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ISBN 978-85-62480-96-6 versão impressa

Sem. de Saúde do Trabalhador de Franca Set. 2010

 

MUNDO DO TRABALHO E REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA

 

Assédio sexual laboral e suas implicações

 

 

Suelen Chirieleison TerruelI; Iris Fenner BertaniII

IAdvogada, mestranda em Serviço Social pelo Programa de Pós Graduação da UNESP/Franca. Contato e-mail: suelen.terruel@hotmail.com
IIProfa. Dra. da Graduação e Pós Graduação em Serviço Social da Universidade Estadual Paulista, UNESP, campus de Franca/SP; Livre Docente em Serviço Social; Coordenadora do QUAVISSS - Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Saúde, Qualidade de Vida e Relações de Trabalho certificado pela UNESP e vice líder do GEMTSSS, ambos grupos de pesquisas são credenciados pelo CNPq

 

 


RESUMO

O assédio sexual nas relações de trabalho traz uma nova roupagem para um antigo hábito social: a descriminação da mulher e de sua sexualidade. A cultura machista e patriarcal é ainda mais aflorada nas relações de trabalho, pois além da exploração da mão-de-obra feminina, pagando menores salários e possibilitando menos oportunidades de promoção, o empregador aproveita-se da vulnerabilidade na qual se encontra a empregada para dar vazão a seus instintos libidinosos. Em 2001 foi aprovada a Lei do Assédio Sexual. Apesar de não facilitar a punição do assediador, a mudança já favorece o direcionamento para novos rumos.

Palavras-chave: assédio sexual - relações de trabalho - mulher


 

 

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca analisar a problemática referente ao assédio sexual a partir de uma breve abordagem histórica da entrada da mulher no mercado de trabalho, apontando as definições de assédio sexual, os danos causados à mulher assediada, os direitos destinados a ela e a forma de efetivá-los. Pretende-se ainda discutir as defasagens trazidas pela nova Lei de Assédio Sexual, tal como a ausência da conduta na Consolidação das Leis do Trabalho.

Ressalta-se que, apesar de homens e mulheres estarem suscetíveis ao assédio sexual nas relações de trabalho, este breve estudo tratará somente da conduta entre assediante e assediada, em razão das vítimas serem mulheres na absoluta maioria dos casos.

 

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 Breve histórico

A violência sexual é tão antiga quanto a existência humana (SANTOS, 1999, p.85), a começar pelas primeiras considerações teóricas feitas sobre as diferenças da sexualidade entre homens e mulheres. Da antiguidade até o século XVII, a mulher era considerada um homem imperfeito, pois havia lhe faltado o calor para externar os órgãos sexuais. Durante muito tempo, o corpo da mulher representou um território perigoso: para as entidades religiosas, era o verdadeiro receptáculo do pecado (DEL PRIORE,1999, p. 179).

Infelizmente os resquícios de tais equívocos medievais ainda perduram, os quais se refletem no cerceamento da vontade sexual feminina, conforme explanado por Giddens, (1993, p. 102):

[…] as mulheres têm sido divididas entre as virtuosas e as perdidas, e as mulheres 'perdidas' só existiriam à margem da sociedade respeitável. Há muito tempo a 'virtude' tem sido definida em termos da recusa de uma mulher em sucumbir à tentação sexual, recusa esta amparada por várias proteções institucionais, como o namoro com acompanhante, casamentos forçados e assim por diante […] O confinamento da sexualidade feminina ao casamento era importante como um símbolo da mulher 'respeitável'. Isto ao mesmo tempo permitia aos homens conservar distância do reino florescente da intimidade e mantinha a situação do casamento como objetivo primário das mulheres.

Para Barbieri (1993, p.64), esta subordinação a qual se submete a maioria das mulheres é uma questão de poder múltiplo lançado sobre elas, localizado em diferentes espaços sociais e não exclusivamente no Estado ou nos aparatos burocráticos. Trata-se de um poder que não se reveste com traços de autoritarismo, mas sim de nobres sentimentos de afeto, ternura e amor.

Na Revolução Industrial, a inserção da mulher no mercado de trabalho foi alavancada pelo surgimento das máquinas, responsáveis por minimizar a diferença da força física existente entre homens e mulheres, além das vantagens da mão de obra mais dócil e barata, o que nos remete à velha conclusão de que é sempre o dinheiro, a "mola-mestra do mundo", que está por trás das grandes transformações sociais e jurídicos (PAMPLONA FILHO, apud VIANA; RENAULT, 2000, p.325). É a partir da exploração industrial do trabalho que a mulher inicia a busca da igualdade com o homem.

No transcorrer da história, o mundo do trabalho sofreu transformações, tais como a implementação do modelo Taylorista/Fordista, responsáveis pela fragmentação da idealização e execução das atividades de produção, e às tentativas de inserção de motivadores à classe trabalhadora, representada pelos elementos periféricos que apenas aparentemente deslocavam o trabalhador de sua condição de subordinado absoluto. Desse contexto, a partir da década de 1960, surgem os círculos de controle de qualidade (CCQ), para que a discussão referente à produção fosse decidida conjuntamente entre empregados e empregadores (MOREIRA, 2000, p.56)

No Brasil, a entrada das mulheres no mercado de trabalho ocorre consideravelmente a partir da década de 1970. À época, o movimento feminista introduz a discussão da condição da mulher perante a sociedade, a família e a relação entre gêneros, momento este que surgem as primeiras legislações ocidentais garantindo isonomia com o sexo oposto (BARSTED, 1994, p.48; SOARES, 1994, p.14).

Para Barbieri (1993, p.70):

[…] gênero é o sexo socialmente construído através dos […] conjuntos de práticas, símbolos, representações, normas e valores sociais que as sociedades elaboram a partir da diferença sexual anatômico-fisiológica e que dão sentido à satisfação dos impulsos sexuais, à reprodução da espécie humana e, em geral, ao relacionamento entre as pessoas.

Nas últimas décadas, o assalariamento feminino teve nova conotação, sendo que a atividade profissional da mulher "não está mais associada à noção de atividade complementar, mas mudou profundamente de significado para adquirir, de certo modo, uma legitimidade sem contestação, base de uma nova identidade" (FOUGEYROLLAS-SCHWEBEL, 1994, p.340), Entretanto, "os salários femininos continuam a ser proporcionalmente menores do que os dos homens porque há grande quantidade de mão-de-obra concentrada em pequeno número de trabalhos de mulher, que por sua vez são de menor prestígio, porque refletem a posição do sexo feminino na sociedade" (BRUSCHINI,1994, p.183), recebendo, em média, apenas 30% do salário pago aos homens.(VIANA; RENAULT, 2000, p.327).  Para Louis (2000, p.5), as desvantagens do processo de assalariamento feminino faziam com que "os direitos de uso dos corpos das mulheres, compreendendo a sua dimensão sexual, fossem perpetuados no seio da relação salarial".

No Brasil, as mulheres ainda possuem empregos mais subalternos do que os homens (AMMANN, 1997, p.102), concentrando-se no setor terciário da economia, geralmente na prestação de serviços, e assumem alguns dos empregos de mais baixo prestígio e remuneração, como: empregadas domésticas, balconistas, vendedoras ou comerciantes por conta própria, costureiras, professoras do ensino fundamental (BRUSCHINI,1994, p.183).

O processo de globalização da economia trouxe novas formas de organização da produção, acarretando profundas transformações nos processos de trabalho: o trabalhador, para atender às exigências do mercado, deve apresentar perfil polivalente e alta qualificação. Como resultado, tem-se a subproletarização e a insegurança dos trabalhadores (MATTOSO, 1995, p. 92; ANTUNES, 1998, 112). Neste diapasão, a mulher segue numa busca incessante pela conquista e efetivação de seus direitos para conseguir solidificar sua permanência no mercado de trabalho.

Entretanto, a efetivação de tais direitos depende diretamente da globalização jurídica, sendo esta de consolidação ainda mais complexa que a globalização econômica, pois não depende apenas do aperfeiçoamento dos mecanismos jurídicos e políticos, mas de mudar o foco das políticas dominantes de desenvolvimento econômico e social, procurando os governos, com efetiva vontade política, centrá-lo menos na produtividade de um capitalismo selvagem e desenfreado e mais na dignidade, na capacidade e na liberdade do ser humano (PIMENTEL; PANDJIARJIAN, 2001).

2.2  Assédio sexual: definições e implicações

A palavra assédio vem do latim obsidere, que significa pôr-se adiante, sitiar, atacar.  Para língua portuguesa, assédio é a insistência importuna, junto de alguém, com perguntas, propostas, pretensões (FERREIRA, 1995, p.66) ou outra forma de abordagem forçada. No âmbito jurídico, assédio sexual é ato de constranger alguém com gestos, palavras ou com emprego de violência, prevalecendo-se de relações de confiança, de autoridade ou empregatícia, com o escopo de obter vantagem sexual (DINIZ, 1998, p.122).

Para José Wilson Ferreira Sobrinho (1996, p.62):

[...] assédio sexual é o comportamento consistente na explicitação de intenção sexual que não encontra receptividade concreta da outra parte, comportamento esse reiterado após a negativa [...] por óbvio, é materializado em um comportamento comissivo do assediador, pelo que não se há de se pensar em assédio por omissão sob pena de a lógica ser agredida. [...] decisivo para o conceito de assédio sexual é o comportamento subseqüente à não aceitação da proposta de índole sexual. [...] se a outra parte não se mostra inclinada a aceitar essa proposta e mesmo assim continua sendo abordada na mesma direção, nesse momento surge a figura do assédio sexual [...].  E isto é assim porque nesse momento haverá uma agressão à esfera de liberdade do assediado que, naturalmente, não é obrigado a copular com quem não deseja.

O assédio sexual, para Giddens enquadra-se numa modalidade de violência sustentada pela própria cultura machista, pois ainda hoje existe o padrão duplo de orientação sexual, onde, tradicionalmente, as mulheres devem conter a sua sexualidade e os homens são possuidores de uma necessidade de variedade sexual para sua saúde física. Afirma o autor:

[...] o controle sexual dos homens sobre as mulheres é muito mais do que uma característica incidental da vida social moderna. À medida que esse controle começa a falhar, observamos mais claramente revelado o caráter compulsivo da sexualidade masculina e este controle em declínio gera também um fluxo crescente da violência masculina sobre as mulheres (GIDDENS, 1993, p.102).

O assédio sexual é visto como uma violência psicológica capaz de gerar a vítima inúmeros sofrimentos, tanto físicos quanto psíquicos: depressão, crises compulsivas de choro, perda de memória, irritabilidade, tendência ao isolamento, perda de confiança e auto-estima, náuseas, insônia, apnéia, crise do pânico, podendo culminar, inclusive, ao suicídio (MONDE DU TRAVAIL, 2000). Isso ocorre porque que a liberdade sexual não é atacada apenas mediante violência física, mas principalmente pela violência psíquica. Geralmente o assédio sexual ocorre pela iniciativa de um indivíduo que, por ter poder sobre o outro, constrange-o a adotar procedimento sexual que não adotaria fora dessas circunstâncias (SIMÓN, 2000, p.173).

Segundo Alice Monteiro de Barros (1997, p.140), existem dois tipos de assédio: por intimidação e por chantagem. O assédio por intimidação surge com a importunação do sexo oposto, proveniente de incitações sexuais importunas, de uma solicitação sexual ou de outras manifestações da mesma índole, verbais ou físicas, que acarreta prejuízo a atuação laboral do indivíduo ou cria situação ofensiva ou abuso no ambiente de trabalho. Assédio por chantagem refere-se à exigência feita por superior hierárquico a um subordinado, para que este se preste a atividade sexual, sob pena de perder o emprego ou benefícios advindos da relação empregatícia.

Para Rubens Limongi França (1975, p. 120-126), o direito à liberdade sexual engloba os direitos à intimidade, à vida privada, ao próprio corpo: à vida. Para ele, o assédio sexual ocorre devido à discriminação oriunda de tratamentos negativamente diferenciados entre homens e mulheres.

No resultado de uma pesquisa realizada pelo Sindicato das Secretárias do Estado de São Paulo (Sinesp), no mínimo, 25% de suas filiadas foram assediadas sexualmente. Buscando auxiliá-las, o Sinesp elaborou uma cartilha com orientações sobre a importância da denúncia do assédio sexual. Segundo a pesquisa, a maioria das mulheres não denuncia o assédio por inúmeros motivos, dentre eles: medo de represália ou retaliação (demissão e rebaixamento de função), medo de transferência, receio de exposição extrema no ambiente de trabalho e familiar, dificuldade de abordagem do assunto, descrédito diante a resolução eficaz do problema. Os dados demonstraram que 59% das pessoas que cometem assédio sexual são de classe mais alta e 14,3% das mulheres que se recusaram ao assédio foram demitidas, transferidas, perderam promoção de função, dentre outras conseqüências (DINIZ, 1995, p.240).

Convém ressaltar que, segundo Dejours é comum as trabalhadoras assediadas criarem estratégias de defesa (individuais ou coletivas) para permanecerem na normalidade do ambiente de trabalho. Uma delas é a negação do sofrimento, que gera a sensação de que as relações de trabalho "são assim mesmo" e devem ser suportadas. Para o autor, admitir o sofrimento gera vergonha às assediadas, pois estar desempregada seria demasiadamente pior do que suportar o assédio sexual laboral. Explica Dejours (1999, p.85):

[...] quando mencionamos a situação dos que sofrem por causa do trabalho, provocamos quase sempre uma reação de recuo ou de indignação, pois damos a impressão de que somos insensíveis à sorte supostamente pior dos que sofrem por causa da falta de trabalho.

A discussão sobre assédio sexual não raramente é subvalorizada, como prova da predominância de uma cultura patriarcal e machista, o que dificulta o reconhecimento do assédio como grave discriminação e violência majoritariamente exercida contra a mulher, considerando que em 90% dos casos, os homens são os assediadores e as mulheres as assediadas (MENDONÇA, 2001, p.7)

2.3 Um crime novo para hábitos velhos

A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 1º, incisos III e IV, enuncia como um de seus fundamentos, a dignidade do ser humano e os valores sociais do trabalho. Os instrumentos normativos que incidem sobre as relações de trabalho devem visar, sempre que pertinente, a prevalência dos valores sociais do trabalho, enquanto a dignidade do trabalhador deve estar presente de forma muito consistente na aplicação das normas legais e das condições que regem o contrato de trabalho (SÜSSEKIND apud GIORDANI, 2000, p.46).

Entretanto, no Brasil, como já explanado anteriormente, a discriminação em razão de sexo no trabalho ainda é expressiva e majoritariamente feminina. A dificuldade da comprovação da discriminação desencoraja a busca pela punição do assediador, tal como as inúmeras decisões judiciais desfavoráveis ao pedido da assediada, como demonstra a maioria das decisões dos Tribunais brasileiros.

Somente em 15 de maio de 2001 a Lei nº. 10.224 introduziu no Código Penal (Decreto-Lei n. 2.848, de 1940), o delito de assédio sexual, no Capítulo dos Crimes contra a Liberdade Sexual, com a seguinte redação:

Art. 216-A. Constranger alguém, com intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função: pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.

O projeto de Lei nº. 2.848 teve autoria da deputada Iara Bernardi e trazia uma proposta mais ampla do que a aprovada pelo Congresso Nacional. No projeto, existia o artigo 2º, que previa aumento de pena de um a dois terços, em cinco situações: a) quando o crime fosse cometido com o concurso de duas ou mais pessoas (inciso I); b) quando o agente fosse descendente, padrasto, madrasta, irmão, tutor, curador ou preceptor da vítima (inciso II); c) se o crime fosse cometido por pessoa que se prevalecesse de relações domésticas, religiosas ou de confiança da vítima (inciso III); d) quando o crime fosse cometido por quem se aproveitasse do fato de a vítima estar presa ou internada em estabelecimento hospitalar ou sob guarda ou custódia (inciso IV); e) se a vítima fosse considerada juridicamente incapaz (inciso V).

A redação da lei aprovada pelo Senado reduziu o conteúdo do art. 2º a um Parágrafo Único do artigo 216-A, prevendo a mesma pena para aquele que praticasse o delito prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade (inciso I), ou com abuso ou violação de dever inerente a ofício ou ministério (inciso II). Ocorre que o Parágrafo Único foi vetado pelo Presidente da República, o que suprimiu inúmeras exceções à punição da prática de assédio em situações concretas e comuns.

O veto pelo Presidente da República teve justificativa de ordem técnica, alegando que a mesma pena para o caput do artigo e para seu parágrafo único implicaria numa "inegável quebra do sistema punitivo adotado pelo Código Penal, e indevido benefício que se institui a favor do agente ativo do delito" (mensagem n. 424, de 15 de maio de 2001, enviada ao presidente do Senado Federal).

O resultado da modificação do texto do Projeto de Lei nº. 2.848 é que o assédio sexual somente poderá ocorrer nas relações de trabalho, considerando que a ascendência e superioridade necessárias para caracterização da conduta criminosa deverão originar-se no exercício de cargo, emprego ou função. Como exemplo prático de veto, tem-se que a faxineira diarista não poderá utilizar-se dos efeitos do artigo 216-A do Código Penal, pois nos moldes do Direito do Trabalho, a relação estabelecida entre ela e aquele que contrata seus serviços não é de emprego, mas sim de trabalho, o que impossibilita a configuração do delito. Igualmente não poderão utilizar-se da referida Lei as pessoas que tenham relação familiar ou social com o assediante, tais como enteadas ou vizinhas.

Para aqueles que enquadrarem-se aos requisitos exigidos pelo artigo 216-A, o assédio sexual poderá causar dois tipos de punição ao infrator: detenção de um a dois anos, além de indenização por danos morais (MENEZES apud SANTOS, 2000, p.120).

Por mais contraditório que pareça, a inclusão do assédio sexual no Código Penal não facilitou a punição dos assediadores, pois a iniciativa da ação penal será privativa da vítima, ou seja, a vítima deverá contratar um advogado para que este então inicie a ação penal. Poderá ser ação pública condicionada, caso a vítima ou seus pais não possam prover as despesas do processo, sem privação do sustento. Para estes casos, haverá o acionamento do Ministério Público para propositura da ação. Para o Departamento de Estudos e Projetos Legislativos do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), a vítima poderá continuar não exigindo a punição de seu assediador (IBCCRIM, 2001) dada a influência do assediador sobre ela.

Na esfera da Justiça do Trabalho, o assédio sexual acarreta a rescisão do contrato de trabalho. Apesar de não haver menção expressa ao assédio sexual na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), ele pode ser enquadrado em seu artigo 483, alíneas "c" e "d" (CARRION, 2008, p. 389):

Artigo 483: O empregado poderá considerar rescindido o contrato de trabalho e pleitear a devida indenização quando: [...] c) correr perigo manifesto de mal considerável; [...] d) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa-fama [...].

A rescisão do contrato de trabalho dar-se-á por justa causa cometida pelo empregador, considerando que o assédio sexual implica constrangimento e sofrimento moral para o assediado, que tem ofendida sua honra e boa-fama, além de expô-lo aos perigos dos males físicos que o assédio sexual poderá causar (ARRUDA, 1998, p.288).

Convém salientar que as manifestações de assédio podem ser verbais, físicas ou de caráter misto. Não é necessário que sejam diretas, explícitas e inequívocas, bastando meras insinuações ou mensagem de conotação dúbia (PRADO, 2005, p.148). Presente o molestamento sexual, ainda que em ato único, por meio de condutas como abraço prolongado, toques, palavras e gestos obscenos ou exibição de partes do corpo, já estar-se-á configurada a rescisão contratual por justa causa consistente na incontinência de conduta do empregador (ARRUDA, 1998, p.288).

Infelizmente a prova do delito apresenta grande dificuldade de ser apresentada, já que na maioria das condutas de assédio sexual a cena é composta somente pelo assediante e a assediada, sem a presença de testemunhas. Para comprovação da conduta, a vítima deverá deter-se a bilhetes, cartas, documentos, roupas danificadas, perícias em gravações do sistema interno de segurança, roupas e resíduos de secreções.

A posição majoritária é de que a indenização ao empregado por assédio sexual deve ser pleiteada na Justiça do Trabalho, considerando que o litígio decorre de relação trabalhista e assim, atende à previsão constitucional (art. 114, caput) (ARRUDA, 1998, p.288).

 

3 CONCLUSÃO

Os danos causados pelo assédio sexual são imensuráveis, tanto pelo constrangimento direto entre assediante e assediada, quanto pelo medo da perda da atividade empregatícia. As mulheres que vivenciam a situação não conseguem a ajuda necessária, o que piora o quadro de isolamento e submissão da empregada ao empregador.

A evolução histórica e cultural demonstra as razões que ainda motivam homens a acreditarem ter poder sexual sobre a mulher empregada. Os avanços são consideráveis, mas para que as propostas se efetivem, é necessário repensar a cultura machista e patriarcal para que possa ser devolvida à mulher a sua sexualidade. Somente assim ela abandonará a servidão sexual masculina a qual sempre foi submetida e conquistará o respeito que deve ser intrínseco à sua sexualidade.

A inclusão do assédio sexual dentre os crimes previstos pelo Código Penal é um avanço considerável na punição dos assediadores, mas a abrangência da prevenção da conduta torna-se reduzida ao restringir o assédio sexual apenas à prática laboral. Outra questão relevante é a inexistência de meios facilitadores para a efetivação da ação penal, pois possivelmente a assediada continuará tolerando o assédio até o limite da convivência, para somente então decidir o que fazer. Dentre as decisões mais prováveis estará o pedido da rescisão do contrato de trabalho, de acordo com as alíneas "c" e "d" da CLT. Entretanto, não será qualquer mulher capaz de ingressar no Judiciário com uma ação penal contra o empregador, pois além do abalo à saúde mental e física, a assediada estará sujeita também ao abalo de sua saúde financeira, principalmente se a ação não for julgada procedente e ela necessitar de uma carta de recomendação do ex-empregador para buscar um novo emprego.

 

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