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ISBN 978-85-62480-96-6 versión impresa

Sem. de Saúde do Trabalhador de Franca Sep. 2010

 

SINDICATO, MOVIMENTOS SOCIAIS E SAÚDE DO TRABALHO

 

A orientação sexual e identidade na constituição dos movimentos sociais

 

 

Adriana Marques AidarI; Fabio Fraga dos SantosII; Jaqueline de Melo BarrosIII; Letícia Lucia Silva SantosIV; Maria Aura Marques AidarV,*

IMestre em Filosofia Contemporânea, Especialista em Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Uberlândia e Especialista em Direito Processual pela Universidade de Uberaba, Graduada em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia. Contato: adriana_aidar@yahoo.com
IIMestre em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná UFPR e Graduado em Ciências Sociais na Universidade Estadual de Londrina UEL. Atua como Professor convidado de Sociologia e Teoria Política no Curso de Serviço Social da UNIUBE. Contato: fabiofraga@hotmail.com
IIIAssistente Social graduada pela Universidade Federal Fluminense UFF/ RJ. Mestre em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUC/RJ. Docente do Curso de Serviço Social da Universidade de Uberaba. Contato: jaqueline.barros@uniube.br
IVAssistente Social graduada pela Universidade de Uberaba. Participante do Conselho Gestor e do Movimento de Adolescentes do Brasil desde 2000. Contato: leticia_mab@yahoo.com.br
VMestre em História Social, pela Universidade Federal de Uberlândia. Especialista em Docência Universitária, pela UNIUBE. Graduada em História, pela UNIUBE. Professora na UNIUBE, nos cursos de História, Serviço Social e Pedagogia. Contato: maria.aidar@uniube.br

 

 


RESUMO

Os movimentos sociais no Brasil têm-se demonstrado como um potente veículo de questionamento e deliberação, exigindo o reconhecimento de minorias, de melhorias substanciais em suas condições de vida, evidenciando, seu papel na política nacional e com isto se apresentam como um novo passo na democracia rumo à consolidação de práticas justas democráticas. Dessa maneira, o presente artigo propõe analisar os aspectos relacionados às estruturas dos movimentos sociais na sociedade brasileira, discutir o protagonismo dos movimentos sociais na constituição da democracia, da cidadania e dos direitos sociais e humanos no Brasil, identificando a questão da orientação sexual, da identidade e a subjetividade na constituição dos movimentos sociais.

Palavras-Chave: Democracia, Identidade, Participação, Movimentos Sociais, Orientação Sexual.


 

 

INTRODUÇÃO

Compreender o significado social dos movimentos sociais, inicialmente, significa situá-los como um conjunto de ações empreendidas por diferentes classes e categorias sociais nas lutas pela conquista de direitos, pela correção de injustiças sociais, contra formas de discriminação ou contra excessos e abusos de poder cometidos pelo Estado. Em virtude de sua essência mesma, o papel desses movimentos na constituição da democracia, da cidadania e na instituição de direitos humanos e sociais no Brasil, ou em qualquer outro país, é determinante.

Portanto, ao que concerne a este estudo, ser um protagonista significa ser aquele que possui a iniciativa de buscar soluções e alternativas para os inúmeros problemas existentes na atualidade. Para se ter uma sociedade verdadeiramente democrática, a participação de indivíduos e grupos sociais é absolutamente necessária.

Para a compreensão correta do que é o protagonismo, não se pode perder de vista quem são os envolvidos e como eles se expressam. Múltiplas são as causas defendidas por eles e várias são as formas em que as pessoas se agrupam e se articulam para ganhar espaço e visibilidade. Pode ser na forma de debates, participando do planejamento das cidades, da gestão dos recursos públicos e até da aplicação destes recursos em ações voltadas à segurança pública, por exemplo. Esses atores se projetam, então, como sujeitos políticos, portadores de direitos e deveres de toda ordem econômicos, sexuais, culturais, entre outros.

Além disso, também se deve ter em mente que ao longo do tempo, em virtude de mudanças de cenários políticos e econômicos, do surgimento de novos problemas e temas sociais, alterou-se significativamente o perfil do protagonista social. No Brasil, temos diversas manifestações desse protagonismo, tanto no campo urbano, quanto relativamente às questões rurais.

Ao se analisar o início dos anos dois mil, verifica-se que os temas urbanos ganharam nova visibilidade e força. Desemprego, aumento exponencial da violência, falta de moradia, questões ambientais e outros temas equivalentes voltaram ao centro dos debates e causaram o aumento de protestos e o reaparecimento dos atos de pressão dos movimentos sociais urbanos que, segundo Gohn (2005:12) "[...] haviam perdido visibilidade na grande mídia dos anos 90, dando a impressão de que os únicos sujeitos sociopolíticos que atuavam, de fato, como movimentos sociais, estavam no campo, no rural".

Segundo a autora, é verificada uma crise nos movimentos sociais urbanos nos primeiros anos da década de 1990, e havia quem acreditasse que o poder de pressão que os movimentos haviam adquirido na década anterior havia sido dissipado.

Essa brusca mudança na forma de se perceber a movimentação de grupos sociais é devida a motivos fortes. O Brasil vinha de um período de ditadura militar no qual as manifestações se davam essencialmente nas ruas. A partir do momento em que essas manifestações passam a ocorrer também no plano institucional, em canais de participação e representação política, deixam de aparecer, como antes, para o grande público e suas conquistas são incorporadas de forma mais silenciosa. Isso acontece em razão da necessidade de se implantar as conquistas obtidas por meio da nova Carta Constitucional.

Simultaneamente, o Estado foi implementando as tendências neoliberais que não demoraram a resultar em aumento no nível de desemprego, pobreza e violência, tanto na área urbana, quanto na área rural. Entretanto, como já se viu, essas alterações não foram suficientes para extinguir os movimentos sociais urbanos, mas modificaram profundamente suas estruturas e formas de atuação. Há o surgimento de uma profusão de novos atores sociais e novas formas de associação, inclusive no campo político, que se abre à possibilidade de conquistas de novas políticas públicas.

Logo, as alterações notadas na dinâmica social, causadas pelos recém-adquiridos direitos constitucionais, a volta das eleições diretas e, por outro lado, a implantação, cada vez mais efetiva, de políticas neoliberais pelo governo brasileiro, foram decisivas para as mudanças que os movimentos sociais urbanos sofreram. Há "[...] uma rearticulação, interna e externa, de seu papel na sociedade" e "as mudanças na conjuntura política levaram também à emergência, ou ao fortalecimento, de outros atores sociais relevantes na sociedade civil, tais como as ONGs e outras entidades do Terceiro Setor" (GOHN, 2005, p. 80).

 

O PROTAGONISMO DO MOVIMENTO LGBTT E SEUS IMPACTOS NO BRASIL

O Movimento LGBT ou LGBTTs (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros, sendo que o 's' refere-se aos simpatizantes) é definido como um movimento social que possui como características de estar "[...] assentado nos mesmos pressupostos emancipador e emancipatório, que agrega um sentido, uma qualidade nova, que aponta para uma nova correlação de força sociopolítica dos sujeitos envolvidos" (GOHN, 2005, p. 32). O Movimento Homossexual é inserido, segundo Conde (2004, p. 63), em um novo movimento social seguindo o modelo europeu de movimento que consiste em "[...] priorizar uma visão em que predominam aspectos políticos e culturais".

Por este motivo, o foco deste movimento é a busca de princípios como a defesa dos direitos dos sujeitos, a liberdade, a justiça e a igualdade, assim como o reconhecimento da diferença, pois, como se percebe, o movimento homossexual não possui como gênese a luta de classes e sim, a "redistribuição ou reconhecimento da diferença" (FRASER, 2001, apud CONDE, 2004).  Portanto, a emancipação se dá por meio da clareza dos objetivos dos quais o movimento busca, a visibilidade e a transparência de suas ações.

Os sujeitos que compõem este movimento, de acordo com Sader (1988) apud Conde (2004, p. 65)

[...] não se trata de sujeitos históricos privilegiados (como o proletariado, para a análise marxista), mas de "uma pluralidade de sujeitos, cujas identidades são resultado de suas interações em processos de reconhecimentos recíprocos, e cujas composições são mutáveis e intercambiáveis.

O Movimento LGBT possui como característica a luta pela efetivação de direitos dos quais os homossexuais são privados como, por exemplo, união estável, a criminalização dos preconceitos homofobia, possibilidade de adoção e pensão, dentre outros. O evento que possui maior visibilidade é a Parada do Orgulho Gay em que o projeto político busca a expansão de um posicionamento democrático e humanista pelos direitos dos homossexuais e contra os preconceitos enraizados ou arraigados na sociedade contemporânea (MONTEIRO, 2008).

Ressalta-se que o projeto político é "[...] dinâmico e histórico, altera-se permanentemente segundo a correlação de forças atuantes na sociedade, tanto civil quanto política, dada pelo campo de disputa existente permanentemente, em busca da criação de consensos, legitimidade, direção" (GOHN, 2005, p. 37). Devendo atender assim, as demandas emergentes de acordo com o processo sócio-histórico, além de atualizar-se com novas estratégias de mobilização e intervenção.

Destarte, segundo Gohn (2005, p. 40),

o dissenso é parte do jogo democrático, é constituído ao longo de um processo, por meio da interação entre grupos, movimentos, organizações, etc. gera um processo de saber (ou saberes). Por meio da sociabilidade que as relações sociais possibilitam, adquire-se um saber o qual poderá gerar um conhecimento emancipatório. Por ser fruto de forças de resistência que se opõem à ordem instituída, ou aos poderes hegemônicos estabelecidos, esse saber condensa proposições que apontam para uma outra situação, outras possibilidades de relações sociais.

Portanto, por meio das contradições existentes na sociedade, surgem grupos de resistência que trocam informações entre si, se unem em lutas e ideais a fim de ser fortalecerem para romper com a ideologia dominante que possui como característica a opressão e/ou exploração dos sujeitos. Assim, em sua luta política contra esta ideologia hegemônica, busca a transformação social, a efetivação da identidade política das minorias sociais e a justiça social. Touraine (1998) apud Conde (2004, p. 63) afirma que:

A noção de movimento social só é útil se permitir pôr em evidência a existência dum tipo muito particular de ação coletiva, aquele tipo pelo qual uma categoria social, sempre particular, questiona uma forma de dominação social, simultaneamente particular e geral, invocando contra ela valores e orientações gerais da sociedade, que ela partilha com seu adversário, para privar este de legitimidade.

Retomando Gohn (2005), as intervenções para romper com este conservadorismo devem ocorrer em duas principais fontes: uma na sociedade civil, lócus de manifestações, como a Parada do Orgulho Gay, em que se torna possível a co-relação das particularidades envolvidas e, a segunda, na sociedade política que por meio de políticas públicas criam-se oportunidades de discussão sobre as diferenças. Sendo assim, por meio do diálogo, se torna possível buscar consensos e parcerias possibilitando a criação de soluções que unam os antagonismos existentes na sociedade contemplando a diversidade e a pluralidade, fazendo com que as diferenças possam co-existir sem inferiorizar alguma em detrimento de outra.

Segundo produções teóricas, a origem ou a publicização da homossexualidade ocorreu a partir do século XVIII, mas sendo reconhecida como identidade política apenas no século XX, podendo ser associada com a diversidade das relações sociais ocasionadas à migração do espaço rural para o urbano, à marginalidade e à patologia que atribuiu significados aos segmentos sociais e culturais da sociedade.

Em 1897 foi fundado em Berlim o Comitê Científico Humanitário que tinha como objetivo motivar os homossexuais a lutarem pelos seus direitos. Este Comitê foi implantado por Margus Herschefils (1868-1930), travesti que reuniu documentações incluindo 20.000 livros e 35.000 fotografias de apoio a sua pesquisa.  O material resultante desta pesquisa foi destruído por Hitler e pela polícia nazista em 1919. Por volta de 1885 surge a sociedade homossexual secreta que "exigiam justiça para todos os tipos de pessoas que são ameaçadas e oprimidas, sejam por indivíduos, por multidão, ou pelas leis" (CUNHA, 2007, p. 23).

Segundo análises realizadas por Cunha (2007) criou-se em julho de 1914 a Sociedade Britânica a fim de estudar a psicologia sexual visando adotar uma atitude racional e humana frente aos "problemas" da sexualidade, unindo a questão da mulher e a reforma sexual nesta luta.

Neste sentido, fora devido aos estereótipos da época, muitos optavam por não se rotular como homossexuais ou ativistas devido ao preconceito que desencadearia. Concomitante a este processo, surge à visão de uma "nova mulher" que rejeitava o patriarcado; a visão de zeladora do lar e cuidadora dos filhos. A sociedade considerava estas mulheres perigosas, pois seus comportamentos iriam ameaçar a ordem e os valores hegemônicos na sociedade.

Com a Segunda Guerra Mundial, por volta da década de 1940, os homossexuais foram fortemente perseguidos pelos nazistas na Alemanha sendo classificados pelo exército e pela marinha norte-americana como um estado psicopatológico e os homossexuais seriam psicopatas sexuais. Entretanto, a guerra também possibilitou a troca de experiências entre os homossexuais, trocando informações descobrindo que não estavam sozinhos, articulando e criando uma identidade homossexual (FRANCO, 2009).

Ainda segundo o autor, na Europa, entre as décadas de 1950 e 1960, havia legislações que, enraizadas pela heteronormatividade, não aparavam gays e lésbicas; devendo-se considerar ainda que este foi um período marcado por intolerâncias, atitudes opressoras, o que ficou conhecido como o período de "caça às bruxas", pois a ausência de critérios fez com que a perseguição aos comunistas se estendesse também aos homossexuais.

O início da luta dos homossexuais por direitos civis e liberdade individual, assim como o Movimento LGBTT tem a sua origem nos anos de 1960, com Movimento Hippie que aumentou a discussão política e cultural com a máxima: "faça amor, não faça guerra" contribuindo para que a sociedade acreditasse que a ordem social vigente estava cessando e que uma nova ordem, sem preconceitos e mais igualitária estaria surgindo (CONDE, 2004).

A repressão sofrida nas últimas décadas desencadeou um movimento que teve início no dia 28 de Junho de 1969, no Bar Stonewall Inn em Nova York. A partir daí, o orgulho de ser Gay e a identidade de um grupo que a partir de então teria voz e representatividade.

Isso ocorreu como forma de enfrentamento a atitude repressiva da polícia de Nova York, a qual fazia "batidas" policiais com o intuito de extorquir os freqüentadores de um determinado bar, que na sua maioria eram homossexuais. Realizavam-se revistas não-autorizadas, efetuavam-se prisões sem critérios ou acusações.

Consequentemente a este abuso de poder, 400 pessoas que freqüentavam este bar resolveram enfrentar a polícia com pedras e socos; fazendo com que esta notícia se espalhasse rapidamente pelos Estados Unidos. Devido à grande cobertura da imprensa sobre este evento que durou cinco dias, o número de pessoas que lutavam contra abusos como este aumentou.

A conseqüência dessa rebelião foi que muitos gays, lésbicas e travestis resolveram se unir a fim de lutar contra a discriminação sexual e pelos direitos civis e sociais iguais. A partir de então, foi organizado no ano seguinte a primeira passeata gay tendo cinco mil participantes e o dia '28 de Junho' passou a ser considerado o 'Dia Mundial do Orgulho LGBTT'.

Segundo, Conde (2004) em 1970 cria-se a Frente de Libertação Gay em Londres, inspirada no Movimento que acontecia em Nova York e que tinha como principal objetivo que os gays se libertassem e tivessem orgulho de si mesmos, pois somente assim, poderiam iniciar um diálogo com suas famílias e com a sociedade.

A principal pressão deste grupo se deu contra o entendimento, inclusive presente nas universidades de medicina, que o "homossexualismo" fosse uma patologia. Dessa forma, o movimento lutou para que o termo fosse retirado da lista de doenças patológicas argumentando que o amor entre pessoas de mesmo sexo é natural e sadia.

Porém, em 1980 surge a SIDA1 sendo considerada a "doença dos gays" e fazendo com que a sociedade se tornasse mais homofóbica tornando a homossexualidade ilegal em 74 dos 202 países do mundo (ROCHE, 2010).

No Brasil, o Movimento LGBTT começou a se articular na década de 80 com aproximadamente 140 grupos ativistas espalhados pelo país buscando o reconhecimento de suas identidades. A Parada do Orgulho LGBTT é a maior manifestação da representatividade homossexual. A primeira Parada no Brasil aconteceu na cidade de São Paulo em 1997 com a participação de duas mil pessoas (CUNHA, 2007).

Deve-se lembrar que as lésbicas, gays e transexuais exigem a igualdade legal e buscam ter garantias contra atos discriminatórios e homofóbicos, entretanto, não há tratados de direitos humanos internacionais que reconheçam  explicitamente os direitos homossexuais.

O Movimento LGBTT se espalhou pelo mundo e chegou ao Brasil por volta da década de 1960, sem uma proposta política definida; visava apenas promover a socialização entre os homossexuais masculinos, uma vez que a presença de homossexuais do sexo feminino era ínfima e não havia visibilidade.

No final dos anos 1970 surge o Movimento Homossexual Brasileiro (MHB) iniciando um processo de politização da homossexualidade no Brasil. Em 1979 o grupo SOMOS (Grupo de Afirmação Homossexual) oriundo do MHB é criado.

Realizando debates sobre minorias que era realizado eventualmente na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. [...] Possibilitando agregar novos adeptos à luta e discussão de seus direitos, inclusive mulheres lésbicas que, em conseqüência da incompatibilidade das políticas de gênero, não permaneceram vinculadas ao MHB em sua fase inicial (FRANCO, 2009. p. 64).

Inicialmente, o Movimento era predominantemente composto pelo gênero masculino, entretanto, com a ampliação dos debates, grupos exclusivamente lésbicos, aderiram ao movimento alterando o nome do "Encontro Brasileiro de Homossexuais" para "Encontro Brasileiro de Lésbicas e Homossexuais" na sua sétima edição em 1993.

Desde a década de 1960 o Movimento LGBTT passa por modificações quanto à nomenclatura designada aos homossexuais femininos e masculinos, e também à própria sigla do Movimento. Inicialmente dois termos eram utilizados para nomear homossexuais,

[...] o termo "entendido (a)" que segundo Peter Fry e Edward MacRae (1985) consistiam numa adequação "tupiniquim" do termo "gay" que predomina nos movimentos dos Estados Unidos. O termo gay significa "alegre" e pode também ser encontrado determinando a homossexualidade feminina. Ambos os termos surgiram com o intuito de romper com os estereótipos do homem-efeminado e da mulher-macho, a fim de determinar pessoas que se relacionavam afetiva e sexualmente com outras do mesmo gênero sem que necessariamente estivessem aprisionados aos trejeitos "bicha", do "viado", e da "sapatão" (FRANCO, 2009. p. 64).

Com a exceção do Grupo Gay da Bahia (GGB), os homossexuais brasileiros não aceitaram os termos "gay" e "entendido". Apenas em 1995 esta nomenclatura foi aceita no "VIII Encontro Brasileiro de Gays e Lésbicas" que aconteceu simultaneamente com o "I Encontro Brasileiro de Gays e Lésbicas que Trabalham com AIDS", sendo este, o primeiro evento que contou com o patrocínio do Ministério da Saúde. Nesta data, o Movimento passa a ter como sigla MGL: Movimento de Gays e Lésbicas.

Com a participação do Ministério da Saúde, o evento tinha como eixos de discussão a religiosidade, transexualidade e a possibilidade de articulação com o movimento internacional. Outro fator relevante foi a participação e inclusão da categoria "travestis" na sigla do movimento e na militância homossexual (FRANCO, 2009).

Em meados da década de 1990 surge a sigla GLS Gays, Lésbicas e Simpatizantes relacionando a ideologia, o Movimento e o mercado econômico. Inicia-se a comercialização de produtos direcionados ao público GLS e festivais como o Festival Mix Brasil da Diversidade Sexual; festival de cinema, entre outros.

Com o intuito de popularizar a sigla, utilizou-se a idéia norte-americana de "gay friendly", ou seja, o gay amigável associando a sigla do movimento com a sigla que qualifica modelos de carro de luxo GL (Gran Luxo) e GLS (Gran Luxo Super) que foi bem aceita e fortemente difundida pela população de classe média do Brasil.

A crítica realizada por (FRANCO, 2009) está ligada com a questão da visibilidade inclusive observado na sigla dos gays, das lésbicas e das travestis no Movimento. Grande parte dos participantes optava pela denominação de "simpatizante" a fim de evitar ações discriminatórias e preconceituosas. Estes participantes eram vistos como "suspeitos (as) ou enrustidos (as)", descaracterizando a questão política do movimento e causando segregações entre os mesmos.

Outro termo utilizado na contemporaneidade é HSH, ou seja, Homens que fazem Sexo com Homens. Sendo mais utilizado por agências estatais, principalmente nos segmentos relacionados à saúde. "[...] a sigla HSH pode restringir as vivências da homossexualidade simplesmente à prática de um ato sexual, descartando as possibilidades afetivas presentes e condutoras de parte representativa dessas manifestações" (FRANCO, 2009, p. 66).

Em 1998 houve a padronização da sigla do movimento homossexual brasileiro com o internacional passando a ser GLBT que se corresponde a Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros. Deve-se ainda considerar que a nomenclatura "Transgêneros" representa duas categorias: travestis e transexuais.

Assim, GLS, HSH, a proposta de "visibilidade massiva", bem como, embora de outro modo, o uso de termos como "homoerótico" ou "transgênero", por parte dos grupos homossexuais, e a especificação de categorias como lésbica, travestis e transexuais podem ser compreendidas como escolhas, feitas a partir de um leque de possibilidades que, com o incentivo da globalização e da grande circulação de informações, passam a trazer referências criadas em outros contextos culturais ou no âmbito de iniciativas de outra natureza, como a academia. Essa apropriação de categorias classificatórias e estilos de vida, como já foi referido, não se dá por mera difusão/transposição. Há um processo de re-significação e um contexto político-cultural local que permitem a demanda por novas categorias ou estilos e que influenciam a apropriação de determinada categoria ou estilo e não de outra (FACHINI apud FRANCO, 2009, p. 66).

Em 2008 houve a última mudança da sigla do Movimento na "1ª Conferência Nacional de Política Pública para GLBT". A alteração foi de GLBT para LGBT seguindo o modelo internacional com a finalidade de dar maior visibilidade à identidade lésbica para que se possa reparar e/ou reconhecer o processo sócio-histórico de invisibilidade ao qual foram submetidas.

Este processo sócio-histórico remete-se a necessidade de estudos específicos sobre o lesbianismo devido a sua particularidade. Para muitos autores, os materiais bibliográficos sobre homossexuais masculinos são escassos e sobre as homossexuais femininas são raros, devido a esta invisibilidade histórica, social e cultural.

Em muitos casos, no século XIX, existiam relações afetivo-sexuais entre mulheres, assim como um casamento "tradicional". Isso era aceito, pois havia uma condição parecida com a relação heteroparental, ou seja, uma das mulheres assumiam a posição de sujeito ativo masculino, assumindo a identidade de gênero masculina enquanto a outra se relacionava como mulher passiva, submissa e feminina, assemelhando-se aos casais heterossexuais.

O lesbianismo é socialmente negado como uma prática humana, sendo as lésbicas consideradas uma caricatura masculina ou a representação da mulher frustrada, desprovida de beleza e feminilidade que, supostamente, por não atrair os homens, opta pela companhia de outra mulher (SWAIN apud FRANCO, 2009, p. 69).

As mulheres lésbicas possuem ainda uma privação anterior; não pertencem ao gênero feminino. Na década de 1970 ocorreu a afinidade do movimento lésbico com o movimento feminista, que inicialmente não foi aceito. A justificativa para tal recusa seria de que o fato de terem mulheres homossexuais no movimento poderia comprometer a imagem das feministas heterossexuais.

Assim, mais tarde, as homossexuais femininas foram inseridas tanto no movimento feminista como no movimento LGBTT. Entretanto, a pouca visibilidade ainda hoje, é um obstáculo para o reconhecimento de seus direitos.

A grande questão do Movimento Homossexual no Brasil não é a nomenclatura ou a ordem das letras na sigla e sim a luta ideológica e política a fim de ter os direitos sociais e civis reconhecidos e o fim do preconceito. Uma vez que se os homossexuais se reconhecerem como seres humanos e enquanto tais se reconhecerem ontologicamente, criam-se uma identidade para a busca de acesso a bens e serviços de qualidade sem passar por qualquer privação devido a sua orientação sexual.        

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A questão da orientação sexual e da identidade na constituição dos movimentos sociais leva a necessidade de  se enfatizar a questão da diferença. Afinal, a luta pela aceitação das diferenças é uma das características dos diversos movimentos sociais, como aqueles fundados em questões de gênero, étnico-raciais ou de orientação sexual.

A dificuldade em aceitar a diferença não é um problema que se verifica apenas em sociedades ocidentais. Entretanto, o problema se torna mais nítido quando é visto sob a ótica das democracias liberais. Isso acontece porque o respeito à diferença é um dos pilares constitucionais dessas democracias, ou seja, a defesa da igualdade cívica é fundamento de sua legitimidade.

A noção de diferença passa a ser bastante valorizada depois da segunda guerra mundial. O genocídio de judeus, bem como o assassinato de milhares de pessoas pertencentes às chamadas minorias étnicas, em prol da pureza da raça ariana buscada por Hitler e seus seguidores, mostrou ao mundo os horrores que poderiam ser cometidos na tentativa de se homogeneizar a diferença.

Ganhando cada vez mais terreno, a discussão acerca da valorização das diferenças, atingiu tanto o campo político quanto o científico, e hoje é questão marcante no ocidente. Tem-se buscado demonstrar que a condição humana e toda a sua evolução não seriam possíveis sem que houvesse a mistura, a combinação de inúmeras características na formação de seres cada vez mais singulares.

O indivíduo em sua luta por reconhecimento desenvolve a percepção de sua própria identidade e a do outro. Esse processo acontece subjetivamente, visto que cada sujeito apreenderá estes sentimentos de forma individual e intrinsecamente particular, o que não significa, entretanto, que esta individualidade o afaste da idéia de pertencimento a determinado grupo ou grupos sociais, ou que o impeça de criar laços dentro de diferentes comunidades.

Estes grupos não são definíveis, como se pode pensar, em bases meramente étnicas, como demonstram homossexuais, organizações de indivíduos portadores de deficiências físicas, ou grupos de orientação religiosa. Vê-se, então, que a formação do coletivo está diretamente ligada aos processos de interação das subjetividades individuais e dos grupos, formando, assim, as identidades e interesses que serão compartilhados, as práticas sociais instituídas, estratégias de ação e as culturas, símbolos e imagens combinados em dado contexto social.

Sabe-se, no entanto, que há grande dificuldade por parte das instituições políticas e sociais para lidar com as situações geradas pela aceitação da diferença. Pessoas e grupos sociais buscam liberdade dentro dos espaços públicos para que possam coexistir em harmonia vivenciando a diversidade de forma real.

É justamente na ausência das condições necessárias a essa convivência que surgem as várias formas de exclusão social, seja estabelecendo diferenciações de gênero, raça, classe ou orientação sexual. Observando a história ocidental, pode se verificar que formas de exclusão social já operavam desde a Grécia Antiga, onde escravos, estrangeiros e mulheres não possuíam os mesmos direitos que eram garantidos aos que eram proclamados cidadãos.

Desde então, diversas foram as lutas empreendidas em busca do reconhecimento da contribuição das mulheres para a história, da modificação das relações estabelecidas entre os sexos, entre as raças, ou por relações paritárias nos setores profissionais e pessoais, por exemplo.

Movimentos organizados conseguiram valiosas conquistas que vieram assegurar um maior respeito às suas identidades (especificidades de cada cultura, pertencimento a comunidades específicas e diferenças de desejos). E é importante ressaltar que, atualmente, algumas dessas reivindicações ultrapassam as fronteiras de um único movimento e passam a fazer parte da agenda de outros grupos, reforçando sua relevância para a sociedade, mas nem sempre foi assim, como demonstrado.

O papel dos movimentos é justamente garantir que novos objetivos sejam alcançados, que os debates em torno de temas importantes não cessem. Para isso, podem assumir novas formas nos espaços sociais, ampliando sua visibilidade e buscando a instituição de uma igualdade real e a universalização do acesso ao espaço público.

Segundo Gohn (1999) existe um novo projeto civilizatório e emancipatório que envolve os movimentos sociais, e que tem como horizonte uma sociedade democrática sem injustiças sociais.  É perceptível que o processo de democratização é atravessado pelo desempenho dos movimentos sociais, uma vez que a própria redefinição da democracia emergiu de tal luta. 

De acordo com Gohn (1999), a participação político-social é um processo que exibe sentido e significado a um movimento social, desenvolvendo uma consciência crítica e gerando uma nova cultura política. 

Para Dagnino (2000)

[...] práticas políticas recentes inspiradas pela nova cidadania, tais como as que surgem nas cidades governadas pelo Partido dos Trabalhadores/Frentes Populares, onde os setores populares e suas organizações abriram espaço para o controle democrático do Estado mediante a participação efetiva dos cidadãos no poder, ajudam a visualizar possibilidades futuras (DAGNINO, 2000: 87).

Sendo assim, lutar por um projeto político e não se limita a um conjunto de interesses particulares de um grupo, organização ou movimento, mas respeitar essa diversidade é lutar por uma estrutura democrática. Necessário para ser democrático é incorporar a visão do outro e do universal. 

Torna-se fundamental a articulação com outras categorias de profissionais a fim de ampliar a luta dos direitos que almejam uma mudança social substancial. Este é o processo de mobilização e de conscientização sobre a relevância do seu papel diante da luta dos movimentos sociais e na transformação da sociedade. Portanto, é necessário fomentar uma cultura profissional sem submissão às elites dominantes, que constitui a essência do compromisso com a luta geral dos trabalhadores e subalternos do sistema capitalista.

É necessário evidenciar que este processo de luta e construção dos direitos sociais (principalmente a partir da Constituição de 1988) resultou em instrumentos de defesa sociais como Estatuto da Criança e do Adolescente, ECA, Lei Orgânica da Assistência Social, LOAS, dentre outras formas de defesa social. Esses instrumentos são essenciais na luta por novos direitos, pelos movimentos sociais de mulheres, sem-terra, sem-teto, negros, índios, portadores de deficiência etc.

[...] o recente processo de reconstituição da democracia brasileira sobretudo a partir da Constituição de 1988 , que implicou na afirmação da cidadania dos brasileiros e, inclusive, na redefinição de alguns aspectos programáticos das políticas sociais, tornou possível a expansão do reconhecimento e de garantia de direitos de certas categorias de cidadãos brasileiros (GENTILLI ,1998:186).

Sob esta ótica, o destaque dos movimentos sociais na conjuntura atual no Brasil, aponta a ação das classes oprimidas e desprivilegiadas dentro do sistema político-econômico-social, as quais sempre foram estabelecidas de forma clientelista, na carência de favores das classes dominantes. No entanto, têm-se observado esses movimentos como a possibilidade de participação democrática e popular e, ainda, como um canal capaz de expressar suas demandas na esfera pública, o que se traduz sem dúvida em um movimento comunicativo e transformador.

Os movimentos sociais no Brasil têm-se demonstrado como um potente veículo de questionamento e deliberação de problemas sociais e exigem cada vez mais, o reconhecimento de minorias, de melhorias substanciais em suas condições de vida. Os movimentos sociais estão evidenciando, substancialmente, seu papel na política nacional e isso se apresenta como um novo e enorme passo na democracia rumo à consolidação de práticas justas democráticas.

Também se estabelecem como alternativa para o desenvolvimento social e político do país, redefinindo o papel da democracia e do Estado Democrático de Direito. Dessa maneira, a articulação entre os movimentos sociais apresenta-se como uma maneira de exercício constante na luta por cidadania, pela participação das decisões políticas, pelo processo de educação contínua do conhecimento de direitos e deveres na sociedade.

 

Referências

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* Instituição: Universidade de Uberaba, localizada na Avenida Nenê Sabino, 1801 - Bairro Universitário, Campus Aeroporto - Bloco A /3º andar.  Telefone: (34) 33198735 / (34) 9194-8919 / (34) 88070734

 

 

1 A SIDA ou AIDS é uma doença ocasionada pelo Vírus da Imunodeficiência Humana, conhecido como HIV. A transmissão se dá por três formas: relações sexuais, de mãe para filho durante a gravidez, parto ou amamentação e, por fim, por meio do contato com sangue infectado. Este vírus ataca o sistema imunológico da pessoa, tornando-a infectada, ou soropositiva. Consequentemente, o sujeito se torna debilitado e sensível as doenças oportunistas, surgindo assim, doenças mais graves que podem ocasionar o óbito. Esta doença ainda não possui tratamento  (ROCHE, 2010).