7A dinâmica do trabalho na formação da vida social author indexsubject indexsearch form
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Print ISBN 978-85-62480-96-6

Sem. de Saúde do Trabalhador de Franca Sep. 2010

 

MUNDO DO TRABALHO E REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA

 

Relações de trabalho e modo de produção capitalista

 

 

Cleonilda S. T. Dallago

Assistente Social. Mestre em Serviço Social e Política Social pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), professora do Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual do Oeste do
Paraná/Unioeste-Toledo/PR e doutoranda na Pontifícia Universidade Católica/PUC – São Paulo. Contato: dallago@certto.com.br

 

 


RESUMO

O estudo trata das dificuldades de sobrevivência que a classe trabalhadora encontra no modo de produção capitalista, uma sociedade que prioriza o sistema econômico e a propriedade privada. O trabalho desempenha o papel de uma mercadoria adquirida por meio da remuneração estabelecida em contratos e regulada pelo mercado. Consisti na separação absoluta entre assalariados e patrões.

Palavras-chave: Trabalho. Classe trabalhadora. Capitalismo.


 

 

1 INTRODUÇÃO

O trabalho possui o significado de uma atividade social do homem, que visa transformar o meio em que vive com um esforço afirmado e desejado para a realização de objetivos. Assim, Engels (1985) afirma que na medida em que o homem coloca seu corpo, sua consciência a serviço de algum objetivo, vai travar relação com a natureza e com outros homens. Neste sentindo, a atividade do trabalho é o elemento de desenvolvimento do próprio homem, sendo este indispensável à sua existência. A relação homem e natureza só existem em função do trabalho, pois este transforma a matéria vinda da natureza em riquezas ao mesmo tempo em que transforma a si mesmo.

Desta forma, se compreende que as transformações ocorridas no modo de produção e nas relações de trabalho têm importância fundamental para a compreensão do movimento histórico que determina as relações entre os homens, com particularidades econômicas, sociais, políticas e culturais em cada contexto histórico. Enquanto na sociedade primitiva a organização entre os homens se fundamentava na propriedade coletiva e nos laços de sangue, na sociedade que começou a dividir-se em classes, a propriedade passou a ser privada e os laços de sangue retrocederam diante do novo vinculo que a escravidão estabeleceu. Todas as sociedades, de uma forma ou de outra, possuem um modo de organização e produção hegemônica, com tensões diferenciadas e características próprias de cada contexto histórico.

Atualmente, vivenciamos o modo de produção capitalista (acredito que o mais selvagem e massificador para o trabalhador até o momento), que, com seu marco na Revolução Industrial o trabalho passou a ser cada vez mais centrado na indústria, o homem transferiu o trabalho artesanal para a indústria mecanizada. Neste seguimento a revolução industrial atingiu seu apogeu no século XIX, transformando e revolucionando o mundo e proporcionando ao capital condição de expansão e de hegemonia do processo produtivo. Essa sociedade capitalista compreende um sistema econômico em que os meios de produção são de propriedade privada, o  trabalho desempenha o papel de uma mercadoria adquirida através da remuneração estabelecida em contratos e regulada pelo mercado. É a separação absoluta entre assalariados e patrões, determinada pela produção em massa e em série, pelos aperfeiçoamentos técnicos constantes e pela conquista de mercados.

 

2 AS TRANSFORMAÇÕES DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO CONTEXTO CAPITALISTA

Se a revolução industrial atingiu seu apogeu no século XIX, no século seguinte se deparou com a primeira crise da acumulação do capital que teve seu início nos anos de 1970, enfatizando-se na década de 1990 com os processos de reestruturação produtiva e de ajustes estruturais. Pode-se dizer, que nas últimas décadas as relações sociais e de trabalho sofreram profundas modificações, principalmente no que diz respeito às privatizações, um dos motivos responsáveis pelo alargamento do desemprego, do contrato temporário e conseqüentemente do aumento da desigualdade e da exclusão social.

Portanto, a transformação societária capitalista ampliou a complexidade das relações de trabalho estabelecida. Segundo Antunes (2000), os novos padrões de organização e gerenciamento, oriundas das transformações no mundo do trabalho, teve a substituição dos padrões rígidos Taylorista/Fordista por padrões mais flexíveis como o Toyotismo, que propõe a flexibilização da produção, opera com estoque mínimo se adaptando a atender com rapidez às novas exigências do mercado, implicando na flexibilização e na eliminação dos direitos trabalhistas, pode-se afirmar que este padrão de produção toma força na década de 1990, se estabelece e consegue se manter.

Estas transformações não refletem apenas nas relações de trabalho, provocam modificações drásticas na vida cotidiana do trabalhador, como: nos direitos, na educação, no lazer e na vida privada, acentuando, cada vez mais, a concentração do capital para um número bastante reduzido e a pobreza se ampliando gerando em larga escala as contradições sociais. Sem dúvida, o trabalho precário e o desemprego estrutural associam-se à desestruturação das políticas sociais e mostram na atualidade uma realidade social dramática e perversa oriunda da histórica relação entre política social e processo de acumulação capitalista. 

Frente a todo este processo de contradições das relações econômicas e sociais, o universo das relações de trabalho no capitalismo vem progressivamente adquirindo múltiplas processualidades, as quais também não são novas mais duráveis e persistentes que são "a expansão do trabalho parcial, temporário, precário, subcontrato, 'terceirizado', que marca a sociedade dual no capitalismo [...]" (ANTUNES, 2000, p.51). 

Desta forma, pode-se afirmar que continua existindo um movimento contraditório nas relações de trabalho nesta sociedade, de um lado, reduz o operariado industrial, em "decorrência do quadro recessivo, quer em função da automação, da robótica e da microeletrônica, gerando uma monumental taxa de desemprego estrutural [...]" (ANTUNES, 2000, p.52). Por outro lado, dá-se a subproletarização do trabalho, os novos postos de trabalho, parcial, "terceirizado", subcontratado, os quais tomam forma de relações informais de emprego. É a "precariedade do emprego e da remuneração; a desregulamentação das condições de trabalho em relação às normas legais vigentes ou acordadas e a conseqüente regressão dos direitos sociais, [...] configurando uma tendência à individualização extrema da relação salarial" (BIHR apud ANTUNES, 2000, p.52).

Nesta última década foi possível observar grande retratação do emprego formal e a expansão do emprego informal juntamente com a criação de um novo espaço chamado de estágio, criação esta que mais uma vez vem degradar a vida do trabalhador.  Logo, o trabalhador é impedido de usufruir os direitos legais (de férias, 13º salário, previdência social, seguro desemprego, etc.) pertencentes ao emprego formal. O trabalhador transita por formas permanentes de exclusão, uma vez que os direitos constitucionais são substituídos pelos direitos contratuais e sendo este reconhecido pelo sistema capitalista através da relação contratual do trabalho se não estiver inserido formalmente nesta relação não ganha visibilidade econômica e política, pelo fato de não bastar somente ter a posse da força de trabalho, é necessária a posse e a efetivação do emprego formal. Logo, o contrato de trabalho define imediatamente as condições de reprodução do trabalhador no mundo das relações sociais capitalista, mesmo não garantindo melhores condições de sobrevivência (moradia, saúde, educação, entre outros) diante dos baixos níveis salariais, fatores que tendem à desvalorização do trabalho humano.

Neste sentido, a revolução tecnológica na origem do capital faz emergir uma nova fase da história das relações de produção, conseqüentemente do trabalho. O mercado exige conhecimentos diferentes, na medida em que novas tecnologias são introduzidas no cotidiano do trabalho, exigem-se cada vez mais trabalhadores qualificados para atuar no mercado.

Todas essas controvérsias manifestam as modificações drásticas que vem atingindo as relações do trabalho, acredita-se que política neoliberal é responsável pelo alargamento do desemprego, do contrato temporário, do setor informal, e principalmente nos últimos anos pela tomada no mercado de trabalho dos "ditos" estagiários, os quais perdem, em muitas empresas, o real sentido conceitual do estágio permanecendo somente o mero emprego de baixo salário e precário. Destaca-se, mais uma vez, o processo de vulnerabilização do trabalho no capitalismo contemporâneo e de violação de direitos historicamente conquistados.

Segundo Batista (1999, p.64-65)

No Brasil, os efeitos da política econômica são historicamente detectados em nossa trajetória dependente, no entanto, no que diz respeito ao período pós-70, seus efeitos foram imediatos. Contudo, as resistências ao governo autocrático (1964-1984) e a constante luta para ampliar e usufruir dos direitos democráticos, resultados de conquistas políticas e sociais, impediram que o projeto neoliberal fosse implementado nas décadas de 70 e 80. Mas, na passagem da década de 80 para a de 90, renderam-se aos mecanismos de dominação do capital, em específico no Brasil, sob a direção, do Fundo Monetário Internacional FMI e do Banco Interamericano de Desenvolvimento BID -, instaurou-se com raízes profundas, impondo as regras do jogo, isto é, a reforma do Estado tornou-se o lema dos anos 90, substituindo a divisa dos anos 80: o ajuste estrutural.

Assim, se as décadas de 1960 e 1970 possibilitaram mais a convicção política ideológica, na década de 1990 houve o fortalecimento do paradigma neoliberal com a decadência de Cuba o capitalismo na China -, e o Estado, que já não dava respostas concretas às reivindicações populares, afastou-se ainda mais de seus deveres com a área social. A década de 1990 no Brasil foi marcada pelo avanço da mercantilização e pela retração do Estado, por uma mescla fortíssima entre globalização e neoliberalização da economia. Pode-se dizer que a cada etapa do capitalismo há uma adequação do Estado para que responda as alterações ocasionadas por esta forma de produzir em seus diferentes estágios, contribuindo para a expansão do capital. Sob esse efeito, o Estado é regido pela lógica do capital prevalecendo os setores dominantes da economia em detrimento da efetivação dos direitos sociais conquistados pela população.

Tais mudanças de intervenção e de valores, parafraseando Antunes (2000, p.67) repercutiram junto ao movimento dos trabalhadores, as inúmeras mudanças no mundo do trabalho acarretaram conseqüências no universo da subjetividade e da consciência da classe trabalhadora. Logo, os órgãos de representação e mediação, como os sindicatos são afetados intensamente, visto que a forma de ser da classe trabalhadora torna-se mais heterogênea, fragmentada e complexificada, tem-se mudanças no modo de pensar e de agir deste trabalhador, sendo indiscutível que a existência  de uma classe e seu fortalecimento tem ligação direta com a consciência de si própria como tal, adquirir a consciência de classe fortalece as organizações as quais se participa.

Compreende-se assim, que os sindicatos devem ser por definição uma frente representativas dos trabalhadores. Logo, o trabalhador deve estar atento aos valores que o representam, atentos às perspectivas do sindicalismo brasileiro e sua reforma, visto que, a reforma sindical e trabalhista foi uma das iniciativas primeiras apresentadas pelo atual governo presidencial. Com ressalva ao desenvolvimento da Reforma Previdenciária, perpassada por um caráter neoliberal na perspectiva a atender os interesses da dinâmica do capitalismo global.

Adotando esta mesma característica, a reforma sindical e trabalhista tem no discurso governamental a justificação da necessidade da garantia da modernidade do país. No entanto, esta "dita" modernidade de que trata o discurso atual recupera traços arcaicos do discurso getulista que visam o controle  da atualidade sindical, ignorando as preocupações e anseios vindos dos trabalhadores.

Os sindicatos que, segundo Luxemburg (1970), ao invés de desenvolver a tarefa contra a taxa de lucro industrial na luta emancipadora da classe trabalhadora, se caracterizam em função de realizar a lei capitalista dos salários estabelecendo limites para a exploração e não sua eliminação. São restritos não ultrapassam a regulamentação da exploração capitalista momentânea do mercado, não revela nenhuma possibilidade de ser autogestor e muito menos de suprimir o lucro industrial. A lógica que perpassa a reforma sindical e trabalhista situa-se na ótica do capitalismo, se buscam a criação de um ambiente propício ao trabalho, mas, desde que isso favoreça também, a ampliação do capital. Neste sentido, a reforma sindical e trabalhista vem com o intuito de combater a atual Legislação que consenti mecanismos de mobilização trabalhista, fazendo com que os sindicatos se transformem em meros espaços inertes, sem lutas e finalidades, fazendo com que o trabalhador não se sinta mais representado por este, conseqüentemente enfraquece a consciência de classe tão necessária e fundamental para a derrota do capitalismo, na superação de relações de trabalho tão excludentes e desumanas.

Para finalizar resalta-se as sábias palavras de Mészáros (2002), na afirmação de que somente um grande movimento socialista de massa é capaz de enfrentar este desafio histórico de superação do capitalismo. E que:

O desafio maior do mundo do trabalho e dos movimentos sociais que têm como núcleo fundante a classe trabalhadora é criar e inventar novas formas de atuação, autônomas, capazes de articular intimamente as lutas sociais, eliminando a separação, introduzida pelo capital, entre ação econômica, num lado (realizada pelos sindicatos), e ação político-parlamentar, no outro pólo (realizada pelos partidos). Essa divisão favorece o capital, fraturando e fragmentando ainda mais o movimento político dos trabalhadores (MÉSZÁROS, 2002, p.19).

Certamente, a superação da miséria, da pobreza, do desemprego, de maneira geral a eliminação das contradições sociais somente vai ser possível quando conseguirmos, enquanto seres sociais alcançar novas formas de atuação, de apensar e agir politicamente. É preciso, para isto, muito esforço,  participação e  consciência das constradições geradas pelas relações capital e trabalho.

 

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste contexto, levantam-se as discussões que hoje passam por uma luta política que tramita entre tendências teóricas metodologias extremas. De um lado, estão aqueles que acreditam na necessidade da transformação social, em um projeto educacional em que os conflitos são evidenciados, as contradições são analisadas e não camufladas tendo em meta a construção de uma nova ordem societária, sem exploração e divisão de classes. De outro lado, temos nosso "velho" e tão forte pensamento dominante conservadora que ancorado no positivismo procura a todo custo negar a faculdade crítica da razão, a esta cabe somente caracterizar o fato. Em outras palavras, não precisa compreender, analisar, basta relatar.

Assim, a trajetória da política brasileira e concomitantemente a política trabalhista está fortemente marcada pela ideologia conservadora, porém não podemos ter dúvidas de que a história é factual, é movimento e no centro desse movimento está o homem. Um ser social que segundo Marx, é capaz de intervir na natureza transformá-la e ao mesmo tempo ser transformado também. Nessa perspectiva, comungo com a afirmação de Mészáros (2005, p.13), que "condena as mentalidades fatalistas que se conforma com a idéia de que não existe alternativa à globalização capitalista".

Reafirmando a citação anterior, se enfatiza que, se há um projeto societário vinculado a serviço do capital, existe outra perspectiva para a vida em sociedade comprometida com as lutas sociais em prol da defesa dos direitos da classe trabalhadora, do enfrentamento das desigualdades na luta pela construção de um novo projeto societário que defende e expressa seu compromisso social, ético e político de princípios emancipatórios. De acordo com Mészáros o momento fecundo:

A nossa época de crise estrutural global do capital é também uma época histórica de transição de uma ordem social existente para outra, qualitativamente diferente. Essas são as duas características fundamentais que definem o espaço histórico e social dentro do qual os grandes desafios para romper a lógica do capital, e ao mesmo tempo também para elaborar planos estratégicos para uma educação que vá além do capital, devem se juntar. Portanto, a nossa tarefa educacional é, simultaneamente, a tarefa de uma transformação social, ampla e emancipadora (MÉSZÁROS, 2005, p. 76).

 

4 REFERÊNCIAS

ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as Metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo : Cortez, 7ª ed., 2000.

BATISTA, Alfredo. Reforma do Estado: uma prática histórica de controle social. In: Serviço Social e Sociedade. n. 61. São Paulo: Cortez, 1999, p. 63-90

ENGELS, Friedrich. Quota-Parte do trabalho de hominização de macaco. In: Marx/Engels: Obras Escolhidas. Lisboa Moscovo, 1985, p. 71-83.

LUXEMBURG, Rosa. REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO. Tradução de Livio Xavier. Rio de Janeiro: LAEMMERT S. A., 1970.

MÉSZÁROS, István. Para além do Capital. Campinas/SP. : UNIAMP, 2002.