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ISBN 978-85-62480-96-6 versão impressa

Sem. de Saúde do Trabalhador de Franca Set. 2010

 

TRABALHO, SEGURIDADE SOCIAL E SAÚDE DO TRABALHADOR

 

As perspectivas dos segurados atendidos pelo Programa de Reabilitação Profissional quanto à re-inserção ao mercado de trabalho

 

 

Carmen Guardenho MaywaldI; Lílian RodriguesII

IBacharel em Serviço Social e especialista em Política Social e Planejamento Social e Estratégias de Ação Profissional. Docente na Universidade Presidente Antônio Carlos Campus Uberlândia e no Centro Universitário do Triângulo. Contato: email: carmenmaywald@yahoo.com.br
IIBacharel em Serviço Social, assistente social da Prefeitura Municipal de Uberlândia, Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, Centro Municipal de Atendimento à Infância e à Adolescência. Contato: lila_paulistinha@hotmail.com

 

 


RESUMO

Este artigo pretende apresentar algumas considerações acerca das transformações ocorridas no mercado de trabalho e da cobertura da política previdenciária, bem como a análise da percepção dos segurados que se encontram afastados do trabalho assegurados pelos benefícios auxílio-doença e auxílio-acidente e inseridos no Programa de Reabilitação Profissional quanto à sua re-inserção ao mercado de trabalho.

Palavras-chave: Trabalho, Previdência, Reabilitação


 

 

1 INTRODUÇÃO

As inseguranças vividas pelo trabalhador remetem às mudanças ocorridas no reordenamento do mundo do trabalho e que conduzem a questionamentos em relação à proteção social quando sua saúde se encontra comprometida a ponto de impossibilitá-lo ao exercício profissional.

Dentro do ordenamento da Seguridade Social, o interesse desse estudo se volta para a política previdenciária, especificamente em relação ao Programa de Reabilitação Profissional, que consiste no acompanhamento dos segurados afastados por motivo de doença ou acidente através de tratamento e avaliação sócio-profissional para melhoria de escolaridade e de habilitação a cursos afins, necessários à sua reabilitação e re-inserção ao mercado de trabalho.

Um dos fatores que conduziu a realização dessa pesquisa foi a necessidade de compreensão do que levaria uma pessoa em processo de reabilitação profissional a temer sua re-inserção e consequente permanência no mercado, a insegurança perante sua capacidade laboral e a perda do benefício acessado.

A interlocução entre o reordenamento do mundo do trabalho e o real alcance social da política previdenciária se faz necessária a fim de compreender o posicionamento dos trabalhadores, segurados previdenciários, perante os limites enfrentados diante do afastamento em decorrência de doença e/ou acidente, e da sua perspectiva de re-inserção profissional após reabilitação.

 

2 A NOVA FACE DO MERCADO DE TRABALHO

O mundo do trabalho mudou, trazendo novas configurações nas relações socialmente estabelecidas. A flexibilização do trabalho, a terceirização da mão-de-obra, as novas exigências do mercado, as rápidas mudanças tecnológicas fazem com que uma nova demanda, contraditória, resulte em uma nova expressão da questão social. Segundo Iamamoto; Carvalho (2001, p.77), "[...] não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado".

Se por um lado a classe operária exige ser reconhecida, buscando formas de qualificação para acompanhar as inovações tecnológicas, apresenta-se também um claro processo de exclusão e desqualificação da maioria dos trabalhadores.

O atual modelo econômico rompe com o modo de vida até então estabelecido pela sociedade, priorizando cada vez mais um modelo de consumo baseado no capitalismo financeiro e não mais no modelo de produção, contribuindo para o crescente aumento da desigualdade (IAMAMOTO, 2008).

Com a globalização e as transformações tecnológicas, vive-se o aumento do desemprego associado à substituição do trabalho formal por várias formas de relações informais, precarizadas, onde os trabalhadores ficam cada vez mais desprovidos da estabilidade e da garantia previdenciária.

Antunes (2006) analisa que tais transformações conduzem ao desemprego estrutural, que atinge o mundo em escala global. Segundo esse mesmo autor, as consequências mais relevantes destas transformações no mundo do trabalho são: diminuição do operariado manual, ou seja, máquinas substituindo o trabalho humano; aumento acentuado das inúmeras formas de sub proletarização do trabalho parcial, temporário, sub-contratado, terceirizado; aumento expressivo do trabalho feminino no interior da classe trabalhadora, que tem suprido principalmente o espaço do trabalho precarizado, sub-contratado, terceirizado; enorme expansão dos assalariados médios; exclusão dos trabalhadores jovens e dos trabalhadores "velhos" (em torno de 45 anos); intensificação e super exploração do trabalho, com a utilização brutalizada do trabalho dos imigrantes e expansão dos níveis de trabalho infantil, sob condições criminosas; e, finalmente, o desemprego estrutural.

Com um mercado de trabalho cada vez mais exigente e competitivo, incluindo aqui os trabalhadores qualificados, o desemprego se mostra associado à perda dos direitos conquistados. A desregulamentação das relações de trabalho favorece cada vez mais a flexibilização nos contratos, como são os trabalhos temporários, em domicílio, em tempo parcial, ampliando assim a precarização e as formas de exploração. A perda do emprego conduz, automaticamente, à perda da proteção social, ficando milhares de pessoas desprovidas de seus direitos, sem vínculos ou benefícios garantidos por meio da "carteira assinada".

Sendo assim, o mercado vem sofrendo nas últimas décadas significativas mudanças no âmbito conjuntural, reafirmando assim sua nova face frente à sociedade.

Diante de tal calamidade instaurada desde meados dos anos 90, a angústia recai sobre a ambição da influência tardia a despeito do chamado Welfare State (Estado de Bem Estar Social), o qual teve início na Europa e jamais conseguiu se instalar no Brasil. Entre a não consolidação de um sistema dito "Social-Democrático" e o desconforto da índole que se instala pós anos 80 no mundo ocidental e durante a década de 90 no Brasil sendo que o que se segue é a condição de Pilatus, visto que o governo "lava as mãos" para as questões sociais, e nos redime ao caos de sua política neoliberal, até os dias atuais. Paulo Netto e Braz (2006, p.227) afirmam: "A ideologia neoliberal, sustentando a necessidade de 'diminuir' o Estado e cortar as suas 'gorduras', justifica o ataque que o Grande Capital vem movendo contra as dimensões democráticas da intervenção do Estado na economia".

No que concerne às articulações entre Estado, sociedade civil e economia, evidencia-se as diversas transformações as quais o mercado passa a sofrer, posto que devido aos direcionamentos desprendidos na economia, esta passa a repercutir frente às classes subalternas, as quais serão as mais prejudicadas no decorrer dos processos.

Assim sendo, tais fatores culminaram na desarticulação no mercado frente aos postos de trabalho, começam a desaparecer aos poucos em decorrência da redução do capital no bojo das tramitações referentes às garantias dos mínimos estabelecidos, com vistas a atender a classe trabalhadora.

Tal problemática passa a ser observada na maioria das vezes por aqueles que estão à mercê do capital, ou seja, pela classe proletária visto que a precarização do trabalho passa a fazer parte da retórica societária, desvinculando assim as respectivas responsabilidades acerca do chamado emprego, cada vez mais escasso.

Do ponto de vista socioeconômico, a nova economia tem um enorme potencial de aumento da produtividade, mas elimina postos de trabalho, particularmente nas faixas de baixa qualificação, reforçando as desigualdades de renda, especialmente após o desmonte parcial dos erigidos no período pós-guerra (SILVA, 2007, p. 42).

Sendo assim, os trabalhadores que se encontram na condição de contratados, ou até mesmo prestando serviços temporários, se vêem ameaçados diante das várias mutações as quais o mercado perpassa; sendo que em grande escala há uma redução significativa dos postos de trabalho, e àqueles que tendo os benefícios e salários assegurados e que se encontram com a carteira de trabalho assinada restam à insegurança e o medo de que mais dia ou menos dia isso lhe seja tirado.

Paulo Netto e Braz (2006) dão ênfase ao desemprego nos dias atuais enquanto fator que se encontra ligado aos limites da sociedade burguesa, onde em seu interior não existem soluções consistentes capazes de inserir todos os homens e mulheres aptos ao circuito do trabalho, posto que estes são considerados excedentes, ou seja, não comportam as reais necessidades que o atual mercado exige.

Para tanto, cabe refletir a despeito do trabalho, se este estaria chegando ao fim, ou até mesmo se desvinculando da sociedade como um todo, haja vista que seu trajeto não corresponde à dinâmica satisfatória do próprio mercado. No que tange ao fim da sociedade do trabalho convém avaliarmos a que ponto chegou a precarização no cerne do mercado de trabalho, visto que tende a cada dia ao lastimado caos, resumindo-se assim os trabalhadores a meros coadjuvantes do terceiro setor, enquanto população excedente. Importante também esclarecer o que vem a ser o trabalhador, sendo "naturalmente" reconhecido pela sua inserção no mercado formal de trabalho, justamente onde se instala a crise do capital.

Tendo como pressuposto a flexibilização do trabalho e a insegurança dos trabalhadores, é válido ressaltar que a precarização do trabalho é a causadora de tal sentimento por parte dos mesmos, fragilizados pela tênue linha que os separa da sua condição de reconhecimento como trabalhador.

 

3 PREVIDÊNCIA SOCIAL: SEU ALCANCE SOCIAL EM DISCUSSÃO

A Seguridade Social é parte integrante do Sistema de Proteção Social, passando a ser inscrita como tal a partir da Constituição de 1988, promulgada em 05/10/1988, momento em que se dá a separação entre o direito da Seguridade Social e o direito do trabalhador; posto que a princípio tanto os direitos trabalhistas como previdenciários versavam sobre a ordem econômica e na atual Constituição a ordem social passa a abranger uma nova lógica.

A partir de então o direito da Seguridade Social emerge sobre os fatores que condicionam a proteção social aos indivíduos e de suas famílias, em decorrência de uma dada circunstância, onde se vejam impossibilidades básicas, visto que é integrado por ações dos poderes públicos e da sociedade a fim de assegurar os direitos condizentes à Saúde, à Previdência e à Assistência Social. A Seguridade Social engloba um conceito amplo, abrangente e universal, destinado a todos que dela necessitem desde que haja previsão na lei sobre determinada contingência a ser coberta (MARTINS, 2006, p. 21).

Portanto o direito da Seguridade Social não se resume a um conjunto de princípios e normas, mas como um dever do Estado de prover as condições para sua efetivação através do custeio do mesmo e concedendo os benefícios e serviços; atualmente dividido em Ministérios distintos, onde tem por autarquia o INSS (Instituto Nacional da Seguridade Social) enquanto órgão subordinado ao Ministério da Previdência Social, a assistência social vinculada ao Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome e a saúde, gerida pelo Ministério da Saúde.

A Previdência Social vem ao longo dos tempos sendo aprimorada no que condiz ao seu alcance social frente aos programas, serviços e benefícios que a circundam e faz com que tenha uma maior legitimidade a partir da Constituição, não obstante tenha trilhado por diversos caminhos rumo à continuidade de seu trabalho o qual teve início em 1923, com a Lei Eloy Chaves que possibilitou a criação das primeiras iniciativas de Seguro Social com as Caixas de Aposentadoria e Pensão.

Os serviços e benefícios oferecidos pela Previdência Social são executados pelas Agências da Previdência Social (APS), sob a abrangência das Gerências Executivas, no cerne do INSS Instituto Nacional da Seguridade Social ao qual as pessoas contribuem com vistas a ter o seguro social, ou seja, serem asseguradas; são disponibilizados aos trabalhadores inscritos na Previdência Social e que pagam as contribuições, seja por intermédio de desconto em folha em casos de trabalhadores empregados com carteira de trabalho assinada, empregados domésticos e trabalhadores avulsos (contratados por sindicatos ou órgãos gestores de mão-de-obra); contribuinte individual que prestam serviços a empresas (mas não são empregados destas); segurados especiais (trabalhadores rurais que produzem junto com suas famílias); segurados facultativos (maiores de 16 anos, que não exercem atividade profissional, donas de casa, estudantes, desempregados, síndicos, e presidiários não remunerados).

Os benefícios a serem disponibilizados aos segurados da Previdência Social, bem como aos seus dependentes tem como fator primordial o cumprimento das condicionantes exigidas, considerando também o tempo de carência, sendo: aposentadoria por invalidez, por idade, por tempo de contribuição e especial, auxílio-doença, auxílio-acidente, salário família e salário maternidade

Os dependentes em conformidade com o disposto na lei 8213/91, revogada pelo decreto 3048/99 terão acesso aos benefícios: pensão por morte e auxílio-reclusão. Segurados e dependentes serão beneficiados pelos referidos serviços a serem disponibilizados pela Previdência Social: Serviço Social e Reabilitação Profissional.

Conforme tais benefícios e serviços concedidos pela Previdência Social, tem cada qual a sua especificidade se observadas as respectivas classes a serem beneficiadas bem como os critérios aos quais obedecerão primordialmente a inscrição na Previdência Social, seja como contribuinte individual, facultativo, especial, obrigatório, etc. Enfim, para tal acesso serão observados os períodos de carência, conforme o tipo do benefício, bem como à clientela a que se fizer detentora de tal direito.

Logo, faz se necessário ressaltar que a Previdência Social tem obtido o alcance social não somente no que condiz aos direcionamentos dados à política, bem como sobre o repasse dos benefícios àqueles que detentores de direitos os solicitam, mas no âmbito de sua majoritariedade, enquanto seguradora dos trabalhadores brasileiros, ostentando sempre a organização desde outrora primada, tendo em vista melhorar a cada dia a estrutura da instituição que está na alçada do custeio dos benefícios, que é o INSS (Instituto Nacional da Seguridade Social), articulando assim a participação mútua tanto do empregado, ou seja, trabalhador, como do empregador.

Na política previdenciária, além de sua inserção numa lógica de seguridade, em especial no que se refere ao financiamento, houve ampliação de direitos, a exemplo: da licença-maternidade de 120 dias, extensiva aos trabalhadores rurais e empregadas domésticas, do direito de pensão para maridos e companheiros, e da redução do limite de idade 60 anos para homens e 55 para mulheres para acesso à aposentadoria; da indexação de benefícios previdenciários ao salário mínimo, dentre outros (CABRAL apud BEHRING, BOSCHETTI, 2006 p. 145).

Tendo um caráter voltado às contribuições à Previdência Social, em partes denota uma certa contradição, se observado que compõe a Seguridade Social, a qual é universal e de direito de todos; mas no que tange às suas especificidades esta não dá ampla cobertura aos que por ventura virem ao seu encontro, posto que para fins de acessibilidade estes dependerão de uma série de condicionantes, sendo a principal a contribuição prévia.

Em se tratando do alcance social, a previdência pode ser considerada uma precursora no âmbito dos segmentos as quais está inserida, porém não podemos deixar de observar que no quesito relativo ao social a mesma tem deixado a desejar, posto que este só é desprendido a uma dada classe em especial, ou seja, os que compõem o cerne das contribuições, perpassando por um processo que tende a excluir os demais membros da sociedade de certa forma que sequer tem noção da realidade que os circunda.

Logo, o alcance social pode ser subentendido como algo relativo à própria política ao mesmo tempo em que vai de encontro à tão almejada preponderância da Previdência, e seus diversos papéis perante a sociedade, com vistas à concretização de um sistema mais efetivo e fiscalizado no que concerne à garantia dos serviços e benefícios àqueles que de direito for, fazendo jus ao retorno dos valores destinados aos benefícios aos cofres públicos, mediante resgate com as reavaliações anuais destes.

As reformas previdenciárias de 1998 e 2003 tiveram por objetivo direcionar as novas regras para a regulação dos direitos contributivos previdenciários, as mudanças ocorreram no contexto da adesão ao ideário neoliberal voltado para a reafirmação dos fundamentos da economia capitalista, recaindo sobre o trabalhador o aumento da idade média de concessão do benefício da aposentadoria. O discurso adotado deixou claro da necessidade dos trabalhadores brasileiros se conscientizarem da importância de se filiarem ao sistema previdenciário para no futuro serem assegurados através de benefícios aos quais poderão fazer jus, tendo assim a cobertura necessária por intermédio da maior seguradora brasileira, que é a Previdência Social.

Conforme preconiza a nova reforma parte dos valores referentes às contribuições seriam reajustados tendo em vista um retorno financeiro maior posteriormente, bem como os valores de benefícios seriam reduzidos para fins de controle social, ao mesmo tempo em que alguns benefícios passam a ser disponibilizados mediante condicionantes de renda, gerando assim uma ampliação da permanência no mercado de trabalho.

Há que se observar que, tal reforma não é vista com bons olhos por parte de algumas pessoas, visto que nem todos têm a real noção do que de fato a Previdência os representa, bem como a despeito dos recursos que são descontados todos os meses dos trabalhadores que se encontram na ativa, sendo este um dinheiro público, e não necessariamente do Governo como muitos pensam.

Segundo Silva (2007), a reforma da Previdência trouxe uma situação contraditória à vida dos trabalhadores, visto que estes estão circunstanciados na seguinte condição: trabalhar mais, contribuir mais, e receber menos, estreitando a relação entre contribuições e benefícios pela nova regra de cálculos.

Porém, em contrapartida à análise feita pelo autor, pode-se observar que de fato existe uma dada contradição no cerne da reforma da Previdência e em decorrência deste no que concerne ao alcance social, posto que a reprodução da desigualdade social é apontada enquanto um dos argumentos citados por pesquisadores e técnicos, a quem o autor supracitado faz menção:

Nossos sistemas de proteção social foram mais mecanismos de reprodução da desigualdade estrutural de nossa sociedade do que instrumento de incorporação dos segmentos economicamente excluídos, ou de redução das diferenças sociais. (MORAES, 1999, p.  4, apud SILVA, 2007, p.193).

Frente ao que se apresenta acerca da questão, no que transcende à reprodução da desigualdade social, observa-se que os próprios condicionantes ao acesso de benefícios e serviços se voltam ao credenciamento à Previdência Social, e, sobretudo pauta-se na contribuição para tal fim, como já foi mencionado.

Dentre os seus princípios e diretrizes a Previdência Social prima pelo caráter democrático e descentralizado da administração, por intermédio de gestão quadripartite, ou seja, com participação dos trabalhadores, empregadores, aposentados, e do Governo nos órgãos colegiados.

É fato que a Previdência Social tem caráter contributivo, porém no que condiz às premissas inerentes aos trabalhadores tidos como "informais", os quais não se equiparam ao sistema previdenciário, há uma certa incongruência quanto à análise acerca destes visto que não tem por obrigatoriedade a contribuição e em virtude disso ficam submersos cada vez mais à margem da sociedade, ou seja, excluídos indiretamente.

Convém salientar conforme aponta Boschetti (2003), mediante informe do IBGE, que 58 em cada 100 trabalhadores não contribuem diretamente à Previdência Social, e destes, 20,4 milhões (50,12 %) não tem rendimentos ou o rendimento é inferior a um salário mínimo (5 milhões de trabalhadores rurais e 15,4 milhões são urbanos), o que nos leva a questionar o real alcance da Previdência como um dos tripés da Seguridade Social.

 

4 O PROGRAMA DE REABILITAÇÃO PROFISSIONAL

No que tange à condução dos programas existentes no âmbito da Previdência Social, esta traz em seu bojo desde meados de 1943 a Programação acerca da Reabilitação Profissional. Entre as décadas de 60 e 70 são criados os Centros de Reabilitação Profissional (CRP), localizados nos grandes centros urbanos, sendo expandidos a partir dos anos 80 e 90 para o interior em decorrência da Constituição de 1988.

A Reabilitação Profissional tende a ser destacada, haja vista que enquanto um serviço disponibilizado pela Previdência Social não detém de carência a ser cumprida, e disporá sua programação tanto aos segurados que fizerem jus como aos dependentes conforme a adequação de cada unidade técnica.

Há que se observar que grande parte dos segurados inseridos em programa de reabilitação, tendo este vínculo empregatício ou não, são almejados pelas empresas que possuem mais de 100 empregados em seu quadro de pessoal posto que estas tenderão a cumprir a cota de reserva de vagas às pessoas com deficiência, readaptados ou reabilitados, mediante determinação do Ministério Público do Trabalho e da Previdência Social. É válido ressaltar que a dispensa do trabalhador reabilitado ao final de contrato de 90 dias, só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante.

O Programa de Reabilitação Profissional consiste na re-inserção dos segurados afastados por motivo de doença ocupacional, de qualquer natureza, assim como acidente de trabalho, ou acidente de qualquer natureza; que perpassam por avaliação da capacidade laboral, e acompanhamento sócio-profissional, em virtude de melhoria de escolaridade e de profissionalização para cursos afins, necessários à sua reabilitação e re-inserção ao mercado de trabalho.

Grande parte da clientela inserida no Programa de Reabilitação Profissional é encaminhada pelos médicos peritos do INSS que avaliam os segurados e identificam se estes detêm capacidade para retorno ao trabalho na função exercida anteriormente ou não.

Sendo um serviço prestado pelo INSS, de assistência educativa ou re-educativa, e de adaptação ou readaptação profissional aos beneficiários incapacitados parcial ou totalmente para o trabalho, a Reabilitação Profissional tem caráter obrigatório. O não comparecimento aos atendimentos pode gerar a suspensão temporária do benefício, até que os respectivos interessados (segurados) retornem aos atendimentos agendados com os profissionais da unidade. Em casos de ausência ou faltas sem justificativas o segurado é desligado do programa por abandono e consequentemente o benefício cessado.

A Unidade Técnica de Reabilitação Profissional (UTRP) funciona mediante subsídio da Divisão de Reabilitação Profissional Regional, situada em Belo Horizonte-MG, que tem por atribuição acompanhar metas, supervisionar e orientar, planejar e propor ações, adequar legislação, consolidar proposta orçamentária e estatística, promover capacitação, e controlar resultados, ou seja, normalizar.

A Coordenação Geral de Benefícios por Incapacidade (CGBENIN) também dá o devido suporte às UTRPs.

Já às ERPAS (Equipe de Reabilitação Profissional da Agência da Previdência Social) competem o trabalho a ser depreendido aos segurados, os quais são supervisionados pelas UTRPs, que estão sob o controle das Gerências Executivas da Previdência Social, responsáveis pelas Agências da Previdência Social (APS) e, na maioria das vezes, situam-se nas grandes cidades ou capitais, dando assim o devido respaldo às cidades vizinhas que não detêm total autonomia e aparatos técnicos suficientes.

A Gerência Executiva de Uberlândia (GEX/UDI), por ser uma das gerências da região, atende os segurados das cidades circunvizinhas, sendo criada juntamente com as demais gerências executivas em todo o território nacional no ano de 2000 a fim de garantir a melhoria de atendimento das Agências da Previdência Social (APS). A GEX/UDI conta com a Equipe de Reabilitação Profissional, a qual atende os segurados com vistas à reabilitação profissional, sendo avaliados, inicialmente, pelo médico perito quanto à sua capacidade laboral; considerados elegíveis quando estão aptos e inelegíveis, temporário ou permanente, quando estão inaptos, passando posteriormente pelo atendimento dos Orientadores Profissionais (OPs); que são responsáveis pela análise sócio-profissional e tudo o que esteja relacionado ao retorno do segurado ao mercado de trabalho.

Um dos fatores que levaram à análise da perspectiva dos segurados em atendimento na UTRP-GEX/UDI foi a necessidade de compreensão do que levaria uma pessoa em processo de reabilitação profissional a temer o fato de sua estadia no programa ser temporária, posto que são reabilitados, com no máximo 240 dias, ou seja 8 meses, após programa profissional.

Ao analisar os dados do Boletim Estatístico da Reabilitação Profissional (BERP), relativos ao mês de Fevereiro/2008, pode-se observar que no Brasil conforme a divisão por região das diversas cidades as quais se destacam enquanto UTRP, tem-se em média 100 Unidades Técnicas de Reabilitação Profissional em toda a região, sendo 5 regiões no território nacional atendendo às cidades circunvizinhas. O número de segurados em atendimento até a data mencionada, em média, chega a 6.671, somando-se todas as regiões. E, em Uberlândia, cerca de 130 segurados (39 em avaliação das capacidades laborais e 91 em Programa Profissional, treinamento ou curso para troca de função, com vistas ao retorno ao mercado de trabalho).

A seguir apresentaremos os resultados da pesquisa quanto às perspectivas dos segurados em relação à sua re-inserção no mercado de trabalho após cumprimento do programa profissional.

 

5 AS PERSPECTIVAS DOS SEGURADOS EM ATENDIMENTO NA UTRP-GEX/UDI, QUANTO À SUA REINSERÇÃO AO MERCADO DE TRABALHO

O presente estudo objetivou analisar a perspectiva dos segurados em atendimento na UTRP-GEX/UDI, quanto à re-inserção ao mercado de trabalho após programa profissional, ou seja, desligamento do programa. Os objetivos específicos buscaram identificar o perfil sócio-ocupacional dos segurados e as causas dos afastamentos; analisar o posicionamento dos segurados em relação ao processo de reabilitação profissional e seu processo de re-inserção ao mercado de trabalho.

O objeto de pesquisa ficou assim problematizado: Qual a perspectiva dos segurados em atendimento na UTRP-GEX/UDI, quanto à sua re-inserção ao mercado de trabalho após programa profissional, ou seja, desligamento do programa? A hipótese norteadora do estudo foi que os segurados em atendimento por não acreditarem, em sua maioria, na sua reabilitação e possuírem uma perspectiva negativa quanto à sua re-inserção ao mercado de trabalho, fazem com que tal posicionamento reflita na dificuldade de aceitação do programa, em virtude do apego ao benefício.

A pesquisa foi realizada em campo, nas Agências da Previdência Social de Uberlândia/Mg e Araguari/Mg, visto que ambas as agências possuem equipes de reabilitação profissional e compõem a UTRP-GEX/UDI. O desenho amostral foi delimitado, num primeiro momento, pela amostra não probabilística intencional, onde foram levantados os números de segurados em atendimento no programa profissional na UTRP-GEX/UDI com o mínimo de 6 meses, que totalizaram 57 pessoas; no segundo momento optou-se pela amostra aleatória simples sobre 50% do recorte efetivado no primeiro momento, ou seja 28 segurados, que foram entrevistados no período compreendido de 22/09/08 a 07/11/08.

Conforme análise dos dados coletados mediante entrevista semi-estruturada, observou-se os seguintes aspectos que devem ser considerados.

Em relação ao perfil dos entrevistados, 46,43% possuem entre 34 e 42 anos incompletos, seguido por 28,57% entre 42 e 49 anos e 14,29% entre 26 e 33 anos. Do universo pesquisado, 64,29% são casados e 82,14% possuem filhos. Quanto à composição familiar, 50% residem em famílias compostas de 4 a 6 pessoas, seguido pelo percentual de 46,43% de 1 a 3 pessoas, prevalecendo a configuração nuclear.

Quanto à escolaridade e situação ocupacional,  53.57% possuem o ensino fundamental (completo ou incompleto) seguido por 42,86 com o ensino médio (completo ou incompleto). Quanto à inserção no mercado de trabalho, 75% são celetistas, 17,86% desempregados, mas dentro do período de carência e 7,14% autônomos. A renda acessada por esses trabalhadores varia entre um salário mínimo (57.15%), dois e três salários (35,71%) e entre 4 e 5 salários (7,14%).

Os dados revelaram que o perfil sócio-econômico e ocupacional dos trabalhadores participantes do programa condiz ao segmento mais pauperizado da população, com baixo nível de escolaridade e, conseqüentemente, baixos salários que exigem força física no desempenho da função além da necessidade de complementação da renda através de "bicos", onde acabam por desrespeitar a própria saúde. Em geral, afastados por auxílio-doença decorrentes de estresse, estafa, bem como doenças relacionadas à coluna lombar e suas adjacências.

Quanto à espécie dos benefícios dos segurados, 85,71% estão enquadrados no Auxílio Doença Previdenciário (código 31) e 14, 29% no Auxílio Doença Acidentário (código 91), prevalecendo como motivo do afastamento a doença de qualquer natureza, seguindo a terminologia adotada pela Previdência.

Os dados apontados acerca do que tem gerado os afastamentos e a espécie dos benefícios denotam maior concentração de pessoas (segurados), que pleiteam o mesmo para fins de tratamento da doença identificada a priori, conforme atestado ou laudo dos médicos assistentes, que em sua maioria são responsáveis pelo tratamento, direcionando alternativas para a melhora do quadro clínico; assim como por avaliações dos médicos peritos do INSS. O tempo de afastamento varia, com a prevalência de 42,86% com período superior a 48 meses seguido pelo percentual de 14,29% reincidente em períodos que variam entre 34 a 40 meses e 20 a 26 meses.

Quanto à inserção no Programa de Reabilitação Profissional e o auxílio proporcionado pelo mesmo, 60,71% se posicionaram favoravelmente, em contraposição a 39,29% que alegaram serem as ações propostas e os cursos oferecidos incompatíveis com a realidade do mercado. Quanto à ciência dos segurados a respeito da cessação do benefício após programa profissional 82,14% terem sido informados.

Em relação à re-inserção no mercado de trabalho, 60,71% dos entrevistados afirmaram não se sentirem capazes para serem re-inseridos, sendo os principais motivos apresentados: pela sequela adquirida (35,30%), devido à falta de capacitação profissional (23,54%), e escolaridade insuficiente (11,77%).

A maioria dos segurados entrevistados, quando indagados sobre como o mercado reage a trabalhadores reabilitados 17,86% afirmaram não saber, seguido pelo percentual de 14,29% reincidente para as posições relativas à indiferença, ao preconceito e a negatividade do mercado para com os reabilitados, o que acaba por justificar o sentimento de incapacidade dos entrevistados em relação a sua re-inserção e, consequentemente, ao receio da maioria dos entrevistados em perder o benefício previdenciário acessado.

Finalmente, em relação à percepção dos entrevistados em relação a sua reabilitação, 60,71% responderam acreditar nela. Dos que declararam não acreditar na sua reabilitação, 45,45% justificam tal fato fazendo menção às sequelas adquiridas, 18,18% afirmam não ter mercado para atuar, 9,09% devido a idade e período de afastamento, 9,09% devido às exigências do mercado, 9,09% afirmam cumprir o programa por obrigação e, 9,09% afirmam se sentirem inseguros frente ao mercado e à concorrência.

Os resultados da pesquisa conduziram à confirmação parcial da hipótese uma vez que a maioria dos entrevistados acredita na sua reabilitação e aprova sua inserção no Programa, mas não se sente confiante na sua re-inserção em detrimento das exigências e inseguranças presentes no atual mercado de trabalho, o que conduz ao sentimento de incapacidade expresso e ao apego ao benefício acessado.

 

6 CONCLUSÃO

Diante do exposto, importante se faz destacar algumas considerações acerca das transformações ocorridas nas relações de empregabilidade e seus reflexos no imaginário dos sujeitos pesquisados em relação ao direito previdenciário e a sua capacidade de re-inserção no mercado de trabalho.

O reordenamento do mundo do trabalho sob a égide do grande capital conduziu à formação de um mercado de trabalho cada vez mais exigente, fato que contribuiu para a desregulamentação das relações de trabalho em decorrência da flexibilização dos contratos, o que ampliou consideravelmente a precarização e as formas de exploração. O desemprego estrutural, bem como a instabilidade presente quanto à permanência no trabalho formal, conduziram diretamente a um sentimento de "instabilidade" perante o sistema de proteção previdenciário, considerando que este se mantém de base contributiva e submetido às múltiplas condicionantes para o acesso aos benefícios e serviços, cada vez mais exigentes.

Apesar do alarde da Seguridade Social como um tripé de proteção na realidade tal propósito não se consolidou, ficando explícita a separação mantida entre os três níveis de proteção, distanciadas desde a base orçamentária até a execução dos serviços/benefícios, fazendo com que os direitos preconizados pela Constituição de 1988 ainda se mantenham à deriva de um ideal universal e inclusivo.

Os resultados da pesquisa mostraram claramente as consequências da precarização das relações de trabalho pela idade precoce da maioria dos pesquisados em relação aos acometimentos com a saúde que conduziram à sua inserção no Programa de Reabilitação Profissional. Doenças de qualquer natureza se sobrepõem como reflexo do desgaste físico e mental dos trabalhadores, submetidos à nova lógica do mercado e suas exigências.

Outra questão que merece destaque é o perfil desses segurados, com baixo nível de escolaridade e baixos salários, o que remete, uma vez mais, às inseguranças expostas pelos mesmos de serem, de fato, capazes de promoverem sua re-inserção ao mercado de trabalho, cada vez mais competitivo e sem nenhuma garantia de permanência, considerando a condição descartável do trabalhador na atual lógica do mercado. Daí, embora acreditem na sua reabilitação, os entrevistados deixaram claro que o descrédito está justamente nesse mercado, no rol de suas exigências perante as limitações impostas pela doença/acidente, pela baixa escolaridade, pelo preconceito e indiferença perante tais relações.

As interfaces apresentadas na co-relação de forças entre a voracidade do mercado, a desumanização do trabalho e suas consequências nos conduziram a um cenário desalentador que merece ser visto e revisto para que alternativas sejam pensadas em defesa dos direitos do cidadão como um trabalhador, reconhecido como tal no ordenamento do sistema capitalista.

 

REFERÊNCIAS

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