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ISBN 978-85-62480-96-6 versión impresa

Sem. de Saúde do Trabalhador de Franca Sep. 2010

 

SINDICATO, MOVIMENTOS SOCIAIS E SAÚDE DO TRABALHO

 

A trajetória política da CUT: da inovação sindical ao burocratismo

 

 

Tito Flávio Bellini Nogueira de Oliveira

Professor Assistente da Universidade Federal do Triângulo Mineiro UFTM. Mestre em História e Cultura Política UNESP-Franca. Doutorando em História e Cultura Social UNESP-Franca. Contato: e-mail: thistoriador@yahoo.com.br

 

 


RESUMO

O presente artigo busca apresentar uma análise da trajetória política da CUT a partir de sua fundação e desenvolvimento nos anos 80 e 90, apontando para as divergências ideológicas e perspectivas teóricas, com impacto na ação sindical em foco.

PalavrasChave: Sindicalismo, CUT, Socialismo, Social-Democracia.


 

 

INTRODUÇÃO

Ricardo Antunes (1998), ao longo de sua obra, deixa claro a relação intrínseca entre burocratismo e ideologia.  Ou seja, qualquer imersão nos princípios da racionalidade burocrática não são apenas "desvios naturais", mas representam opções ideológicas de movimento político, aqui representado pelo movimento sindical.

Armando Boito Jr. (1991) já chamava a atenção ao relacionar a estrutura sindical oficial, o sindicalismo de Estado, e sua perpetuação até a atualidade como decorrente de um enraizamento ideológico do populismo no meio sindical, demonstrando que, na realidade, a estrutura sindical ou mesmo sua crítica não são puramente sindicais, mas ganham contornos políticos.

A questão do burocratismo não poderá ser realmente compreendida se analisada como um instrumento isolado de controle do poder interno ao sindicato.  Ao contrário, uma elaboração ideológica em formação ao longo da história da CUT é o fator determinante que transforma o controle burocrático não apenas em elemento de hegemonia no aparelho, mas sim, vai impondo um novo ideário político, balizado pelas teses assumidas com certa discrição, pelas corrente majoritárias no interior da central: um "socialismo" embutido numa economia de mercado, que nega o socialismo revolucionário, o que, para muitos autores, representa uma aproximação da social-democracia.

Um pressuposto que também fundamentará o desenvolvimento deste artigo é a conclusão quase consensual dos pesquisadores que apontam para uma forte permanência da estrutura sindical corporativa nas organizações operárias em geral, e na CUT, mais especificamente.

 

CRÍTICA À ESTRUTURA SINDICAL: ORIGENS E MUDANÇAS

Um dos fatores que garantiu certa unidade do no processo de construção da CUT em relação às correntes que a compuseram foi, sem dúvida, a crítica profunda ao modelo sindical imposto pelo Estado militar às classes trabalhadoras: tanto os sindicalistas "autênticos" quanto as "oposições sindicais" convergiram neste ponto para constituir um bloco forte e coeso, o bloco dos combativos.

O pioneirismo desse processo é atribuído à Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo, a maior oposição sindical brasileira até os dias de hoje.  Ocorre que, após o golpe de 1.º de abril de 1964, os movimentos sociais foram paulatinamente reprimidos, através da severa aplicação da legislação já existente e com a ampliação e criação de novos mecanismos cooptativos, mas, sobretudo, coercitivos.

Entre os principais instrumentos de controle sindical estabelecido pela ditadura militar destaca-se o fim da estabilidade no trabalho em 1966, com a instituição do FGTS, o que gerou, no plano econômico uma alta rotatividade no emprego e permitiu, no plano político perseguições sem precedentes no Brasil ameaçando o emprego.

Fundamentalmente, destacam-se na legislação trabalhista do Estado Novo: a unicidade sindical, o imposto sindical compulsório, o poder normativo do Ministério do Trabalho e a estrutura vertical confederativa.  Merece destaque o poder de outorga do Estado, que deve reconhecer oficialmente os sindicatos para que estes possam funcionar e usufruir do imposto sindical.  Tal estrutura, aliada à repressão governamental, levou ao esvaziamento do caráter político e reivindicativo dos sindicatos e ao surgimento de uma casta burocrática sindical, além de inúmeros 'sindicatos de carimbos', fundados exclusivamente com o intuito de beneficiarem-se dos recursos do imposto sindical.

Segundo Álvaro Augusto Comin, o imposto sindical continuou exercendo a função de sustentar os sindicatos sem a necessidade da sua expressa permissão, ou seja, compulsoriamente, servindo principalmente para a sustentação de uma infinidade de pequenos sindicatos sem representatividade, além de estimular a criação de novas entidades, muitas delas, denominadas "sindicatos de carimbo" devido a existirem apenas no papel (COMIN, 1995, p. 48-49).

Nesse contexto, não restava aos sindicalistas combativos outra alternativa senão fugir do burocratismo do sindicalismo oficial.  Assim, multiplicaram-se experiências de comissões de fábrica e oposições sindicais, estas inspiradas pela experiência na Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo (OSM/SP).

Os trabalhadores, sentindo as limitações para a participação nos sindicatos, também se reuniram em organizações alternativas como Centros Comunitários e Comunidades Eclesiais de Base (CEB).  Nesse período a Igreja foi um canal importante de mobilização, organização e discussão dos trabalhadores.  As SABs (sociedades amigos de bairro), surgidas em 1952 foram também importante espaço de discussão e reivindicação popular.

Adam Przeworski1 confirma tal tendência, uma vez que a fábrica passou a ser um dos únicos locais de encontro espontâneos (pois era obrigatório) dos trabalhadores, fazendo uma analogia com os mercados populares.

Um dos principais movimentos que absorveram o impulso explosivo das classes trabalhadoras foram as oposições sindicais.  Estas, originadas pela ação de grupos católicos progressistas (Juventude Operária Católica e Ação Católica Operária, que iriam originar a Pastoral Operária PO), devido ao seu caráter clandestino, conseguiram impor um nível de radicalidade que não era permitido aos sindicatos oficiais.

As Oposições Sindicais, ao longo dos anos 70 caminharam para uma suavização da crítica contra a estrutura sindical oficial, num sentido que levava cada vez mais a uma aproximação com a crítica elaborada pelo sindicalismo "autêntico".

Em março de 1979, o 1.º Congresso da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo foi realizado.  No programa aprovado, pode-se perceber várias demandas reivindicativas presentes em pautas de negociação dos sindicalistas "autênticos", principalmente no tocante a questão salarial e as formas de negociação (fim do arrocho, reajustes diferenciados, negociação direta, entre outros). (RODRIGUES, 1993, p.60). Em relação ao Sindicato, defendiam uma "sindicalização crítica", com esclarecimentos acerca do papel da estrutura sindical oficial  Eram contra o atrelamento ao Estado, desejando o fim da CLT.  Apontavam ainda a importância de uma Central Única dos Trabalhadores, da liberdade partidária, a autonomia sindical e o direito irrestrito de greve.

Do outro lado, de dentro do sindicalismo oficial, gestava-se no interior de algumas diretorias "pelegas", uma geração de sindicalistas "independentes", combativos e dispersos.  A maior referência do sindicalismo "autêntico" é, sem dúvida, o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, e Luis Inácio da Silva, o "Lula", seu mais influente expoente.  A partir dele, diversos outros sindicalistas assumiram uma postura mais combativa e reivindicativa que, se não negava toda a estrutura sindical oficial, pleiteavam uma significativa mudança interna nesta estrutura.  A origem desse "novo sindicalismo" remonta a 1969, quando alguns diretores "independentes" na direção do sindicato introduzem novas reivindicações e adotam uma postura mais combativa.  Em 1972, Lula passou a fazer parte da diretoria, ladeando outros diretores moderados ou pelegos.

Uma caracterização simples do sindicalismo "autêntico" é elaborada por Celina Gomes Oliveira.  Para ela, estes eram sindicalistas novos e independentes, sem elaboração política ou ideológica que os norteassem, construindo sua identidade na prática cotidiana de combatividade, ao contrário das Oposições, que tinham sindicalistas com posições ideológicas mais definidas.2

A grande maioria das pesquisas aponta então para a unidade e convergência de propostas entre Oposições Sindicais e os "autênticos", redundando na constituição do bloco que originou a CUT, sem a Unidade Sindical.  É importante destacar que, até 1980, os "autênticos" faziam parte da Unidade Sindical, mas vieram a criar a ANAMPOS (Associação Nacional do Movimento Popular e Sindical). Para Jácome Rodrigues:

[...] essa nova corrente sindical que se formou no ABC paulista, a partir da prática junto ao operariado no interior das empresas, e a sua preocupação pela organização de base, estava chegando a conclusões idênticas às que apareciam junto aos ativistas da Oposição Sindical.  Em resumo, existia certa convergência de concepção e prática sindicais, no momento em que eclodiram as greves, entre essas duas correntes sindicais que serão o estuário por onde vão correr as águas do "novo sindicalismo".
Isso se deu: 1) mesmo sem manterem contato de forma mais direta; 2) pelo menos até as greves de maio; 3) a partir de suas práticas cotidianas de negação e/ou crítica da estrutura sindical vigente etc.  Entre outros aspectos, esse fatos levaram a que esses dois setores do sindicalismo brasileiro terminassem se aproximando e [...]  foram elementos fundamentais para a formação, alguns anos depois, da Central Única dos Trabalhadores (CUT) (RODRIGUES, 1993, p.77).

Entretanto, a crítica dos "autênticos" em relação ao sindicalismo de Estado nunca objetivo claramente o seu fim.  Nos momento de intervenção do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, foi criado o Fundo de Greve, que funcionava como um sindicato paralelo à estrutura oficial.  Entretanto, as "aberturas" do governo, com o fim das intervenções, levaram os "autênticos" de São Bernardo e adotarem o Fundo de Greve como um mecanismo somente utilizado em casos emergenciais, abandonando qualquer possibilidade de se constituir num sindicato autônomo.  A autonomia aqui era vista como opção tática, não como estratégica.

O "amálgama" que aproximou estas tendências e lapidou suas propostas no sentido de convergirem foi, sem dúvida, a ala progressista da Igreja Católica, influência presente tanto nos "autênticos" quanto nas "oposições sindicais".  A Igreja, ao longo do regime militar e após os encontros de Puebla e Medelin, quando fazem a chamada "opção pelos pobres" na América Latina, influenciada pela Teologia da Libertação, lançou-se no apoio e na organização dos trabalhadores e explorados em geral.  Influenciou as Sociedades Amigos de Bairro, a criação de Centros Comunitários, além de disseminar Comunidades Eclesiais de Base.  Este "espírito democrático de base" foi influência decisiva nas formulações dos 'autênticos' e, sobretudo, das oposições sindicais.

Após a crise da Teologia da Libertação e com a institucionalização crescente dos sindicalistas, que abandonam as Pastorais Operárias para se dedicarem a direções sindicais, inicia-se, dentro da CUT, um processo de guerra de posições para definir sob qual hegemonia a central será consolidada.  Vale destacar que, todas as divergências ideológicas posteriores dentro da CUT originam-se destas duas concepções sindicais que se uniram taticamente para a construção da central.

 

A CONSOLIDAÇÃO DA CUT E OS BLOCOS SINDICAIS EM DISPUTA

Passados os momentos mais críticos após a criação da CUT, com a divisão orgânica do sindicalismo brasileiro em dois grandes blocos, inicia-se, dentro da central um novo processo que perdurará por toda sua história: a disputa pela hegemonia político-ideológica.  Esta unidade entre diferentes concepções sindicais conseguiu perpetuar-se em torno de um objetivo maior, que já tinha sido alcançado.

O momento posterior era de busca de uma consolidação da central, que nasce à margem da legislação oficial e, constantemente, burla as leis de exceção.  Com isso, todas as diferenças de formação e concepção sindical entre Oposições Sindicais e os "autênticos", até então sutilmente escamoteadas, agora vem à tona com vigorosa força.

Um ano após sua fundação, foi realizado o I Congresso Nacional da CUT CONCUT (São Bernardo 1984), quando são aprovados em 'definitivo' os estatutos da central (que viriam a ser o alvo das maiores disputas ao longo da história da CUT).   O clima de unidade ainda é forte, o que garantiu um congresso sem grandes divergências, convergindo nas críticas à atuação da CUT durante seu primeiro ano de existência e na elaboração, apesar das críticas, de um novo Plano de Lutas, muito semelhante ao aprovado em 1983.

O destaque deste CONCUT é o aprofundamento do debate de um ponto que permitiu a união entre "autênticos" e Oposições Sindicais: a estrutura sindical brasileira. Agora, passado o momento crucial que dividiu o sindicalismo brasileiro, era necessário uma melhor caracterização e formulação destas críticas, até então muito genéricas.  Isso se deu com a aprovação de princípios que deveriam nortear os debates regionais e "na base", como a democracia, o classismo3, a autonomia sindical e a organização por ramo produtivo (RODRIGUES, 1990, p.10).

O II CONCUT (Rio 1986) teve como destaque a assunção da central de ideais notadamente anti-capitalistas, pelo menos no nível do discurso, quando foi aprovado o socialismo como um de seus objetivos.  Representa uma vitória dos campos mais identificados com as teses mais à esquerda da central, mas que não se refletiram numericamente na eleição da nova direção da CUT.

Neste CONCUT ficam evidentes as grandes divergências existentes entre o bloco dos "autênticos", de um lado, e o bloco das oposições e demais setores mais à esquerda, de outro.  Podemos referir como um fator importante que acirrou e despertou tais divergências a discussão proposta pela tendência majoritária de alterar os estatutos da central, numa perspectiva de garantir o controle e centralizar as decisões nas suas mãos: fim da proporcionalidade na Executiva da Central, aumento do período entre congressos, eleições indiretas para delegados, entre outras.  Tais propostas, entretanto, não foram colocadas em votação, uma vez que o campo majoritário percebeu que não seriam aprovadas (GIANNOTTI, 1991, p.43).

Isso levou a um rearranjo interno que aproximou blocos e tendências no sentido de garantirem a sobrevivência e a possibilidade de hegemonização no comando da CUT.  Não representou uma simples disputa pelo poder.  Pode-se afirmar que é o início de uma disputa ideológica sem trégua, que abalará por várias vezes os pilares da central.  Também representou o início de uma ideologização crescente por parte do campo majoritário, originado pelos "autênticos" que não tinham nenhuma vinculação ideológica elaborada.  Aqui tem início o que Ricardo Antunes chama de social-democratização da CUT, processo capitaneado pela Articulação Sindical, que se valerá de uma crescente burocratização como forma de se estabilizar no poder.

Neste CONCUT também surgiu um instrumento largamente utilizado dentro dos congressos para determinar a força de cada tendência: a polemização em torno de propostas sem conteúdo prático efetivo, muitas vezes em torno de questões semânticas. O desfecho deste CONCUT não se deu, de forma alguma, em clima de unidade, conforme nos descreve Vito Giannotti e Lopes Neto:

O Congresso terminou de forma melancólica, numa disputa aritmética das três chapas, para ver qual tinha direito a uma vaga a mais na Executiva.  A disputa foi resolvida depois, numa votação da própria Executiva eleita, beneficiando a corrente majoritária.  Esse fato reforçou uma mentalidade, que voltará à tona diversas vezes, de tentar transformar a Executiva Nacional da Central, numa espécie de Supremo Tribunal para a resolução de questões importantes, sem a participação de fóruns mais amplos, inclusive os previstos nos estatutos.  A tendência ao uso desse método voltará nos anos seguintes, inclusive em questões muito mais sérias (GIANNOTTI, 1991, p.45).

O resultado da votação para a direção da central no II CONCUT foi: Chapa 1 (Articulação), com 59,9% dos votos; Chapa 2 (CUT Pela Base e aliados), com 28,95% dos votos; e Chapa 3 (Convergência Socialista), com 11,07% dos votos.

 

O "RACHA IDEOLÓGICO" NA CENTRAL E A BUROCRACIA COMO ESTRATÉGIA DE PODER

A partir do III CONCUT (BH 1988) evidenciou-se a polarização e a divisão da central em dois grandes blocos ideológicos, quando as diferenças históricas das correntes que compuseram a CUT aparecem de forma violenta à tona.  O primeiro e mais forte, com 60% dos votos, é a Articulação Sindical, com traços originais do sindicalismo "autêntico" (principalmente o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo), que se empenha na luta econômica e nas reformas sociais dentro das leis de mercado.  No plano político-ideológico tem uma posição próxima à social-democracia operária, sem entretanto assumi-la abertamente, bem como um certo legalismo latente, uma vez que sua massa de sindicalistas advinham de sindicatos oficiais.  Com a construção da CUT, passaram a controlar cada vez mais sindicatos oficiais.

Há também o campo mais à esquerda da CUT, composto por várias tendências.  As principais são a CUT Pela Base, originada das Oposições Sindicais ou sindicatos conquistados por antigas oposições (principalmente a OSM/SP e a Oposição Sindical Metalúrgica de Campinas), e a Convergência Socialista, tendência trotskista internacional.  Desempenham papel primordial na constante afirmação do caráter socialista que a Central deve ter, pretendem não se ater apenas à luta econômica, sendo a maioria forjada dentro de comissões de fábrica, na clandestinidade sindical.

Este CONCUT foi um marco para a história da Central.  Foi o último congresso de massas, bem como o momento de institucionalização de um novo perfil e projeto para a CUT, que abandonou uma concepção de CUT-movimento para transformar-se numa CUT-estrutura.

Uma característica marcante deste Congresso foi a forte queda do número de delegados de base. No I CONCUT, estes eram 66% dos delegados.  Já no II CONCUT, foram 70%.  No III CONTUT este número despenca para 51%.  Outro fato curioso foi o elevado percentual de delegados que não compareceram.  Em agosto de 1988, haviam 8.364 delegados inscritos, dos quais 2.120, cerca de 25% do total, não foram ao CONCUT em setembro.

Novamente com ampla maioria, mas desta vez decidida a implementar seu projeto para a CUT, a Articulação Sindical aprovou com facilidade todas as mudanças que julgou necessário no estatuto da Central, com vistas a estabilizá-la, e assegurar-se no poder.  A tese n.º 10, da Articulação, apresentou diversas e minuciosas propostas de alteração estatutária que afetaria diretamente os princípios e a forma de funcionamento da central.  Tais propostas foram refutadas pelo bloco oposicionista, representando 40% dos delegados.

Para Leôncio Rodrigues essas diferenças ideológicas são suavizadas.

As direções que compartilham das responsabilidades do poder são freqüentemente acusadas de oportunistas e conciliadoras no trato com o patronato e o governo, e de autoritárias no trato com a base.  As facções mais à esquerda, geralmente fora do poder, por sua vez, são acusadas de irresponsáveis, sectárias, infantis, utópicas.  Em geral, ambos os lados têm alguma dose de razão, na medida em que duas lógicas se encontram: a da situação, que pretende a manutenção do status quo e, consequentemente, privilegia os interesses da organização, e a da oposição, que pretende a mudança e, assim, valoriza o movimento.

[...] Ocorre que situação e oposição (ou oposições) expressam concepções políticas e ideológicas que implicam diferentes visões do papel do sindicalismo: uma, majoritária, que pretende fazer da CUT uma central de organizações sindicais, o que significa, inexoravelmente e qualquer que seja a retórica, aceitar os parâmetros da economia de mercado e da ordem legal; outra, minoritária, que pretende fazer da CUT uma central de luta contra o sistema capitalista (RODRIGUES, 1990, p.22-23).

As tendências minoritárias consideram uma tentativa de desideologização da CUT as posições expressas por Jair Meneguelli, ex-presidente eleito da CUT, ao recusarem  a definição da central como socialista, negando também a possibilidade do socialismo como objetivo final.  Jácome Rodrigues está atento à relação intrínseca entre a questão burocrática e a ideologia:

A luta interna que se desencadeou no II CONCUT e continuou no III CONCUT tinha como questão fundamental, aparentemente, as tentativas de alterações, nos estatutos, propostas pela tendência majoritária, a Articulação.  No entanto, isso era apenas a superfície do problema.  A questão de fundo era inteiramente outra e dizia respeito, em última instância, ao papel que deve desempenhar o sindicalismo no país e, especificamente, a CUT (RODRIGUES, 1993, p.114).

Três anos depois, em 1991, acontecia o IV CONCUT, vigorando sob os novos critérios de participação aprovados em 1988.  Este congresso foi o mais tenso e aguardado da história da CUT, com sua quase implosão em duas centrais.

Os ânimos exasperados do III CONCUT foram aprofundados ao longo dos anos de 1989-1991, durante o processo de preparação para o quarto congresso e durante a atuação da CUT neste intervalo de tempo.

A CUT, à revelia das posições tomadas em 1988, participou do chamado "entendimento nacional" de Collor, em 1990, valendo-se para isso da semântica, arma que passou a ser utilizada em larga escala para reinterpretar resoluções e o estatuto da central. 

A votação da executiva da CUT que optou pela participação do entendimento nacional teve o resultado de 8 votos a favor e 6 contra, ou seja, uma pequena maioria.  Mesmo assim, a falta de sensibilidade política e o clima de tensão entre os blocos ideológicos da CUT levaram-na à mesa do pacto social, desrespeitando 43% da direção executiva da central.  É a prática criticada pelas minorias cutistas da "ditadura da maioria"., onde o mais importante passa a ser o número de votos absolutos, não levando em conta o peso das minorias.

A esquerda da CUT, desnorteada pela ação objetiva da Articulação no congresso de 1988, foi abalada novamente, com o colapso do socialismo real e, via de regra, das ideologias socialistas em escala mundial.

Neste CONCUT, a proporção dos delegados de base despencam, como já era esperado: representam somente 17% dos 1.546 delegados credenciados (somente 8 delegados não compareceram).  Alguns temas foram objeto de calorosos debates neste "Congresso de Dirigentes Sindicais": filiação à CIOSL, central sindical mundial de orientação social-democrata; superestimação de algumas delegações; reduções de outras delegações (principalmente das oposições); participação nos pactos sociais; e proporcionalidade qualificada. 

Por somente 21 votos de diferença foi aprovada a filiação a uma central sindical mundial.  Em março de 1992, durante a V Plenária Nacional da CUT, foi aprovado oficialmente a filiação à CIOSL.

Outro ponto de divergência foi o número de delegados que alguns sindicatos haviam tirado em assembléia.  O critério para definir o número de delegados era o número de sindicalizados em dia com o Sindicato, o que levou à manipulação destes números por alguns sindicatos, e a criação de comissões de averiguação:

Outro caso é descrito assim por Vito GIANNOTTI e LOPES NETO, acerca do Sindicato dos Comerciários de Vitória - ES:

O Sindicato dos Comerciários, dirigido pela Articulação, declarou 12.000 sócios em dia com os cofres do Sindicato, em março de 91.  Houve protestos, pois o número era absurdo.  Na declaração corrigida o resultado apresentado foi 10.320.  Nova recusa em aceitar esse número.  Mas ficou por isso mesmo.  Dois meses depois a diretoria do Sindicato convocou eleições para renovação da mesma, onde só votariam os sócios em dia.  Essa mesma diretoria declarou serem 1.800 os comerciários em dia com as mensalidades.  Ficava impossível provar que, dois meses antes, o número de sindicalizados era 10.320 (GIANNOTTI, 1991, p.72).

Todas as posições defendidas pela Tese da Articulação foram aprovadas, algumas por pequena margem de votos.  Fica patente que, a Articulação preocupou-se em assegurar seu controle a todo custo, o que implicou no redutor dos delegados da Bahia e Minas Gerais e na anulação da votação de proporcionalidade qualificada, aprovada por 1 voto de diferença4.  A pequena margem de votos para a eleição da nova direção (a menor diferença na história da CUT) foi de somente 2,16% (65 votos) dos 1.546 delegados.  Por isso a oposição acusou  a Articulação de, após ter feito a conta dos delegados sob sua influência depois dos Encontros Estaduais, ter optado por manobras que garantissem sua vitória naquele importante e decisivo CONCUT.

A fala de Jair Meneguelli, eleito presidente da CUT, ao Jornal da Tarde de 12 de setembro de 1991 reflete o pensamento do campo majoritário cutista: "Em 1983, no Congresso de fundação da CUT tiramos fora a direita.  Neste IV CONCUT nos livramos da esquerda".

Para evitar o "racha" da CUT foi necessário a elaboração de um documento, Bases para um compromisso, que estabeleceu uma trégua entre os campos em disputa, mas não reviu nenhuma das propostas congressuais, principalmente a proporcionalidade qualificada.  Novamente, tal iniciativa partiu da Articulação, na política de "bater e soprar" ao mesmo tempo.

 

CONCLUSÕES

A CUT entraria a década de 90 altamente burocratizada, mas não somente burocratizada no sentido clássico weberiano de busca de uma racionalidade legal no gerenciamento da máquina.  Tratar-se-ia de uma racionalidade impregnada de elementos ideológicos, não assumidos pela retórica, mas denunciados pela prática e pelas correntes mais à esquerda do movimento operário brasileiro.

A sucessiva redução da participação das bases, o descumprimento de pontos aprovados em plenárias e congressos, a falta de entendimento político interno, a aproximação com as teses da social-democracia operária européia, com sua conseqüente filiação à CIOSIL em 1992 são apenas alguns indicativos deste processo desencadeado a partir de 1988, mas com raízes nas diferentes concepções de sindicalismo levada à cabo por "autênticos" e oposições sindicais ao longo dos anos 60 e 70.

A convergência amistosa do fim dos anos 70 agora dá lugar a uma férrea disputa interna, que leva constantemente a convergências com setores historicamente inimigos da CUT em detrimento de entendimentos e acordos políticos que a pacifiquem por dentro.  As divergências passaram a ser o combustível que alimenta ortodoxias, tanto no lado do campo majoritário quanto no campo da esquerda cutista.

Pode-se dizer que, do ponto de vista oposicionista, as normas internas, que estabilizaram a central e a colocaram no caminho do sindicalismo-propositivo, também contribuíram para a estabilização do movimento operário no Brasil. A participação, por exemplo, nos órgãos tripartite, nas câmaras setoriais, levou a CUT para dentro de um meio político complexo, cuja busca por respostas imediatas não permitiam proposições propriamente políticas mais radicais. Afinal, competiria agora também à CUT gerenciar a crise do capitalismo.

A dimensão da sua estrutura interna, altamente verticalizada, fez com que abandonasse objetivos históricos da classe trabalhadora, tornando-se a organização um objetivo em si mesmo: dezenas de departamentos, algumas confederações e federações, CUT-Regionais, Estaduais, distanciam cada vez mais a base do centro de poder da CUT-nacional, sempre aos olhos da oposição de esquerda.

A tendência que a CUT adotou nos últimos anos nos leva a crer cada vez mais numa convergência "propositiva" com o sindicalismo de resultados da Força Sindical.  A opção pela ordem, pelo sindicalismo oficial, dá à Central características parecidas como o sindicalismo comunista da década de 60, assentado sobre o imposto sindical.  Conforme bem destaca Leôncio Rodrigues, é muito mais interessante controlar esta estrutura do que destruí-la.  Também é mais interessante assentar os sindicatos em funções burocráticas e assistenciais, pondo de lado o avanço no processo de sindicalização e envolvimento das bases. Boito Jr. (1991, p.80) destaca que a tendência de adequação da CUT à ordem já se manifestara claramente desde a sua fundação:

[...]  O Congresso de Fundação derrotou as propostas que previam alguns tipos de filiação à CUT por fora da estrutura sindical oficial, para os trabalhadores cujos sindicatos oficiais estivessem controlados por pelegos.  O III Congresso da CUT, em 1988, reforça essa integração ao diminuir a representatividade das oposições sindicais nos congressos da central [...].

Em 1995 a CUT assentava-se em mais de 2.000 sindicatos oficiais5, conquistou a CONTAG6, além de controlar mais de 60% dos maiores sindicatos brasileiros, entre eles a APEOESP, a entidade sindical com maior receita bruta na América Latina.  Do ponto de vista institucional, sim, a CUT avançou significativamente, ocupando o espaço na estrutura oficial.  Foi coerente com as novas concepções que passaram a norteá-la a partir de 1988.

Entretanto, como destaca Boito Jr., os anos 80 foram os anos de maior atividade grevista no Brasil, porém isso não redundou num aumento do nível de sindicalização (pois, como era de se esperar, um sindicalismo assentado no imposto sindical compulsório não necessita de grandes contingentes de associados).  Além disso, ele aponta, segundo dados do IBGE, uma propensão de sindicalização maior dos trabalhadores menos propensos à greves: cerca de 73% dos associados buscariam apenas os serviços jurídicos e assistenciais.

Levando em consideração o prisma de um segmento significativo da CUT (cerca de 47%, das oposições, no IV CONCUT), a Central deveria ter uma ação política muito mais efetiva no sentido de acirrar o conflito de classes e na construção de sua independência diante da estrutura sindical corporativa. 

Na mesma linhagem de argumentos, abandonar conscientemente o caráter de "movimento", facilitou fortalecer o capital especulativo e a reestruturação produtiva neoliberal  e fragilizar ainda mais os trabalhadores. Contribuiu para o fracasso da greve geral de 1996 e para a aceitação quase passiva da perda de direitos dos trabalhadores. A adequação da Central ao sindicalismo corporativo, levou a abandonar a proposta de uma nova estrutura sindical autônoma considerada aliás demasiadamente irreal por alguns pesquisadores. 

De qualquer modo, a CUT não avançou quase nada na conquista da estabilidade no trabalho e na ratificação da Convenção 87 da OIT, que trata do pluralismo sindical.

Assistimos no Brasil, ressalvadas as diferenças, a um processo semelhante ao ocorrido na Europa ao longo dos anos 80, período hegemonizado pela social-democracia operária.  Esta questão deveria ocupar o sindicalismo brasileiro.

Assentar o movimento operário apenas sobre o sindicalismo oficial e sua estrutura é realmente limitar o poder de intervenção das massas.  Inversamente, como bem analisam Alain Bihr e Ricardo Antunes7 as novas tendências operárias na Europa, há uma corrida e um ressurgimento grevista assentado em organismos desburocratizados e autônomos do sindicalismo oficial. 

A social-democracia, para Bihr, tem perspectivas que não ultrapassam as reformas estruturais, regulando a relação capital e trabalho, mas não questionando o poder e a forma de dominação burguesa.  Sua política é institucionalizada e legalista (sendo o socialismo reduzido à democratização da sociedade capitalista, centrando-se prioritariamente na democracia política progressiva).  É caracterizado também por um forte fetichismo de Estado (BIHR, 1998, p.25).

Por fim, Ricardo Antunes, em seu artigo "Mundo do Trabalho e Sindicatos na Era da Reestruturação Produtiva", publicado inicialmente na Latin American Labor News em 1993, texto incorporado às novas edições de Adeus ao Trabalho?, refere-se à social-democratização da CUT e a seu acomodamento institucional:

Na Central Única dos Trabalhadores o quadro também é de grande apreensão.  Começa a ganhar cada vez mais força, em algumas de suas principais lideranças, uma postura de abandono de concepções socialistas e anticapitalistas, em nome de uma acomodação dentro da Ordem.  O culto da negociação, das câmaras setoriais, do programa econômico para gerir pelo capital a sua crise, tudo isso está inserido num projeto de maior fôlego, cujo oxigênio é dado pelo ideário e pela prática social-democráticas.  Trata-se de uma crescente definição política e ideológica no interior do movimento sindical brasileiro.  É uma postura cada vez menos respaldada numa política de classe.  E cada vez mais uma política para o conjunto do país, o "país integrado do capital e do trabalho (ANTUNES, 1998, p.152-153).

 

REFERÊNCIAS

ANTUNES, Ricardo.  Adeus ao Trabalho? Campinas: Editora Unicamp, 1998.

BIHR, Alain.  Da Grande Noite à Alternativa: o movimento operário europeu em criseSP: Boitempo, 1998.

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OLIVEIRA, C.G. A Gênese da CUT.  Campinas: Dissertação de Mestrado. 1995. 158 f. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, UNICAMP. 1996.

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SALVADOR, S. Os Trabalhadores Param.  São Paulo, SP: Ática, 1994, série Temas, vol 32.

 

 

1 "Os trabalhadores são tipicamente a primeira e a maior força a se organizar de maneira autônoma, como ocorreu na Europa Ocidental na virada do século, na Espanha (Comisiones Obreras), no Brasil (Sindicato do ABC) e na Polônia (Solidariedade).  Isto não é acidental.  Os locais de trabalho são, juntamente com os mercados populares (o bazar do Oriente), os únicos espaços onde as pessoas podem encontrar-se espontaneamente, sem vigilância da polícia."  PRZEWORSKI, Adam.  "Ama a incerteza e serás democrático". In: Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n.º 9, julho de 1984, pp. 42 e 43.
2 Leôncio Martins Rodrigues também faz uma excelente análise do processo que originou o "novo sindicalismo" de São Bernardo, em seu artigo "As Tendências Políticas na Formação das Centrais Sindicais" in BOITO JR., A. (org)  O Sindicalismo Brasileiro nos Anos 80.  RJ: Paz e Terra, 1991, p.p.16-23.
3 Segundo os estatutos originais da central, o classismo é a afirmação de que a emancipação de determinada classe social somente seria possível por meio de uma ação direta dessa classe social, ou seja, a velha "máxima" de que a luta pela emancipação dos trabalhadores deve ser obra dos próprios trabalhadores.
4 A proporcionalidade qualificada garantiria uma distribuição proporcional não apenas numérica, mas na importância das funções na direção nacional da CUT.  Maiores detalhes, GIANNOTTI, V. e NETO, S.L., op.cit, p.74 - 77.
5 Em 1993, a CUT possuía "35 mil dirigentes sindicais, 35 mil delegados sindicais e representantes de CIPAS, 30 mil funcionários, sendo, por exemplo, 1300 advogados, 800 jornalistas, 300 economistas, possibilitando a produção de seis milhões de boletins sindicais por mês, mais de 100 programas de rádio e um programa nacional de televisão"  RODRIGUES, I.J., APUD CARNEIRO, Gilmar .  "Novo modelo de desenvolvimento para o Brasil" mimeo, p.1, 04/05/93.
6 Segundo Iram Jácome Rodrigues, os departamentos, estruturas autônomas da CUT, estão sendo gradativamente substituídos por federações e confederações, adequando-se ainda mais à estrutura vertical oficial.  Até 1995 a CUT controlava cerca de 12 dessas estruturas. Op.cit, p.183.
7 "É por esse motivo que começam a ganhar maior expressão movimentos sindicais alternativos, que questionam a ação eminentemente defensiva, praticada pelo sindicalismo tradicional, que se limita à ação dentro da Ordem. Só a título de exemplo, pode-se citar os Cobas (Comitati di Base), que começaram a despontar a partir de meados da década de 1980 na Itália (...) e que têm questionado fortemente os acordos realizados pelas centrais sindicais tradicionais, especialmente a CGIL, de tendência ex-comunista, que em geral têm pautado sua ação dentro de uma política sindical moderada". ANTUNES, R. Adeus ao Trabalho? Campinas: editora Unicamp, 1998, 5.ª ed, p.67.