7A centralidade da categoria trabalho no contexto da precarização das relações de trabalho: perspectivas para o serviço socialDemandas históricas e as respostas profissionais do serviço social: as relações com as esferas socioinstitucionais author indexsubject indexsearch form
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Print ISBN 978-85-62480-96-6

Sem. de Saúde do Trabalhador de Franca Sep. 2010

 

TRABALHO E SERVIÇO SOCIAL

 

Serviço social e trabalho: lutas e estratégias frente à precarização na formação profissional

 

 

Lesliane CaputiI; Lucimara P. dos Santos BenattiII

IAssistente Social. Doutoranda em Serviço Social pela UNESP-Franca. Bolsista Capes/DS
IIAssistente Social. Doutoranda em Serviço Social pela PUC-SP. Bolsista Capes/ PROEX modalidade II parcial

 

 


RESUMO

A categoria trabalho, neste relato, é entendida como fundante do ser social e, contraditoriamente, eixo central das relações sociais de produção do mundo capitalista, cuja reestruturação produtiva como estratégia do capital, coloca desafios na qualidade da formação profissional, uma vez que, a Educação Superior passa a ser estruturada como mercadoria e não como direito. Neste contexto, expressa a experiência construída no âmbito da coordenação político-pedagógica do colegiado de curso de graduação em Serviço Social, na consolidação e legitimidade de lutas e estratégias frente a esta precarização na formação profissional, buscando assim, efetivar os princípios do projeto ético-político da profissão.

Palavras Chaves: Serviço Social. Formação Profissional. Trabalho.


 

 

SERVIÇO SOCIAL E FORMAÇÃO PROFISSIONAL: DESAFIOS IMPERATIVOS E CONTEMPORÂNEOS!

Neste debate do Serviço Social e Trabalho, enfocando a formação profissional, se faz necessária uma reflexão articulada com as transformações no mundo do trabalho e os desafios postos no cotidiano profissional na luta e construção de estratégias, amparadas em um método de análise crítico, frente à precarização da formação profissional construída no cenário nacional a partir da década de 1990 com o projeto neoliberal e seu acirramento nos últimos anos da atual década. Um projeto que se consolida na (contra) Reforma do Estado e da Educação Brasileira Reforma Universitária.

Com a implantação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB/1996), há a consolidação de uma nova organização educacional que está articulada com a Reforma Universitária e aos interesses de organismos internacionais, influenciando principalmente, as UFAs (Unidade de Formação Acadêmica) privadas, na conformação de uma gestão vinculada aos interesses dos empresários e de um novo mercado, o do ensino superior. O que se institui no plano político é um modelo de UFA associado à prestação de serviços, acentuando a competitividade entre as mesmas, bem como, instalando uma profunda precarização no sistema do ensino superior no Brasil. Presenciamos um rebatimento para a formação profissional, no qual, o Ministério da Educação e Cultura (MEC), atendendo aos imperativos do capital, incentivou e incentiva a proliferação de aberturas de cursos no Brasil, que opera sob a modalidade presencial, semi-presencial e à distância, confrontando, no caso do Serviço Social, com os princípios éticos de um novo projeto de formação profissional, construído pela categoria nos últimos tempos, legitimado como Projeto Ético-Político.

As Diretrizes Curriculares para a formação profissional em Serviço Social (ABEPSS/1996) têm remado contra a corrente, bem como, sido alvo de banalização perante os novos modelos de educação superior construídos no Brasil, o que nos remete afirmar que estamos no "fio da navalha", lutando no limiar entre, a universalidade de uma educação de qualidade e, o sucateamento de uma política de Estado que fortalece aos interesses mercadológicos do ensino.

O Estado capitalista, tanto em países desenvolvidos como subdesenvolvidos, a partir da década de 1970 com a crise na acumulação do modo de produção capitalista, apoiando-se nas estratégias da ordem burguesa para seu enfrentamento, orienta e reordena novos modelos de produção e no sistema de proteção social1, ou seja, institui-se a reestruturação produtiva, a difusão do projeto neoliberal e a reforma do estado, ampliando e abrindo os intercâmbios do sistema financeiro mundial.

Na década de 1980, com a derrocada do mundo socialista queda do Muro de Berlim (1989) temos o fortalecimento, sobremaneira da investida do ordenamento do capital, em todas as dimensões da vida humana, social e política. E, segundo Antunes apud Pereira (2007, p. 03) essa investida favoreceu os detentores do meio de produção, haja vista que a reestruturação produtiva ocasionou "altas taxas de dessindicalização, precarização das condições de trabalho, desemprego estrutural e, portanto, fragilização dos tradicionais processos organizativos daqueles que vivem do seu trabalho."

É preciso considerar, ainda, que essas medidas de Estado compõem o marco das políticas de ajuste "recomendadas" por organismos multilaterais, como o Banco Mundial (BM) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) que segundo Iamamoto (2000, p. 35), "[...] cria o suporte normativo necessário para viabilizar a reforma educacional." E, um destes normativos apresenta-se na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) Lei 9.394, de 20/12/1996 que possibilita vicissitudes no contexto da Educação no Brasil, neste caso, a Superior.

Esse projeto, em suma, vem arquitetando a lógica sob a égide das leis de mercado, que estimula o processo de privatização e mercantilização da política nacional de educação, deixando-a como objeto de direito privado, mas, estimulando e financiando com verbas públicas a mesma, haja vista, o Financiamento Estudantil (FIES) e o Programa Universidade para Todos (PROUNI) que subsidiam o financiamento aos estudantes de Faculdades Privadas, ou seja, aplicam investimento público em órgãos privados.

Com isso, temos que a educação superior na contemporaneidade, vem enfrentando desafios colocados para além da dinâmica da vida social, mas pela nova lógica do ensino superior regulamentadas pela LDB (1996), que inaugurou um conjunto significativo de mudanças na concepção e na operacionalização do ensino com a política de governo pautada numa perspectiva de estratégia de redefinição das relações sociais, imprimindo nas universidades um modelo de gestão empresarial, estimulando a sua privatização, o que Chauí (1999) denomina de "universidade operacional" ou "universidade de resultados de serviços."

O novo modelo de ensino superior, caracterizado no artigo 44 da LDB (1996), explicita uma preocupação da educação vinculada às necessidades do mundo do trabalho, mostrando uma gama de diversificação e flexibilização do ensino que favorece a expansão do mercado universitário que se encarregará de acordo com Maciel (2007) "de viabilizar tais modalidades de ensino superior".

A conseqüência desta reforma rebate diretamente na formação profissional do assistente social, que no atual contexto encontra-se demandado e desafiado a fortalecer seu projeto de formação e ideário profissional, o que propõe posicionamento em defesa da educação como um direito e não como serviço ou mercadoria.

A lógica curricular para a formação profissional do assistente social estabelece concepção de ensino-aprendizagem em sintonia com a dinâmica da vida social. Indica que diante das necessidades postas hoje à profissão, precisamos estar atentos ao reordenamento do padrão de acumulação capitalista, bem como de regulação da vida social, o que exige do profissional o redimensionamento na sua forma de pensar e agir, indicando que a inserção dos profissionais, nos diversos espaços sócio-ocupacionais, deve ser compreendida com olhar crítico/investigativo, pautado em referencial teórico-metodológico crítico. Tal referencial embasa a postura ético-política, ao mesmo tempo em que ofereça condições para o uso do arsenal técnico-operativo que ultrapasse o campo da imediaticidade, e que permita construir ações que promovam a emancipação dos sujeitos usuários dos serviços. (ABEPSS n. 7, 1997).

As Diretrizes Curriculares são compostas por um conjunto de conhecimentos indispensáveis à formação profissional, que estão articulados em três núcleos de fundamentação: núcleo de fundamentos teórico-metodológicos da vida social; núcleo de fundamentos da formação sócio-histórica da sociedade brasileira; e, núcleo de fundamentos do trabalho profissional, os quais não se apresentam de forma fragmentada, ao contrário, à medida que o primeiro articula o ser social em uma perspectiva de totalidade histórica e tem como finalidade desvelar os elementos fundamentais da vida social, o segundo e o terceiro tratam das particularidades desses elementos fundamentais para formação em Serviço Social.

Esses núcleos reúnem entre si os conteúdos que fundamentam o trabalho do assistente social, estabelecendo-se em eixos norteadores e articuladores da formação profissional. Esses eixos desdobram-se em áreas do conhecimento que são traduzidas, pedagogicamente, pelo conjunto das matérias básicas que são de fundamental importância no conjunto de conhecimentos necessários à formação profissional, e, nessa nova lógica curricular, podem ser operacionalizados mediante pesquisas, oficinas, núcleos e seminários temáticos, monitorias, extensão e atividades acadêmicas complementares, buscando romper com o mito da disciplina como forma quase única de se transmitir e construir conhecimentos. Assim, busca garantir mais flexibilidade à proposta curricular e pauta as atividades na perspectiva de ensino-aprendizagem e de indissociabilidade do tripé ensino-pesquisa-extensão, a fim de formar profissionais com referencial teórico-metodológico, ético-político e técnico-operacional capaz de intervir/investigar e responder as necessidades sociais da classe trabalhadora, e, possibilita construção de estratégias para garantir uma formação profissional de qualidade coerente com o projeto ético-político profissional.

Refletimos, contudo, que os desafios enfrentados cotidianamente pelos assistentes sociais, especialmente docentes das UFAs, a destacar no âmbito privado, que comungam do projeto ético-político da profissão e das diretrizes curriculares concentram-se no embate de defendê-los da "perversa" lógica empresarial consubstanciada do ensino superior. E, urge, a necessidade de encaminhamento de ordem jurídica e legal envolvendo o conjunto Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), Conselho Regional de Serviço Social (CRESS), Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS), Executiva Nacional de Estudante de Serviço Social (ENESSO), Associação Latino-Americana de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ALAEITS), CNE2 (Conselho Nacional de Educação) e MEC/Sesu (Ministério da Educação e Secretaria de Ensino Superior) para garantir a efetividade dos projetos da profissão, conforme debatido, construído e legitimado pela categoria. 

 

SERVIÇO SOCIAL, TRABALHO E PRÁXIS: DIMENSÃO ONTOLÓGICA DO SER SOCIAL NA LUTA E NA CONSTRUÇÃO DE ESTRATÉGIAS FRENTE À PRECARIZAÇÃO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL

Abordar a questão do Serviço Social e Trabalho na sociedade contemporânea não é tarefa fácil, pelo contrário, complexa, porém fundamental e necessária. Assim, entendendo que o Serviço Social é uma profissão inserida na divisão social e técnica do trabalho, desenvolvendo, em seus diversos espaços sócio-ocupacionais processos de trabalho, problematizamos essa discussão concorde Granemann (1999, p. 159),

[...] o reconhecimento do Serviço Social como trabalho está hipotecado ao entendimento da gênese de várias profissões que em um dado tempo do desenvolvimento do modo de produção tornaram-se quase tão igualmente necessárias para a sua continuidade como o próprio trabalho operário. De tal modo, isso é possível constatar no movimento do real, que não foi tão-somente o Serviço Social que surgiu na passagem do capitalismo concorrencial ao capitalismo monopolista. Acompanharam-no, por exemplo, os surgimentos de engenharias de produção, da propaganda (e de outras ligadas à comunicação) e do conhecimento da subjetividade humana.

As profissões oriundas da sociedade burguesa madura expressa uma determinação sócio-histórica e política, além, do aspecto ideológico de tê-las sido formadas para responder as especificidades impostas pelo capital, no caso em questão, o Serviço Social surge como forma de "instrumento ideológico do Estado no trato da amenização da questão social" nos aportes conservadores/positivistas, assumindo ao longo de sua trajetória uma postura de resistência, luta organizativa e política para a "ruptura" com essas bases, ou nos termos de Martinelli (1991) para (re)construir uma identidade profissional no processo histórico da realidade e, não mais aceitar os elementos a nós atribuídos enquanto categoria profissional. E, fica o Serviço Social como profissão legitimada pelo delineamento de seu objeto de intervenção/investigação as expressões da questão social. Estas, que são reconhecidas pelo Estado, via políticas públicas a partir da luta da classe trabalhadora no âmago da sociedade capitalista entre os séculos XIX e XX.

Entretanto, a categoria trabalho, segundo Paulo Netto e Braz (2006), é muito mais do que um elemento para a compreensão da atividade econômica no âmbito da sociedade burguesa, mas uma categoria vinculada ao próprio modo de ser dos homens e da sociedade portanto uma categoria central para a compreensão do próprio "fenômeno humano-social".

Segue os autores problematizando o trabalho como atividade diferente das realizadas pelos animais que não impõe elementos intencionais à sua ação, bem como, não cria novas necessidades e nem se relaciona no bojo das relações sociais de produção, sem contar, com a limitada e quase inexistente relação entre si. E, assim, o trabalho foi se organizando e se desenvolvendo no processo histórico da sociedade, diferenciando-se da atividade natural dos animais irracionais, devido ao fato de que:

- em primeiro lugar, porque o trabalho não se opera como uma atuação imediata sobre a matéria natural; diferentemente, ele exige instrumentos que, no seu desenvolvimento, vão cada vez mais se interpondo entre aqueles que o executam e a matéria;

- em segundo lugar, porque o trabalho não se realiza cumprindo determinações genéticas; bem ao contrário, passar a exigir habilidades e conhecimentos que se adquirem inicialmente por repetição e experimentação e que se transmitem aprendizado;

- em terceiro lugar, porque o trabalho não atende a um elenco limitado e praticamente invariável de necessidades, nem as satisfaz sob formas fixas; se é verdade que há um conjunto de necessidades que sempre deve ser atendido (alimentação, proteção contra intempéries, reprodução biológica etc.), as formas desse atendimento variam muitíssimo e, sobretudo, implicam o desenvolvimento, quase sem limites de novas necessidades (PAULO NETTO; BRAZ, 2006, p. 30-31- grifos dos autores).

Neste sentido, é notório que o gênero humano rompe com o padrão naturalizado e invariável do trabalho, em outras palavras é através do trabalho que a humanidade se constituiu salto ontológico3.

O trabalho cria uma sociabilidade entre o homem4 e a natureza, bem como, deste com outros homens vivendo em sociedade, pois, o trabalho é eminentemente coletivo e combinado, uma vez que cada trabalhador realiza seu trabalho mediado pelas condições objetivas e subjetivas da realidade, em diversos espaços e âmbitos profissionais. Assim, o trabalho não é circunstancial e sim essencial ao ser humano, de outro modo, é condição ontológica do ser social e constitutivo do mesmo.

Na linha deste pensamento temos a questão da causalidade e intencionalidade (teleologia) no âmbito do processo do trabalho humano, quer seja, há as determinações da sociedade capitalista, nos aspectos econômicos e as intenções e objetivações do trabalhador que tem a ideação do produto de seu trabalho, rumo às transformações que se deseja construir estamos aqui nos aproximando de um determinado tipo de trabalhador humano e social o ser social.

No pensamento marxista o ser social é ao mesmo tempo humano-genérico e singular-particular, donde, singular é o espaço da vida cotidiana, cuja legalidade, forma de ser, leva ao senso comum, ao pragmatismo, imediatismo do cotidiano e, o humano-genérico é mediatizado pela vontade coletiva através da política, arte, ética e filosofia. O ser social está intrinsecamente relacionado ao trabalho, no qual constrói suas relações, e também, as constrói e reconstrói, na guisa de um trabalho consciente, crítico, a partir da sua consciência.

Como já dito, anteriormente, o trabalho é constitutivo do ser social, mas o ser social não se reduz ou esgota no trabalho o seu desenvolvimento e suas objetivações transcendem esse âmbito, envolvendo outra dimensão que é a práxis. E, segundo Marx apud Vázquez (2007) "toda vida social é essencialmente prática", mas essa totalidade prático-social pode ser decomposta em diferentes setores se levarmos em conta o objeto ou material sobre o qual o homem exerce sua atividade prática transformadora. Entendemos que se a práxis é a ação do homem sobre a matéria e criação de uma nova realidade, assim, podemos falar de diferentes níveis da práxis de acordo com o nível de consciência do sujeito ativo no processo prático e de criação - ou humanização da matéria transformadora destacado no produto de sua atividade prática.

A práxis é precipuamente uma atividade humana sobre a vida social prática, com capacidade objetivada pela consciência crítica e ativa de sujeitos históricos para agir e transformar, recriar a realidade, reconstruindo-a. Para tal, utiliza-se da mediação como instrumento de realização desta intervenção na realidade.

As mediações - formas da reflexão/razão/ação - permitem que por aproximações sucessivas chegue-se negando ao imediato/fatos, desvendando as forças e processos que determinam à gênese e o modo de ser dos complexos e fenômenos que existem em uma determinada sociedade. E, parafraseando Barroco (2001, p. 26) "[...] as mediações, capacidades essenciais postas em movimento através de sua atividade vital, não dadas a ele; são conquistadas no processo histórico de sua autocriação pelo trabalho".

Amparadas nestes fundamentos filosóficos, teóricos, éticos e políticos, e, sobretudo, mediadas pela compreensão do trabalho como categoria constitutiva e constituinte do ser social, realizada pela práxis, tornou-se possível desvendar o real e construir mediações para as lutas e resistências, bem como, estratégias de enfrentamento ao desmonte da Formação Profissional em Serviço Social, discutidas na gênese deste artigo.

Dentro dos limites determinados pelo capitalismo na sociedade contemporânea no qual vive a classe trabalhadora a criação de possibilidades vinculadas a um projeto societário pautado na luta pela realização da emancipação política, e na direção da competência profissional necessária a consolidação do projeto ético-político do Serviço Social faz-se a partir da apreensão do homem como ser social autoconstruído através do trabalho, da cultura e da ética como capacidade humana essencial e objetivadora da consciência da liberdade humana. Assim, a construção de possibilidades concretas se dá num processo de desenvolvimento histórico para além da concepção teoricamente apreendida, na construção de instrumentos críticos fundamentados nas intencionalidades.

No contexto da experiência profissional das autoras5, no âmbito da coordenação político-pedagógica do colegiado de curso de graduação em Serviço Social, estratégias e mediações foram criadas nas dimensões da Educação Superior (Ensino, Pesquisa e Extensão), as quais perpassam os núcleos de fundamentos da formação profissional, contemplando as recomendações das diretrizes curriculares no que tange a flexibilidade do processo de ensino aprendizagem.

Na dimensão do Ensino, para além das disciplinas, matérias e conteúdos tradicionalmente trabalhados em sala de aula implantamos Oficinas Pedagógicas capazes de articular de forma dialética o conhecimento sócio-histórico, político, ético, técnico-operativo, propiciando ao estudante a superação de uma visão singular-individual para o alcance do humano-genérico. A intencionalidade deste instrumento pauta-se na necessidade da reflexão filosófica do estudante, levando-o a se identificar como um ser social, introjetando o ethos profissional modo de ser profissional que é especifico do Assistente Social; somente este profissional, regido pela razão, pode compreender os ditames do capitalismo imperante e instituir coletivamente um mundo mais justo, igualitário, enfim, uma nova ordem societária. Nesta perspectiva, buscamos com estas oficinas o desenvolvimento da apreensão crítica da realidade social pelos alunos, capaz de transformar a vida cotidiana impregnada do senso comum - em uma vida cheia e plena de sentidos, tornando-os sujeitos ético-políticos.

Objetivamente as Oficinas Pedagógicas foram realizadas através de debates teóricos, práticos sobre temas contemporâneos diversos, coerentes com as diretrizes curriculares e a realidade social; as quais foram exploradas com o aporte metodológico de filmes, documentários, dinâmicas, palestras, literatura, poemas e poesias, seminários, entre outros construídos coletivamente, versando sobre os temas: trabalho, educação, violência doméstica contra criança/adolescente, mulher, idoso; violência estrutural, pobreza, cidadania, globalização, meio ambiente, estudo sócio-econômico, político e cultural, políticas públicas, relações de gênero, família, entre outros.

Na dimensão da Pesquisa, entendendo-a  com caráter de transversalidade na matriz curricular, com vistas ao estabelecimento das dimensões investigativa e interpretativa como princípios formativos e condição central da formação profissional e da relação de unidade diversa entre teoria e prática, bem como, a indissociabilidade das dimensões aqui tratadas Ensino, Pesquisa e Extensão. Uma das estratégias adotadas foi à luta para a consolidação e implantação de uma Política Institucional de Iniciação à Pesquisa e criação da Revista UNIVERSITAS que paulatinamente adquiriu o selo QUALIS C, da CAPES. Neste interregno, para a coordenação e seu respectivo colegiado se tornou condição sine qua non o desenvolvimento de projetos de pesquisa propostos pelos alunos e docentes.

Na dimensão da Extensão, compreendendo-a como uma construção sócio-histórica do Serviço Social, a mesma tem sido desenvolvida como estratégia de aproximação da UFA com a realidade social, buscando nas diversas experiências o aperfeiçoamento de práticas profissionais em campos variados, envolvendo a atividade de ensino e pesquisa, cumprindo o princípio universitário e a possibilidade da efetivação de uma formação crítica, legitimando a função social da universidade que é produzir, socializar conhecimentos necessários e úteis a sociedade, tal como, prestar serviços a comunidade. Nesta perspectiva foram criados 05 projetos: Arte de Educar que tem como objeto de intervenção/investigação a violência doméstica contra criança e adolescente; GEPAPP/Grupo de Estudo, Pesquisa e Assessoria em Políticas Públicas; KANONI, trabalha com o segmento criança e adolescente, bem como, na formação política de conselheiros de direito; Clínicas, contempla o trabalho do Serviço Social nas clínicas integradas da UFA; BASEE Programa Bolsa de Assistência Sócio-Econômica Estudantil. Tais projetos, além de extensão também se configuram como campos de estágio alternativos aos estudantes-trabalhadores que apresentam dificuldade para cumprir o estágio obrigatório no horário de funcionamento das instituições sociais.

Vale considerar que a atividade de Estágio Supervisionado, bem como, a dimensão da Supervisão Acadêmica e de Campo, o Trabalho de Conclusão de Curso, a Monitoria e as Atividades Complementares foram estruturadas intrinsecamente as dimensões acima mencionadas, confirmando as intencionalidades das autoras. O Núcleo de Supervisão Acadêmica e Formação Profissional em Serviço Social foi implantado na perspectiva de congregar o debate político, democrático e coletivo entre corpo docente, supervisores acadêmico e de campo, estudantes e demais sujeitos envolvidos neste processo de formação que contempla as dimensões aqui discutidas. E, a partir deste direcionamento foi constituído o GREPSS Grupo Regional de Estudos e Pesquisa em Serviço Social composto por Supervisores de Estágio, egressos e docentes da referida UFA para garantir estrategicamente o movimento de amadurecimento intelectual, político e organizativo da categoria, entorno da necessária articulação entre exercício e formação profissional. Ainda, periodicamente são realizadas Jornadas Acadêmicas, Fórum de Supervisores e Visitas Institucionais.

 

RETOMANDO O CAMINHO CONSTRUÍDO NA LUTA FRENTE À PRECARIZAÇÃO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM SERVIÇO SOCIAL

A guisa de considerações finais reafirmamos a importância do trabalho como categoria de criação e autocriação da imagem da profissão e do profissional frente ao contexto de precarização do mundo do trabalho e, neste relato de experiência, especialmente, na Educação Superior que rebate na Formação Profissional em Serviço Social.

Mesmo diante dos desafios imperativos do capitalismo, reiteramos que há possibilidades de luta coletiva da categoria e construção de estratégias no cotidiano do trabalho profissional, as quais são identificadas pelo método de análise crítico da realidade social e numa articulação conjunta das entidades representativas da categoria.

No que tange as deliberações por melhores condições na formação profissional em Serviço Social, do trabalho profissional e redução de carga horária semanal, temos a destacar que os órgãos da categoria profissional ABEPSS, CFESS, ENESSO tem travado lutas e, conseqüentemente, conquistas de ordem jurídica, na qual celebramos a aprovação no Senado Nacional referente à PL 30 horas (PLC 152/2008). Entretanto, há, ainda, muito que lutar e destacamos uma pauta significativa sobre a questão do CNE, do MEC/Sesu entendendo que é preciso provocar uma discussão para o reordenamento político e democrático destes órgãos e suas respectivas prerrogativas enquanto espaços públicos que legislam e executam ações junto à política de educação. Sendo assim, no intuito em que possamos, enquanto organização política da categoria, amparada pelos movimentos sociais em prol da educação de qualidade, repensar e interferir nos caminhos da Educação Superior no Brasil, sempre no sentido de sua ampla qualidade.

Contundo, entendemos que é possível criar condições socialmente concretas para mudanças desde que estas sejam construídas e, que as limitações à autonomia sejam superadas. Estamos falando de projetos sociais criados na direção da transformação da realidade e de realização da liberdade, ou seja, da construção de uma nova sociabilidade a qual participamos como "homem-inteiro" (Lukács).

Não deliberamos e nem decidimos sobre aquilo que é regido pela natureza, isto é, pela necessidade. Mas, deliberamos e decidimos sobre tudo aquilo que, para ser e acontecer, depende de nossa vontade e de nossa ação. ... Deliberamos sobre o possível, isto é, sobre aquilo que pode ser ou deixar de ser... (CHAUÍ, 1995, p. 341).

 

REFERÊNCIAS

ABEPSS - Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social. Formação Profissional: trajetórias e desafios. Cadernos ABESS. n.7. Edição Especial. São Paulo: Cortez, 1997.

BARROCO, M.L. Ética e Serviço Social: fundamentos ontológicos. São Paulo, Cortez, 2001.

BRASIL. LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação. n.º 9394/96. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf>. Acesso em: 23, mai., 2010.

CHAUÍ, M. A filosofia moral. In: Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1995.

__________.  A Universidade Operacional. In: Folha de São Paulo, 09 de maio de 1999. Caderno Mais!

GRANEMANN, S. O processo de trabalho e Serviço Social I. In: Capacitação em Serviço Social e Política Social. Mód. 02 - Reprodução social, trabalho e Serviço Social. CFESS/ABEPSS/CEAD/UnB, 1999.

IAMAMOTO, M. V. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2000.

MACIEL, A. L. S. A formação em Serviço Social no contexto da universidade brasileira: a realidade da região do Brasil. In: Revista Agora: Políticas Públicas e Serviço Social. Ano 3, n. 6, abril de 2007 ISSN 1807-698X.Disponível em: < http://www.assisitentesocial.com.br>. Acesso em: 27, abr. 2010.

MARTINELLI, M.L. Serviço Social: identidade e alienação. 2. ed. Revista. São Paulo: Cortez, 1991.

NETTO, J.P.; BRAZ, M. Economia Política: uma introdução crítica. São Paulo: Cortez, 2006. (Biblioteca Básica de Serviço Social; v. 1)

PEREIRA, L.D. Mercantilização do Ensino Superior e a formação profissional em Serviço Social: em direção a um intelectual colaboracionista? In: Revista Ágora: Políticas Públicas e Serviço Social. Ano 3, n. 6, abril de 2007 ISSN 1807-698X. Disponível em: < http://www.assisitentesocial.com.br>. Acesso em: 30, ago., 2010.

VÁZQUEZ, A.S. Filosofia da práxis. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales CLACSO; São Paulo: Expressão Popular, Brasil, 2007. (Pensamento Social Latino-Americano)

 

 

1 Segundo Oliveira apud Pereira (2007) o Estado de Bem-Estar Social (Welfare State), consolidado após a II Guerra Mundial constitui-se num padrão de financiamento público da economia capitalista, associando o financiamento das políticas públicas, bem como, possibilitando a reprodução da força de trabalho.
2 É relevante considerar que o Conselho Nacional de Educação (CNE) no Brasil é dividido em duas Câmaras Educação Básica e Educação Superior, sendo composto por conselheiros indicados pelas Instituições de Educação e sancionado pelo Ministro da Educação em exercício. Os conselheiros, que são 12 para cada câmara, tendo seus mandatos por 04 anos, sendo renováveis por mais quatro, possuem pouca legitimidade para deliberar, decidir e sancionar as pautas discutidas, pois, todas as deliberações, resoluções, propostas de leis advindas deste Conselho, segue para aprovação na Câmara dos Deputados, no Senado e no Ministério da Educação, ou seja, o Conselho não delibera sozinho, prejudicando o caráter nato dos conselhos que é o do controle social sobre as políticas públicas. Neste sentido, analisamos que é preciso avançar, lutar, criar estratégias para que o CNE crie força política, interferindo, a partir das proposições de seus conselheiros, todavia sendo emanado a partir dos interesses das instituições que os mesmos representam, alicerçando de forma democrática a fiscalização, proposição e ampliação da discussão sobre a Educação no Brasil, prezando para que a mesma seja de qualidade, emancipatória e livre de viés políticos partidários e empresariais. Assim, defendemos o processo eleitoral dentro do CNE e não apenas a aprovação final do ministro da educação, ou seja, é preciso que as Instituições de Ensino Públicas e Privadas indiquem seus representantes, mas, que os mesmos sejam eleitos entre seus pares, legitimados pelo aparato jurídico-democrático vigente no Brasil, sobretudo, a partir da CF/88.
3  O salto ontológico é discutível no âmbito científico, pois, há várias hipóteses sobre o surgimento da espécie humana, mas para fins do entendimento do surgimento de um novo ser ser social compreendemos esta discussão sobre a questão do trabalho em três esferas: orgânica, inorgânica e social. A inorgânica não dispõe de propriedade para se reproduzir; a orgânica possui vida e possibilidade de reproduzir a si mesmo e a social a possibilidade de produzir o novo, novas necessidades, sociabilidades. É, sobretudo, a diferenciação do homem perante outros seres naturais.
4 Ao utilizarmos a terminologia homem não estamos concebendo-a de forma machista e singular no âmbito da discussão de gênero, mas assim, como Paulo Netto e Braz (2006) estamos entendendo-o como parte do gênero humano.
5 As experiências apresentadas referem-se ao período de 2006 até o presente, na Fundação Educacional de Fernandópolis/FEF, no qual ambas as autoras exerceram, em períodos diferenciados, a competência da coordenação político-pedagógica do colegiado do curso de graduação em Serviço Social.