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ISBN 978-85-62480-96-6 versão impressa

Sem. de Saúde do Trabalhador de Franca Set. 2010

 

SINDICATO, MOVIMENTOS SOCIAIS E SAÚDE DO TRABALHO

 

Trabalho operário: representações sobre passado e presente

 

 

Maria Esther Fernandes

Socióloga. Livre-docente aposentada pela UNESP, Campus de Franca-SP. Docente dos Cursos de Graduação e Pós-graduação do Centro Universitário Uni-FACEF Franca SP

 

 


RESUMO

Este texto aborda o  trabalho  operário,  ao  longo  de seu processo de transformação, por meio dos relatos de quem vivenciou esse processo. A pesquisa bibliográfica revelou a escassez de estudos que tenham como objeto a memória do trabalho. No caso específico, a inexistência de um estudo sobre a memória do trabalho operário no maior polo calçadista do país. Acrescente-se o fato da indústria de calçados de Franca-SP, ocupar lugar de relevância não apenas no mercado interno, como também no internacional. Daí a proposta de se tomar como matéria prima a fala dos operários.

Palavras-chave: trabalho operário; memória; indústria calçadista; Franca.


 

 

INTRODUÇÃO

De início, é preciso ressaltar que este texto é o produto de uma pesquisa de campo cuja coleta de dados foi realizada de setembro a dezembro de 2004 com o operariado da indústria de calçados de Franca SP, tendo como objetivos o resgate das mudanças ocorridas no processo de trabalho na fábrica, ao longo dos anos, e o resgate da memória do trabalho no contexto da vida desses operários.

Trata-se de uma pesquisa predominantemente qualitativa, cuja técnica fundamental utilizada para a coleta de dados foi a entrevista semi-dirigida com utilização do gravador. Sendo assim, não houve preocupação com a extensão da amostra. Fizeram parte do universo da pesquisa trabalhadores idosos (aposentados ou não) e não idosos da indústria de calçados de Franca-SP.

A inclusão de operários que se encontram na ativa decorre do interesse em se apreender o movimento de reatualização do processo do trabalho. Assim, o resgate do processo de trabalho cobriu dois momentos: a fase de predomínio do modo manufatureiro de produção, com relações de produção características desse período, e a fase do neoliberalismo, em que a existência de um imenso exército industrial de reserva, aliada à alta taxa de desemprego estrutural (o não-trabalho) e de baixos níveis salariais, descortina um novo panorama do processo e das relações de trabalho.

Compondo o contingente do universo da   pesquisa,   uma parcela é formada por antigos trabalhadores rurais e outra por trabalhadores que sempre residiram na cidade, uns e outros marcados por uma existência que os segregou enquanto classe social, dobrados ao ritmo da máquina e sobre a matéria que são obrigados a transformar.

Ao trabalhar com eles, foi possível não apenas concretizar um dos objetivos desta pesquisa, resgatar a memória do trabalho no contexto da vida dos operários entrevistados, mas, também, oferecer uma contribuição aos arquivos vivos da memória1.

As entrevistas na indústria foram realizadas na HB - H. Bettarello Curtidora e Calçados Ltda. (Agabê), uma das mais antigas do setor, fundada em 1945, em Franca. Empresa de grande porte, contava, na época da realização da pesquisa, com 880 funcionários, sendo 790 na área de produção.

O primeiro contato com a empresa foi estabelecido com o seu diretor, Sr. Miguel Heitor Bettarello. Na ocasião, foram expostos a ele os objetivos da pesquisa, ao mesmo tempo em que foi solicitada permissão para entrevistas com os operários.

Por sugestão do Sr. Miguel, na semana seguinte foi entrevistada a responsável pelo setor de Recursos Humanos da empresa, Sra. Sandra Richel Silva, funcionária que trabalha na Agabê há vinte e seis anos. Após fornecer alguns dados sobre o funcionamento da empresa, colocou à disposição uma sala na qual são ministrados os cursos de treinamento aos funcionários. Ali, foram realizadas as primeiras entrevistas que não poderiam ser longas, uma vez que o operário era retirado do seu setor para ser entrevistado. Ao todo, foram realizadas dezessete entrevistas com homens e mulheres que trabalham em diferentes setores: corte, acabamento, pesponto, esteira e expedição.

Foram entrevistados, também, o então assessor de imprensa do Sindicato das Indústrias de Calçados, Sr. Antônio Carlos Coutinho (segundo ele, "como o sapato ainda tem operações manuais, possibilita a presença de mão-de-obra não qualificada; esse facilitador funciona como amortecedor de tensão social") e o diretor do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Calçados, Sr. Eugênio Antônio Alves.

O Sindicato dos Trabalhadores funciona num imóvel no centro da cidade, com instalações muito simples.  Logo na entrada há uma placa indicando a data de sua fundação: 23/11/41.

Além de obter algumas informações a respeito do funcionamento do Sindicato, percebi que o recinto destinado à sala de espera seria um local propício a entrevistas, pois ali, enquanto aguardavam o momento para serem atendidas, as pessoas estariam mais livres para conversar. Retornei ao local algumas manhãs e tardes para colher alguns dados.

Entre a documentação existente no Sindicato, foi localizado um estudo realizado por uma equipe do Ministério do Trabalho Fundacentro (Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho), de setembro/91, estudo que teve como um dos objetivos analisar as condições de trabalho no setor de artefatos de couro, principalmente no calçadista, em atividades que envolvam a manipulação de colas que contém hexano. O estudo revela que, via de regra, as operações de colagem são executadas próximas a outras operações, o que redunda numa espécie de "socialização" de exposição a diversos produtos químicos.

Também, por meio do Sindicato dos Trabalhadores, tomou-se conhecimento da existência da Associação dos Aposentados e, por essa via, foi localizado o Sr. Nelson Fanan, de setenta e três anos, quarenta anos trabalhando como operário em indústrias de calçados, que se revelou uma fonte riquíssima de dados, não só em função de memória privilegiada como, também, por ser um excelente narrador. Expostos os objetivos da pesquisa, ele forneceu outros nomes de "informantes válidos"2: Sebastião Batarra, João de Souza Lino e Osni Stort.

O Sr. Nelson tem um passado de lutas pela causa operária e até hoje, aos setenta e três anos, participa de mobilizações da classe, distribuindo panfletos nas portas das fábricas. Em plena época da ditadura militar, participou da formação da Pastoral Operária, quando um grupo de quatro a cinco pessoas se reunia "numa salinha no fundo da igreja São Benedito", sob a coordenação do padre Juca, onde era feita a leitura de livros e documentos, como o de Puebla e discutidos temas ligados à repressão, torturas, abertura e liberdade. "Nós formamos um grupo até meio forte e levava muito boletim dentro da fábrica. Eu levava e deixava n banheiro, alertando um e outro".

 

O QUE REVELA A COLETA DOS DADOS

Acreditamos que os depoimentos operários, ainda que imbuídos de representações e valores característicos de todo discurso ideológico, constituem a maneira mais adequada de obtermos as informações desejadas sobre as formas reais e concretas do processo de trabalho, na medida em que são os trabalhadores os agentes diretos das operações técnicas e o controle de suas atividades é um objetivo fundamental da organização social da produção (PEREIRA, 1979, p. 30).

Olha, pra ser sincero, eu acho que a esteira é uma espécie de escravidão branca, entendeu? Porque exige muito do funcionário. Se o funcionário for meio fraco, assim, não serve para trabalhar, porque se não der conta daquela operação, ele não pode ficar. Não é igual antes, né, lá na carreta, tinha tempo. Hoje é tudo cronometrado (João de Souza Lino 74 anos, operário aposentado).

Não fosse a memória privilegiada dos mais velhos, guardiões do passado, "fonte de onde jorra a essência da cultura, ponte onde o passado se conserva e o presente se prepara" (Bosi, 1979, p. XVIII), teria sido difícil, até mesmo impossível, a recuperação da fase manufatureira do trabalho operário.

Na fala dos operários aposentados, é possível perceber não somente a evolução do processo de trabalho, ao longo do tempo, como também as relações patrão-operário, os antigos critérios para escolha do chefe de seção, as relações entre os colegas de trabalho. Entremeando os depoimentos sobre o trabalho, surgem peculiaridades como a intoxicação de operários por chumbo (saturnismo), em função da prática de colocar as tachas na boca, e o que é relevante dados sobre o lazer de outrora, como o cinema e suas matinês, o pequeno comércio da época, representado pela "venda", a paisagem de Franca nos tempos de antanho.

Um dos entrevistados, Sr. Nelson Fanan, inicia sua narração relembrando os tempos da infância, quando ter uma profissão era mais importante do que a escolarização.

[...] Eu, antes de trabalhar na farmácia, eu vendia alface. Era menino, minha mãe tinha uma plantação de alface, pegava a cesta, saía e ia vender alface. Depois minha avó falou pra mim: "Você precisa aprender alguma coisa, uma profissão". Porque primeiro era melhor você ter uma profissão em qualquer coisa do que estudo. Era o mais importante. Todo mundo falava, se não tivesse profissão não adianta só estudar.

Iniciou o trabalho na farmácia aos dez anos com dois farmacêuticos "dois irmãos muito bons, me ensinaram de tudo". Lá, ocupava-se com a tarefa de lavagem dos vidros "na farmácia a gente lavava vidro porque não tinha vidro de fábrica [...]  um punhado de vidro de todo o tamanho, lavava, lavava com soda, enxugava direitinho". Como na farmácia não houvesse horário limitado de trabalho, que se estendia até às 9:00 da noite, "trabalhava de domingo a domingo, não tinha Natal, dia de Ano, não tinha feriado" e aspirasse a horas de folga para ir às matinês e se ocupar das brincadeiras, surgiu o desejo de trabalho na fábrica onde havia horário determinado "oito horas por dia, de segunda a sábado". Em sua fala transparece, claramente, o desejo de se tornar "sapateiro" e os dados de sua passagem por dezesseis fábricas onde trabalhou durante quarenta anos como operário, vivenciando experiências de várias ordens.

Outro aposentado, Sr. João de Souza Lino, fornece sua versão sobre a época em que a manufatura de calçado era predominantemente manual (1948) e o funcionário se iniciava na fábrica como aprendiz, executando as tarefas mais rústicas e simples, assumindo, aos poucos, funções mais especializadas que exigiam, ao mesmo tempo, perícia e zelo em seu desempenho.

Então, ele passa a detalhar todas as fases da confecção, desde o corte, a preparação (onde é feita a colagem, a dobra, o pesponto), a montagem, onde o montador "enchia a boca de tachinha" e ia formatando o sapato para ser costurado; depois, colocava-se o tacão "o tacão é o salto do sapato, feito com retalho da sola, entendeu?". Finalmente, eram frizados a sola e o salto, lixados "tudo na lixa, lixado na mão". Então, retirava-se o sapato da forma e rebatiam-se os pregos que ficavam "porque não existiam as máquinas que existem hoje; sapato era feito na base do prego [...]. Hoje não existe mais prego em sapato, hoje o sapato já sai praticamente pronto".

Pode-se verificar, pelos depoimentos, que a confecção de um calçado exigia perfeita sintonia entre os setores e as funções que cabia a cada um executar. Para traçar o molde, o modelista se utilizava do papel vegetal, bastante resistente - "parecia um pano" e do pantógrafo. Forrava a forma com aquele papel, desenhava o sapato, descolava a peça da forma e passava para o papelão. A seguir, colocava-a sobre o couro e "corria a faca em volta do modelo". Finalizando essa etapa, o cortador cortava uma peça de amostra, o pespontador fazia sua parte e encaminhava ao montador para ser testada. "O montador era a chave, o centro do sapato; até o modelista dependia do montador. Era ele quem verificava se o ponto do corte estava certo, se tinha que dar um aumento no ponto porque não cabia na forma, ou se ficou largo".

Paralelamente à descrição detalhada  do  processo  de  fabricação do calçado e das condições de trabalho na época, surgem referências às relações patrão-empregado, à amizade com os colegas que tornava o ambiente de trabalho um local agradável, aos critérios para a escolha do chefe de seção.

Segundo os depoimentos, naquele tempo não existia subchefe, apenas o chefe de seção que respondia pela produção, pela qualidade, pela disciplina, pela parte técnica do sapato. Os chefes eram formados dentro da própria fábrica, eram designados para a função os que mais se destacavam e, além de preencher os requisitos técnicos para o desempenho da função, deveriam saber lidar com o humano.

Atualmente, como decorrência da expansão da indústria que se burocratizou e passou a exigir ampliação de funções e de setores, a realidade é outra. Conseqüentemente, o patrão vai se distanciando do interior da fábrica e as relações com os funcionários vão se tornando mais frias, formais, categóricas.

Uma das questões que se coloca para os propósitos desta pesquisa é que, constituindo o trabalho elemento central e determinante da vida do sujeito, simultaneamente definidor de sua identidade social e locus de embates de contradições diversas (espaço onde se dá a percepção contraditória do trabalhador com sujeito e como objeto) e também de encontro e solidariedade entre colegas, o resgate de sua memória abre um leque onde se descortinam uma pluralidade de temas para investigação.

A própria metodologia adotada permitiu situar o objeto no interior do concreto, ou seja, no contexto de suas vidas, surgindo daí questões de variado teor.

Assim, com base nos relatos dos mais  velhos, nota-se a recuperação não apenas do trabalho operário mas, também, da fisionomia da cidade no passado, dos antigos bairros:

Naquela época as fábricas eram mais dentro da cidade. Era menor, tinha menos movimento, você podia andar de bicicleta, dava até para ir a pé porque as fábricas eram mais perto. Dava tempo de você ir e voltar. Não tinha muito bairro, igual tem hoje não, os mais antigos era: Boa Vista, é, uns falavam Ponte Preta, Capelinha pra aqueles lados, né, Vila Nova. Mas é, não tinha muito bairro, como tem hoje. O Miramontes era bem distante daqui, e hoje já emendou. (...):Olha, o Miramontes,  eu conheço desde menino. E com oito anos, dez anos, já existia o Miramontes, o Boa Vista. Só não tinha asfalto, ônibus e luz.

Surgem referências ao lazer da época, como o circo com os espetáculos de teatro, os grupos de violeiros que vinham de fora, as matinês de domingo com seus seriados, onde não se ia com qualquer roupa. "Pra ir na matinê tinha que ir de palitozinho, calça, cinta, calçado, tinha que ir de paletó". Para os rapazes, o traje habitual para se ir ao circo, à praça ou ao cinema era o terno: "Eram dois tipos de terno: um azul, que nós falava azul aurora e quando o tempo era mais quente, o linho 120, branquinho". O footing na praça da estação, os flertes e o serviço de alto-falante atraíam os mais jovens.

O desejo de relembrar o vivido para relatar ao pesquisador fatos, circunstâncias, detalhes que ele não alcançou, faz com que a memória recue a um tempo distante, o tempo de infância do narrador com seus passeios dominicais, quando se aprendia a nadar nos córregos, que não eram poluídos, rememorados pelos nomes "Mandiú", "Ribeirão Salgado", e nas cachoeiras. "Eu aprendi a nadar um pouco, não tecnicamente, pro gasto, que eu falo, nos córregos, nas cachoeiras. Hoje eu não sei como está; mudou tudo".

A "venda" era o local não apenas do pequeno comércio, mas ponto de encontro dos contadores de história, da transmissão de saber de uma geração a outra. Era alí, também, onde o lazer se concentrava durante a semana, onde iam a pé ou de bicicleta para conversar com os colegas, "ouvir música, comer doce, tomar  um guaraná, ouvir as novelas que passavam no rádio como "O Direito de Nascer".

As entrevistas realizadas no interior da fábrica ou no Sindicato dos Trabalhadores, com os operários que se encontram na ativa, descortinam faceta diversa do trabalho operário e das relações daí advindas.

Pesquisar em indústria não é  como  pesquisar  a  periferia ou a zona rural. Há normas a cumprir para adentrar seu espaço: contato com o diretor da empresa para expor o projeto e justificar a necessidade de entrevistar os funcionários; a cada visita, apresentação na recepção para a retirada do crachá; aguardar a chegada do funcionário que deverá acompanhar o pesquisador a um determinado setor ... enfim, é um território diferente cujo desvendamento se afigura pleno de dificuldades bastante peculiares.

A linha de produção de um calçado comporta os setores de corte, preparação, pesponto (grupos de pesponto, que trabalham nas mesas), montagem, acabamento e plancheamento, sendo os três últimos executados na esteira.

Uma operária de trinta anos3, entrevistada no Sindicato dos Trabalhadores, começou a trabalhar aos dezesseis anos na fábrica de "Calçados Wilson" que, segundo ela, faliu. Ouvindo-se seu depoimento, pode-se ter uma idéia mais concreta dos setores acima referidos e da tensão presente na execução das tarefas compreendidas na fase de preparação para a esteira. Nela, o trabalho é exclusivamente feminino, ocupando-se as operárias dos chamados "trabalhos de ciclo curto" como chanfrar, dobrar, entertelar, picotear, colar. Observando-as enquanto se ocupam de tais tarefas, constata-se que esse tipo de trabalho exige cadências rápidas, mãos hábeis e dedos ágeis em busca da rapidez dos movimentos, uma vez que nesse tipo de atividade a remuneração é feita por peça. Somente quem vivenciou experiência semelhante, como Simone Weil, torna-se capaz do exercício da alteridade: "O aumento da velocidade na cadência é uma espoliação maior que o aumento das horas na jornada de trabalho" (WEIL, 1979, p. 34).

Um outro operário de quarenta e oito anos, trabalhando desde os treze em indústria de calçados, tendo passado por diferentes funções, atualmente no setor de acabamento, oferece uma versão do trabalho na esteira e das exigências decorrentes da produção.

A esteira é um serviço muito corrido porque a esteira não pára, só pára quando tem algum problema e a gente não tem tempo para nada. Tem que dar produção, só manda a produção. Na esteira a gente não tem jeito de ficar parado porque ela roda o tempo todo. Quando falta funcionário, tem que fazer o serviço do outro, quando dá. No setor de acabamento tem a sola, o apontador de sola, tirar ruga do sapato e aquilo alí é um calor 'disgramado'; tem que esquentar o sapato e bater o martelo. Quando a gente trabalha em fábrica como eu trabalho há muito tempo, a gente já pega o ritmo. Até hoje trabalhei em duas empresas. Na outra trabalhei 20 anos. Trinta e três anos dentro de duas firmas, a gente faz o que a gente pode. A gente alí ...se a gente não pegar firme mesmo, a gente não agüenta. Se o cara não for 'garrador' de serviço, ele não vai, não.

A esteira circula sem parar. Perfilados diante dela, os operários, trabalham oito horas e quarenta e oito minutos em pé, em atividades que exigem extrema disciplina dos gestos. Segundo o cronometrista da empresa, um dia de trabalho comporta 31.680 segundos para a fabricação de 1.200 pares de calçados, ou seja, a cada 26,40 segundos o operário manuseia um par de sapatos. A fria luz de mercúrio parece estar em sintonia com o ambiente que circunda esses operários mergulhados em cinzento anonimato, onde se exige extrema disciplina dos movimentos que cabe a cada um executar. Nesse ambiente, o que sobressai candente é o ruído da máquina que cada um maneja, enquanto articula os mesmos gestos repetidos mil vezes ao dia. Essa batalha cotidiana só é vencida quando a sirene anuncia o fim da jornada. O depoimento a seguir expressa, com eloqüência, essa realidade: "A esteira é um serviço muito pesado, ela é muito cansativa. Além de você ter de fazer um serviço bem feito, tem um determinado tempo para você executar seu serviço e passar para o próximo, e a distância é mínima entre um e outro. Já era pequena, hoje é menor ainda. Ali, como se diz, se a gente não pegar firme mesmo, a gente não agüenta". Reduz-se o trabalhador ao nível de aceitação passiva, onde não se abre brecha para que floresça uma aptidão ou desponte um talento.

De um operário de quarenta e um anos que trabalha há vinte e seis anos numa empresa, tendo iniciado aos quinze anos como entertelador, colocando contraforte no sapato, atualmente no setor de corte, narra que ele e mais dois irmãos deixaram a zona rural sob pressão paterna, com a alegação que era melhor trabalhar na indústria. Na época, a empresa tinha preferência pelos oriundos da zona rural "porque suportavam sol, chuva, serviço puxado". Dos irmãos, o único que permaneceu foi ele. Descreve as dificuldades iniciais de adaptação ao novo tipo de trabalho e as pressões atuais, próprias a toda indústria:

Comecei a trabalhar cedo com 9, 10 anos, ajudando meu pai na roça como meeiro. Quando eu fiz 14 anos, a gente veio pra Franca, em 78. Primeiro dia de serviço, achei tudo muito estranho: o cheiro de tíner que você  nunca tinha visto antes, o maquinário ... aquela curiosidade e também a vontade de vencer que tinha na cabeça. A preocupação era a de fazer bem, né? atender os pedidos do supervisor. A necessidade fazia com que adaptasse porque precisava do salário. Naquela época, você conversava com os colegas, com o pessoal, 90% da empresa era gente que vinha da roça (...) Trabalhei como ativador com produto químico 1 ano e 7 meses. Depois fui promovido, fui trabalhar na calceira, já é um outro lado da esteira, melhor do que onde eu estava trabalhando, mas um serviço pesado porque na esteira ela é muito cansativa. Além de você ter de fazer um serviço bem feito, tem um determinado tempo pra executar seu serviço e passar pro próximo, e a distância é mínima. Já era pequena; hoje é menor ainda. Dos anos 90 para cá, vem diminuindo. Onde trabalhava três, hoje trabalha dois. Como se diz, diminuiu a mão-de-obra e aumenta a produção com a diminuição do custo. Trabalhei na esteira quase 12 anos, depois fui promovido para o setor de corte (...) tem pó, mas já é um setor bem mais limpo, mais 'maneiro'. Agora, dentro da indústria, em todo serviço a exigência é muito grande. Com o decorrer do tempo, conforme a empresa vai evoluindo, a exigência vai crescendo. A competividade é maior pra todo setor, do faxineiro até o chefe, a exigência é muito grande. Existe muita cobrança. É preciso ter um bom comportamento, tentando ceder para não complicar, porque o trabalho é puxado.

À medida que o processo de trabalho, na indústria, movido pela lógica do capital, vai se racionalizando, as práticas de camaradagem entre os colegas de trabalho vão, por assim dizer, entrando em declínio, pois o ritmo de trabalho dificulta (quando não impede) esse tipo de relação. Os dados colhidos por meio dos relatos dos mais velhos (hoje aposentados) e dos que se encontram no processo de produção, apontam a decomposição cada vez maior das tarefas e a pressão decorrente da extrema vigilância exigida para sua execução, eliminando, assim, as possibilidades de uma integração harmônica entre o trabalhador e as relações no trabalho. 

Um único espaço de quatro galpões contíguos (484 ms de comprimento e 32 ms de largura) abriga todos os setores da produção, do corte à expedição, sendo o trabalho dos operários coordenado por extrema vigilância e disciplina. O depoimento de uma operária ("Tudo o que você faz é cronometrado, você não pode olhar pro lado, conversar, tem que estar sempre concentrado porque tem uma pessoa sempre te vigiando. Dentro de uma fábrica você é como prisioneiro.") me fêz lembrar Sennett (1999), segundo o qual o regime de trabalho industrial no novo capitalismo degrada o caráter humano em suas profundezas. Prisioneiros de uma estrutura burocrática que racionaliza o uso do tempo a "jaula de ferro", de Weber desempenham suas funções numa engrenagem regida com base em três princípios, segundo Bell (1984, apud SENNET 1999): "a lógica da dimensão, a lógica da hierarquia e a lógica do 'tempo métrico'. "A primeira, era simples: maior e mais eficiente à medida que concentra todos os elementos de produção num lugar. A segunda , não tão simples: os "generais do trabalho" (técnicos e administradores), distantes da maquinaria pulsante, perdiam o contato físico com "suas tropas". O resultado era o trabalhador cada vez mais divorciado de qualquer decisão em relação ao produto no qual está trabalhando. A terceira, o tempo minuciosamente calculado,  "métrica do tempo" funcionava como um ato de repressão e dominação praticado pela administração em nome do crescimento da organização industrial.

Tanto os relatos quanto os registros do diário de campo revelam a perpetuação de tais lógicas na realidade investigada. Os especialistas em reengenharia empresarial fizeram com que o poder sobre o trabalhador fosse ampliado. Assim, ao invés de libertos da "jaula de ferro" do passado, os indivíduos encontram-se sujeitos a novos controles.

Da mesma maneira que o trabalho é condição básica da vida em sociedade, elemento específico e denominador da espécie humana, traço básico da identidade social do indivíduo pode, também, ser fonte de alienação e aniquilamento da personalidade.

Uma vez, eu vi um filme do Charles Chaplin ... ele saía da esteira, ele começava a fazer o movimento, sempre o mesmo movimento... Há pouco tempo nós atendemos uma moça com problema de depressão por causa da repetição. Ela afastou quinze dias, não sarou, o tratamento não dá tempo. O que acontece? Quinze dias ficou por conta da firma, depois vai pro INSS. Eu acho que o que mais faz a gente ficar doente é fazer a pessoa de máquina.

Antunes (1992) analisando o estranhamento e a alienação próprios a esse tipo de trabalho que obstaculizam o desenvolvimento do humano, afirma:

A racionalização, própria da indústria capitalista moderna tende, ao ser movida pela lógica do capital, a eliminar as propriedades qualitativas do trabalhador, pela decomposição cada vez maior do processo de trabalho em operações parciais, operando-se uma ruptura entre o elemento que produz e o produto desse trabalho. Este é reduzido a um nível de especialização, que acentua a atividade mecanicamente repetida. E essa decomposição moderna do processo de trabalho, de inspiração taylorista, penetra até a ´alma´ do trabalhador (ANTUNES 1992, p. 185).

No que diz respeito ao trabalho operário nas linhas de  montagem, a utilização dos conhecimentos científicos na produção a favor da racionalização das tarefas e do aumento da produtividade vêm reafirmar a atualidade das premissas de Marx e dos teóricos da sociologia do trabalho, notadamente a européia (FRIEDMAN; G. NAVILLE, 1962; FRIEDMAN, 1972), a propósito da alienação e do conhecido processo de fragmentação de tarefas.

O depoimento do operário que abre este tópico expressa de maneira eloqüente as exigências do trabalho na linha de montagem e as  conseqüências daí advindas:

Olha, pra ser sincero, eu acho que a esteira é uma espécie de escravidão branca, entendeu? Porque exige muito do funcionário. Se o funcionário for meio fraco, assim [...], ele não pode ficar. Não é igual antes, né, lá na carreta, tinha tempo. Hoje é tudo cronometrado.

É a "atenção  expectante" a  que  se  refere  Ecléa  Bosi4 (1973, p. 115) que guia a conduta do operário nesse setor, ou seja: é o tipo de tarefa que impõe limites bem definidos e que, para ser desenvolvida exige vigilância, contínua atenção aos sinais que a máquina emite. A crescente tendência à especialização e às tarefas parceladas, impedindo o operário do contato com o todo, acaba por desembocar num trabalho que, além de forçado "espécie de escravidão branca" é despersonalizado, impossibilitando ao operário a expressão das tendências mais profundas de sua personalidade.

Então, a gente não vai gostando mais da produção, porque além de não aprender nada, você fica no pé da máquina. Você vai aprender só aquilo ali. Outro dia eu estava fazendo uma lista do que precisava a máquina,  na fábrica. Hoje eles inventaram um punhado de coisa: ladeira de peça, passadeira de cola, tem talhadeira e não sei o quê. Você só faz aquilo. Quando você vê, o sapato está bonito lá na caixa, mas já passou num punhado de mão. Então, tem coisa que você não   aprende   a fazer    e   a  gente   aprendia  a  fazer  tudo, assim, ...  humanamente falando.

A propósito, Friedman5 (1972) refere-se a um trabalho que se torna estranho a quem o executa: "Em nenhuma outra parte se aplica melhor o conceito de ´alienação´ (Entfremdung) posto por Hegel no âmago de seu sistema e retomado por Marx." (FRIEDMAN, 1972, p. 205)

Frente à execução de um trabalho uniforme, monótono, repetitivo, que secunda os automatismos, o depoimento "é uma escravidão branca" desnuda, com toda crueza, as condições do trabalho na fábrica, as circunstâncias degradantes às quais o operário é forçado a se submeter.

Pode-se notar, através das  falas, o contraponto   entre   passado  e presente, dois tempos diversos: o da manufatura e o da esteira. No primeiro, quando a execução das tarefas não era medida pelo ritmo das máquinas, onde o trabalho não estava divorciado da vida, abria-se espaço para que os ritmos da vida cotidiana não fossem rompidos:

Eu peguei uma época (64 a 80) boa de vir em casa, dava tempo de vir em casa, almoçava, descansava um pouquinho e voltava. Dava tempo de conversar um pouquinho com a esposa, com o filho e combinar alguma coisa que precisava. Hoje, não; hoje é direto. O pior ainda é que hoje tem hora extra, fora do comum, até dez horas da noite, direto. Você só come um lanchinho de quinze minutos e já vai pra lá. Tem que ficar doente mesmo.

Em seu clássico registro sobre a condição operária, Simone Weil (1979) fala de tarefas uniformes que imitam os movimentos dos relógios, da passividade exaustiva que a máquina exige, da "angústia de não se ir bastante depressa", das lâmpadas, correias, ruídos, da dura e fria ferragem, elementos que concorrem para a transmutação do homem em operário. Enfim, da "subordinação da alma humana à matéria".

Braverman (1981), combinando experiência prática6 e acuidade teórica, sob a influência intelectual de Marx, realiza um estudo dos processos de trabalho da sociedade capitalista e, mais especificamente, do modo como eles são constituídos pelas relações de propriedade capitalista. Tendo vivenciado não apenas a transformação dos processos industriais, mas também o modo pelo qual esses processos eram reorganizados, conheceu de perto o quanto as práticas produtivas estão divorciadas das reais necessidades humano-sociais. Efetua, nesta obra, acurada e minuciosa investigação do processo de trabalho, analisando as conseqüências que a transformação tecnológica, no capistalismo monopolista, exerceram sobre a natureza do trabalho. Ao debruçar-se sobre a divisão do trabalho, afirma que nenhuma sociedade antes do capitalismo subdividiu sistematicamente o trabalho de cada especialidade produtiva em operações limitadas. Ao reportar-se aos clássicos como Smith, entre outros, vale-se de Ruskin para demonstrar a que o princípio de divisão do trabalho reduz  o trabalhador:

Não é, a rigor, o trabalho que é dividido, mas os homens: divididos em meros segmentos de homens quebrados em pequenos fragmentos e migalhas de vida; de tal modo que toda partícula de inteligência deixada no homem não é bastante para fazer um alfinete, um prego, mas se exaure ao fazer a ponta de um alfinete ou a cabeça de um prego. Ora, é bom e desejável, de fato, fazer muitos alfinetes num dia; mas se pudéssemos ver com que abrasivo suas pontas são polidas pó de cristal da alma humana, muito a ser engrandecida antes que possa ser discernida pelo que é pensaríamos que pode haver alguma perda nela também (BRAVERMAN, 1987, p. 76-77, Apud RUSKIN).

 

CONCLUSÃO

Esta pesquisa apontou o fato que a lógica do mercado globalizado regida pela competitividade e produtividade - esvazia o trabalho de significação humana. No processo de transformação da matéria bruta em produto acabado, a submissão do operário ao ritmo da máquina é condição necessária de permanência no ofício. "Antes, a exigência não era tanta como é hoje. A partir de 78, quando começa a exportação, crescem as pressões: tem que dar produção e qualidade (...) É preciso ter bom comportamento, tentando ceder para não complicar, porque o trabalho é puxado. A esteira é programada igual um relógio, entendeu? (...) É tudo calculado, é uma máquina. Tudo o que você faz é cronometrado". Ao mesmo tempo em que a globalização aparece como uma espécie de liga universal, a unificar o mundo e reduzir diferenças, traz em si um padrão excludente: mais eficiência e menos trabalho. "Onde trabalhava três, hoje trabalha dois. Como se diz, aumentaram a produção com a diminuição do custo".

Kurz (1996), analisando as contradições do sistema na história econômica moderna, ressalta que embora a jornada de trabalho tivesse diminuído numa proporção muito menor do que o aumento correspondente da produtividade, hoje em dia os assalariados trabalham mais e durante mais tempo do que os camponeses da Idade Média. Segundo ele, após 200 anos de era moderna, seria de se esperar que o aumento da produtividade servisse para trabalhar menos e viver melhor. Não obstante, o sistema de mercado transformou o excedente produtivo em mais produção e, portanto, em mais desemprego. Além de criar uma quantidade exagerada de bens, resultou numa avalanche de desemprego e de miséria. "O aumento da produtividade reparte seus frutos de forma extremamente desigual: enquanto trabalhadores 'supérfluos' são demitidos, crescem os lucros dos empresários". (KURZ, 1996, p. 5-14)

A amplitude das linhas de produção não apenas acentua a monotonia das tarefas, como despoja o operário de qualquer atividade criadora e marcas identificadoras de sua  habilidade ou imaginação. A própria modalidade da produção em série a automação, reduz o operário a um "complemento da máquina, uma coisa que deve obedecer ao ritmo da produção, e não importa quais sejam seus motivos para obedecer" (BOSI, 1987, p. 21). Desse modo, frente à padronização da técnica de produção, as atividades do operário o conduzem mais à auto-repressão do que auto-expressão de seus talentos.

Dominada pela técnica, a moderna organização industrial se modela cada vez menos pelas funções humanas dos operários, privando seu trabalho de interesse e vida. O último depoimento deste texto ("se você trabalha  numa profissão que você só faz isso, sempre a mesma coisa, você não vai animar nunca"), coloca em relevo a atualidade e permanência dos clássicos, como Smith (1985), para quem a extrema decomposição das tarefas, assim como a natureza repetitiva de uma mesma função condenavam o operário a um "tédio mortal", desvelando o custo humano dessas tarefas: o ser humano embrutecido e amesquinhado na árida monotonia das linhas de produção.

Por isso que  eu  te falo que  era  diferente. Por que  a gente gostava de ser sapateiro? Porque tinha várias coisas gostosas: tinha amor na profissão, o chefe, o dono da fábrica era o seu mestre, o seu professor. Sem curso nenhum ele tinha que saber lidar com você, com a pessoa humana [...].  Era diferente. Você aprendia, você respeitava porque você era respeitado.

Primeiro, você era pelo menos oficial, você ganhava bem, você se interessava pra chegar lá. Hoje, não; hoje tem um padrão, um piso salarial e, quem sabe mais alguma coisa ou trabalha uma máquina mais difícil, ganha um pouco mais.  Mas é aquilo: produção e não tem qualidade de vida humana. E se você trabalha numa profissão que você só faz isso, sempre a mesma coisa, você não vai animar nunca.

"Não vejo mais", "Mudou tudo", "Não existe mais" são frases recorrentes nos depoimentos dos operários aposentados. Matinês, frutos do cerrado, footings na praça, onde se ia tão somente "para ver a moça te olhar",  camaradagem entre os colegas de ofício n recinto da fábrica -  o que amenizava o labor de outrora, trabalho artesanal que permitia ao operário a coordenação da alma, do olhar e da mão, época dos modelos balalaica e Luiz XV, quando "dava gosto de ver o sapato tudo muito bem feitinho, mais artesanal, com poucas máquinas" são realidades de tempos remotos, recuados, que só se iluminam e vêm à tona aos olhos de quem quer e sabe rememorar.

Tudo isso transcorreu num tempo em que a lógica perversa do mercado não havia colocado o trabalho do lado de fora da vida, tão mais desumano quanto mais cerceado se vê o operário frente ao inexorável ritmo da máquina, ao temor do desemprego - "Hoje não se tem certeza de nada. O dia começa, ninguém mais tem serviço garantido", às exigências crescentes do mercado globalizado.

 

REFERÊNCIAS

ANTUNES, R. A rebeldia do trabalho o confronto operário do ABC paulista: as greves de 1978/80. 2. ed. Campinas: Unicamp, 1992.

BOSI, E. Cultura de massa e cultura popular: leituras de operárias. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1973.

______. Memória e sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: T. A. Queiroz, 1979. 

BOSI, E. Cultura e desenraizamento. In: BOSI, A. Cultura brasileira: temas e situações. São Paulo: Ática, 1987.

BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX.  3.a ed.  Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1987.

ELLUL, J. La culture de l´oubli. In: ZAVIALOFF, N.; HAFFARD, R.; BRENOT, P. La mémoire. Paris: L´Harmattan, 1989. Tomo 2.

FRIEDMAN, G. O trabalho em migalhas. São Paulo: Perspectiva, 1972.

FRIEDMAN, G.; NAVILLE, P. Tratado de sociologia do trabalho. São Paulo: Cultrix, 1962. Vol. 2.

KURZ, Robert. O torpor do capitalismo. In: Folha de São Paulo. São Paulo, 11 fev. 1996. Caderno Mais.

PEREIRA, V.M.C. O coração da fábrica: estudo de caso entre operários têxteis. Rio de Janeiro: Campus, 1979.

QUEIROZ, M.I.P. Variações sobre o emprego da técnica de gravador no registro da informação viva. São Paulo: CERU/FELCH/USP, 1983. (Coleção Textos, n. 4).

RUSKIN, John. As pedras de Veneza. In: BRAVERMN, Henry. Trabalho e capital monopolista: degradação do trabalho no século XX. 3.a ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1987.

SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 1999.

SMITH, AdamA riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. 2.a ed. São Paulo, Nova Cultural, 1985.

WEIL, S. A condição operária e outros estudos sobre a opressão. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

 

 

1 Ellul (1989, p. 149), analisando alguns aspectos da civilização ocidental, por ele denominada "cultura do esquecimento", destaca que passamos atualmente à fase da memória eletrônica, universal, permanente, confiável, em que há o registro minucioso e rigoroso dos fatos, conservados tal como são, para sempre, mediante mecanismos objetivos e independentes da memória humana. Mas, em contrapartida, à medida que se organiza esta memória objetiva, técnica, desenvolve-se um movimento de recusa, de diluição, de desagregação, de desaparecimento da memória pessoal ou dos micro-grupos, como se existisse uma forma de transferência da memória pessoal à do computador.
2 "[...] é preciso escolher informantes válidos para as questões a serem estudadas. Informante válido é aquele que se supõe de antemão que possua uma vivência do que se procura conhecer." (QUEIROZ, 1983, p. 99).
3 Os nomes dos operários que se encontram na ativa foram omitidos com objetivo de preservar a identidade do informante.
4 BOSI, Ecléa. Cultura de Massa e cultura popular: leituras de operárias (2. ed.). Petrópolis, Vozes, 1973. Trata-se de um consagrado estudo sobre a leitura de operárias, fruto de uma pesquisa de campo onde  a autora entrevistou longamente 59 operárias que trabalhavam na seção de enlatamento de óleo, margarina e sabão numa grande indústria da zona Oeste de São Paulo. Nele, Ecléa analisa a questão  das leituras operárias (revistas, jornais e livros) contextualizando-as no cenário de sua vida cotidiana: trabalho, moradia, transporte, lazer. A leitura não é apresentada como um processo isolado, mas como alguma coisa que se inscreve em suas vidas, seus trabalhos, suas aflições e angústias.
5 FRIEDMAN, George. O trabalho em migalhas. São Paulo: Perspectiva, 1972. p. 206-209. "Todos os traços da alienação se encontram inteiramente mesclados; imbricados uns aos outros, reagem uns sobre os outros. Um trabalho despersonalizado, sempre inacabado, é também um trabalho desprovido de participação. Testemunhos de operários especializados em tarefas rotineiras e repetitivas expressam o quanto trabalho nessas condições se torna desagradável, desprovido de interesse e significação. Seus comentários mostram que eles consideram a superespecialização nociva, porque os priva de benéfica obrigação de uma aprendizagem da tarefa, entrega-os a uma destreza puramente de gestos, cada vez mais rotineira, que uma longa repetição certamente aperfeiçoa, mas que não lhes deixa dificuldades a vencer, senão na corrida pela velocidade" (ib. p. 206 a 209).
6 Trabalhou com caldereiro num estaleiro naval durante sete anos e, mais tarde, ocupou-se, por mais sete anos, de outros ofícios como o de funilaria, laminaria e ferramentaria. "Essa experiência como trabalhador manual pode levar alguns a concluir, após a leitura deste livro, que fui influenciado por um apego sentimental às condições antigas dos hoje arcaicos modos de trabalho [...]. Como todos os trabalhadores do ofício, até os menos articulados, sempre me ressenti disto (ele se refere ao fato da transformação dos processos industriais terem sistematicamente roubado a herança profissional do artifice, sem nada lhe oferecer em troca), e ao reler estas  páginas encontro nelas um sentido não só de ultraje social, que era intencional, mas talvez também de afronta pessoal [...]. Contudo, repito que não se deve tirar a conclusão de que minhas opiniões inspiram-se em nostalgia de uma época que não pode mais voltar. Pelo contrário, minhas opiniões sobre o trabalho estão dominadas pela nostalgia de uma época que ainda não existe, na qual, para o trabalhador, a satisfação do ofício, originada do domínio consciente e proposital do processo do trabalho, será combinada com os prodígios da ciência e poder criativo da engenharia, época em que todos estarão em condições de beneficiar-se de algum modo desta combinação". (BRAVERMAN, HARRY. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX. 3ª. Ed., Rio de Janeiro, LTC. Livros Técnicos e Científicos Editora  S.A., 1987, pp. 17-18).