1Sistemas dinâmicos não-lineares aplicados ao design sonoroDVD-ROM didático de instrumentação e orquestração: usos e recursos multimídias no estudo musical author indexsubject indexsearch form
Home Pagealphabetic event listing  





An. 2. Seminário Música, Ciência e Tecnologia 2005

 

BioMúsica: Aplicações de Inteligência Artificial e Algoritmos Bio-Inspirados em Música

 

 

Marcelo CaetanoI,II; Jônatas ManzolliI; Fernando Von ZubenII

INúcleo Interdisciplinar de Comunicação Sonora. Universidade de Campinas. caetano@dca.fee.unicamp.br, jonatas@nics.unicamp.br
IILaboratório de Bioinformática e Computação Bio-Inspirada. Universidade de Campinas

 

 


RESUMO

A finalidade desta proposta é a aplicação de inteligência artificial (IA) e técnicas bio-inspiradas na composição e improvisação. A composição e a improvisação musicais são processos criativos que podem ser descritos em termos de uma busca estética no espaço de estruturas candidatas; neste caso, o objetivo final é criar estruturas musicais esteticamente agradáveis. Esta busca pode ser executada em níveis estruturais diferentes, desde padrões rítmicos ou melódicos macroscópicos até as dimensões timbrais microscópicas do som musical. Pode-se ou não incluir o usuário no sistema, criando diversos níveis de interatividade. Ou ainda, críticos artificiais de música poderiam ser usados (ou até co-evoluidos com o material musical), extraindo características da arte-final e as classificando de acordo com determinados critérios. No caso particular da composição musical, uma vez que o espaço da busca e os objetivos são definidos, é necessário uma técnica para atingir o resultado final. Quando nós consideramos improvisação musical, não há nenhum objetivo explícito e certamente nada de específico é esperado como resultado final, mas é o trajeto através do espaço da busca que é de interesse. Muitas abordagens foram propostas para o uso de IA e de técnicas bio-inspiradas na música, variando de autômatos celulares, computação evolutiva, enxames de partículas, redes neurais artificiais, sistemas imunes artificiais, vida artificial, entre outras. Este trabalho se destina a explorar a auto-organização como paradigma de composição e improvisação dentro do contexto da música computacional através da aplicação de algoritmos bio-inspirados como candidatos apropriados para abordar os vários problemas encontrados durante o processo subjetivo da experiência musical.

Palavras-chave: Composição Musical e Improvisação , Inteligência Artificial , Algoritmos Bio-Inspirados


Keywords: Music Composition and Improvisation, Artificial Intelligence, Bio-Inspired Algorithms


 

 

INTRODUÇÃO

Música computacional é um campo em constante crescimento em parte porque permite ao compositor grande flexibilidade na manipulação sonora ao procurar pelo resultado desejado. No exemplo particular da composição musical, uma vez que o espaço de busca e os objetivos são definidos, uma técnica para conseguir o produto final é requerida. Dentro da estrutura deste trabalho, quando consideramos improvisação musical, não há objetivo final e nada como um resultado final. É o trajeto através do espaço da busca que é de interesse. Muitas abordagens diferentes foram propostas para atender as exigências dos processos de composição e improvisação, isto é criar música esteticamente interessante, com resultados que variam do inesperado ao indesejado, dependendo de um número vasto dos fatores e da própria metodologia. As técnicas tradicionais de síntese sonora apresentam limitações especialmente devido ao fato de não levarem em consideração a natureza dinâmica e/ou subjetiva da música, usando processos que são demasiadamente simples ou não especificamente desenvolvidos para a manipulação de sons musicais.

Sons musicais são notavelmente complexos e difíceis de gerar, pois eles pertencem a uma classe distinta de sons que apresentam determinadas características. Tais sons têm geralmente espectros dinâmicos, isto é cada freqüência parcial tem uma evolução temporal do envelope única. Eles são ligeiramente inarmônicos e as parciais possuem uma flutuação de alta freqüência e baixa-amplitude de natureza estocástica. Os parciais possuem assincronia de ataque, isto é, parciais mais altas atacam depois dos parciais mais baixos. Nossos ouvidos são altamente seletivos e freqüentemente rejeitam sons que são muito matematicamente perfeitos e estáveis.

Composição musical é um processo criativo que, na perspectiva deste trabalho, pode ser descrito em termos de uma busca estética no espaço das estruturas possíveis que satisfazem às exigências do processo [Moroni 2002]; neste caso, criar música que atenda algum critério de interesse. As composições tendem a exibir variados graus de estrutura, sendo que o compositor trabalha as idéias iniciais até transformá-las em produtos finais satisfatórios. Pretendemos mostrar que a auto-organização possui características desejadas durante o processo composicional, guiando o compositor na estruturação dos elementos sonoros.

O fenômeno da auto-organização pode ser sintetizado da seguinte forma: “A essência da auto-organização está no surgimento de estruturas (formas restritas) e ordem (organização) sem que estas sejam impostas de fora do sistema [Von Zuben, 2005].” Trata-se de um processo decorrente da interação entre elementos de um sistema complexo. Nestes sistemas são emersas propriedades não naturais a nenhum de seus componentes e que caracterizam estruturas não estabelecidas a priori. A auto-organização é causada por variações internas (normalmente chamadas de flutuações ou ruído) que geram uma configuração seletiva e ordenada, este processo é chamado de “order from noise” (ordem do ruído) [von Foerster, H., 1960].

Já foi sugerido recentemente e independentemente por diversos pesquisadores a utilização de sistemas bio-inspirados e baseados em IA para a composição e improvisação musicais como forma de permitir maior flexibilidade na exploração estética do espaço composicional resultante. As aplicações de bio-inspiração e IA em composição musical envolvem redes neurais artificiais [Caetano et al. 2005c], autômatos celulares [Burraston et al. 2004], sistemas imunes artificiais (SIA) [Caetano et al. 2005 a], enxames de partículas [Blackwell e Young 2004] e computação evolutiva (CE) [Caetano et al. 2005 b]. Este trabalho se destina a propor a auto-organização como paradigma de composição e improvisação dentro do contexto da música computacional através da aplicação de algoritmos bio-inspirados como candidatos apropriados para abordar os vários problemas encontrados durante o processo subjetivo da experiência musical.

 

JUSTIFICATIVA

O processo criativo, através do seu próprio processo de construção, produz uma estrutura nova de informação que pode ser interpretada através do emprego de estratégias inspiradas na Teoria da Auto-organização (TAO) como esboçada por Ashby (1962) e Debrun (1996). Esse tipo de inferência permite caracterizar as etapas do processo criativo entendido como um processo de resolução de problemas. Neste sentido, criar é navegar neste fluxo continuo de razões e motivações [Manzolli .2000].

O processo de criação parece envolver um primeiro momento de inspiração, ou de desconforto subjetivo, que pode conduzir à percepção de situações anômalas ou desarmoniosas. Este primeiro momento configura-se como um problema para um sistema complexo capaz de conceber contextos possíveis em que a situação deixe de ser entendida como problemática. De maneira indeterminada e imprevisível, o processo se inicia através de rupturas conceituais ou perceptivas, sem o controle ou determinação de um sujeito cognitivo onipotente. Esse tipo de raciocínio parece envolver, além do acaso, a dinâmica de interação entre o sujeito e os elementos que constituem o seu universo cognitivo.

Este mecanismo também parece estar presente nos processos de auto-organização dos seres vivos, que através de constantes rupturas com o passado, e sem um centro organizador, geram situações, eventos, etc. que permitem o ajuste da novidade em organizações que em breve tornam-se estáveis, até que anomalias produzam novas rupturas, que se caracterizam na forma de um ruído que necessita de uma integração criadora.

O compositor por sua vez também constrói analogias para divisar o complexo sonoro de sua obra. Pode-se dizer que a inteligência musical reside na percepção do domínio sonoro, mas a partir daí como as suas idéias se organizam? O compositor desenvolve um processo de construção de uma estrutura criativa coerente. Parece que a questão central da produção artística está vinculada à noção de desenvolvimento ou apreensão de uma forma. O artista busca concretizar um objeto que reside, inicialmente, nas analogias que faz entre diversas formas, antes e principalmente durante o processo criativo.

Em particular, na técnica conhecida como Composição Assistida por Computador, a criatividade tem sido vinculada às decisões humanas que filtram o resultado sugerido pelo computador. Já houve propostas anteriores de se utilizar sistemas inteligentes como interface entre o compositor e o material sonoro a ser organizado.

O ROBOSER [Manzolli 2000] pode ser descrito como um sistema composicional que utiliza a performance musical como processo organizador. O ROBOSER pode ser descrito como um sistema de composição cuja estrutura musical é gerada no momento da performance e é a mesma que estimula o processo de ordenação sonora. Ou seja, como uma Jam Session, onde músicos se juntam para interpretar e, ao mesmo tempo, criar novas idéias musicais. Neste caso a expressão "performance" se coloca como o fator de encontro descrito por Debrun (1996) ao caracterizar a auto-organização primária, pois não há uma concepção musical prévia. A produção musical não é precedida por uma partitura, o processo dinâmico de composição é que molda o resultado sonoro. O processo é irredutível na medida em que ele não pode ser reproduzido novamente.

A proposta deste trabalho é a utilização de algoritmos bio-inspirados que possuem características intrínsecas dos sistemas auto-organizados como definidores do processo de geração e estruturação dos diferentes elementos sonoros. A auto-organização se demonstra adequada do ponto de vista deste estudo por ser capaz de permitir o ajuste da novidade e a emergência de estruturas estáveis sem elemento organizador externo, apenas através de rupturas com o estado anterior. Isto é, uma vez definidos os elementos estruturais e os pontos de ruptura, o processo auto-organizado auxiliaria o compositor a navegar de um ponto a outro do espaço composicional, permitindo ocasionalmente a emergência de padrões e estruturação do material sonoro.

Dentre os algoritmos bio-inspirados com essas características, destacam-se os paradigmas dos sistemas imunológicos artificiais e das redes neurais artificiais, em particular o mapa auto-organizável de Kohonen, explicados brevemente a seguir.

Sistemas Imunológicos Artificiais

Depois do sucesso dos Algoritmos Genéticos (AGs), um outro paradigma de computação bio-inspirada vem sendo explorado: os Sistemas Imunológicos Artificiais (SIA). Os SIA são sistemas adaptativos inspirados no Sistema Imunológico Natural e estão sendo amplamente utilizados em problemas de otimização, busca, reconhecimento de padrões, segurança de redes, entre outros. Em SIA um problema com solução desconhecida é tratado como antígeno enquanto que potenciais soluções são modeladas como anticorpos. Há inúmeras implementações de sucesso de SIA, vide [de Castro 2000]. O algoritmo imunológico aiNet [de Castro 2000] segue o formalismo proposto em de Castro & Timmis [de Castro 2000] e apresenta algumas propriedades interessantes, como:

·     tamanho da população dinamicamente ajustável;
·     explotação e exploração do espaço de busca;
·     localização de múltiplos ótimos;
·     capacidade de manter soluções de ótimos locais [de Castro 2002].

Essa ferramenta foi aplicada em um método de síntese sonora por Caetano et al (2005 a) fazendo uso das características descritas acima. Neste trabalho foi apresentado um método de síntese sonora usando uma rede imune artificial proposta originalmente para agrupamento de dados, denotada aiNet. Os sons produzidos pelo método foram chamados sons imunológicos; basicamente, foram gerados sons-anticorpo para reconhecer um conjunto fixo e predefinido de sons-antígeno, produzindo assim variantes timbrais com as características desejadas. O algoritmo aiNet forneceu manutenção da diversidade e um número adaptável de sons-anticorpo resultantes (células de memória), de modo que o resultado estético pretendido foi conseguido corretamente evitando a definição formal dos atributos timbrais.

Redes Neurais Artificiais

A rede neural de Kohonen é uma grade de neurônios que constitui um sistema auto-organizável. A rede neural de Kohonen também é conhecida como mapa auto-organizável ou simplesmente por SOM (self-organizing map). Ela foi inicialmente proposta em [Kohonen, 1982, 1990, 1997]. Ela é baseada em observações do comportamento cerebral que reúne funções correlatas em regiões próximas no cérebro.

O principal objetivo do mapa auto-organizável é transformar um padrão de sinal incidente n-dimensional em um mapa discreto m-dimensional (normalmente uni ou bidimensional) e realizar esta transformação adaptativamente de uma maneira topologicamente ordenada. Desta forma, é criado um mapa topográfico dos padrões de entrada, sendo possível abstrair características intrínsecas contidas nestes padrões de acordo com as suas localizações espaciais. [Haykin, 2001].

Um método de Síntese Sonora utilizando o Mapa Auto-Organizável (MAO) unidimensional de Kohonen foi desenvolvido a partir das idéias iniciais desenvolvidas neste projeto. A mesma codificação foi utilizada, resultando no mesmo espaço de busca; apenas a técnica utilizada para se atingir o resultado final é outra. A justificativa é simples: diferentes paradigmas bio-inspirados exploram deferentes características dos problemas por lançarem mão de diferentes recursos encontrados em sistemas naturais, tais como: aprendizado, memória, adaptação, manutenção de diversidade, autonomia, auto-organização, complexidade, etc. Este estudo em particular fez uso das característica de aprendizado não supervisionado, adaptação e auto-organização dos MAO para a geração de material sonoro com determinadas características determinadas a priori.

Os resultados preliminares indicaram um alto grau de flexibilidade e robustez do método, capaz de gerar variantes das formas de onda de entrada, bem como híbridos com características claramente advindas de mais de um estímulo de entrada. O mesmo paradigma foi utilizado para classificação dos resultados. A técnica de utilizar MAO bidimensional para classificação timbrística é bem documentada na literatura [Cosi 1994 de Poli 1997] e foi adequadamente cruzada com uma avaliação subjetiva e outra derivada da métrica espectral descrita em Caetano et al. (2005 a).

Baseado no conceito de Espectro-Morfologia de Smalley (1990) e de Paisagens Sonoras de Wishart [Wishhart 1990], pretende-se dar seqüência ao desenvolvimento do método. O sistema pode se tornar uma ferramenta de composição eletroacústica seguindo-se essa linha.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Ashby, W. R. Principles of the Self-Organising System, in Von Foerster, H. & Zopf, Jr., G.W. (org), Principles of Self-Organisation. Oxford:Pergamon, 1962, pp. 255-278.

Blackwell, T. Young, M. Swarm Granulator. In G. R. Raidl et al (Eds): EvoWorkshops, Lecture Notes in Computer Science 3005, pp 399-408, 2004. ISBN 3-540-21378-3, 2004.

Burraston, D., Edmonds, E. A., Livingstone, D. and Miranda, E. (2004) Cellular Automata in MIDI based Computer Music. Proceedings of the International Computer Music Conference, pp. 71-78.

Caetano, M., Manzolli, J. and Von Zuben, F. J. (2005 a) Application of an Artificial Immune System in a Compositional Timbre Design Technique. In C. Jacob et al. (Eds): ICARIS 2005, Lecture Notes in Computer Science 3627, pp 389-403.

Caetano, M., Manzolli, J. and Von Zuben, F. J. (2005 b) Interactive Control of Evolution Applied to Sound Synthesis. in Markov, Z., Russel, I. (eds.) Proceedings of the 18th International Florida Artificial Intelligence Research Society (FLAIRS), Clearwater Beach, Florida, EUA, pp. 51-56.

Caetano, M., Manzolli, J. and Von Zuben, F. J. (2005 c) “Topological Self-Organizing Timbre Design Methodology Using a Kohonen's Neural Network”. 10 Simpósio Brasileiro de Computação e Música, Belo Horizonte, Brazil.

Cosi, P., De Poli, G. & Lauzzana, G. (1994a). Auditory modelling and self-organizing neural networks for timbre classification. Journal of New Music Research 23, 71-98.

Debrun, M. A idéia de Auto-Organização. DEBRUN, M., GONZALES, M.E.Q. e PESSOA JR, O. Auto- Organização – Estudos Interdisciplinares. Coleção CLE. v. 18. Campinas,SP, Brasil: UNICAMP, 1996. p.03-23.

de Castro, L. N.; Timmis, J. “An Artificial Immune Network for Multimodal Function Optimization”. In Proceedings of the 2002 Congress on Evolutionary Computation, pp. 699–704, Honolulu - USA, 2002.

De Poli, G. & Prandoni, P. (1997). Sonological models for timbre characterization. Journal of New Music Research 26, 170-197.

Haykin, S., Redes Neurais: Princípios e Práticas, segunda edição, Bookman, 2001.

Kohonen, T. “Self-Organized Formation Of Topologically Correct Feature Maps”, Biological Cybernetics, 43:59-69, 1982.

Kohonen, T. “The Self-Organizing Map”, Proceedings Of The Ieee, 78:1464-1480, 1990.

Kohonen, T. “Self-Organizing Maps”, 2nd. Edition, Springer, 1997.

Manzolli, J., Gonzales, M. E. Q., Vershure, P. (2000). Auto-Organização, Criatividade e Cognição, En MEQ Gonzales e IML D'Ottaviano (Eds.).

Moroni, A. 2002. ArTEbitrariedade: Uma reflexão sobre a Natureza da Criatividade e sua Possível Realização em Ambientes Computacionais. Ph.D. diss., Dept. of Computer Engineering and Industrial Automation, State University of Campinas.

Smalley, D. “Spectro-morphology and Structuring Processes”. In The Language of Electroacoustic Music, 61-93.London: Macmillan. 1990.

Von Foerster, H. , “On Self-Organizing Systems and Their Environments.” In: Self-Organizing Systems, M. C. Yovits und S. Cameron (Hg.), Pergamon Press, London, pp. 31–50, 1960.

Von Zuben, F.J., “Rede Neural de Kohonen e Aprendizado Não-Supervisionado” em Notas de Aula do Curso IA353, 1º semestre de 2005, capitulo 6, 2005.

Wishart, T., “Sound Symbols and Landscapes”. In The Language of Electroacoustic Music, 61-93.London: Macmillan. 1990.