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ISBN 978-85-62480-96-6 versão impressa

Sem. de Saúde do Trabalhador de Franca Set. 2010

 

TRABALHO, SEGURIDADE SOCIAL E SAÚDE DO TRABALHADOR

 

A inserção da pessoa com deficiência física no mercado de trabalho nas empresas da grande Florianópolis

 

 

Ricardo LaraI; Ana Paula AlthausII

IDoutor em Serviço Social, Professor Adjunto do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina UFSC. Pesquisador do Núcleo de Estudos do Trabalho e Gênero NETeG/UFSC. Contato ricbrotas@ig.com.br
IIAssistente Social pela Universidade Federal de Santa Catarina UFSC

 

 


RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo verificar a inserção das pessoas com deficiência física no mercado de trabalho nas empresas da Grande Florianópolis (SC), mediante convênio com a Associação Florianopolitana de Deficientes Físicos AFLODEF. Pretendemos desenvolver as análises a partir da "Lei de Cotas" que obriga as empresas a contratarem um percentual de funcionários com alguma deficiência. Os dados da pesquisa confirmam a falsa inserção e demonstram que as organizações ao proporem essas ações buscam a prerrogativa da "responsabilidade social", como atributo para se destacarem no mercado como "empresa cidadã".

Palavras-chave: mercado de trabalho; pessoa com deficiência física; política social.


 

 

1 INTRODUÇÃO

O mercado de trabalho é repleto de desafios e dificuldades para todos os trabalhadores que sobrevivem da venda de sua força de trabalho. Ora a oferta de emprego é reduzida, ora a exigência por "qualificação" é demasiada. Também não podemos esquecer da lei geral da acumulação capitalista que tem como condição imanente a produção da superpopulação relativa de trabalhadores, ou seja, do exército industrial de reserva.

A presente pesquisa objetiva analisar a inserção da pessoa com deficiência física no mercado de trabalho na Grande Florianópolis SC. A investigação foi realizada na Associação Florianopolitana de Deficientes Físicos AFLODEF, que tem como um de seus propósitos o encaminhamento da pessoa com deficiência física ao mercado de trabalho, através de convênio com empresas e órgãos públicos, na forma de prestação de serviços terceirizados.

Buscamos analisar o significado do trabalho para esses sujeitos inseridos na lógica do capital, que define como produtivo e útil o individuo que participa do processo de produção e é fonte de exploração de mais-valia, contribuindo para a acumulação capitalista.  Para pensar a inserção das pessoas com deficiência física no mercado de trabalho, convém situá-las no contexto societário atual, através de um breve resgate dos direitos sociais desse segmento social.

Primeiramente convêm citarmos o artigo 6º da Constituição Federal de 1988 que apresenta como sendo direitos sociais, "[...] a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados". A partir dos preceitos da Constituição e da luta das pessoas com deficiência para sua inclusão de forma digna na vida em sociedade, é sancionada na década de 1990 a "Política Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência", regulamentada pelo decreto nº 3298 de 20 de dezembro de 1999, que prevê em seu artigo 28 o acesso da pessoa com deficiência à educação profissional "[...] a fim de obter habilitação profissional que lhe proporcione oportunidades de acesso ao mercado de trabalho", e o artigo 34 do mesmo prevê "a inserção da pessoa portadora de deficiência no mercado de trabalho ou sua incorporação ao sistema produtivo mediante regime especial de trabalho protegido".

Com a criação da "Lei de Cotas", lei 8213/99, que prevê a contratação por empresas com 100 funcionários ou mais de uma porcentagem de pessoas com deficiência, esperava-se o aumento significativo de pessoas com deficiência empregadas, mas de acordo com estudos realizados pelo CORDE Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, 45% das vagas do emprego formal estão em empresas de menor porte, não sujeitas à legislação. Isso nos remete a considerar de que mesmo com a obrigatoriedade da contratação, a lei não vem sendo cumprida, tanto pela falta de fiscalização dos órgãos competentes como pelos empresários que burlam a lei.

Outro fator que deve ser considerado são as transformações ocorridas no início da década de 1990, sobre o impacto da política econômica implantada pelo governo Collor, com o discurso da "estabilização econômica", mudanças significativas ocorreram na sociedade brasileira e nas relações de trabalho. Priorizando a estabilidade econômica, iniciam-se as privatizações de empresas estatais para o capital internacional e reformas estruturais, bem como um retraimento do Estado na execução de políticas públicas e na garantia de direitos.

Na produção capitalista ocorrem as estratégias empresárias como as relocalizações industriais, as reestruturações produtivas, as terceirizações, as subcontratações,  o desemprego estrutural, ou seja, emergem as mais diversas formas de  exploração da força de trabalho que objetivam aumentar a produtividade/acumulação e diminuir os salários. É diante desses processos que analisaremos a inserção da pessoa com deficiência física no mercado de trabalho nas empresas da Grande Florianópolis.

 

2 DESENVOLVIMENTO

Em 1981 foi declarado pela Organização das Nações Unidas ONU o ano internacional da pessoa com deficiência. A partir disso, as organizações que reivindicam os direitos desse segmento social passaram a ser fundamentais. Em Florianópolis, existe a Associação Florianopolitana de Deficientes Físicos - AFLODEF, que é uma entidade sem fins lucrativos e tem como objetivo desenvolver atividades de atenção social com as pessoas com deficiência física.  Um dos propósitos da AFLODEF, como entidade que luta em defesa dos direitos da pessoa com deficiência física, é o encaminhamento ao mercado de trabalho por meio de contratos de prestação de serviços terceirizados com empresas e órgãos estatais, e também através de um cadastro de vagas encaminhadas por empresas privadas que precisam cumprir a "lei de cotas".

A inserção no mercado de trabalho através da Associação tem sido uma tentativa de "amenizar as diferenças", mesmo que esta venha ocorrendo de forma precária. Para Lima (p. 106, 2008), "[...] a intermediação da mão de obra por associações, na forma de estágio e da inserção seletiva, tem sido exagerada e injustificada. Os trabalhadores com deficiência têm recebido salários reduzidos e tratamentos discriminatórios".

Ao propor a "inclusão" da pessoa com deficiência física, a Associação tem reforçado o caráter assistencialista e de caridade, ressaltando a idéia de que a pessoa com deficiência precisa de uma "oportunidade", pois ainda observam seus usuários como indivíduos frágeis, que precisam ser ajudados, prevalecendo à idéia da "boa ação" e do exercício da "ajuda". Isso contraria a lógica do direito constitucional que assegura como direito de todos o acesso ao trabalho. Percebe-se um despreparo e até mesmo uma ausência de visão crítica da realidade pelos profissionais que atuam na Associação, pois ainda consideram os usuários como "coitadinhos", que precisam ser ajudados, prevalecendo à idéia da "boa ação" e do exercício da "ajuda".

De acordo com Lima (p. 106, 2008), "[...] a visão assistencialista predominante na legislação e nas próprias entidades dedicadas à atuação com deficientes tem impedido a verdadeira integração". Convém pensar a atuação dessas associações numa verdadeira perspectiva de reconhecimento de direitos, que possibilite a desconstrução de paradigmas preconceituosos, embasada pelos direitos constitucionais garantindo o acesso dessas pessoas a políticas públicas desmontando o sistema desigual.

De acordo com dados obtidos na AFLODEF, a pessoa que tem interesse em trabalhar, procura a Associação e preenche um currículo que ficará disponível para seleção e quando surgir uma vaga, a pessoa é encaminhada para entrevista.

Para realização desta pesquisa foram entrevistados os funcionários contratados pela AFLODEF para a prestação de serviços terceirizados. A opção pelos funcionários terceirizados foi pela possibilidade de abranger um número maior de entrevistados. A Associação mantém contrato de prestação de serviços com as seguintes organizações: Correios, Cobra Tecnologia/Besc, Secretaria de Segurança Pública de SC e Polícia Civil, além dos banheiros públicos no terminal rodoviário e no mercado público. Também há duas funcionárias na sede da Associação, totalizando 83 funcionários contratados com alguma deficiência física.

As vagas destinadas para contratação, em sua maioria, são na área administrativa (auxiliar), como digitador e serviços gerais.

 

 

Na pesquisa foram entrevistados 44 funcionários do total de 83, no período de agosto a outubro de 2009. Observem abaixo as empresas e os salários dos trabalhadores:

 

 

Nas entrevistas realizadas com os trabalhadores, encontramos algumas colocações que serão pontuadas para o entendimento de como vem ocorrendo a inserção da pessoa com deficiência física no mercado de trabalho, mesmo sabendo que a lógica do capital considera essa força de trabalho "menos produtiva" por possuir limitações físicas.

A presença do preconceito e a discriminação são fatores recorrentes para esses trabalhadores. Através das visitas aos locais de trabalho e das entrevistas realizadas, foi possível perceber que, mesmo tendo avanços com relação à contratação de pessoas com deficiência física, como a "lei de cotas" e a obrigatoriedade das empresas de contratarem um percentual de pessoas com alguma deficiência, ainda é reservado a essa força de trabalho aquele emprego precário, repetitivo, mecanizado e os salários ficam entorno de até um salário mínimo e meio.

De acordo com Aranha (2007, p.10):

[...] em uma sociedade em que as relações de produção são organizadas de forma a utilizar-se mecanicamente do fazer do homem, e não do seu pensar e ativa participação, instala-se um processo de coisificação no qual o homem desenvolve o sentimento de menor valia, de impotência, de membro social de segunda categoria.

Ficou evidente a utilização dessa força de trabalho como "mão-de-obra barata", que na ânsia de ter um trabalho, se sujeita a aceitar o que lhe é oferecido, mesmo sem ter perspectivas de crescimento profissional. Aliás, essa é a lógica do capital, a criação de uma superpopulação relativa de trabalhadores, que ficam disponíveis no mercado possibilitando aos capitalistas manuseá-los como fantoches num jogo de forças em que o ganhador é sempre a classe detentora dos meios de produção.

Na contratação das pessoas com deficiência física não há grande diferença entre a contratação de mulheres ou homens. Dos 44 trabalhadores entrevistas, 52% são mulheres e 48% são homens. O percentual de mulheres contratadas foi maior, mas a margem é muito pequena. Outro fato que podemos salientar é que em se tratando da questão salarial, sabe-se que o número de mulheres empregadas vem aumentando, mas o salário não se iguala aos dos homens.

Com relação à idade, os dados mostram maior percentual entre a faixa etária de 20 a 30 anos e menor percentual entre a faixa etária de 51 a 60 anos, como indica o gráfico abaixo:

 

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Observar-se que os jovens e pessoas de mediana idade são vagarosamente excluídos do mercado de trabalho. Ou seja, podemos entender que para o capital a fase intermediária da vida que varia entre os 20 aos 40, é de maior  rendimento, pois são os trabalhadores em maioria no mercado de trabalho.

Com relação à escolaridade, percebemos o maior número de trabalhadores com o ensino médio completo, mesmo sendo uma formação relevante, a maioria informou que terminou o ensino médio há pouco tempo, e por supletivo, ou seja, tiveram a formação precária, uma vez que, na formação em ensino supletivo, o aluno conclui em um ano e meio o que deveria estudar em três anos e, portanto, não há como concordar que a formação seja a mesma do ensino regular, que em muitos casos já é defasada na rede pública de ensino.

 

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Esses dados refletem a não participação das pessoas com deficiência no processo educacional, visto que só a partir da Constituição Federal de 1988, isso passou a ser um direito, e mesmo assim, as escolas da rede pública ainda estão construindo um processo de adaptação com perspectivas da educação inclusiva, a fim de receber e manter em seus espaços pessoas com alguma deficiência. Para que isso ocorra é necessário que o Estado assuma suas responsabilidades e invista recursos materiais e humanos, pois é evidente o despreparo da escola pública em relação às pessoas com deficiência. .

A escolaridade tem sido a condição e a válvula de escape pelas empresas para justificar a não contratação de pessoas com deficiência física, alegando que a baixa escolaridade é o fator que tem impedido esses sujeitos de se inserirem no mercado de trabalho. Sabemos que a lógica do capital cria um número considerável de desempregados, e que mesmo tendo qualificação profissional, esta não significa garantia de emprego.

Dos trabalhadores entrevistados, a maioria tem interesse em continuar os estudos, mas pela dificuldade financeira, pela questão de disponibilidade de tempo, acabam optando por atrasar a formação. 80% dos trabalhadores manifestaram interesse em continuar os estudos e 20% não.

Os depoimentos dos trabalhadores ocultam receios em relação à discriminação, pois dos que responderam que não queriam voltar a estudar, a maioria está na faixa etária de 40 anos ou mais, e voltar para a sala de aula numa idade mais avançada e ainda com alguma deficiência, numa sociedade como a atual, em que a beleza e a jovialidade são fatores determinantes para aceitação do outro, pode significar o risco de ser duplamente discriminado. Como afirma Bartalotti (2006, p. 48), "[...] nossa sociedade é extremamente competitiva e erigida sobre valores que nos obrigam, constantemente, a nos comparar com o outro, a nos adequar a padrões preestabelecidos, a atingir expectativas que nos foram impostas".

As pessoas com deficiência contratadas pelas empresas geralmente possuem deficiência leve, poucas são aquelas que necessitam de apoio ou adaptação, apenas dois trabalhadores citaram mudanças na estrutura das empresas para recebê-las. A deficiência leve é analisada a partir das condições de mobilidade da pessoa e do uso de apoios, como muletas, bengalas, cadeira de roda.

De acordo com dados obtidos junto ao setor de recursos humanos da AFLODEF, quando a empresa solicita uma pessoa com deficiência física para contratação, na solicitação com a descrição da vaga e local de trabalho, consta como observação "exceto cadeirantes", com isso fica evidente que em nenhum momento há uma preocupação com a empregabilidade da pessoa com deficiência física, e sim, há preocupação em cumprir a legislação da maneira mais facilitada e conveniente para a empresa. Sabemos que o "normal funcionamento do mercado de trabalho visa à eficiência econômica e, por isso, dele, enquanto fortíssimo representante dos detentores do poder econômico, não se deve esperar por equidade". (LIMA, 2008, p. 126)

Observe na próxima tabela o tipo de deficiência e  a sua classificação:

 

 

Cabe salientar ainda que de acordo com os relatos, a origem das deficiências tem como fatores predominantes: saúde pública ineficiente e violência no trânsito. Esses fatores indicam que a questão social emerge na sociedade capitalista e se agrava com a ineficiência do Estado e resulta em um contingente de pessoas com deficiência sem atendimento, pois as políticas sociais para prevenção que deveriam ser contempladas pelos serviços públicos, não atendem as demandas dos acometidos. Confirma-se esta afirmação ao analisarmos que as causas das deficiências são geradas por doenças como poliomielite e meningite, seqüelas de paralisia cerebral, causadas na hora do nascimento, situações que resultam de um sistema de saúde pública ineficiente, bem como, no caso de acidentes de trânsito, nessa situação o indivíduo, ao necessitar de reabilitação, se depara com a escassez de serviços de fisioterapia e reabilitação.

De acordo com os dados obtidos, as pessoas que utilizam algum tipo de apoio estão assim distribuídas:

 

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Observamos a partir do gráfico que as organizações optaram por pessoas com deficiência física que não exigiria nenhum tipo de adaptação das dependências físicas nos locais de trabalho. Dentre as atividades desempenhadas pelos trabalhadores, as mais citadas foram: arquivamento de documentos, manuseio de documentos (separação, contagem, organização), atendimento telefônico. Atividades que não exigem muito conhecimento e que consistem em tarefas rotineiras, sem possibilidade de aprendizado.

Somente os funcionários contratados para trabalhar nos Correios, no setor administrativo, descreveram que nas suas atividades precisam de maiores instruções como: análise empresarial, marketing, pesquisa de preço, comunicação e campanhas, análise de mercado.

Ao questionarmos sobre o significado do trabalho, as respostas obtidas destacaram como principal fator a manutenção das necessidades básicas, o trabalho é entendido como forma de sobrevivência. O trabalho, além da manutenção das necessidades, consiste na valorização, reconhecimento e perspectiva de um futuro melhor. Observamos através das falas dos trabalhadores, que trabalhar é sentir-se útil, é uma forma de superar as deficiências físicas e superar os próprios limites. A ideologia dominante é absorvida pelas classes subalternas de tal forma que eles se julgam improdutivos e ineficientes, nesse sentido precisam provar a todo o momento que podem e conseguem ser úteis à sociedade. Essas imposições aos indivíduos de serem úteis e proverem a própria manutenção, são valores arraigados na sociedade capitalista e predispõe às pessoas a condição de culpados pelos seus fracassos, mesmo quando as limitações são físicas.

Nas relações sociais da ordem do capital, as mediações são estabelecidas de acordo com os valores burgueses, os sujeitos se transformam em mercadorias (força de trabalho) negociáveis que precisam estar em contínuo aperfeiçoamento e aprimoramento para ter espaço no seletivo mundo do trabalho. Para alguns trabalhadores com deficiência, o trabalho significou independência financeira, conquista da liberdade limitada ao regime salarial.

Para Bartalotti (p. 52, 2006),

[...] a construção de uma sociedade inclusiva passa pelo aprimoramento das relações sociais, pela compreensão de que o verdadeiro pensamento inclusivo é aquele que não categoriza as pessoas por ordem de valor, valor esse atribuído através de estereótipos, estigmas, conhecimentos instituídos [...].

Entendemos que a sociedade inclusiva, não cabe dentro da sociedade capitalista, pois esta só se efetiva pela exclusão e segregação de grande parcela da população.

Além dos estigmas vividos por esses sujeitos na sociedade, muitas vezes eles os enfrentavam no interior do grupo familiar, ocasionados tanto pela superproteção da família para evitar que este sofra, como pela vergonha, a pessoa com deficiência é vista como "uma cruz a ser carregado" pela família.

Lima (2008, p. 102), afirma que:

[...] são obstáculos superáveis, mas à sociedade elitista, eivada de preconceitos atávicos, herdados, talvez, das concepções antigas dos povos primitivos, convém taxar a pessoa com deficiência como um "pecador punido por Deus" e que deve ser segregada.

Ao analisarmos a situação das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, evidenciam-se os estigmas e situações que são expressão de segregação que se mantiveram ao longo do tempo e que mesmo após leis e decretos, não garantiram o acesso dessas pessoas aos direitos sociais.

Os dados da pesquisa confirmam que a inserção das pessoas com deficiência física no mundo do trabalho constitui-se num desafio a esse segmento, e inúmeras são as barreiras de natureza econômica, social, política e cultural a serem enfrentadas. Verifica-se, portanto, que essa inserção tem sido um processo lento e fragmentado e com poucos avanços no âmbito das políticas sociais.

 

3 CONCLUSÃO

Através das análises dos dados obtidos mediante entrevistas com os trabalhadores contratados pela AFLODEF, foi possível identificar que os preceitos neoliberais em voga no Brasil desde a década de 1990 vêm se afirmando e provocando transformações que ampliam a precarização do trabalho.

As mudanças que vem ocorrendo no mundo do trabalho e a expansão do setor de serviços com a desindustrialização tem favorecido a contratação de serviços terceirizados e com ele a absorção de parcelas da população. Dentre essa população, temos as pessoas com deficiência física que durante muito tempo foram excluídas do sistema de ensino e até mesmo das atividades em sociedade, ficando sempre dependentes das ações assistenciais e da caridade, mas que hoje tem tentado reverter esse quadro, buscando espaço no mercado de trabalho.

Sabemos que a sociedade capitalista não contempla a equidade, a inclusão, a efetivação plena dos direitos sociais. Na sociedade em que prevalece a propriedade privada dos meios de produção, cada indivíduo é responsabilizado pela sua manutenção e sobrevivência. Quando falamos de "exclusão", compreendemos o processo de múltiplas privações que delineiam o cotidiano das pessoas com deficiência física, ou seja, não nos referimos somente ao fato de não participarem de alguma atividade, mas de todas as barreiras que impossibilitam a participação efetiva desse segmento na vida em sociedade. A deficiência sempre esteve vinculada à inferioridade, à anormalidade e à diferença, e no contexto societário atual existem parâmetros socialmente aceitos que definem o que está dentro dos limites "aceitáveis" de diferença, criando estigmas e estereótipos, que classificam os sujeitos entre bons e maus, feios e bonitos, úteis e inúteis. Em decorrência dessas distinções que são recorrentes na sociedade, criam-se leis que mais segregam do que possibilitam uma verdadeira desconstrução de paradigmas excludentes, a "lei de cotas" favorece a discriminação e as diferenças ao tratar de forma seletiva, fragmentada e precária os sujeitos envolvidos.  A referida lei vem reforçar as condições de preconceito vivenciado pelas pessoas com deficiência, pois a inclusão no mercado de trabalho é limitadora, muitas empresas procuram por trabalhadores com deficiência leve, ou seja, há seleção dos selecionáveis.

Percebemos, através da pesquisa, que a deficiência física é perpassada pelas relações de pobreza, falta de acesso a saúde pública de qualidade, despreparo do sistema educacional, preconceitos. A pesquisa possibilitou identificar as principais causas das deficiências físicas e mostrou que a ineficiência do Estado com políticas na área de prevenção, reabilitação e recuperação agrava a situação e aumenta o contingente de pessoas com deficiência física, pois a precariedade no atendimento a saúde, as filas de espera para conseguir sessões de fisioterapia, tratamentos e medicação são ocorrências freqüentes na vida desses sujeitos.

Ao propor a "inclusão" no mercado de trabalho, as empresas têm efetivado uma pseudo-inclusão. As relações de trabalho estabelecidas através de contratos terceirizados reforçam uma situação de preconceito e precariedade, percebemos através das visitas aos locais de trabalho que as atividades desempenhadas ou destinadas às pessoas com deficiência física são as mais degradantes, o que comprova a discriminação e desvalorização dessa força de trabalho.

Verificamos que além das vagas serem para atividades que não requerem maiores conhecimentos, a contratação com a prerrogativa de "pessoa com deficiência" contempla apenas "deficiências leves" que não demandam adaptações e acessibilidades das empresas. Ao buscar junto à AFLODEF estas informações, notamos que, absurdamente, em alguns casos, existem alguns requisitos para contratações: não utilização de apoios como cadeira de roda, muletas, bengalas ou outros, que venham demandar para as empresas gastos com melhorias nas instalações. Estas colocações reafirmam que o que vem sendo proposto quando se fala em "inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho", é na verdade um enfeite de ações, para fins de marketing social ao usar da falácia da "responsabilidade social" como comportamento positivo das organizações.

O ingresso no mercado de trabalho das pessoas com deficiência deve ser analisado considerando as singularidades de cada pessoa, pois os trabalhadores apresentam diferentes graus de dificuldade, portanto devem ter atenções particulares para cada caso. Outro fator importante diz respeito ao envolvimento dos diferentes setores sociais empresariado, trabalhadores, sociedade civil no debate sobre a questão, pois são desconhecidas as capacidades e as possibilidades desses sujeitos no espaço laborativo. As ofertas de vagas para as pessoas com deficiência devem estar vinculadas integralmente à análise das várias leis e políticas sociais voltadas para esse segmento.

As pessoas com deficiência, em muitos casos, apresentam insegurança e dúvida ao definirem e entenderem o trabalho e sua importância, pois o preconceito historicamente construído do "deficiente" inapto para o trabalho e, por conseguinte, para a vida social está presente na "identidade" desses trabalhadores. "A sociedade tem acentuado ainda mais essa dificuldade, quando as oportunidades de capacitação profissional, acesso e inclusão são inadequadas e insuficientes, uma vez que vêem essas pessoas como 'incapacitadas' e não como possibilitadas e eficientes para trabalhar satisfatoriamente" (NEVES; SOUZA 2005, p. 47).

É evidente para as pessoas com deficiência física que, ao enfrentarem o mundo do trabalho, o problema não é a "deficiência", mas a sociedade que não está preparada para recebê-los como trabalhadores. As superações dos obstáculos sociais devem ser recíprocas, ou seja, da pessoa com deficiência e, principalmente, da sociedade em que ele está inserido.   

Diante dos resultados da pesquisa, não podemos ser românticos a tal ponto de imaginar que o acesso das pessoas com deficiência ao mercado de trabalho seja o grande avanço para esse segmento social tão marginalizado. A princípio pode ser um acesso à "cidadania" limitada da vida limitada do capital, que reconhece os homens pelo papel que exercem na produção social da riqueza, ou seja, como força de trabalho. O mundo do trabalho sob a égide do capital não favorece liberdade e realização pessoal, o máximo que proporciona é a construção de condutas que se realizam dentro dos limites do trabalho estranhado, pois os "trabalhadores deficientes" ou não são absorvidos pelo capital como força de trabalho e submetidos ao processo de exploração de suas capacidades físicas e mentais, em prol da produção da riqueza usufruída privadamente por uma minoria detentora dos meios de produção, enquanto a maioria é obrigada a sobreviver em condições materiais limitadas.

Enfim, a cargo de sugestão imediata para os trabalhadores com deficiência física, convém investigar como vem ocorrendo o processo de fiscalização, de responsabilidade dos órgãos competentes, para o cumprimento da "lei de cotas", e questionar quais as alternativas as empresas vem propondo para modificar o quadro estrutural de condições de trabalho das pessoas com deficiência física na Grande Florianópolis.

 

REFERÊNCIAS

AFLODEF - Associação Florianopolitana de Deficientes Físicos. Relatórios, 2009. 

ARANHA, Maria Salete Fábio. Trabalho e Emprego: Instrumento de Construção da Identidade Pessoal e Social. Série Coleção Estudos e Pesquisas na Área da Deficiência; Vol. 9. São Paulo: SORRI-BRASIL; Brasília: Corde, 2007.

BARTALOTTI, Celina Camargo. Inclusão Social das Pessoas com Deficiência: utopia ou possibilidade? Coleção Questões Fundamentais da Saúde, nº 11. São Paulo: Paulus, 2006.

BRASIL. A Inclusão de Pessoas com Deficiência no Mercado de Trabalho. 2. Ed.-Brasília: MTE, SIT, 2007.

_______ Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 2008.

_______ Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. IV Semana de Valorização da Pessoa com Deficiência. Brasília: Senado Federal, 2008.

_______ Direitos da Pessoa com Deficiência: Conhecer para Exigir. IV Semana de Valorização da Pessoa com Deficiência. Brasília: Senado Federal, 2008.

LIMA, Maria Rosângela Rezende de. A Efetivação da Cidadania para a Pessoa com Deficiência no Mercado de Trabalho: Discriminação, Desafios e Conquistas. Poliarquia - Revista de Estudos Políticos e Sociais do Centro Universitário UNIEURO. Brasília, v. 1, n. 1, jan./jun. 2009. Disponível em: http://www.unieuro.edu.br/ <Acesso em, 01 de maio de 2009>

NEVES, N. P.; SOUZA, V. C. T. Enfrentando o mundo do trabalho: relato orais de pessoas com deficiências. Serviço Social e Realidade, Franca, v. 14, n. 2, p. 20-35, 2005.