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ISBN 978-85-62480-96-6 versão impressa

Sem. de Saúde do Trabalhador de Franca Set. 2010

 

ACIDENTES, DOENÇAS E ADOECIMENTOS DO TRABALHO CONTEMPORÂNEO

 

Qualidade de vida dos trabalhadores de enfermagem das unidades de pronto socorro de um hospital universitário

 

 

Heronwaldo Borges Assunção1; Sybelle de Souza Castro Miranzi2; Fabio Scorsolini-Comin3

 

 


RESUMO

Este estudo exploratório e transversal, realizado em um hospital universitário, teve por objetivo avaliar a qualidade de vida dos profissionais de enfermagem de Unidades de Pronto Socorro. Utilizaram-se dois questionários autoaplicados: WHOQOL-bref e perfil socioeconômico. Para análise dos dados utilizou-se estatística descritiva e sintaxe do WHOQOL-bref. Dos 51 trabalhadores, 62,7% relataram não ter qualquer problema de saúde. Apesar de 64,7% estarem bastante satisfeitos com seu trabalho, 29,4% têm mais de um vínculo empregatício e 21,6% trabalham mais de 12 horas por dia. Os participantes apresentaram uma avaliação positiva para a qualidade de vida geral, diferentemente da hipótese inicial do estudo.

Palavras-chave: Qualidade de Vida. Equipe de Enfermagem. Saúde do Trabalhador. Assistência de Enfermagem.


 

 

1 INTRODUÇÃO

Na vida cotidiana, o trabalho representa um status para o indivíduo, uma maneira de viver e de comportar-se, além de ser um meio de garantir a própria sobrevivência. É parte importante do ser humano, com uma série de implicações sociais e psicológicas em sua vida (CÂNDIDO, 2004). O trabalho também pode ser visto como uma ação humana desenvolvida em determinado contexto social, que recebe várias influências, resultando em uma reciprocidade entre o trabalhador e os meios de produção (sociedade).

No atual contexto social e econômico, a principal característica é a demanda por parte das organizações de uma crescente atenção com seus ativos intangíveis (pessoas, marca, valor de mercado) (OLIVEIRA; LIMONGI-FRANÇA, 2005). Há algumas décadas, a competitividade de várias organizações estava ligada ao tamanho e complexidade de sua estrutura física. Hoje, aspectos como o conhecimento nelas desenvolvido e mantido, sua marca e valorização no mercado, bem como as pessoas que nelas trabalham podem se tornar diferenciais competitivos mais importantes do que os aspectos tangíveis (OLIVEIRA; LIMONGI-FRANÇA, 2005).

Assim, a Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) ou Qualidade de Vida (QV) passa a ser uma preocupação cada vez mais premente nas organizações, sendo apresentado como uma ferramenta de gerenciamento e aperfeiçoamento do trabalho. Esses aspectos podem ser compreendidos como uma maneira de revisar os conceitos das pessoas em relação ao trabalho e ao meio em que vivem.

O interesse pela avaliação da Qualidade de Vida (QV) das pessoas é algo recente e sob a influência da mudança de paradigma sanitário da produção social da saúde, centrada na complexa multifatorialidade do processo saúde-doença (SANTOS; CARDOSO, 2010). Assim, busca-se cada vez mais o seu desvendamento na perspectiva de atuar no curso da história natural das doenças e agravos à saúde. A melhoria da QV da população vem sendo guiada pelos novos moldes de promoção e prevenção da saúde nas políticas públicas, no qual se busca a promoção de novas práticas assistenciais que estimulem a melhoria da QV da população, como condição sine qua non para a redução da morbi-mortalidade.

Contemporaneamente, vemos a assunção do conceito de saúde não apenas como uma sensação de bem-estar, mas um estado em constante movimento do qual procuramos nos aproximar, estando relacionada fundamentalmente ao desejo (DEJOURS, 1992). Quando há perda do desejo, encontramo-nos diante de uma situação limite para o corpo e para a mente, correndo o risco de adoecimento físico e mental, o último manifestado por meio de estados de tristeza, apatia ou depressão (BERTOLETTI; CABRAL, 2007).

Muitos autores encontram dificuldades para avaliar, conceituar e principalmente mensurar a QV de um determinado grupo devido ao caráter multidimensional desse termo. Existem indicadores objetivos e concretos, como índice de desemprego, densidade populacional, condições de moradia e financeiras, e indicadores abstratos e subjetivos, baseados em informações colhidas diretamente dos indivíduos estudados, que não podem ser considerados isoladamente (FORATTINI, 1991; PELICIONI, 1994; PASCHOAL, 2001; IGLESIAS, 2002; CÁRDENAS, 2004; GONÇALVEES, 2004; OLIVEIRA; LIMONGI-FRANÇA, 2005; BERTOLETTI; CABRAL, 2007; GOMES; CRUZ; CABANELAS, 2009; TAMAYO, 2009; SANTOS; CARDOSO, 2010). Os estudos que retratam a QV são indicadores que definem a avaliação do impacto físico e psicossocial que as enfermidades, disfunções ou incapacidades podem acarretar para as pessoas acometidas (GONÇALVES; VILARTA, 2004; VILARTA; GONÇALVES, 2004).

No Brasil, ainda é recente o movimento em torno da pesquisa sobre a Qualidade de Vida dos trabalhadores. A avaliação da QV dos trabalhadores tem como finalidade identificar as mudanças necessárias para a promoção do bem-estar e adequação de condições para a sua reabilitação (FLECK et al., 1999; OMS, 1998), e dependendo dos domínios que afetam a QV, esses trabalhadores podem deparar-se com o isolamento social, afetivo e psicológico, comprometimento das funções e atribuições no trabalho, dentre outros transtornos.

Ser um profissional de saúde de uma unidade de pronto socorro que presta assistência direta ao paciente, responsável pelos cuidados necessários à sua recuperação, associado à cura e reabilitação, muitas vezes em situações limites, em que um simples detalhe pode custar uma vida, é algo que demanda aptidão e preparo. Neste contexto de atenção, é imprescindível que a equipe que lida com estes clientes/usuários possua uma visão mais ampliada deste processo para que possam elaborar estratégias de trabalho fundamentadas na eficácia que a situação requer, que correspondam às necessidades deste grupo, contribuindo para a melhoria da QV de todos os integrantes do processo, ou seja, equipe de enfermagem e usuários, e não apenas ao prolongamento da sobrevida sem a fundamental qualidade desta. Segundo Gomes, Cruz e Cabanelas (2009), o interesse pelo estudo desses profissionais é justificado pela natureza dos serviços que prestam, uma vez que a qualidade e eficácia do seu trabalho pode ter um impacto decisivo na saúde dos pacientes.

Nota-se que os profissionais de enfermagem desse setor têm suportado cargas de trabalho cada vez maiores, por meio de duplas jornadas ou mais de um vínculo empregatício (MANETTI; MARZIALE, 2007). Por vezes com proporção inadequada de pacientes por profissionais qualificados, turnos rotativos, e presença de fatores de risco pertinentes ao ambiente, levando a uma situação conhecida como sobrecarga de trabalho. A permanência dessa situação pode gerar um alto grau de frustração e descontentamento em relação à responsabilidade e exercício profissional, podendo desencadear transtornos físicos e psicológicos, afetando sua saúde e levando a um comprometimento de sua qualidade de vida.

Com base nas considerações citadas, salienta-se que as intervenções realizadas pelos profissionais podem repercutir tanto no processo de trabalho quanto no desempenho da equipe. Dessa forma, desenvolver e aprimorar os instrumentos que possam mensurar a QV das pessoas em diferentes grupos sociais consiste no auxílio às mudanças das práticas assistenciais, na superação de modelos eminentemente biomédicos, valorizando os aspectos socioeconômicos, psicológicos e culturais imprescindíveis para a compreensão e escolha de estratégias de promoção, prevenção, tratamento e reabilitação da saúde. Medidas objetivas de mensuração da QV podem atuar como adjuvantes da análise de intervenções terapêuticas e sociais (SEIDL; ZANNON, 2004). Além destas, a realização de investigação desta natureza possibilita a construção de novos paradigmas do processo-saúde doença e de processo de trabalho em saúde. Em políticas de saúde coletiva, as informações sobre QV são usadas como indicadores para a avaliação da eficácia, eficiência, e impacto de determinados tratamentos para portadores de enfermidades diversas, além de servir para comparar procedimentos de prevenção em todos os níveis de atenção à saúde. Outro interesse está relacionado às práticas assistenciais dos serviços de saúde, que avaliam o impacto físico e psicossocial que os agravos, disfunções ou incapacidades podem acarretar para os pacientes acometidos.

A discussão da QV pode ser ampliada para outras áreas de atuação como forma de avaliação da experiência dos trabalhadores no ambiente de trabalho - Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) (ROSA; PILATTI, 2006). Os conceitos fundamentais da QVT são: participação do trabalhador nas decisões que envolvem o desempenho de suas funções, reestruturação de tarefas, estruturas e sistemas que proporcionem maior liberdade, satisfação com o trabalho, valorização do trabalho, justiça e adequação do ambiente de trabalho às necessidades individuais do trabalhador (IGLESIAS, 2002; ROSA; PILATTI, 2006).

Alguns estudiosos consideram que a diferença existente entre os conceitos de qualidade de vida e qualidade de vida em saúde, é a subjetividade (MINAYO; HARTZ; BUSS, 2000). A QV e QVT são conceitos pluridimensionais e em desenvolvimento. Para alguns estudiosos, não existe QVT sem qualidade de vida e vice versa (SEIDL; ZANNON, 2004; ROSA; PILATTI, 2006). O presente estudo possui como um dos objetivos avaliar a QV dos profissionais de enfermagem (auxiliares e técnicos) das Unidades de Pronto Socorro do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UPS/HC/UFTM), que além das características próprias da profissão, tem associados fatores decorrentes da dinâmica organizacional de ambientes que sofrem extrema pressão profissional, considerados agravantes da qualidade de vida (OLER; JESUS; BARBOZA; DOMINGOS, 2005).

Ademais, para trabalhar com o cuidado de pacientes na maioria das vezes em estado grave, acidentados, é preciso pensar na qualidade de vida de quem tenta promovê-la. Assim, além de avaliar a QV dos profissionais, este estudo pretende também descrever o perfil sociodemográfico e epidemiológico dos auxiliares e técnicos de enfermagem, bem como oferecer subsídios para melhorar o processo de trabalho em saúde, a prática de enfermagem, e a relação profissional-usuário. A avaliação dos resultados da QV dos trabalhadores de enfermagem poderá até mesmo auxiliar na redefinição de políticas de saúde específicas a esses profissionais que desempenham funções tão peculiares, uma vez que o instrumento mensurou os aspectos físicos, psicológicos, relações sociais e meio ambiente.

 

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 Método

Trata-se de um estudo transversal, cuja população estudada foram os auxiliares e técnicos de enfermagem das Unidades de Pronto Socorro do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UPS/HC/UFTM), constituída por sessenta e um indivíduos. Os critérios de inclusão foram: ser trabalhador de qualquer dos 03 (três) turnos das UPS, concordar em participar da pesquisa e assinar o termo de consentimento livre e esclarecido. O critério de exclusão foi o de não concordar em participar da pesquisa, estar de férias, de licença ou ter sido transferido de setor no período da coleta de dados.

Os dados foram coletados no 3º trimestre de 2008, nas Unidades de Pronto Socorro Adulto e Infantil do Hospital de Clínicas com o consentimento do Superintendente do Hospital e do Diretor da Unidade de Enfermagem. Os participantes foram esclarecidos sobre o preenchimento do questionário, a importância da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, a garantia do sigilo e o anonimato das respostas, e também sobre eventuais dúvidas.

Do total de 61 trabalhadores relacionados nas UPS, cinco se recusaram a participar da pesquisa, três estavam em licença para tratamento de saúde, um em férias e outro foi transferido de setor. Sendo assim, a pesquisa contou com 51 colaboradores (N=51). Foi utilizado o questionário autoaplicado e o WHOQOL-bref (OMS, 1998), composto por 26 questões distribuídas em quatro domínios: físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente. 

Para avaliar o perfil sociodemográfico e epidemiológico foi utilizado um instrumento adicional ao questionário, construído em parte pelo grupo WHOQOL responsável no Brasil e acrescido de questões pelos pesquisadores, denominado: Ficha de informações sobre o respondente. Estas informações foram obtidas antes da aplicação do WHOQOL-bref, sendo constituído das seguintes variáveis: horário de trabalho, gênero, idade, categoria profissional, escolaridade, estado civil, nível de saúde, problemas de saúde atual, com quem mora, número de dependentes, vínculo empregatício, horas trabalhadas por dia, número de vínculos empregatícios, renda mensal, se faz algum curso atualmente e satisfação com o trabalho.

Quanto à descrição do perfil sociodemográfico e epidemiológico e da qualidade de vida, foi utilizada a análise descritiva a partir de frequências absolutas e percentuais para as variáveis categóricas, e medidas de centralidade (média, mediana e moda) e de dispersão (desvio padrão, coeficiente de variação, mínimo e máximo) para as variáveis numéricas. Os dados foram organizados em tabelas e gráficos. Os questionários foram digitados no software Excel Microsoft Corporation, tabulados e consolidados no software SPSS versão 14.0, com sintaxe do WHOQOL-bref. Os maiores escores corresponderam a melhor qualidade de vida. Cada domínio do WHOQOL-bref foi analisado isoladamente.

Quanto à associação de cada um dos domínios de qualidade de vida com algumas variáveis epidemiológicas e sociodemográficas entre as categorias profissionais foi utilizado o teste do qui-quadrado, enquanto que o teste t-Student foi empregado para cálculo de diferenças entre médias quando as variáveis epidemiológicas e sociodemográficas tiveram apenas duas categorias e os dados apresentaram normalidade, ao passo que quando a normalidade não foi satisfeita utilizou-se o teste não paramétrico de Mann-Whitney. Quando tivemos mais de duas categorias nas variáveis epidemiológicas e sociodemográficas, os dados apresentaram normalidade e as variâncias foram homogêneas, utilizou-se análise de variância (ANOVA). Quando a normalidade dos dados e a homogeneidade das variâncias não foram satisfeitas, utilizou-se o teste de Kruskal-Wallis. O nível de significância adotado para todos os testes foi de 5%.

O presente estudo acompanhou rigorosamente os preceitos constantes na Resolução nº. 196/96 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, com aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Protocolo nº. 1019/2007.

2.2 Resultados e Discussão

Observou-se neste estudo que 78,4% dos trabalhadores de enfermagem são do sexo feminino. A faixa etária predominante foi entre 20 e 32 anos (35,3%), sendo a média de idade 30 anos. Em relação à categoria profissional, 90,2% eram técnicos de enfermagem.

Quanto à escolaridade, 56,9% possuíam o 2º grau completo e 29,4% não haviam concluído o 3º grau. A maioria dos entrevistados era solteira (62,7%), seguido de casado (23,5%). Relataram estar com a saúde boa 43,1% dos entrevistados, 39,2% muito boa e 5,9% com a saúde fraca. Quanto a problemas de saúde, 62,7% não relataram qualquer problema, 13,7% alegaram outros problemas de saúde e 11,8% relataram ter pressão alta. Com relação à moradia, a maioria (82,4%) residia com familiares e 7% sozinhos, sendo que 54,9% não possuíam dependentes, enquanto que 29,4% tinham entre um e dois dependentes.

Dentre os que estavam dando prosseguimento aos estudos, 56,9% estavam fazendo algum curso, em que 31,4% faziam curso superior, sendo que as mulheres foram a maioria (45%). Sessenta e dois e meio por cento das mulheres concluíram o 2º grau e 36,4% dos homens o fizeram; 32,5% mulheres cursavam o 3º grau e 18,2% dos homens tinham o 3º grau incompleto.

Quanto ao vínculo empregatício, 68,6% possuíam somente um, 29,4% tinham dois vínculos e 2% mais de dois. Sendo a maioria (45,1%) em regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), seguido por 43,1% concursados; 9,8% contratados por tempo determinado e 2% outros vínculos. O estudo mostrou também que 56,9% perfaziam uma carga horária laboral de seis horas e 41,2% de 12 horas. Em relação à carga horária em todos os vínculos, 37,3% trabalhavam até 12 horas por dia e 21,6% mais de 12 horas diárias. Sobre a qualidade de vida, dentre os entrevistados que possuíam mais de um trabalho, 75% avaliaram como "boa", 6,3% como "muito boa" e 18,8% como "nem ruim nem boa". Já entre os que tinham uma carga horária igual ou superior a 12 horas diárias, 76,7% consideravam sua qualidade de vida como "boa" e 6,7% como "muito boa", resultados estes diferentes do esperado.

Em relação à renda mensal, 37,3% ganhavam entre R$ 350,00 a R$ 699,00, e 31,4% entre R$ 1.400 e R$ 2.799. Em relação aos funcionários que tinham mais de um vínculo empregatício, o somatório das rendas ficou assim distribuído: 25,5% de R$ 350 a R$ 699, 15,7% de R$ 700 a R$ 1.049, 25,5% de R$ 1.050 a R$ 1.399, também 25,5% de R$ 1.400 a R$ 2.799 e 7,8% acima de R$ 2.800, sendo o salário mínimo vigente à época R$ 350,00.

Analisando a relação gênero/vínculo empregatício, os dados revelaram que 75,0% tinham apenas um. Entre os homens 45,5% tinham mais de um e entre as mulheres, 25,0%. Na análise gênero/renda, 40,0% das mulheres recebiam até R$ 699 e entre os homens 7,5%; 20% das mulheres ganhavam entre R$ 700 e R$ 1.049 e, entre os homens, 9% estavam nesta faixa de rendimentos. Quanto à renda total, 36,4% dos homens recebiam acima de R$ 2.800, sendo que as mulheres não atingiram este patamar de renda. Dentre aqueles que tinham a renda mensal total até R$ 1.049, questionados se "tinham dinheiro suficiente para satisfazer suas necessidades", 57,2% responderam "médio" e 19,1% "muito pouco". Entre os que percebiam acima de R$ 1.050, 6,7% responderam "nada"; 13,3% responderam "muito pouco" e 66,7% "médio".

Quanto aos domínios do instrumento WHOQOL-bref, 68,6% dos entrevistados estavam muito satisfeitos em relação ao "físico", os homens com 85% e as mulheres com 75%. No domínio psicológico, 66,7% estavam muito satisfeitos, sendo 70% do sexo feminino e 83,0% do masculino. O domínio relações sociais apresentou um índice de 54,9% de satisfação, com uma mediana de 75 para ambos os sexos. Já no domínio meio ambiente, 68,0% responderam "nem satisfeito nem insatisfeito", estando os homens mais satisfeitos (65,6%) que as mulheres (53,1%). Na questão 1, em que os indivíduos avaliaram a própria qualidade de vida, 66,7% responderam "muito boa".  Na questão 2, que mensurou a satisfação dos indivíduos em relação à própria saúde, 64,7% revelaram-se "muito satisfeitos". Destaca-se o percentual de 9,8%, que a avaliaram como "insatisfeitos" (Tabela 1). Quando perguntados "o quanto você aproveita a vida", em relação ao estado civil, 33,3% dos casados responderam que aproveitam a vida "extremamente" e 41,7% "bastante"; já os solteiros, 46,9% "bastante" e 21,9% "mais ou menos".

 

 

Quanto ao domínio psicológico, 55% dos entrevistados estavam satisfeitos. Nos domínios físico e psicológico, em relação à questão "como está a sua saúde hoje", para 39,2% a saúde está "boa" e para 43,2% "muito boa". Quanto à faceta "relações pessoais", 47,1% responderam "estarem satisfeitos" e 27,4%, "muito satisfeitos". Em relação à faceta "atividade sexual", 39,2% responderam que estão satisfeitos. O maior escore médio do domínio relações sociais foi "relações pessoais", em que 27,4% responderam estarem "muito satisfeitos" e 47,1% "satisfeitos". Os dados revelaram que todas as facetas apresentaram correlação positiva com o escore médio do domínio (Tabela 2).

 

 

Quanto ao domínio físico, o maior escore médio foi para a faceta que avaliou a mobilidade, em que 29,4% dos indivíduos responderam como "boa" sobre sua capacidade de locomoção e outros 62,7% "muito boa". A faceta "dor e desconforto" obteve o segundo maior escore médio, onde 35,3% dos indivíduos responderam que a dor física os "impede muito pouco de fazer o que precisam" e também 35,3% que a dor física "em nada os impedem", fator que consequentemente influencia, de forma positiva, a QV. Em relação à faceta "sono e repouso" para aqueles que têm mais de um vínculo empregatício, 40% responderam "nem satisfeito nem insatisfeito" com seu sono e 26,7% "satisfeito".

Para a faceta "dependência de medicação ou de tratamento", 45,1% dos indivíduos responderam que em "nada dependem" de tratamento médico para levar sua vida diária e 41,2% "dependem" muito pouco. A correlação entre cada questão do domínio físico e escore médio do domínio mostra que a maioria das facetas apresentou correlação positiva, com o escore médio do domínio. As facetas que mais influenciaram o escore médio do domínio foram, em ordem decrescente, as facetas: "atividades da vida cotidiana (Q17), com r=0,86", e "energia e fadiga (Q10), com r=0,69" (Tabela 3).

 

 

No domínio psicológico, as questões que apresentaram os maiores escores foram as referentes às facetas: "espiritualidade/religião/crenças pessoais" e "imagem corporal e aparência". Em relação à primeira, 43,1% acharam que "sua vida tem muito sentido" e 47,1% acham que a vida tem sentido "extremamente". Quanto à segunda, 29,4% responderam "média" satisfação; 23,5% escolheram "muito" e 43,1% "completamente". A faceta que recebeu menor escore médio do domínio (72,16) foi a Q05, sobre a ocorrência de sentimentos positivos, porém seu escore foi alto; 52,9% relataram que "algumas vezes" têm sentimentos negativos e 21,6% "frequentemente" os têm. Todas as facetas do domínio psicológico apresentaram correlação positiva com o escore médio do domínio. A questão que obteve o maior valor de correlação foi a que avaliou a autoestima (Q19) (r=0,78). Houve correlação positiva moderada entre o estado psicológico e os sentimentos positivos, a espiritualidade, imagem corporal e aparência e aos aspectos relacionados à memória. Tal fato demonstra que esses aspectos são percebidos de forma positiva pela maioria dos entrevistados e contribuem favoravelmente para uma boa QV, com relação ao contexto psicológico (Tabela 4).

 

 

Evidenciou-se correlação positiva entre a maioria dos aspectos relacionados ao meio ambiente e à qualidade de vida dos indivíduos. Neste domínio, as questões que apresentaram maiores escores médios foram referentes às facetas: "ambiente no lar" e "segurança física e proteção", ou seja, aspectos que mais contribuíram positivamente na QV. Na primeira, 33,3% dos indivíduos escolheram a resposta "muito satisfeito" e 41,2%, "satisfeito".  Na segunda, 49,0% responderam "bastante seguro" e 33,3%, "mais ou menos". A correlação de cada questão com o escore médio do domínio sinaliza que todas as facetas apresentaram correlação positiva com o escore médio do domínio "meio ambiente", sendo que, as referentes aos recursos financeiros (r=0,69), e participação em/e oportunidades de recreação/lazer (r=0,65), foram as que mais tiveram influência (Tabela 5).

 

 

Quanto à qualidade de vida, em uma escala de 0 a 100, os valores para os domínios "relações sociais, físico, psicológico e meio ambiente" apresentaram valores acima de 50. Considera-se que esses valores expressam uma percepção positiva para a qualidade de vida. O domínio "meio ambiente" esteve bem próximo do valor médio, justificado, provavelmente, por abordar recursos financeiros, sendo que 62,7% dos entrevistados responderam "médio" para o quesito: "você tem dinheiro suficiente para satisfazer sua necessidades", e 15,7% responderam "muito pouco"; 21,6% disseram estar "insatisfeitos" com o acesso aos serviços de saúde, apesar de trabalharem em uma instituição de saúde. Outros aspectos que podem influenciar são: o ambiente físico (Q09), onde 56,9% responderam "mais ou menos" saudável, e também por 29,4% possuírem mais de um de trabalho, fatores que podem influenciar negativamente na QV.

 

3 CONCLUSÃO

Os participantes apresentaram uma avaliação positiva para a Qualidade de Vida Geral e as facetas que mais colaboraram com tal achado foram: relações pessoais e atividade sexual (domínio "relações sociais"); mobilidade e dependência de medicação ou tratamento (domínio "físico"); espiritualidade, religião e crenças pessoais, imagem pessoal e aparência (domínio "psicológico"); ambiente no lar e segurança física e proteção (domínio "meio ambiente"). As facetas que menos contribuíram foram: suporte e apoio social (domínio "relações sociais"); sono e repouso (domínio "físico"); sentimentos positivos (domínio "psicológico") e recursos financeiros (domínio "meio ambiente"). Existe muito pouca dependência de medicação ou tratamento entre os profissionais, e é relevante a independência para realização das atividades da vida cotidiana, bem como a capacidade laborativa, sendo relatadas como muito suficientes.

Considerando a atuação dos técnicos e auxiliares de enfermagem no âmbito hospitalar, frequentemente submetidos a pressões no trabalho, supunha-se que os mesmos fossem desmotivados, principalmente pela convivência diária com a dor e a doença, ou seja, a hipótese era a de que houvesse negativas sobre a QV. Em contrapartida, os resultados apresentados neste estudo indicam que o conceito de qualidade de vida tem conotações muito importantes a serem exploradas, pois se observou que a percepção da QV que os entrevistados têm não sofre impacto do trabalho, a não ser pelos recursos financeiros.

Isso reforça o fato de que a qualidade de vida para eles corresponde à percepção que cada um tem de si em um dado momento, estando quase sempre correlacionado com a saúde, ou seja, estar saudável, sem levar em consideração a influência da relação dinâmica existente entre as condições de trabalho e qualidade de vida, ressaltando as avaliações positivas dos domínios físico (76,7%) e psicológico (71,9%), diferentemente do esperado para a população investigada.

 

REFERÊNCIAS

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VILARTA, R.; GONÇALVES, A. Qualidade de vida: concepções básicas voltadas à saúde. In: GONÇALVES, A.; VILARTA, R. (Orgs.). Atividade física e qualidade de vida: explorando teoria e prática. Barueri: Manole, p. 27-62, 2004.

 

 

1 Heronwaldo Borges Assunção é bacharel em Administração pela Universidade de Uberaba e especialização em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Atualmente, é Assistente em Administração do curso de Psicologia do Instituto de Educação, Letras, Artes, Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (IELACHS-UFTM). E-mail: heron@psicologia.uftm.edu.br
2 Sybelle de Souza Castro Miranzi é Enfermeira, Doutora em Enfermagem em Saúde Pública. Professora Adjunta do Departamento de Medicina Social da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). E-mail: sybelle@mednet.com.br
3 Fabio Scorsolini-Comin é Professor do Instituto de Educação, Letras, Artes, Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (IELACHS-UFTM). Psicólogo, Mestre e Doutorando em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP). Especialista em Administração Escolar e em Supervisão Educacional. Pesquisador do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde (NEPPS-CNPq). E-mail: scorsolini@psicologia.uftm.edu.br