegado o momento de programar especificamente todo um serviço educativo no hospital. Com isto o campo educativo se amplia, a Pedagogia Social cresce e os pedagogos se tornam mais necessários. (GONZÁLES-SIMANCAS; POLAINO-LORENTE 1990, p. 11)

É possível verificar, que assim como na Espanha, França e Portugal, já existe no Brasil esse movimento de extensão da prática pedagógica para diferentes ambientes e de preparação de profissionais de educação para atuarem nesses espaços. Alguns esforços têm sido realizados a fim de divulgar essas práticas para superar os desafios desta obscuridade. Vários congressos já foram realizados no Brasil e no exterior e tem contribuído de forma muito significativa para a troca de experiências entre os profissionais e a organização dos saberes, mas são necessários mais eventos, para que haja uma maior integração entre os professores que atuam nos hospitais e os professores da rede pública e privada que também atendem a crianças que sofrem constantes internações.

No Primeiro Congresso Internacional de Pedagogia Social no Brasil cabe destacar o trabalho de Vasconcelos (2006) o qual recebeu menção honrosa no evento apresentando a reconstrução da identidade de crianças e adolescentes através do trabalho dos professores no hospital.

Em termos teóricos, a forma como vem se estruturando as práticas e os saberes da Pedagogia Hospitalar no Brasil, em sua maioria, estão associadas a vertente espanhola da Pedagogia Hospitalar defendida por Gonsáles Simancas y Polaino Lorente (1990) e Quintana Cabanas (1997).

Quintana Cabanas (1997) descreve que a Pedagogia é a ciência da educação e a Pedagogia Social é a ciência da educação social. Para ele, existem três concepções paralelas e distintas de Pedagogia Social:

1) para o ponto de vista sociológico a Pedagogia Social é a ciência da educação como fenômeno essencial e exclusivamente social (a Pedagogia Social é toda a Pedagogia); 2) para a concepção pedagógica tradicional, a Pedagogia Social é parte da Pedagogia que se ocupa da educação social (a socialização geral) de indivíduos e grupos, 3) para quem se interessam pelo trabalho social em sua vertente educativa se chama educação social. A Pedagogia Social é a teoria desse enfoque pedagógico do trabalho social. (Quintana Cabanas ,1997,p. 68)

Percebe-se nestas definições que os conceitos são bem demarcados e definidos de acordo com as concepções de Pedagogia Social dos seus idealizadores.

Quintana Cabanas também descreve o conceito de Pedagogia Hospitalar na apresentação do livro de Gonsáles Simancas y Polaino Lorente (1990) sobre Pedagogia Hospitalar na Espanha. Quintana Cabanas considera a Pedagogia Hospitalar, assim como a Penitenciária, a Ambiental, dentre outras, como ramos da Pedagogia Social. Para ele:

A Educação Hospitalar é recente e conta com experiências suficientes para suscitar a reflexão analítica em profundidade para permitir uma sistematização conceitual. Isto é o que realiza o presente livro: não inventa a educação hospitalar, mas sim explica o que é, o que faz, o que pretende e as condições nas quais se inscreve o processo educativo, dentro do que chamamos de Educação Permanente da pessoa. Porque quando a educação hospitalar for ampliada, e este é o momento atual, no âmbito infantil, pode e deve ser também ampliada para os adultos hospitalizados: pois desde o momento em que se fala de Educação de Adultos cabe também pensar nas pessoas que estão internadas em instituições sanitárias. (Quintana Cabanas, 1990, p. 11)

Gonsáles Simancas y Polaino Lorente (1990,p. 18) também consideram a Pedagogia Hospitalar como derivada da Pedagogia Social:

Uma vez que verificada a existência de uma práxis e uma técnica pedagógica nos hospitais, é possível afirmar a existência de um saber, de um corpus científico próprio que se fundamenta e justifica no que chamamos de Pedagogia Hospitalar? É possível incluir esses saberes na especialização da Pedagogia Social? Uma coisa é incluir esses novos saberes e começar a dar os primeiros passos nessa nova modalidade de educação e outra coisa, muito distinta é perceber que esses campos estão construindo uma pedagogia no sentido de uma ciência prático-normativa. O desafio mais importante que a Educação Hospitalar enfrenta é constituir-se como ciência no âmbito da Pedagogia e não ser entendida superficialmente, mas como uma parte da Pedagogia. O desafio consiste em elaborar com eficácia uma Pedagogia Hospitalar bem fundamentada cientificamente.

Para Gonsáles Simancas y Polaino Lorente (1990) a educação nos hospitais vai além da mera aprendizagem e implica incidir sobre a pessoa que está enferma para melhorar. Por isso, o educador não pode se limitar a ser um mero explicador de coisas e a educação não pode identificar-se como uma mera instrução, transmissão de conhecimentos formalizados, nem como adestramento de alunos para aprender habilidades.

Para Gonsáles Simancas y Polaino Lorente (1990), a Pedagogia Hospitalar não deve renunciar aos conteúdos específicos do ensino formalizado, mas ela vai além destas questões, pois, trata de flexibilizar e agilizar os conteúdos para se acomodar ao estado biopsicológico e social nos quais as crianças e adolescentes se encontram.

Quanto aos espaços de atuação, Oña (2005), descreve que a atuação dos educadores sociais inclui os hospitais como uma destas instituições. Portanto, os espaços são:

(...) centros, entidades e instituições de regime fechado: centros de acolhida, abrigos para crianças e adolescentes, hospitais, asilos, etc.; regime semiaberto: educadores de rua, realização de medidas judiciais, desenvolvimento comunitário, serviços sociais, etc.; drogadependências; equipes sociopedagógicas municipais, Conselhos Tutelares, programas de ajuda técnica ao voluntariado, colônias de férias, albergues, museus, brinquedotecas, serviços de bairro, programas socioculturais (OÑA, 2005).

A Pedagogia Social no Brasil ocorre em diferentes espaços educacionais através de diversas práticas educativas de educadores sociais. Todavia, só recentemente é que as universidades estão se preocupando em sistematizar e estudar teoricamente essas práticas e saberes. A publicação do livro de Souza Neto, Silva e Moura (2009) é resultado desses esforços. Muito embora, na coletânea, não tenham contemplado a Pedagogia Hospitalar, o livro representa grandes avanços e discussões para a área.

A educação social necessita uma dupla perspectiva: por um lado, serve como estratégia para inserir o cidadão na sociedade, e, por outro, como um programa político capaz de transformar a sociedade. Estes conceitos estão fundamentados nas idéias de Freire (2005) que afirmava que o educador necessita aprender com o educando as características, história e processos psicossociais.

O que é possível perceber, tanto na Pedagogia Hospitalar como na Pedagogia Social é que são necessários avanços e discussões a respeito da formação de educadores no Brasil e fundamentação das práticas existentes. Essas discussões envolvem a re-discussão dos cursos de Pedagogia em nosso país, a necessidade de formação e capacitação constante para os educadores nestes diferentes contextos, discussões sobre a construção dos currículos e condição de trabalho dos educadores.

Conclusões

As relações da Pedagogia Hospitalar com a Pedagogia Social são complementares. Ambas estão voltadas para intervenção em espaços sociais e comunitários e são áreas nas quais existem reflexões contínuas entre teoria e prática, pois, a teoria nasce da prática e se retro-alimenta. Elas não são lineares e não se estruturam de forma homogênea como a Educação Formal.

Essas áreas nasceram em função de contextos sociais excludentes e de uma consciência de responsabilidade social com as populações marginalizadas. Também têm sido pedagogias pensadas para serem permanentes, para serem abertas aos segmentos historicamente excluídos e tratadas como direito constitucional. Portanto, são necessários debates e encontros constantes para que se fortaleçam as identidades e marcos teóricos.

 

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1 O termo educação não formal foi utilizado por ser convencionalmente conhecido. Todavia, existem diferentes definições do conceito que não serão analisadas neste artigo.
2 Classe Hospitalar é o termo utilizado pelo Ministério da Educação. Todavia, para muitos estudiosos da Pedagogia Hospitalar no Brasil, este conceito poderia ser ampliado para escola nos hospitais pela abrangência do trabalho.