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Congr. Intern. Pedagogia Social Mar. 2010

 

Interface da educação e saúde através da pesquisa-ação

 

Interface of the education and health through the action research

 

 

Sarah Tarcísia CarvalhoI; Sabrina Corral-MulatoI; Gisele CoscratoI; Sonia Maria Villela BuenoII

IAlunas de Pós-Graduação Stricto Sensu do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto-USP
IIProfª Drª Livre-docente/Associada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto-USP, Pedagoga, presidente do Grupo de Pesquisas CAESOS/DEPCH/EERP-USP. smvbueno@eerp.usp.br

 

 


RESUMO

A Organização Mundial de Saúde (OMS) preconiza que para atingir o processo de promoção de saúde deve-se melhorar o estado de saúde dos indivíduos e incentivar o maior controle das pessoas sobre sua própria saúde. Sabe-se que as práticas educativas só são efetivas e eficazes quando ocorre a participação crítica dos educandos, através da formação de uma consciência crítica, de pensamento reflexivo, em que o sujeito é integrado à sua realidade. Com vistas à superação de paradigmas pedagógicos tradicionais, na interface do binômio Saúde e Educação, destaca-se a metodologia da pesquisa-ação. Trata-se de uma investigação de campo, de abordagem qualitativa, que propõe promover mudanças de ordem psicossocial e proporcionar ampla e explicita interação horizontal entre pesquisador e pesquisando. Esse trabalho objetivou analisar e difundir o emprego da metodologia da pesquisa-ação, enquanto método científico adequado em estudos relacionados à interface educação e saúde. Utilizou-se da abordagem qualitativa através de um estudo descritivo-analítico-documental apropriando-se de produções científicas que abordam o emprego da pesquisa-ação na interface saúde e educação. Para contextualizar o tema proposto, usou-se também, referências científicas a cerca do atual contexto de saúde e da assistência integral à saúde. Em relação à pesquisaação, seguiram-se os preceitos de Thiollent (2009) e da pedagogia críticosocial de Paulo Freire. Constatou-se que estes estudos podem ser divididos em dois tipos principais: os que objetivam formar indivíduos críticos-reflexivos, que sejam conscientes de sua responsabilidade pela sua própria saúde; e àqueles que visam colaborar para uma formação profissional de cunho crítico e social, capaz de perceber o profissional de saúde também como um profissional de educação. Ambos os tipos de pesquisas identificadas estão relacionados às ações de Educação para a Saúde, através da qual se realizam a disseminação do conhecimento científico, por meio de uma linguagem acessível ao público leigo, constituindo uma ação transformadora. Neste contexto, consideramos a investigação qualitativa baseada na pesquisa-ação um instrumento potencial, aberto, ativo e democrático de reorientação da prática em saúde. Ela contribui para ampliar o movimento de construção de uma assistência integral e humanizada, adequada para a apreensão do processo de participação popular e interdisciplinaridade que o novo contexto de saúde preconiza. No entanto, ainda torna-se necessária maior divulgação e valorização dessa metodologia no meio acadêmico e científico.

Palavras-chave: Saúde; Educação para a Saúde, Pesquisa-ação, Pedagogia Social.


ABSTRACT

The World Health Organization (WHO) recommends that to achieve the process of health promotion should be improved health status of individuals and to encourage the people greater control over their own health. It is known that educational practices only are effective and efficient when there is a critical participation of students, through the formation of a critical consciousness, of reflective thought, in which the subject is integrated into your reality. In order to overcome traditional educational paradigms at the interface of binomial Health and Education, highlights the methodology of action research. This is a field investigation, of qualitative approach, which proposes to promote changes to psychosocial and provide broad and explicit horizontal interaction between researcher and searching. This study aimed to analyze and disseminate the use of the methodology of action research as a scientific method appropriate in studies related to interface education and health. To contextualize the theme, were used also, scientific references about the current context of health and comprehensive health care. We used the qualitative approach, using a study descriptive-analytical-documentary, appropriating of scientific productions that address the use of action research in health and education interface. To contextualize the theme, were also used, scientific references about current context of health and comprehensive health care. In relation to action research, were followed the precepts of Thiollent (2009) and critical-social pedagogy of Paulo Freire. It was found that these studies can be divided into two main types: those that seek to train individuals critical-reflexive, aware of their responsibility for their own health; and those who aim to work together to vocational training of social-critic stamp, capable to see health professionals, as a professionals education. Both types of research identified are regarding the actions of health education, through which they carry out the dissemination of scientific knowledge, through a language accessible to the lay public,constituting a transformative action. In this context, we consider the qualitative research based on action research is a potential tool, open, active and democratic, of reorientating of health practice. It helps extend the movement to build a comprehensive and humaned care, adequate for the understanding the process of popular participation and the interdisciplinarity that the new context of health profess. However, it is still a need for greater dissemination and valorization of this methodology in the middle academic and scientific.

Key words: Health, Health Education, Action Research, Social Pedagogy.


 

 

Objetivo

Analisar e difundir o emprego da metodologia da pesquisa-ação, enquanto método científico adequado em estudos relacionados à interface educação e saúde. Para isso, abordou-se, além da metodologia da pesquisaação, uma análise do contexto atual da saúde e da assistência integral à saúde, enfatizando a Educação para a Saúde.

 

Problema

Diante do contexto vigente de um conceito mais amplo de saúde e de assistência integral à saúde, a pesquisa-ação pode ser considerada um método científico adequado a ser empregada em estudos relacionados à interface educação e saúde?

 

Justificativa

O conceito atual de saúde a aborda em uma perspectiva holística, visto como um fenômeno multidimensional e interdependente. Dessa forma, a saúde é percebida como uma realidade complexa que envolve aspectos biológicos, físicos, psicológicos, sociais e ambientais (TEIXEIRA, 1996). Esse conceito considera que o ser humano está em constante interação com ele próprio, com os outros indivíduos e com o meio envolvente (CASANOVA, 1992). Também exige uma atuação transdiciplinar que valorize o contexto em que o indivíduo está inserido e aproxime o saber oficial do saber popular (TEIXEIRA, 1996).

Diante disso, verifica-se que os fatores determinantes da saúde não estão restritos a uma fórmula numérica ou um dado estatístico e, portanto, demandam investigações de natureza qualitativa (MINAYO, 1992).

Percebe-se que o paradigma presente no conceito de saúde se reflete na metodologia empregada em pesquisas nessa área.

Molina (2007) evidencia que os anos de 80 e 90 foram marcados por grandes discussões acerca dos paradigmas quantitativos e qualitativos empregados em pesquisas. Essas discussões atravessaram décadas, e ainda, nos dias atuais, são comuns os debates entre a hegemonia quantitativa e a emergência qualitativa da pesquisa.

Dentre as pesquisas de abordagem qualitativa, destaca-se a pesquisaação. Para Thiollent (2009) trata-se de uma pesquisa de campo, de ordem crítico-social e base empírica, que objetiva promover mudanças psicosociais e proporcionar ampla e explicita interação entre pesquisador e pesquisando.

Através do emprego dessa metodologia de cunho social, humanista e educacional visa-se aproximar a teoria e a prática profissional e, ao mesmo tempo, propagar e multiplicar os conhecimentos e atitudes saudáveis, por meio de ações de Educação para a Saúde de natureza reflexiva realizadas em uma relação de horizontalidade entre educador e educando (FREIRE, 1993; THIOLLENT, 2009).

Nesse mesmo sentido, a Organização Mundial de Saúde (OMS, 1986), através da Carta de Otawa, evidenciou a importância de incentivar o maior controle das pessoas sobre sua própria saúde para que seja alcançada a promoção de saúde. Disto, denota-se a necessidade de serem realizadas ações de Educação para a Saúde.

A relevância dada à Educação para a Saúde a coloca como eixo norteador para a realização das diversas práticas de saúde. De forma a tornarse um instrumento, tanto de construção e participação popular nos serviços de saúde, quanto de intervenção da ciência na vida cotidiana das famílias e da sociedade (VASCONCELOS, 1997).

Mas para Molina (2007), apesar do crescente número de investigações científicas que fazem uso dessa metodologia, ainda pode-se considerar pequeno o número de estudos que analisaram esse tipo de produção científica.

Diante disso, o objetivo principal desse artigo é abordar o emprego da metodologia da pesquisa-ação em estudos relacionados à interface educação e saúde. Busca-se assim, colaborar para uma compreensão mais ampla da pesquisa-ação, que além de método investigativo, também pode ser considerada uma estratégia de construção de conhecimento teórico-prático.

Para tanto, tornou-se necessário descrever o contexto atual de saúde e da assistência integral à saúde, enfatizando a Educação para a Saúde. Para posteriormente, destacar a metodologia da pesquisa-ação e o seu emprego na interface educação e saúde.

Embasamento Teórico-Metodológico

Costa (2004) relata que a VIII Conferência Nacional de Saúde -CNS, realizada em março de 1986, em Brasília, foi um marco divisor do pensamento e das discussões sobre a Saúde no Brasil.

Segundo Chammé (2002), as últimas décadas do século XX, o termo saúde sofreu um processo de completo redirecionamento, de tal forma que o indivíduo passou a ser percebido em sua dimensão biopsicossocial, enquanto totalidade dinâmica e integrada ao ambiente que o cerca. Ao longo do tempo, o modelo de saúde adotado deixou de ser hospitalocêntrico, curativo e reabilitador, para tornar-se um modelo assistencial promotor da saúde e preventivo, valorizando a participação popular e a interdisciplinaridade dos diferentes profissionais da área. Dessa forma, rompeu-se com o paradigma da assistência essencialmente curativa.

Para Teixeira (1996), a saúde para ser holística precisa ser estudada como um grande sistema, como um fenômeno multidimensional, que abrange aspectos físicos, psicológicos, sociais e culturais. Tais aspectos não podem ser percebidos como uma seqüência de passos e medidas isoladas, mas sim como dimensões interdependentes e que necessitam da adoção de uma postura transdisciplinar.

Pereira (2003) acrescenta que a saúde é determinada também pelo funcionamento e pela dinâmica do sistema social em que ele ocorre, incluindo fatores como: sistema de estratificação social, produção econômica e distribuição de bens de serviços.

Teixeira (1996) evidencia a necessidade de atribuir um novo conceito de saúde, que a considere sinônimo de equilíbrio dinâmico. No entanto, salienta que para colocá-lo em prática é preciso a efetivação de uma assistência tanto na esfera individual quanto na social. Nesse processo, também se torna importante rever o papel do paciente e do profissional de saúde. De forma que o primeiro, deva se conscientizar de sua função como co-responsável pela sua própria saúde. E o profissional deva redimensionar suas práticas e relações com suas clientelas, além de assumir a responsabilidade do equilíbrio de indivíduos e sociedades.

Nesse contexto, percebe-se a importância de promover ações de Educação para a Saúde. Tones e Tilford (1994) apresentam um conceito de promoção de saúde baseado na concepção de que um dos papéis da nova Educação para a Saúde é capacitar às pessoas, torná-las mais conscientes acerca dos determinantes da saúde, para que possam exercer pressão política sobre quem define a Política de Saúde.

Tornam-se necessário evidenciar que o campo resultante da interface Educação e Saúde apresentam duas principais tendências, que aderem objetivos distintos: mudar o indivíduo (Modelo Hegemônico) ou transformar a sociedade (Modelo Dialógico). O primeiro considera Saúde como ausência de doença e a Educação em Saúde apresenta uma visão biologicista. A prática educativa ocorre como ações técnicas, desfragmentadas das ações assistenciais, com a finalidade de controle e prevenção de doenças, realizadas por profissionais que são considerados portadores de um saber técnicocientífico. Dessa forma, têm-se o individuo como enfoque de sua prática, ao mesmo tempo em que o responsabiliza em caso de adoecimento (SILVA, 1994).

No entanto, Freire (2002), afirma que as práticas educativas só são efetivas e eficazes quando ocorre a participação crítica dos educandos, através da formação de uma consciência crítica, de pensamento reflexivo, em que o sujeito é integrado à sua realidade. Essas características constituem o Modelo Dialógico da pedagogia crítico-social, na qual se destaca a Educação Popular em Saúde.

Smeke e Oliveira (2001) indicam que a Educação Popular em Saúde é um movimento iniciado nos ano 70, como crítica ao modelo biomédico, que rompe com a verticalidade da relação profissional - usuário, na medida em que se caracteriza pela humanização das ações educativas, buscando compreender e explicar o saber popular. Porém, essas experiências podem ser consideradas pontuais, alternativas e transitórias, cujo emprego ainda é um desafio.

Para Bizzo (2002), as propostas de Educação Popular em Saúde constituem um meio de disseminação de conhecimento científico, através de uma linguagem acessível ao público leigo. Com essa finalidade, Freire (2003) enfatiza os pilares da educação libertadora que preconiza o diálogo e as trocas de experiências entre o educador e o educando. Bueno (2009) salienta que a relação dialógica não anula a possibilidade do ato de ensinar, mas estimula o pensamento crítico, inquieto do educador, entregando-se ao contexto do saber do educando.

Pode-se ressaltar que o termo Educação Popular não significa educação informal dirigida ao público popular. Relacionando-o à perspectiva de construção de uma sociedade em que as pessoas das classes populares sejam sujeitos ativos e participativos na definição de suas diretrizes culturais, políticas e econômicas (VASCONCELOS, 2004).

Neste mesmo sentido de interface entre Saúde e Educação, caracteriza-se a metodologia da pesquisa-ação, que está inserida dentro da pesquisa de abordagem qualitativa, que segundo Turato (2003), estuda significados, re-significações, representações psíquicas e sociais, etc.

Trata-se de uma pesquisa de cunho social, educativa e humanista que deve apresentar procedimentos de natureza mais flexíveis, ajustar-se progressivamente aos acontecimentos; estabelecer uma comunicação sistemática entre seus participantes e promover uma auto-avaliação contínua. E assim, fortalecer a questão da pesquisa com ação (FRANCO, 2005).

A pesquisa-ação denota intervenção educativa e retorno dos resultados aos pesquisandos, simultaneamente ao desenrolar da investigação. A intervenção educativa não se limita apenas à ação propriamente dita para transformar a realidade em questão, mas propõe o aumento do nível de conhecimento e conscientização dos pesquisados e envolvidos (THIOLLENT, 2009; HAGUETTE, 2001).

Para Thiollent (2009) este tipo de metodologia também apresenta outros objetivos: coletar informações acerca da questão/problema, concretizar os conhecimentos teóricos que precedem a prática, comparar as diversas teorias relacionadas ao tema em questão. Além de descrever os processos e as generalizações da investigação, para produzir regras práticas que resolvam os problemas pertinentes à pesquisa.

Bueno (2009) acrescenta que o ponto de partida de toda pesquisaação deve ser uma necessidade emergencial da comunidade em estudo, realizada de forma coletiva, participativa, construtiva, conjuntiva, dialógica e interventora. Portanto, constroem-se uma ação transformadora, com a interrelação da Educação e da Saúde, seguindo as referências da pedagogia progressista de Paulo Freire, citadas por Thiollent (2009).

Dessa forma, pretende-se demonstrar a importância do uso da metodologia da pesquisa-ação na interface educação e saúde, através de uma contextualização do atual panorama de saúde no Brasil, caracterizado pela ruptura com as práticas convencionais e hegemônicas do conceito de saúde, pela priorização da assistência promocional, a intersetorialidade, a humanização e o estímulo à participação popular.

 

METODOLOGIA

Utilizou-se da abordagem qualitativa através de um estudo descritivoanalítico-documental apropriando-se de produções científicas que abordam o emprego da pesquisa-ação na interface saúde e educação. Para contextualizar o tema proposto, usou-se também, referências científicas a cerca do atual contexto da saúde e da assistência integral à saúde.

Em relação à pesquisa-ação, seguiram-se os preceitos de Thiollent (2009) e da pedagogia crítico-social de Paulo Freire, voltada para educação libertadora ou conscientizadora, que proporciona o desenvolvimento do homem com um todo, tornando-o agente de sua própria transformação.

 

RESULTADOS

O conceito multidimensional da saúde e a necessidade de uma visão sistêmica e transdiciplinar provocou reflexões nas diversas áreas do saber científico e a necessidade de romper com as concepções rígidas e imutáveis vigentes na pesquisa (TEIXEIRA, 1996).

Minayo (1991) assegura que a relevância da antropologia para a compreensão do fenômeno saúde-doença é incontestável. Para ela, uma vez que a doença é tanto um fato clínico, quanto um fenômeno sociológico, quaisquer que seja ação de prevenção, tratamento ou de planejamento de saúde necessita considerar os valores, atitudes e crenças de uma população. Nesse sentido, considera-se a doença como uma realidade construída e, o doente, um personagem social. Fatores que tornam restrita a percepção da saúde e doença utilizando apenas instrumentos anátomo-fisiológicos da medicina ou medidas quantitativas da epidemiologia clássica.

A importância da pesquisa para o campo da saúde foi abordada pelo Ministério da Saúde na primeira Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia em Saúde, realizada em 1994, em Brasília. Nessa, foi preconizado que a investigação deve gerar e difundir conhecimentos que permitam a resolução de problemas locais de saúde e, ao mesmo tempo, seja resultante da integração de vários atores sociais, em diversos contextos e recortes operativos, englobando desde a universidade até a indústria, da unidade básica de atendimento aos sofisticados centros de pesquisas (BRASIL, 1994).

Bastos, Velame, Franco e Teixeira (2006), afirmam que muitos estudos em saúde tem sido alvo de críticas pelo uso de escalas e questionários que não consideram o contexto cultural em que estão inseridos, ou por ser restritos a uma pergunta dicotômica relacionada à satisfação ou insatisfação, não contemplando as crenças, o modo de vida e às concepções de saúde dos indivíduos. Por isso, evidenciam a necessidade de implantar estratégias metodológicas que transfiram o foco para o ponto de vista do usuário, de forma a permiti-los expressar seus próprios termos.

O elemento fundamental da Educação Popular é considerar o saber anterior do educando como ponto de partida do processo pedagógico. Não objetiva-se a simples transmissão de conceitos e comportamentos considerados corretos, mas a construção compartilhada do conhecimento e da organização política, através de um diálogo aberto, democrático e horizontal (VASCONCELOS, 2004).

A área da saúde é caracterizada por paradigmas e realidades que urgem por transformações. Diante disso, a utilização da pesquisa-ação pode proporcionar inúmeros benefícios para essa área, principalmente, através da aproximação entre a academia e o cotidiano dos indivíduos, da valorização do conhecimento popular e da formação consciente e crítica de conhecimento (BENEVIDES e PASSOS, 2005; BUENO, 2009).

Atualmente, percebe-se uma maior conscientização dos profissionais de saúde em relação a uma visão integral de saúde, que ultrapassa as dimensões biológicas e inclui os fatores subjetivos, sociais e ambientais que se relacionam entre si. Essa postura refletiu no aumento de estudos e publicações que discutem estas mudanças sociais e ambientais. No entanto, esse conhecimento ainda não resultou em mudanças significativas na prática técnica cotidiana dos serviços de saúde, que muitas vezes, permanece ancorado na concepção restritamente biológica da saúde. Nesse contexto, percebe-se a importância da Educação Popular e da pesquisa-ação, que contribui no sentido de transformar a abordagem social e crítica, ainda bastante abstrata, em uma prática clínica e concreta. Possibilita, assim, a construção de um conhecimento de interposição entre as análises estruturais e globais das ciências sociais em saúde e o conhecimento técnico específico dos profissionais (VASCONCELOS, 2010).

Com base na literatura, percebe-se que a aplicabilidade da pesquisaação destaca-se principalmente nas áreas da educação e psicologia. No entanto, vários estudos apontam a importância de empregá-la, também, na área da saúde (GRITTEM, MEIER e ZAGONE, 2008; VASCONCELOS, 2004; BENEVIDES e PASSOS, 2005; BUENO, 2009)

De maneira geral, através do levantamento de estudos científicos que utilizaram a pesquisa-ação como instrumento para unir as interfaces educação e saúde, foi possível distinguirem dois tipos de trabalhos: os que objetivam formar indivíduos críticos-reflexivos, que sejam conscientes de sua responsabilidade pela sua própria saúde; e aqueles que visam colaborar para uma formação profissional de cunho crítico e social, que percebe o profissional de saúde também como um profissional de educação.

É possível encontrar alguns estudos que utilizam a pesquisa-ação como instrumento de ações de Educação para a Saúde que visam formar indivíduos mais conscientes e críticos sobre a saúde e seus determinantes. A exemplo de Boog (1999) que utilizou a pesquisa-ação para discutir a implementação de atividades de educação nutricional em serviços públicos de saúde do município de Campinas. E a pesquisa de Carvalho, Fonseca e Pedrosa (2004), que usou a metodologia da pesquisa-ação em estudo com 95 idosos, objetivando relacionar a osteoporose com as concepções e mudanças de comportamento alimentar.

Segundo Vasconcelos (2004), esse processo educativo mostra-se eficaz, também, ao ser aplicado visando à formação profissional. Seja em universidades (principalmente em projetos de extensão) ou nos treinamentos que as instituições de saúde oferecem aos seus profissionais.

Para Grittem, Meier e Zagone (2008), a pesquisa-ação pode e deve ser utilizada na área de saúde, visando à discussão sobre a prática profissional e a mobilização para uma prática crítica e reflexiva. Segue exemplo do emprego da pesquisa-ação para esse fim.

Baldi (1992) em sua dissertação de mestrado utilizou a pesquisa-ação para investigar a atuação do enfermeiro psiquiátrico em um macro hospital estatal. Já Nakatani (2000), se preocupou com a formação profissional do enfermeiro e analisou uma proposta de ensino de Processo de Enfermagem através da Pedagogia da problematização, com alunos da graduação. De forma semelhante, Pinhel (2006) utilizou a metodologia da pesquisa-ação com docentes de um curso de graduação de Enfermagem, com o objetivo de identificar quando e como esses profissionais desenvolvem competências para a docência.

Sampaio (2000), a firma que a falta de reconhecimento da população em relação à percepção da ciência como um importante instrumento a serviço da melhoria do estado de saúde dos indivíduos e da sociedade, é, em parte, resultante de falhas na articulação entre saúde e educação.

Neste cenário, pode-se considerar a investigação qualitativa baseada na pesquisa-ação um instrumento potencial, aberto, ativo e democrático de reorientação da prática médica. Contribuindo para ampliar o movimento de construção de uma medicina integral e humanizada, sendo adequada para a apreensão do processo de participação popular e interdisciplinaridade que o novo conceito de saúde e de atenção integral à saúde preconiza.

Considerações Finais

Nota-se que as características de ruptura com as práticas convencionais e hegemônicas da saúde vigente, com a priorização da assistência promocional, a intersetorialidade, a humanização e o estímulo à participação popular, torna a área da saúde um cenário ideal para o emprego da pesquisa-ação, junto com a pedagogia conscientizadora da Educação Popular preconizada por Freire.

O emprego da pedagogia da Educação para a Saúde ainda pode ser considerado pontual, alternativo e transitório, cuja prática é um desafio. No entanto, a utilização da metodologia da pesquisa-ação torna-se um importante instrumento de conexão entre a educação e a saúde. Mas para isso, torna-se necessária maior divulgação e valorização dessa metodologia no meio acadêmico e científico.

 

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