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ISBN 978-85-62480-96-6 versão impressa

Sem. de Saúde do Trabalhador de Franca Set. 2010

 

QUESTÃO URBANA QUESTÃO AGRÁRIA E SAÚDE DO TRABALHADOR

 

O mundo do trabalho da agroindústria canavieira: reestruturação produtiva e seus reflexos sobre os cortadores de cana

 

 

Juliana Biondi Guanais

Mestranda em Sociologia pela UNICAMP, bolsista FAPESP, pesquisadora do Centro de Estudos Rurais do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP, Campinas/SP. Contato: e-mail: jupitt16@yahoo.com.br

 

 


RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo trazer a tona e analisar algumas das diferentes estratégias elaboradas e empregadas pelos representantes do setor sucroalcooleiro brasileiro as quais visam não somente controlar e disciplinar cada vez mais os cortadores de cana, como também envolvê-los com o trabalho que desempenham e com os objetivos da empresa para qual trabalham. Buscar-se-á também refletir sobre a consciência dos trabalhadores frente a tais estratégias patronais, procurando mostrar a importância da apreensão da experiência dos trabalhadores cortadores de cana.

Palavras-chave: trabalhadores rurais, agroindústria canavieira, estratégias empresariais, intensificação do trabalho.


 

 

1 INTRODUÇÃO 

O presente trabalho pretende trazer a tona algumas das diferentes estratégias elaboradas e empregadas pelos representantes do setor sucroalcooleiro brasileiro as quais visam não somente controlar e disciplinar cada vez mais os cortadores de cana, como também envolvê-los com o trabalho que desempenham e com os objetivos da empresa para qual trabalham. De modo geral, a reflexão aqui apresentada será dividida em três partes. Num primeiro momento será apresentado o processo de reestruturação produtiva pelo qual passou a agroindústria canavieira brasileira a partir dos anos 80 do século XX, relacionando-o com mudanças mais amplas no capitalismo mundial. Na segunda parte serão analisadas as diferentes estratégias elaboradas e empregadas pelos representantes do setor sucroalcooleiro, análise essa de caráter mais teórico e que será empreendida tendo como base alguns estudos de pesquisadores que se debruçaram sobre este tema específico. Para concluir será feita uma breve reflexão acerca do lugar da consciência e da subjetividade dos trabalhadores frente a tais estratégias patronais.

 

2  DESENVOLVIMENTO

Ao longo de seu desenvolvimento no Brasil, a agroindústria canavieira passou por vários processos de reestruturação que atingiram, sobretudo, as plantas industriais e os equipamentos. Mas foi na década de 1990 que a reestruturação produtiva sucroalcooleira vai além das mudanças na base técnica agrícola e industrial e atinge também o setor administrativo das empresas, especialmente a gestão do trabalho. Deve-se ressaltar que o processo de reestruturação produtiva no setor sucroalcooleiro foi amparado pelo Estado brasileiro por intermédio de subsídios e de créditos oferecidos aos usineiros, os quais tiveram suas dívidas reescalonadas. É importante mencionar que fora das empresas, a reestruturação sucroalcooleira evidencia-se no movimento de fechamento de unidades produtivas, reconcentração de capitais e diversificação dos investimentos. Já no interior das frentes e ambientes de trabalho, ela se expressa na modernização tecno-organizacional com a intensificação do uso da informática, da automação industrial e da mecanização agrícola, na flexibilização da produção agrícola e industrial, na terceirização de determinadas atividades e fases do ciclo produtivo, no rigor do controle de qualidade e no redirecionamento das políticas de recursos humanos.

Pensando em atender as exigências atuais de produtividade e qualidade impostas pelo mercado, as empresas redefinem as suas estratégias administrativas, isto é, investem seus esforços em duas direções na gestão dos recursos humanos: de um lado, racionalizam o uso de recursos introduzindo modificações nos processos de trabalho, valendo-se, principalmente, de inovações tecnológicas poupadoras de força de trabalho; de outro lado, procuram formar um contingente de trabalhadores fixos, disciplinados, tecnicamente qualificados e, sobretudo, "envolvidos" com a produção sucroalcooleira. Tal envolvimento é condição fundamental para garantir a continuidade do processo de racionalização através do uso de tecnologia poupadora de força de trabalho e deve ocorrer no sentido de integrar e direcionar os diferentes esforços para atingir as metas de produtividade e qualidade.

Pensando em entender melhor a reestruturação produtiva pela qual passou a agroindústria canavieira brasileira, é importante situar a mesma no interior do processo mais geral de reestruturação produtiva, o qual atingiu amplamente o mundo do trabalho no final do século XX. Para tanto, utilizarei algumas das reflexões do pesquisador Ricardo Antunes (1999). De acordo com ele, a partir da década de 1970 o capitalismo passou a dar indícios de um quadro crítico, o qual culminou na crise do modelo fordista1 de produção. Como resposta a tal crise, deu-se início a um processo de reorganização do capital, ao qual se seguiu um processo intenso de reestruturação da produção e do trabalho, tudo isso acarretando sérias conseqüências para o mundo do trabalho e para a classe trabalhadora. Nesse período, irromperam-se inúmeras transformações no processo produtivo por intermédio da constituição de formas de acumulação flexível, de novas formas de gestão organizacional, do avanço tecnológico e dos modelos alternativos ao Taylorismo/Fordismo, dentre os quais se destaca o Toyotismo (modelo japonês).

Neste sentido, o padrão de acumulação flexível articula um conjunto de elementos de continuidade e de descontinuidade que acabam por conformar algo relativamente diferente do padrão Taylorista/Fordista de acumulação. Tal padrão de acumulação flexível se fundamenta num padrão produtivo organizacional e tecnologicamente avançado, e faz uso de novas técnicas de gestão da força de trabalho, do trabalho em equipe, dos "times de trabalho", além de requerer, ao menos no plano do discurso, o "envolvimento participativo" de todos os trabalhadores, participação esta que Antunes (1999) caracteriza como manipuladora.

Dando continuidade a sua análise, o autor afirma que no Toyotismo os operários passam a ser polivalentes e multifuncionais, e não mais desqualificados como antes. Ao longo desse processo, ficou claro que os trabalhadores podem se tornar multifuncionais, já que podem realizar simultaneamente inúmeras e diferentes operações. Além disso, os mesmos são agora parte integrante de uma equipe, e conseguem vislumbrar algum sentido para o trabalho que realizam, isso porque o Toyotismo consegue eliminar, ao menos na aparência, o trabalho repetitivo, ultra-simplificado, desmotivante e embrutecedor, tão característico da era do Taylorismo/Fordismo

Foi na era do Toyotismo também, que aqueles que detinham os meios de produção perceberam que os trabalhadores não podiam ser reduzidos apenas à força bruta e muscular, uma vez que se mostravam como indivíduos dotados de inteligência e iniciativa organizacional, sendo plenamente capazes de controlar o funcionamento das empresas. Com isso em mente, os empresários perceberam que poderiam aumentar enormemente seus ganhos e lucros explorando a imaginação, o intelecto, os conhecimentos práticos e os dotes organizativos de seus trabalhadores, enfim, explorando o savoir-faire dos mesmos. Essa atitude está na contramão da praticada anteriormente, a qual limitava-se a explorar a força de trabalho muscular dos operários, os quais ficavam confinados no espaço produtivo.

É importante frisar que nessa nova fase, a necessidade que os trabalhadores têm de pensar, agir e sugerir tem sempre que levar em consideração os objetivos e metas da empresa para qual trabalham, os quais muitas vezes estão escondidos sob o disfarce da necessidade de atender as demandas dos consumidores. Aquilo que é melhor para a empresa passa a ser o que é melhor para seus trabalhadores, que interiorizam o discurso e o ideário da mesma. A subjetividade dos trabalhadores é, portanto, incitada para o envolvimento com o projeto da empresa e com o seu conseqüente processo de criação de valores. Nesse sentido, ainda de acordo com o autor, as personificações do trabalho devem converter-se em personificações do capital, isto é, os sujeitos do trabalho passam a trabalhar com o intuito de gerar valor e valorizar o capital.

Ao retomarmos a problemática do processo de reestruturação produtiva pelo qual passou a agroindústria canavieira brasileira nas últimas duas décadas do século XX, é importante destacar que durante este período o corpo gerencial das usinas também percebeu que era essencial possuir trabalhadores que além de serem altamente produtivos, fossem disciplinados, centrados no trabalho, e que fizessem dos objetivos da empresa os seus objetivos. Para tanto, era necessário que os representantes do setor sucroalcooleiro também se valessem de algumas estratégias (estratégias essas já amplamente difundidas no meio urbano e industrial) para buscar o envolvimento de seus trabalhadores rurais tendo como objetivo central o aumento da produtividade dos mesmos. Além deste objetivo, tais estratégias visam também a acumulação crescente de capital e o reconhecimento da legitimidade do comando e do controle das usinas sobre a produção.

Como já fora mencionado na Introdução, um dos objetivos do presente trabalho é a análise de algumas das diversas estratégias elaboradas e empregadas pelos representantes do setor sucroalcooleiro. Nesse sentido, para que se possa explorar e analisar melhor essas diferentes estratégias, as mesmas serão aqui divididas em dois blocos e analisadas separadamente. Primeiramente serão analisadas as estratégias que são elaboradas e utilizadas pelas usinas como formas de controle dos cortadores de cana e seu trabalho. Num momento posterior serão analisadas aquelas estratégias que objetivam o envolvimento dos trabalhadores rurais com o trabalho que desempenham e com o ideário da empresa para qual trabalham.

As estratégias das usinas

Estratégias de controle2

a) Pagamento por produção

Pensando em aumentar crescente e continuamente a produtividade dos trabalhadores, as usinas passaram a pensar em formas que os incitassem a cortar uma quantidade cada vez maior de cana, e para isso, era preciso atrelar o pagamento dos mesmos à quantidade de cana cortada por eles. Assim, implanta-se o pagamento por produção como a forma de remuneração predominante no setor sucroalcooleiro.

Segundo a lógica do pagamento por produção, a remuneração do trabalhador é equivalente à quantidade de mercadorias produzida pelo mesmo. Em linhas gerais, esta forma específica de remuneração pode ser vista como uma modalidade do "salário por peça", analisado por Karl Marx (1988). Como assinalava o mesmo, esta modalidade de salário é utilizada principalmente quando se deseja simultaneamente elevar ao máximo possível a intensificação das tarefas e expandir a jornada de trabalho. Diferentemente do salário por tempo (em que geralmente prevalece salário igual para as mesmas funções), no salário por peça em que se mede o preço do tempo de trabalho por determinada quantidade de produto o salário recebido varia de acordo com as diferenças individuais de cada trabalhador, de modo que num espaço de tempo existam trabalhadores que produzem o mínimo, a média e até mesmo mais do que a média. Neste sentido, as grandes diferenças de salário variam de acordo com critérios tais como a força, habilidade, energia e a persistência de cada um.

A despeito de todas as críticas, é importante ressaltar que no Brasil a remuneração por produção tem ampla base legal, sendo prevista no artigo 457, §1º da CLT, bem como incontroversa aceitação doutrinária e jurisprudencial. Da mesma forma é prevista em normas coletivas de trabalho para diferentes culturas: lavouras de cana-de-açúcar, de tomate e de laranja são exemplos daquelas que fazem uso do pagamento por produtividade. No caso dos cortadores de cana - que também recebem por produção - a regra é "quanto mais se corta, mais se ganha", fazendo com que muitas vezes os mesmos se vejam obrigados a aumentar cada vez mais seu ritmo de trabalho com vistas a obter uma melhor remuneração.

Contudo, apesar de ser previsto em legislação aplicável, diversos especialistas têm questionado o salário por produção como a forma de remuneração vigente dos empregados da lavoura canavieira. Este é o caso dos pesquisadores Francisco Alves (2008) e José Roberto Pereira Novaes (2007), autores que defendem a idéia de que o pagamento por produção ao mesmo tempo em que incentiva a extensão e a intensificação da jornada de trabalho funcionando, assim, como um acicate ao trabalho excessivo dos trabalhadores funciona também como um engenhoso método de introversão da disciplina e do autocontrole do trabalhador. Neste sentido, o pagamento por produção deve ser visto como uma das formas de controle do trabalho no corte da cana em um contexto de modernização e intensificação da produção.

Após analisar criticamente o pagamento por produção, Francisco Alves (2008) afirma que é interessante para as usinas manter esta forma específica de remuneração até os dias de hoje porque caso os cortadores de cana adquirissem o controle do processo de trabalho e do seu pagamento, as empresas perderiam seu principal meio de pressão para aumentar a produtividade do trabalho. Assim, se os trabalhadores soubessem quanto ganham por dia, os mesmos teriam a possibilidade de interromper o corte de cana quando quisessem ou quando julgassem que estão no limite de sua resistência física.

Pelo fato de receberem de acordo com sua produtividade e desconhecerem ao certo a quantidade de cana que cortaram num dia, muitos trabalhadores se empenham mais do que o suportável para cortar uma quantidade superior de cana para que possam ter sua remuneração aumentada. Muitas vezes os acidentes de trabalho, as lesões e até as mortes podem vir em decorrência de atitudes como esta. É preciso ressaltar que sobretudo os acidentes e as mortes nos canaviais passaram a ser cada vez mais recorrentes na atualidade, o que levou muitos especialistas a defender a idéia de que o salário por produção deve ser visto como a principal causa da fadiga, dos acidentes, das doenças ocupacionais, das mutilações e das mortes dos trabalhadores cortadores de cana.

b) Média

Outra importante estratégia utilizada pelas usinas diz respeito à imposição de uma média, isso é, de uma produtividade diária mínima a ser atingida por todos os cortadores de cana. Esses são obrigados a atingir esta média que atualmente é de dez toneladas/dia de cana por trabalhador para não serem demitidos a qualquer momento. É importante perceber ainda que esta imposição está intimamente vinculada ao sistema de pagamento por produção e pode ser vista tanto como uma violência dirigida contra os canavieiros quanto como uma forma de domínio e de controle do trabalho dos cortadores de cana. Além disso, faz-se necessário lembrar que esta imposição da média diária de produção é extremamente importante e interessante para as usinas, que a utilizam como uma forma de selecionar os melhores e mais produtivos cortadores de cana, ou seja, aqueles que realmente as interessam.

Maria Aparecida de Moraes Silva (2006) destaca que com o passar do tempo aumentou significativamente a média diária a ser atingida pelos cortadores de cana. De acordo com ela, na década de 1980, a média exigida era de cinco a oito toneladas de cana cortada por dia; em 1990 passa para nove toneladas; em 2000 passa para dez, e em 2004 para 12 toneladas por dia. Dando prosseguimento a seu raciocínio, Silva (2006) afirma que a elevação continuada da média induz os trabalhadores ao sofrimento, a dor, a doenças e até mesmo à morte. Para a pesquisadora, a imposição de uma média e sua aceitação por parte dos trabalhadores constitui um dos elos das chamadas "correntes invisíveis" que atam os cortadores de cana às estratégias de dominação da usina, podendo ser vista também como uma espécie de coerção moral, consistindo numa das formas possíveis da atual intensificação da exploração do trabalho pelo agronegócio.

Consoante a esta perspectiva, está a opinião de José Roberto Pereira Novaes (2007). De acordo com o autor, com a introdução de novos arranjos produtivos as usinas de açúcar e álcool passam a exigir maior produtividade e mais disciplina no trabalho. Nesse contexto, o aumento crescente da produtividade dos cortadores de cana ocorreu por intermédio de programas de treinamento implantados nas usinas os quais visavam, dentre outros aspectos, a melhoria do corte manual e, por conseqüência, do rendimento industrial da matéria-prima.

c) As "listas negras" e os "ganchos"

De início vale mencionar que tais estratégias são bastante antigas e amplamente utilizadas pelas usinas em geral como formas de sujeição e controle social dos cortadores de cana. Normalmente, cada usina elabora uma lista na qual consta o nome daqueles trabalhadores que trabalharam (ou que ainda trabalham) para ela, mas que estão "marcados" por terem desobedecido às normas impostas ou por qualquer outro motivo que sirva como critério para "marcar" os mesmos. A organização ou envolvimento dos cortadores de cana em greves e a participação ativa em um sindicato são critérios que muitas vezes já são suficientes para incluir os nomes dos envolvidos numa lista negra. Tais listas circulam entre as várias usinas do país, o que abre a possibilidade das últimas tomarem conhecimento de todos os trabalhadores que estão citados nestas listas, podendo, portanto, não vir a contratá-los.

Maria Aparecida de Moraes Silva (1999) também analisa as listas negras, definindo-as como o antídoto mais eficaz na correção de condutas e dos comportamentos dos trabalhadores. De acordo com a autora, primeiramente tais listas são produzidas nos escritórios das usinas mediante a centralização do controle. Após a elaboração das mesmas, estas são distribuídas aos empreiteiros para que eles não venham a contratar aqueles trabalhadores que constam nas listas. Desta forma, pelo controle do registro, aqueles "marcados" são impedidos de trabalhar por um tempo determinado, o qual pode variar, chegando até a três anos. Para a pesquisadora, a lista negra

[...] é feita não porque a força de trabalho seja abundante. É o resultado da submissão, da negação imposta aos trabalhadores. Representa a cristalização da negação do ser do trabalhador. Nega-o, retira-lhe sua essência, enquanto possuidor da única mercadoria que lhe restou: sua própria força de trabalho. Atinge-o em suas condições subjetivas. Lança-o por três anos, e pode fazê-lo por mais tempo na "cloaca", no "útero" do seu não-ser (SILVA, 1999, p.145-146).

Já os "ganchos" são os mecanismos criados e utilizados no dia-a-dia do trabalho para suspender por um tempo aquele cortador de cana que não tenha executado bem sua tarefa ou que tenha desobedecido ao fiscal. Tal suspensão é aplicada pelo fiscal de turma responsável por aquele trabalhador, ficando a critério do primeiro decidir qual a duração da punição. Deve-se mencionar que como os cortadores de cana recebem por produção, o gancho representa uma redução no salário dos mesmos, já que, ao serem suspensos, eles são obrigados a parar de trabalhar, e, conseqüentemente, de cortar cana. Neste sentido os "ganchos" funcionam como um mecanismo de pressão, como uma forma utilizada pelos fiscais para controlar e disciplinar ainda mais os cortadores de cana, fazendo com que os mesmos cumpram de maneira exemplar as tarefas que compõem seu trabalho.

d) Fiscais de turma

Pelo tipo de serviço que desempenham, os fiscais responsáveis pela fiscalização dos cortadores de cana e de seu trabalho no interior dos canaviais, verificando se os mesmos estão realizando a contento as atividades prescritas são, na verdade, uma das categorias de funcionários mais importantes para as usinas, já que é por intermédio dos mesmos que é possível se obter um controle de todos os comportamentos e atitudes dos cortadores de cana durante o tempo em que estão trabalhando.

A figura dos fiscais de turma é bastante antiga, e já foi muito analisada por vários pesquisadores. Maria Aparecida de Moraes Silva (1999) também analisa a figura do fiscal de turma, denominado por ela de "feitor". A autora começa ressaltando que o sucesso de uma fábrica (no caso a usina), não se deve à sua superioridade técnica, mas ao controle exercido sobre os trabalhadores. Neste sentido, a disciplina e a fiscalização são utilizadas com vistas à diminuição de custos. Ao longo de sua pesquisa, Silva (1999) teve a oportunidade de entrevistar inúmeros trabalhadores cortadores de cana, e a partir de tais testemunhos, a pesquisadora pôde afirmar que

Os depoimentos revelam as funções de supervisão, de controle, de "fazer mexer o corpo", de "fazer o serviço andar". Ao exercê-las, os feitores vêem-se envolvidos numa rede de relações entre trabalhadores e patrões, que os levam a ser os 'recheios de sanduíches', aqueles pressionados tanto de um lado quanto do outro. Pode-se perceber que a situação produzida no bojo destas relações reflete a contradição social existente entre as classes [...] Tempo e disciplina no trabalho são dois pilares básicos, que sustentam os mecanismos de exploração. Aos seus executores cabem as tarefas de transformar estes trabalhadores em força de trabalho. Ao fazê-los, encontram a reação destes (SILVA, 1999, p. 128-129).

Dando continuidade a seu raciocínio, a autora menciona a obrigação que os trabalhadores têm de estarem em contínuo movimento, não podendo ficar parados sem mexer o corpo. Neste contexto, disciplina e tempo são considerados fatores essenciais para se auferir maiores ganhos3. Para isso, os mediadores da dominação exercem o olhar constante sobre os cortadores de cana, olhar esse que não pode ser generalizado a ponto de se perder no horizonte do canavial. Ao contrário, é necessário um olhar minucioso e que seja capaz de controlar cada gesto, cada ritmo e cada conduta dos trabalhadores.

Estratégias de denvolvimento

A partir de agora serão analisados outros tipos de estratégias empregadas pelos representantes do setor sucroalcooleiro. De início, é preciso ressaltar que tais estratégias são inúmeras e se diferenciam das anteriores, uma vez que têm como objetivo central a obtenção do envolvimento dos trabalhadores com a atividade que desempenham e com o ideário da empresa para qual trabalham.

A dissertação de mestrado de Marcos Lázaro Prado (2008) analisa algumas destas estratégias utilizadas pelos representantes do setor sucroalcooleiro nacional. De acordo com o autor, tal setor passou por profundas transformações a partir da década de 1990, e nos dias de hoje é possível percebermos de forma mais significativa a inserção de novas posturas administrativas, formuladas dentro de princípios da flexibilização, que buscam de maneira contundente a redução de conflitos entre capital e trabalho, lançando mão, para isto, do envolvimento dos trabalhadores com as metas organizacionais.

Sobre este ponto, vincula-se todo um conjunto de pequenos projetos executados pelas usinas e que corroboram para esta suposta mudança de postura. Salas de leitura, ginástica laboral, projetos de alfabetização, distribuição de bebidas isotônicas no campo, competições desportivas dentre outras, são exemplos desses pequenos projetos que acabam contribuindo para consolidar essa nova imagem das usinas para com seus trabalhadores. Para finalizar, Prado (2008) concluiu que tais procedimentos que associam a empresa à sua força de trabalho, convencendo-a, assim, da importância de seu envolvimento, acabam possibilitando a continuidade e até a ampliação de sua exploração.

Diante da enorme multiplicidade de estratégias voltadas para o envolvimento cada vez maior dos trabalhadores rurais com seu trabalho e com a empresa para a qual trabalham, optei por descrever no presente trabalho somente aquelas mais recorrentemente utilizadas pelas usinas em geral.

a) Os Programas de Participação nos Resultados (PPR)

Tais programas consistem numa bonificação monetária extra que todos os funcionários da usina recebem sejam eles gerentes ou trabalhadores rurais caso a empresa cumpra plenamente suas metas de produção e obtenha lucro. É importante ressaltar que os PPRs também fazem parte da política de muitas usinas atualmente.

É importante perceber que tais programas são utilizados pelas empresas em geral como uma forma de melhorar sua imagem perante todos os seus funcionários. A partir dos Programas de Participação nos Resultados, as empresas podem dividir seus lucros com todos alegando que tal política é extremamente correta, pois nada mais justo do que dividir tudo o que fora conseguido entre todos aqueles que ajudaram na obtenção de tal conquista. Entretanto, é preciso ver o que está por trás desta importante política. Na realidade tais programas acabam servindo como um estimulo para que todos os funcionários se envolvam com as metas da empresa para qual trabalham e isto independentemente do cargo que ocupam buscando, portanto, perseguí-las. Como já dito anteriormente, este envolvimento do trabalhador com as metas e objetivos de sua empresa é o que realmente interessa às últimas.

A aplicação de tais programas acaba por favorecer a busca pelo aumento de produtividade, intensificando a participação e o comprometimento dos trabalhadores que, mediante a realização de metas estabelecidas pela empresa, podem atingir valores complementares as suas remunerações.

Para finalizar, é preciso afirmar que muito embora a negociação dos Programas de Participação nos Resultados tenha sofrido impedimentos, principalmente de ordem legal, com a regulamentação da Lei nº 10.101, de Dezembro de 2000, a qual estabeleceu que a participação nos lucros da empresa seria objeto de negociação entre a empresa e seus empregados, mediante a comissão escolhida pelas partes, integrada, também, por representantes sindicais; a implantação de tais programas tornou-se uma realidade e atingiu, inclusive, o setor sucroalcooleiro.

b) "Podão de ouro" ou "Prêmio da semana"

Os nomes por si só já são bastante sugestivos. Ambos consistem em práticas muito comuns e recorrentemente utilizadas pelas usinas para instigar seus cortadores de cana a aumentar cada dia mais sua produtividade. Estas estratégias patronais consistem na premiação do trabalhador mais produtivo, o qual, por sua vez, vem a receber um brinde (que pode variar de um celular até uma moto) em função de ter superado os demais trabalhadores no quesito quantidade de cana cortada. Como as outras, tal prática acaba por incitar ainda mais a competição entre os cortadores, que muitas vezes passam a se empenhar além do suportável para cortar mais cana do que os demais. É importante destacar que quando inseridos nesse contexto competitivo, muitos trabalhadores podem começar a ver nos companheiros de trabalho verdadeiros rivais e concorrentes que podem vir a superá-los.

Ao se dedicar ao estudo das relações entre usineiros e cortadores de cana em algumas usinas do estado de São Paulo, Antonio Thomaz Júnior (2002) percebeu que a premiação de alguns trabalhadores pelas empresas era uma prática recorrente, e acabava servindo como um verdadeiro estímulo para elevar a produtividade dos cortadores de cana, um dos maiores objetivos das usinas4. Nas palavras do autor:

Destaca-se porém, na estratégia utilizada pelo capital para viabilizar a intensificação do ritmo do trabalho no corte mecanizado, o anúncio, no início da safra, de diversos "prêmios" (carros, bicicletas, geladeiras, rádios e outros eletrodomésticos), que cumprem o papel de 'estimular' a saga da superexploração do trabalho. Expostos em lugares de passagem obrigatória nas sedes das empresas, os tais 'prêmios' são objeto de cobiça pela maioria esmagadora dos trabalhadores, até por uma questão de sobrevivência e garantia de poder contar com o emprego na safra seguinte, ao serem forçados a atingirem determinadas performaces no corte, por dia, mês e na safra. Esse "incentivo" para que haja aumento da produtividade média do corte por trabalhador/dia está possibilitando que em alguns casos se alcance 20 t de cana/dia/homem [...] Por via de conseqüência, eleva ao extremo o desgaste físico do trabalhador, a partir da extensão da jornada diária de trabalho (podendo alcançar 14 horas). Esse processo denominamos de bingo da morte, tendo em vista que o trabalhador poderá ser a próxima vítima desse "sorteio" desleal, pois não mede esforços para alcançar a premiação (THOMAZ Jr. 2002, p. 111-112).

Na opinião de Maria Aparecida de Moraes Silva (1999), a concorrência que se estabelece entre os cortadores de cana em decorrência de tais premiações e competições é uma concorrência velada, mas acaba diferenciando e hierarquizando os mesmos. De acordo com a pesquisadora,

Produz-se, assim, a figura do "bom cortador de cana", aquele que corta em torno de dez toneladas diárias. Aqueles que estão muito abaixo desta média sentem-se incapazes, envergonhados, inferiorizados. Pelo jogo desta quantificação, os aparelhos disciplinares hierarquizam, mediante a emulação, os "bons" e os "maus" indivíduos [...] As figuras do "bom" e do "mau" cortadores de cana são produtos de cálculos e pesquisas de engenheiros e médicos, cujo objetivo é construir um perfil delineado segundo categorias analíticas e quantificáveis tais como: idade, peso, estado civil, número de consultas médicas, cor (SILVA, 1999, p. 202-203).

 

3. CONCLUSÃO

Depois de tudo o que fora exposto, a questão que se coloca é: os cortadores de cana percebem as estratégias utilizadas pelas usinas em geral como formas empregadas tanto para os controlar e disciplinar cada vez mais, como para os envolver com o trabalho que desempenham e com os objetivos da empresa para qual trabalham? A resposta para tal questão não é nada fácil de obter.

Como fora exposto ao longo de todo o artigo, é fato incontestável a utilização por parte das usinas de estratégias que buscam tanto controlar cada vez mais os cortadores de cana, como envolvê-los com seu trabalho. Neste contexto, os usineiros apoiados numa política de gestão de recursos humanos voltada para a reprodução da lógica do capital objetivam incitar a subjetividade dos trabalhadores para o envolvimento com o projeto da empresa e com o seu conseqüente processo de criação de valores.

Entretanto - no que diz respeito especificamente aos cortadores de cana da Usina Ester5 - foi possível perceber a partir do resultado das entrevistas realizadas com os mesmos, que a grande maioria deles percebe o contexto de dominação ao qual estão submetidos. A totalidade dos trabalhadores entrevistados tem ciência de que a usina em questão lhes exige e cobra muito. As cobranças são várias e muitas vezes impossíveis de serem plenamente cumpridas da forma como se é exigido. Muitos se queixaram do baixo salário recebido, mínimo quando comparado ao tipo de trabalho que desempenham, extremamente pesado e desgastante.

Mas, é importante ressaltar ainda que o fato dos cortadores de cana terem ciência de que são constantemente explorados e expropriados pela Usina Ester não faz com que os mesmos não encontrem dificuldades para se insurgir contra tal contexto. Assim, a despeito de se verem obrigados a trabalhar demais e receber pouco, de serem cada vez mais cobrados para aumentar sua produtividade, e de serem amplamente fiscalizados e supervisionados em seu espaço de trabalho, os cortadores de cana da Ester relataram a enorme dificuldade que possuem para questionar e até mesmo para alterar esta situação. Diante disso, fui levada a pensar quais poderiam ser os motivos desta dificuldade, e tentarei aqui sintetizar brevemente alguns deles.

Uma das causas pode ser a falta de condições existentes na terra natal destes trabalhadores. Encontrando-se destituídos de meios reais de sobrevivência em seus locais de origem, e sem qualquer tipo de alternativa, os trabalhadores muitas vezes se vêem obrigados a aceitar o trabalho no corte da cana nas diferentes usinas do país por ser essa uma atividade que acaba por assegurar uma renda e conseqüentemente a sobrevivência dos trabalhadores e suas famílias. Neste sentido, a aceitação dos baixos salários, de altos níveis de produtividade, de condições precárias de moradia e de trabalho pode revelar não a passividade, mas sim a ausência de alternativas de trabalho, e, conseqüentemente, de sobrevivência.

Outra causa possível é a dificuldade encontrada pelos cortadores de cana para levarem a público este contexto de exploração, já que qualquer iniciativa neste sentido é seguida de ameaças e de retaliações por parte das usinas. O contato destes trabalhadores com sindicatos ou órgãos públicos competentes para a fiscalização das condições de trabalho é evitado pelas empresas, dificultando sobremaneira não apenas a defesa dos direitos envolvidos nas relações de trabalho no campo, mas também o esclarecimento do real conteúdo das relações que sustentam o corte manual da cana.

A terceira causa encontrada por mim que pode vir justificar a dificuldade que os cortadores de cana têm para questionar e alterar o contexto de dominação a que estão circunscritos é o medo que os mesmos têm de perder seu emprego. As falas abaixo deixam claro este receio. Todas são de cortadores de cana entrevistados.

Tem gente que não fala porque tem medo de falar, né? (Lorival, 30 anos) [grifos meus]

[...] a gente tem que se unir, porque sozinho a gente não faz nada, né, você sozinho não faz nada, é perigoso você ser mandado embora e não ter direito a nada...todo mundo tinha que ser unido. (Maria, 28 anos) [grifos meus].

Ah, eles cortam por precisão mesmo, viu, não é por gostar não...tem uma lá que fala que gosta de trabalhar, mas não é não...é porque tem medo de dar baixa e não receber nada, e eles já têm tempo de serviço já. (Joana, 25 anos) [grifos meus]

Em síntese, o fato dos cortadores de cana da Usina Ester perceberem o contexto de dominação ao qual estão circunscritos mas não conseguirem agir no sentido de alterá-lo parece resultar do fato de que, devido à necessidade de sobrevivência, permanência no emprego e conquista de melhores condições de vida, os trabalhadores acabam se enquadrando e, em alguns momentos até mesmo interiorizando o ideário e o discurso da usina para qual trabalham, sem, porém, que isso anule a consciência de exploração e repressão vivida por eles, mesmo quando a resistência a essas práticas de dominação não se expressa de forma articulada e coerente.

Nesse sentido, cabe destacar que não existe dominação absoluta. Isso significa que mesmo num contexto amplamente desfavorável, os cortadores de cana não assimilam de forma plena o projeto burguês e constroem em meio a uma realidade extremamente contraditória formas de resistência que, mesmo não tendo resultados efetivos mais amplos, refletem tensões e conflitos latentes.

 

REFERÊNCIAS

ALVES, Francisco José da Costa. Por que morrem os cortadores de cana? Saúde e Sociedade, vol.15, nº3, p. 90-98, Set/Dez 2006.

______. Trabalho e trabalhadores no corte de cana: ainda a polêmica sobre o pagamento por produção e as mortes por excesso de trabalho. In: BISON, Nelson; PEREIRA, José Carlos Alves. (Orgs.) Agrocombustíveis, solução? A vida por um fio no eito dos canaviais. São Paulo: CCJ, 2008, p. 22-48.

ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho. Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 1999.

______. A dialética do trabalho. Escritos de Marx e Engels. São Paulo: Expressão Popular, 2004.

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THOMPSON, Edward P..Costumes em Comum. Estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia da Letras, 1998.

 

 

1 Não cabe aos propósitos do presente trabalho uma recapitulação densa do que ficou conhecido como Fordismo, entretanto, é preciso que se faça algumas breves considerações acerca do mesmo. Vale mencionar que ao longo de quase todo século XX, o padrão de acumulação em vigor ancorava-se no binômio Taylorismo/Fordismo expressão dominante do sistema produtivo e de seu respectivo processo de trabalho o qual baseava-se na produção em massa de mercadorias estruturada a partir de uma produção mais homogeneizada e verticalizada. Tal padrão produtivo tinha como base o trabalho em série, fragmentado, parcelar e a decomposição de tarefas, tendo por um dos objetivos a redução do tempo de produção aliado ao aumento e a intensificação do ritmo de trabalho. A realização do trabalho ficava ao cargo dos "operários-massa", indivíduos predominantemente desqualificados, cujas ações operatórias eram reduzidas a um conjunto repetitivo de atividades sem sentido. Concentrados no espaço produtivo e destituídos de qualquer participação na organização do processo de trabalho, os trabalhadores tinham homogeneizadas suas condições de existência e reduzidas sua autonomia individual. É importante ressaltar ainda, que a era do Taylorismo/Fordismo também era marcada por uma rígida separação entre aqueles que elaboram (gerência científica) e aqueles que executam o trabalho (operário-massa).
2 Para melhor definir o que entendo por "estratégias de controle", inspiro-me sobretudo, na proposição de Maria Aparecida de Moraes Silva. Para a autora, executar uma tarefa, isto é, realizar o ato do trabalho, significa no caso das relações de classe realizar uma tarefa sem se apropriar de seu produto. Neste sentido, "A submissão da vontade do trabalhador ao ato do trabalho faz-se por meio da submissão a regras, controle e normas produzidos no processo produtivo. Essas formas de controle definem as relações de produção como relações de produção do controle. Controle da produção, da produtividade, do trabalhador." SILVA, Maria Aparecida de Moraes. Errantes do fim do século. São Paulo: Ed. Unesp, 1999, p. 110.
3 Neste ponto específico é interessante se estabelecer um paralelo com as reflexões de E. P. Thompson. De acordo com o autor, durante todo o século XIX a propaganda do uso econômico do tempo continuou a ser fortemente dirigida aos trabalhadores, sobretudo pelos moralistas e puritanos, interessados em instituir a disciplina e o rigor nos primeiros. Por intermédio da divisão e supervisão do trabalho, das multas, dos sinos e relógios, incentivos em dinheiro, pregações, ensino e supressão das feiras e esportes, formavam-se novos hábitos de trabalho e impunha-se uma nova disciplina de tempo. Neste sentido, a não produtividade de um trabalhador era vista como condenável, ainda mais se estivesse combinada com impertinência. "Na sociedade capitalista madura, todo o tempo deve ser consumido, negociado, utilizado, é uma ofensa que a força de trabalho meramente 'passe o tempo'." THOMPSON, Edward. P. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Cia das Letras,1998, p. 298.
4 Neste ponto específico, é possível se fazer um paralelo com as reflexões de Frederick W. Taylor, gerente da empresa americana Bethlehem Steel Company e autor de Princípios de Administração Científica. Para o autor, "[...] para que haja alguma esperança de obter a iniciativa de seus trabalhadores, o administrador deve fornecer-lhes incentivo especial, além do que é dado comumente no ofício. Esse incentivo pode ser concedido de diferentes modos, como, por exemplo, promessa de rápida promoção ou melhoria; salários mais elevados, sob a forma de boa remuneração por peça produzida, ou por prêmio [...] E somente quando é dado estímulo especial ou incentivo desse gênero é que o patrão pode esperar obter a iniciativa de seus empregados..." TAYLOR, Frederick W. Princípios de Administração Científica. São Paulo: Atlas, 2006, p. 39.
5 Como não seria possível realizar uma pesquisa que tivesse como objetivo o estudo de todos os cortadores de cana do Brasil, delimitei minha pesquisa de mestrado (que serviu como reflexão para o presente trabalho) somente ao estudo da Usina Açucareira Ester S.A. (localizada no município de Cosmópolis, interior do estado de São Paulo, a trinta quilômetros da cidade de Campinas) e de seus respectivos cortadores de cana e funcionários. Desta forma, as conclusões aqui apresentadas têm como base o resultado de minha pesquisa específica, não podendo, portanto, serem generalizadas para todos os demais casos.