1Síntese sonora com agentes distribuídosSistemas dinâmicos não-lineares aplicados ao design sonoro author indexsubject indexsearch form
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An. 2. Seminário Música, Ciência e Tecnologia 2005

 

O uso da análise espectral no ensino do instrumento

 

 

Maurício Freire Garcia

Universidade Federal de Minas Gerais. mgarcia@ufmg.br

 

 


RESUMO

O presente trabalho trata do uso da análise espectrográfica como ferramenta didática. Após um pequeno histórico da técnica, descrevemos algumas experiências feitas em disciplinas na Escola de Música da UFMG. O texto contém gráficos espectrais e análises dos diferentes experimentos com diversos instrumentos.

Palavras-chave: Análise Espectral , Composição Musical , Ensino Musical


ABSTRACT

This paper deals with the pedagogical use of spectrographic analyses. After a short history of the technique, I describe some experiments made at UFMG's Music School. The text contains spectrographs e analysis of different experiments with various instruments.

Key-words: Spectral Analisys , Musical Composition , Musical Education


 

 

A análise espectrográfica aplicada à música tem sua história intimamente ligada ao trabalho do compositor e pesquisador Robert Cogan, do New England Conservatory em Boston. Na década de 70, a IBM começava a desenvolver seus primeiros protótipos de reconhecimento eletrônico de voz. Várias instituições americanas foram contatadas para testar diferentes aplicações para a nova tecnologia. Pesquisadores em fonoaudiologia, fonética, sonorização, físicos, entre outros, receberam equipamentos para testes. Surpreendentemente, nenhuma das grandes escolas de música em universidades americanas se interessaram pelo assunto. Foi nesse contexto que o Prof. Cogan fez a proposta para receber um protótipo e testá-lo para aplicações musicais. Seguiram então publicações como o Sonic Design1 e New Images of Musical Sound2 que trouxeram um enfoque revolucionário para a análise musical. 

Apesar da existência de novos recursos tecnológicos aplicáveis à música, ainda há uma enorme resistência por parte dos músicos em seu uso. Cito por exemplo, um fato ocorrido no primeiro semestre de 2005 na disciplina “Acústica e Música”. Fazia parte da turma havia uma aluna do curso de fonoaudiologia. Seu projeto para o curso consistia em investigar com cantores características da voz falada e voz cantada. Em um universo de mais de 30 cantores do curso superior na escola, ela não conseguiu sequer um aluno interessado em participar dos experimentos! Fatos similares com outros instrumentos vêm confirmar esta resistência. O interessante é que, apesar do som ser o principal aspecto da atividade do músico, foram outras áreas, como a fonética, a engenharia e a medicina, que incorporaram pioneiramente tecnologias ligadas à análise espectrográfica.

Uma grande dificuldade enfrentada na didática dos diversos instrumentos se refere ao uso de terminologias referentes, por exemplo, à qualidade sonora. Não é raro ouvirmos definições como “som escuro, claro, brilhante, metálico, fosco, opaco” que, fora de um contexto local e subjetivo, nada significam. A análise espectrográfica permite um estudo objetivo do som através de  uma abordagem conceitualmente clara de parâmetros físicos e psico-acústicos. Além disso, uma série de possibilidades e soluções técnicas nos instrumentos e na voz podem ser exploradas de forma objetiva. Aqui o espectrograma se apresenta como uma ferramenta única na didática e no aprimoramento da performance. Em vista disto venho explorando, de forma ainda incipiente dada às imensas possibilidades da técnica, o uso dos espectrogramas na sala de aula. Os primeiros resultados são muito animadores.

Na Disciplina Acústica e Música do Mestrado da Escola de  Música tenho utilizado com enorme sucesso a análise espectrográfica. Vários conceitos e fenômenos acústicos, como série harmônica, timbre, batimentos podem ser facilmente visualizados, tornando o aprendizado mais efetivo. A possibilidade de visualização em tempo real de experimentos práticos, torna a aula mais dinâmica, permitindo uma maior interação do estudante.

Os alunos têm desenvolvido trabalhos diversos utilizando essa técnica, abrangendo tanto aspectos técnicos como interpretativos. Abaixo apresento três exemplos do uso da análise espectrográfica no estudo da clarineta , do spiccato na Viola e do uso de diferentes “vogais” na sonoridade da flauta.

Nos espectrogramas que analisaremos abaixo, o eixo vertical representa a frequência, o horizontal o tempo e as cores a intensidade em ordem crescente do azul ao vermelho. Os sons complexos longos, portanto, aparecem como linhas horizontais, com a fundamental e seus respectivos harmônicos acima. Os ruídos aparecem com linhas verticais, de diferentes comprimentos, como podemos notar principalmente no segundo gráfico da viola. As amostras foram gravadas no estúdio da Escola de Música da UFMG para garantir um nível mínimo de ruídos ambientais e controle acústico. Este procedimento é essencial para a análise espectrográfica, pois sem o controle do processo de captação/gravação é impossível analisar comparativamente os resultados, uma vez que uma pequena diferença de posicionamento de microfones ou calibragem da mesa de som podem gerar resultados espectrais totalmente deferentes. A calibragem do programa foi mantida inalterada.

No primeiro exemplo, tratamos da clarineta. A clarineta e sua família são os únicos instrumentos no naipe de madeiras de uma orquestra que funciona como um tubo fechado. Isto significa que alguns harmônicos (os pares, se consideramos a fundamental como o 1º harmônico) são menos favorecidos em seu espectro sonoro. Entretanto, ao contrário do que comumente se fala sobre as características sonoras do instrumento, isto só é verdadeiro em seu primeiro registro. No segundo registro, a clarineta já apresenta também os harmônicos pares, como uma flauta, por exemplo. Como podemos ver no espectrograma, a partir do 12º som a estrutura espectral muda radicalmente, com a introdução dos novos harmônicos. Essa característica causa uma grande dificuldade para os clarinetistas conseguirem uma passagem homogênea entre os registros. A possibilidade de visualizar exatamente o que acontece acusticamente, ajuda na compreensão do fenômeno e na busca de soluções para o problema. O aluno tocou uma escala de Fá maior em duas oitavas.

 

 

O caso seguinte é resultado da investigação de um aluno de viola sobre as diferentes possibilidade de execução do spiccato. Ele e seu professor estavam insatisfeitos com o seu golpe de arco. Paralelamente às aulas do instrumento, ele, que então cursava a disciplina Acústica e Música, decidiu utilizar a técnica para auxiliá-lo no processo. O aluno variou a área usada do arco (talão , meio ou ponta) e o ângulo do arco em relação à corda. Como podemos notar nos espectrogramas abaixo, cada opção gera um resultado espectral diverso, apresentando diferentes níveis de ruído (linhas verticais que aparecem nos gráficos) e riqueza espectral (quantidade e intensidade dos harmônicos presentes). Foram gravadas nove amostras com opções de arcadas diferentes. Abaixo podemos ver a análise espectrográfica de duas dessas opções. A primeira imagem retrata o spiccato feito no meio do arco e com a crina inclinada enquanto a segunda o spiccato feito no meio do arco, mas com a crina plana. Podemos notar que o primeiro exemplo apresenta menos ruídos e harmônicos mais homogêneos. A partir desta análise e de conversas com seu professor, ele pode tomar uma decisão sobre a melhor arcada a utilizar.

O próximo exemplo trata da flauta transversal. Apesar de muito usado e discutido por flautistas, a influência do trato vocal na sonoridade da flauta ainda carece de reflexões mais profundas.3 A aluna em questão, que já utilizava a ressonância das diferentes vogais para variar a sonoridade da flauta, queria investigar o que realmente acontecia com o som. Na realidade, apesar de auditivamente ser clara a diferença, o procedimento ainda carecia de validação objetiva. Foram gravadas diversas amostras com as diversas vogais na mesma nota (sol 3). Como podemos notar, o espectro sonoro varia a cada amostra, mostrando que efetivamente há uma influência na “impostação” de cada vogal e a sonoridade da flauta.

 

 

 

Fica claro que a análise espectrográfica apresenta uma vasta gama de possíveis aplicações no ensino dos diversos instrumentos. Dado á recente incorporação dessa tecnologia à didática musical, existe ainda um vasto campo de possibilidades a ser explorado. Entretanto, frente aos resultados promissores, é certo que no futuro poderemos expandir suas aplicações e alcançar objetivos ainda inimaginados.

 

 

Bibliografia

Cogan, Robert. New Images of Musical Sound. Cambridge: Publication Contact International, 1998.

Pozzi. Et al. Scot. Sonic Design - The Nature of Sound and Music. Cambridge: Publication Contact International, 1984.

 

 

1 Robert Cogan and Pozzi Scott. Sonic Design - The Nature of Sound and Music. Cambridge: Publication Contact International, 1984.
2 Robert Cogan. New Images of Musical Sound. Cambridge: Publication Contact International, 1998.
3 Um projeto de  pesquisa em andamento na UFMG está investigando essa influência, através de um soprador artificial e  um modelo de trato vocal. Os primeiros experimentos realizados, analisados e detalhados em dissertação de mestrado defendida na Escola de Música no primeiro semestre de 2006, apontam para uma efetiva interferência do trato vocal no resultado espectral do som do instrumento.