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ISBN 978-85-62480-96-6 versión impresa

Sem. de Saúde do Trabalhador de Franca Sep. 2010

 

TRABALHO E SERVIÇO SOCIAL

 

"Na sinuca de bico": a precarização do trabalho do assistente social na rede de saúde mental do município de Franca

 

 

Larissa Tavares de CarvalhoI; Rachel Gouveia PassosII

IDiscente do 3° ano de Serviço Social da Universidade Estadual Paulista, UNESP, Franca. Contato: E-mail: larissatcarvalho@hotmail.com
IIAssistente Social da Secretaria Municipal de Habitação de São Paulo. Especialista em Saúde Mental e Atenção Psicossocial pela Escola Nacional de Saúde Pública ENSP/ FIOCRUZ; Mestranda do Programa de Política Social da Universidade Federal Fluminense UFF. Co-orientadora deste estudo. Contato: E-mail: rachel.gouveia@gmail.com

 

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho foi analisar as condições de trabalho do assistente social inserido no campo da saúde mental do município de Franca SP, levando-se em consideração os princípios da Reforma Psiquiátrica Brasileira. Buscou-se analisar as condições colocadas para a atuação do assistente social e as estratégias propostas pelo mesmo, a fim de garantir ações pautadas no projeto Ético-Político do Serviço Social.

Palavras-chave: Reforma Psiquiátrica; Saúde Mental; Serviço Social; Prática Profissional


 

 

1 INTRODUÇÃO

O presente estudo propõe uma análise sobre as condições de trabalho do assistente social inserido no campo da saúde mental, levando-se em consideração o processo da Reforma Psiquiátrica Brasileira que trouxe a implantação de serviços alternativos ao cuidado à pessoa em sofrimento psíquico. Busca-se a consolidação de uma rede de assistência focada nos princípios das práticas psicossociais, criando novos espaços que possibilitam a integração do sujeito. Com isso procura-se realizar uma análise crítica da realidade social objetivando discutir a situação dos profissionais de Serviço Social atuantes na atenção da saúde mental no município de Franca-SP, localizado ao nordeste do Estado de São Paulo.

Franca é uma cidade considerada de grande porte. Sua estrutura em relação à saúde mental é composta de equipamentos destinados a proporcionar atenção primária, secundária e terciária que compõem as tessituras de uma rede de assistência, embora seja considerada deficitária às necessidades do município.

Ainda que o Movimento da Reforma Psiquiátrica represente um grande avanço na transformação de paradigma da psiquiatria, têm-se encontrado em Franca, desafios na implementação dos equipamentos sociais assistenciais e das políticas públicas que redirecionam o modelo de cuidado atualmente proposto.

Dessa forma, busca-se analisar as condições de trabalho do assistente social frente aos limites postos pela conjuntura, fornecendo elementos para a discussão sobre a prática profissional do Serviço Social no Centro de atenção psicossocial de álcool e drogas (CAPSad).

 

2 DESENVOLVIMENTO

A loucura sempre foi vista como oposta à normalidade e por isso os seres acometidos pela "loucura" eram considerados desviantes dos padrões sociais e assim, deveriam ser excluídos, isolados, silenciados e sentenciados aos muros dos hospícios, onde eram submetidos à violências diversas em prol do tratamento. Nesses lugares considerados como depósitos dos dejetos da sociedade, perpetuava-se diariamente a constante violação dos direitos humanos e atentados contra a vida, fato que incitou os questionamentos de Franco Basaglia e impulsionou o movimento conhecido como Reforma Psiquiátrica.

Esse movimento visa transformações no cuidado ao sujeito em sofrimento psíquico através de novos modelos assistenciais, desconstruindo o modelo hospitalocêntrico e o paradigma clássico da psiquiatria. Assim, a partir da década de 1990, houve a expansão significativa dos dispositivos substitutivos propostos pela Reforma Psiquiátrica, refletindo no Brasil na Lei 10.216 de 06 de abril de 2001 que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas em sofrimento mental, redirecionando o modelo assistencial em saúde mental, oferecendo apoio à Política Nacional de Saúde Mental, que para sua efetivação, visa entre outras medidas, a substituição gradual do modelo de atenção hospitalocêntrico. Nessa direção, são propostas transformações, tanto do modelo de assistência, quanto das relações entre a sociedade e a loucura, favorecendo o exercício da cidadania e a inserção social dos usuários através da reabilitação psicossocial.

Com isso, ressalta-se que a atenção em saúde mental deve ser realizada dentro de uma rede de cuidados substitutiva ao manicômio, tendo suas ações fundamentadas nos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e da Reforma Psiquiátrica Brasileira (RPB). Nesse sentido, destacam-se os obstáculos que a luta antimanicomial tem-se defrontado para efetivação da viabilização do cuidado integral ao usuário, visto que a desinstitucionalização não se restringe à mera alta hospitalar, envolvendo questões técnico-administrativas e assistenciais, exigindo para si recursos humanos e investimento financeiro para a criação de novos dispositivos e a construção de ações intersetoriais.

O Município de Franca e a Rede de Saúde Mental

A pesquisa foi realizada no município de Franca, localizado ao nordeste do Estado de São Paulo, cidade com aproximadamente 350.000 habitantes, classificada segundo a Política Nacional de Assistência Social (PNAS), 2004, como município de grande porte (101.000 até 900.000 habitantes):

São municípios que por congregarem o grande número de habitantes e, pelas suas características em atraírem grande parte da população que migra das regiões onde as oportunidades são consideradas mais escassas, apresentam grande demanda por serviços das várias áreas de políticas públicas (BRASIL, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. PNAS/04, on line).

Possui Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), igual a 0,820 numa escala de 0 a 1. O IDH é uma ferramenta utilizada para medir a qualidade de vida, levando-se em conta a renda per capita, a saúde e a educação. Franca opera em ritmo de crescimento, visto que seu IDH no ano de 1991 era de 0,783. A cidade possui como uma das esferas mais significativas da economia a indústria couro-calçadista e, na zona rural, tem sua economia movimentada também pela produção de café.

O cuidado em saúde mental do município de Franca é prestado por meio de uma rede composta por um Centro de Atenção Psicossocial de álcool e drogas (CAPSad), um Ambulatório de Saúde Mental, um Núcleo de Atendimento à infância e a adolescência (NAIA), um Hospital-Dia e um Hospital Psiquiátrico.

O Centro de Atenção Psicossocial de álcool e drogas (CAPSad) é regulamentado pela Portaria GM n°. 336 de 19 de fevereiro de 2002, destina-se a prestar assistência psicossocial aos usuários com dependência ou uso abusivo de álcool e outras drogas na perspectiva de promover a reabilitação dos usuários.

Os CAPS constituem-se como serviços ambulatoriais de atenção diária, que funcionam segundo a lógica do território, e que deve funcionar independente de qualquer estrutura hospitalar, cujo objetivo é oferecer atendimento à população de sua área de abrangência, realizando o acompanhamento clínico e a reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários. Existem diversas modalidades de CAPS, subdivididos por porte e clientela, recebendo as denominações de CAPS I (atendimento em municípios com população entre 20.000 e 70.000 habitantes), CAPS II (população entre 70.000 e 200.00), CAPS III (acima de 200.000), CAPSi (referência para uma população de cerca de 200.000) e CAPSad (referência para população superior a 70.000) (BRASIL, Ministério da Saúde. Portaria 336/02, on line).

O Ambulatório de Saúde Mental presta atendimento para pessoas acima de dezoito anos, atendendo outros tipos de patologias; há o Núcleo de Atendimento à Infância e a Adolescência (NAIA) que recebe usuários de 0 a 18 anos, e realiza acompanhamento e atividades com as famílias, possuindo uma equipe multidisciplinar formada por um psiquiatra, duas psicólogas, uma pedagoga e uma assistente social; na rede há também o Hospital-Dia que trabalha com a abordagem interdisciplinar e presta atendimento a psicóticos, trabalho desenvolvido por uma equipe composta de médico psiquiatra e clínico, enfermeiro, assistente social, psicólogo, farmacêutico, nutricionista e terapeuta ocupacional. Franca possui ainda um Hospital Psiquiátrico que funciona para internação. Essa rede é entendida e constituída por dispositivos assistenciais implantados com a finalidade de realizar desde a atenção psicossocial aos cuidados mais ativos nas fases agudas da doença.

O locus pesquisado foi o Centro de Atenção Psicossocial álcool e drogas (CAPSad) de Franca SP. Esse serviço atende especificamente os usuários com dependência química (álcool e outras drogas), funcionando diariamente, prestando assistência a Franca e aos municípios que compõem o Departamento Regional de Saúde (DRS), sendo integrantes as cidades de Aramina, Buritizal, Cristais Paulista, Guará, Igarapava, Ipuã, Itirapuã, Ituverava, Jeriquara, Miguelópolis, Morro Agudo, Nuporanga, Orlândia, Patrocínio Paulista, Pedregulho, Restinga, Ribeirão Corrente, Rifaina, Sales Oliveira, São Joaquim da Barra e São José da Bela Vista, caracterizando uma demanda alta.

A equipe do CAPSad é composta por uma assistente social, duas psicólogas, uma enfermeira, uma auxiliar de enfermagem, uma terapeuta ocupacional, uma médica clínica-geral, um médico psiquiatra, e uma equipe de apoio, formada por um oficineiro e um ajudante geral. Oferece também um quadro de atividades: atendimentos individuais e grupais, oficinas terapêuticas, gerenciamento de casos, ações conjuntas com os familiares, orientações, visitas domiciliares, dentre outras que buscam oferecer cuidado e acolhimento. Tais atividades têm o objetivo de promover maior autonomia e produção de cidadania, buscando assim, inserir o sujeito na sociedade.

Diante desse quadro, nota-se que o objetivo das atividades desempenhadas no CAPSad pode estar comprometido, pois o serviço atende a demanda de 22 localidades e opera com uma equipe mínima. Assim, mesmo com reuniões, com trabalho desenvolvido de forma interdisciplinar há um prejuízo, pois com uma demanda alta e a equipe reduzida, isso se reflete na qualidade do atendimento, que deixa muito a desejar, pois não há a discussão acerca do projeto terapêutico de cada usuário, levando-se em consideração as particularidades e as necessidades de cada caso. Isso repercute diretamente no cuidado proporcionado ao usuário, visto que não é oferecida a quantidade suficiente de serviços e recursos humanos para a dimensão da demanda da DRS de Franca, sendo assim insuficiente.

A Pesquisa de Campo

O município de Franca, como foi apresentado acima, possui como serviços extra-hospitalares o Centro de Atenção Psicossocial de álcool e drogas (CAPSad), o Ambulatório de Saúde Mental e o Hospital-Dia, que, porém, ainda funcionam vinculados ao Hospital Psiquiátrico, sendo este voltado para internação. O que se observa diante da rede de atenção à saúde mental de Franca, é que os serviços que deveriam ser substitutivos, funcionam como complementares ao Hospital Psiquiátrico, e que este funciona como gerenciador da rede, contrariando os princípios da Reforma Psiquiátrica Brasileira que tem como característica marcante a substituição gradual do modelo hospitalocêntrico e a criação de novos espaços e formas de lidar com o sofrimento psíquico.

Pode-se considerar a rede de atenção a saúde mental de Franca insuficiente, pois não oferece estrutura para atendimento com qualidade aos usuários, visto que não possui CAPS para atendimento de psicóticos, somente o ambulatório para atendimento a este tipo de patologia. O CAPSad presta assistência a usuários com dependência ou uso abusivo de álcool e outras drogas mas, para isso, como já nos referimos, conta com uma equipe mínima de profissionais, diante de uma enorme demanda, caracterizando a sobrecarga e a precarização do serviço, trazendo conseqüências para a equipe que atende e para os usuários que são atendidos.

A escolha do CAPSad para a realização da pesquisa deu-se pelo fato do dispositivo ser referência para pessoas com transtornos decorrentes do uso de álcool e outras drogas, e de ser um dos dispositivos essenciais para a efetivação da Reforma Psiquiátrica Brasileira. Levou-se em conta o serviço atender toda a região e possuir uma equipe reduzida. Foi instigante estudar uma cidade considerada de grande porte com apenas um Centro de Atenção Psicossocial e com uma demanda alta diante de poucos profissionais, que estão sobrecarregados. Diante de tais evidências surgem inquietações: como o profissional de Serviço Social desenvolve a sua prática profissional nesse espaço? Como estarão as condições de trabalho do assistente social inserido no campo da saúde mental diante da atual conjuntura em que há o desmonte das instituições psiquiátricas e a ausência das políticas públicas?

Para o desenvolvimento da pesquisa, foi utilizado como instrumental a entrevista semi-estruturada, de caráter exploratório com roteiro previamente definido. A entrevista foi realizada com a assistente social do serviço selecionado, gravada com prévio consentimento da mesma e tendo como apoio, os equipamentos de multimídia e áudio. Posteriormente, a entrevista foi transcrita para análise.

Nota-se, que no CAPSad acontecem reuniões de equipe três vezes por semana. Em uma das reuniões, a primeira da semana, ocorre a discussão de textos e das intervenções e ações do cotidiano, sendo livre a participação dos profissionais. A segunda reunião de equipe ocorre para a discussão de questões administrativas, da gestão, da proposta de trabalho e para avaliação do trabalho desempenhado. Por último, a terceira reunião vai pautar os projetos terapêuticos, tendo cada caso discutido, avaliado e, se necessário, reorganizado e modificado para melhor atender às necessidades do usuário. Os profissionais do CAPS buscam alternativas para driblar as dificuldades e trabalhar em consonância com os princípios da Reforma Psiquiátrica.

O trabalho é desempenhado de forma interdisciplinar, em que os diferentes profissionais interagem. Entretanto, a inter-relação com a medicina ainda é um problema que está longe de ser superado, o que coloca em risco o atendimento prestado ao usuário do serviço. Há inúmeras dificuldades em relação ao médico psiquiatra. Este profissional não está presente no serviço todos os dias, o que implica em um distanciamento com o restante da equipe. O mesmo limita-se às suas atividades, não prevendo e nem possibilitando uma atenção integral e interdisciplinar ao usuário. Percebe-se a negligência produzida dentro do serviço, contrariando não somente ao SUS e também desrespeitando a Lei 10.216 que garante o melhor atendimento de saúde ao usuário.

Para Vasconcelos (2002):

A proposta de interdisciplinaridade convive na prática com uma "sombra" espessa de um conjunto de estratégias de saber/poder, de competição intra e intercorporativa e de processos institucionais e socioculturais muito fortes, que impõem barreiras profundas à troca de saberes e a práticas interprofissionais colaborativas e flexíveis (grifo da autora, VASCONCELOS, 2002, p. 53).

A equipe do CAPSad segundo a Portaria GM/n° 336/02 ao ser composta pelos profissionais de diversas formações, objetiva a troca de saberes, experiências que possibilitam a integração e o diálogo tornando possível complementar e ampliar o cuidado ao usuário. No entanto, no CAPSad de Franca, o trabalho é desempenhado de forma interdisciplinar, porém isso não se estende ao médico, que não participa da construção coletiva da interdisciplinaridade.

A questão do médico acaba, isso que eu falei da interdisciplinaridade, isso parece que os médicos não conseguem entrar nisso. [...] Não existe essa interação, se eu quiser saber a opinião daquele médico, eu tenho que pegar o prontuário. [...] ele fica limitado a tarefa que ele tem que cumprir (assistente social do CAPSad de Franca).

Dizer que o médico não se integra à equipe, não significa dizer que há a submissão ao poder médico, mas sim, que este profissional não interage com a equipe, se limita apenas à suas atividades. Neste viés, destaca-se que a interdisciplinaridade não inferioriza profissão alguma, não torna as relações verticalizadas, pois cada profissão possui suas peculiaridades e especificidades, seus projetos profissionais. A interdisciplinaridade constitui-se numa troca de saberes em que há o respeito mútuo; no entanto, deveria ser valorizada por todos os profissionais da equipe, visando um aperfeiçoamento no atendimento.

Nesse viés, destaca-se o assistente social que busca integrar-se a equipe, desenvolvendo um trabalho interdisciplinar, ressaltado no Código de Ética Profissional em seu 10° artigo: "incentivar, sempre que possível, a prática interdisciplinar, uma vez que esta favorece o enfrentamento da questão social e viabiliza um melhor atendimento, numa perspectiva totalizante e não fragmentadora do nosso sujeito atendido.

O Serviço Social e sua atuação

Diante de muitos desafios, a profissional do Serviço Social busca criar estratégias para poder executar suas ações. A assistente social direciona sua atuação para a orientação do usuário acerca dos seus direitos; estimula a participação nos espaços comunitários, de forma a ampliar o universo relacional do sujeito e o atendimento familiar. No entanto, esse trabalho com as famílias, não se restringe somente à orientação; leva-se em conta a questão das relações sociais e da qualidade de vida do usuário e da sua família nesse convívio.

O Serviço Social visa à construção de novos espaços que atendam as reais necessidades dos usuários, buscando construir mediações nas relações sociais e superar as particularidades dos conflitos familiares e na comunidade. Visa fortalecer a transformação societária pela divulgação da saúde como direito de todos, participando dos conselhos locais e municipais de saúde, das conferências que ocorrem na cidade, cobrando estratégias e atitudes dos gestores na execução da política de saúde. Estimula os usuários e os familiares a participarem das discussões, dos conselhos municipais, buscando despertar para o efetivo exercício da democracia, havendo maior possibilidade dos usuários terem seus interesses contemplados e legitimados seus direitos de cidadão.

A redução da equipe provoca como conseqüência um prejuízo na qualidade do atendimento, pois ao atender todas as demandas da região ficam sobrecarregados. Acrescido a isso temos o fator dos recursos físicos deficitários, pois o CAPSad conta apenas com um computador na recepção central, sem acesso à internet. Têm-se a ausência de investimento ao serviço público, perpetuando assim, a degradação e a precarização do lugar e dos atendimentos prestados. Esse quadro traz dificuldades ao profissional, pois não é oferecido condições para que possa se informatizar, e com isso necessita se provir de outros meios fora do seu ambiente de trabalho, como é evidenciado pela assistente social:

Pra você ter uma idéia, aqui nós não temos, o CAPS não tem um e-mail, o CAPS não tem internet. Nós não estamos em rede de internet que todo mundo 'tá', então como que a gente tem acesso a essas informações?! Tudo que 'tá' acontecendo, então, vai de cada profissional, do Serviço Social procurar saber (assistente social).

A ausência de recursos reflete diretamente no profissional, que não possui apoio financeiro para aprimorar-se, capacitar-se e participar de eventos na área, impossibilitando a formação do mesmo. Neste cenário, entra em cena a questão da baixa remuneração que não custeia os gastos com os eventos, que mesmo sendo gratuitos, há custos com deslocamento, dentre outros. Atrelada a essa questão, há os limites institucionais que restringem a saída do assistente social do local de trabalho, devido à composição reduzida da equipe como se observa nesta fala da entrevistada:

Nós profissionais que atuamos nessa área, que estrutura que a gente tem pra participar de alguma coisa?
[...] Você fica sabendo e traz, vai ter tal coisa, vai estar acontecendo encontro de CAPS, vai estar acontecendo lá sobre tabagismo, mas você não tem como participar de nada, não tem como você se ausentar do serviço pra isso. E ainda que você consiga se ausentar do serviço você não ganha o suficiente pra buscar isso, por exemplo, pra pagar sua estada num hotel, pra pagar sua viagem, pra pagar, você ta entendendo, então tem tudo isso (assistente social).

Essa dificuldade traz rebatimentos na prática profissional, produzindo um engessamento do profissional que acaba não só se fechando no ambiente institucional, mas sujeitado a reproduzir práticas manicomiais que deveriam ser superadas. Para Heller (2008), "o conhecimento dos homens é dificultado não apenas pelo fato de que a 'exterioridade' em demasia encubra a 'interioridade', mas também porque a própria interioridade se empobrece".

Conforme Iamamoto (2001, p.20), "[...] é importante sair da redoma de vidro que aprisiona os assistentes sociais numa visão de dentro e para dentro do Serviço Social, como precondição para que possa captar as novas mediações e requalificar o fazer profissional, identificando suas particularidades e descobrir alternativas de ação".

Salienta a assistente social:

Eu acho que a estrutura contribui para que você se aliene muitas vezes, eu vejo que a contribuição do Serviço Social, ela tem que ir além dos muros da instituição, mas também a gente se vê muito presa nesses muros da instituição. Entendeu?! Sem poder muito.

Toda essa situação acarreta uma sobrecarga ao profissional, que irá refletir em sua saúde. Isso ocorre devido a sua inserção em uma área complexa que possui limitações e desgastes no cotidiano: lidando com conflitos, com as expressões da questão social, com a questão de direitos, entre outras.

O Serviço Social constitui-se como profissão que se insere na divisão sócio- técnica do trabalho. Segundo Iamamoto (2008), O Serviço Social trabalha com a questão social nas suas variadas expressões, e desde sua emergência na década de 1930, também reflete em si as questões e as transformações do mundo do trabalho. Sofre os rebatimentos causados pelas opressões existentes neste sistema, levando-se em consideração que a categoria tem sua ação norteada por um Projeto Ético-Político e um Código de Ética combativos, contra-hegemônicos, e se vê frente a desafios cotidianamente.

Segundo Vasconcelos (2003), na perspectiva do Projeto Éticopolítico do Serviço Social, um dos grandes desafios enfrentados pelos assistentes sociais é trabalhar demandas, pleitos, exigências imediatas - dor, sofrimento, falta de tudo, falta de condições de trabalho, condições de vida - sem perder a perspectiva de médio e longo prazo. Isto implica em responder aos problemas cotidianos imediatos e ao mesmo tempo criar ações que vêm de encontro às necessidades e interesses da classe trabalhadora.

Todo esse quadro contribui para um quadro de tensões para o assistente social, pois o mercado exige perfis adequados e cobra cada vez mais do profissional, não oferecendo estrutura para esse desenvolvimento. Com isso, ocorre a precarização do trabalho, refletida em um número mínimo de profissionais nos serviços:

Muitas vezes você vê que o mundo do trabalho, ele é gerador da doença. [...] Não dá pra gente dizer que não a adoece, assim, a gente sente isso no físico, a gente sente isso no nosso emocional, porque quando eu falo dessa coisa da opressão não é só em relação aos usuários não, são também quanto aos profissionais da saúde mental, porque nós também somos oprimidos por essa máquina, por esse sistema que funciona dessa forma e que precisa ser mudado (assistente social).

As transformações do mundo do trabalho não atingem somente aos usuários atendidos, mas também traz prejuízos à saúde do assistente social, que é um trabalhador e que também sofre os rebatimentos dessas transformações, o que pode ser notado em sua saúde, conforme explicitado:

Então os impactos disso é evidente na nossa saúde, né, e coisas que muitas vezes você não tem como parar para cuidar. Você não tem como em todos os sentidos, no sentido de tempo, no sentido de recurso, né, pra mim, porque cuidar da saúde mental não é você ter acesso a um médico e ir lá e tomar um remédio, é você ter condição de ter lazer, é você ter condição de cuidar da saúde mesmo né, não é de tratar a doença, mas de cuidar da saúde e prevenção em saúde (assistente social).

É nesse contexto que se insere o assistente social na atenção à saúde mental do município de Franca, num emaranhado de serviços que compõem uma rede desconexa com serviços insuficientes, refletindo em si o escasso investimento no setor público, as limitações que traz rebatimento na saúde dos profissionais, com destaque para o assistente social que lida cotidianamente e diretamente com as mazelas da questão social.

 

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Centro de Atenção Psicossocial de álcool e drogas (CAPSad), regulamentado pela portaria GM n° 336/02, trabalha com o conceito ampliado de cuidado. Busca o envolvimento da comunidade e da família por meio do diálogo sobre direitos humanos, promoção da saúde, a criação de vínculos e a luta contra o preconceito.

Percebeu-se que o dispositivo apresenta múltiplas deficiências em sua estrutura, fazendo parte de uma rede desconexa de atenção à saúde mental na cidade de Franca. Entretanto, a assistente social coloca-o como um campo vasto de possibilidades para a consolidação de uma nova proposta de cuidado: ampliando as fronteiras, articulando uma rede com os demais serviços e promovendo uma atenção integral e intersetorial.

O atual contexto imposto pelo modelo neoliberal, pela ordem societária injusta, pelo aumento da desigualdade social e o desinteresse por parte dos gestores pela saúde mental, vai implicar em limitações da prática profissional do Serviço Social.

Trazendo essa realidade para a área da saúde mental, faz-se importante ressaltar a Reforma Psiquiátrica, que trouxe um novo paradigma de atenção psicossocial, procurando garantir a cidadania e os direitos das pessoas em sofrimento psíquico.

No entanto, a rede substitutiva da lógica hospitalocêntrica não tem sido estruturada para consolidar os ideais da Reforma Psiquiátrica Brasileira, não há políticas públicas que dêem suporte a essa "reforma." o que também limita a capacidade técnica do CAPSad desempenhar o papel de regulador da porta de entrada da rede assistencial. Nesse sentido, torna-se cada vez mais difícil a materialização do projeto ético-político do Serviço Social.

Os desafios são inúmeros, porém o assistente social mantém uma relação horizontalizada com os usuários, o que permite o estímulo desses usuários em prol de seus direitos políticos, civis, enfim, de seus direitos como cidadãos.

Diante desse quadro, encontram-se estratégias e mediações no cotidiano do profissional de Serviço Social que busca romper com os limites postos pela conjuntura ampliando seu espaço de intervenção. Esse trabalho exige grande habilidade e competência por parte do profissional que em sua graduação na maioria das vezes não recebe conteúdo algum da saúde mental e quando vai atuar nessa área complexa tem dificuldades em criar estratégias para sua atuação.

É preciso que haja a discussão da atuação profissional do assistente social na saúde mental, das potencialidades e das alternativas desse profissional que muitas vezes se encontra enclausurado pelas condições que o sistema oferece para que desenvolva seu trabalho, sem nenhum apoio, sem estrutura alguma, fato que proporciona o adoecimento do próprio profissional, que também é um trabalhador inserido na relação de exploração do trabalho.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de Assistência Social. Disponível em: < http://www.social.rj.gov.br/familiar/pdf/pnas.pdf >. Acesso em: 15, jul., 2010.

BRASIL, Ministério da Saúde. Política Nacional de Saúde Mental. Lei 10.216, de 06 de abril de 2001. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/lei_10216.pdf>. Acesso em: 14, jul., 2010.

______. Portaria GM n° 336 de 19 de fevereiro de 2002. Disponível em: <http://www.inverso.org.br/index.php/content/view/4125.html>. Acesso em: 10, jan., 2010.

CFESS (Conselho Federal de Serviço Social). Código de Ética Profissional do Assistente Social, 1993. Disponível em: <http://www.cfess.org.br/arquivos/CEP_1993.pdf >. Acesso em: 16, jul., 2010.

HELLER, Agnes. Sobre os preconceitos. In: O cotidiano e a história. 7ª ed. Vol. 2. São Paulo: Paz e Terra, 2004. p. 43 -63.

IAMAMOTO, Marilda Villela. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 8ª ed. São Paulo: Cortez, 2008.

VASCONCELOS, Ana Maria. A prática do Serviço Social: cotidiano, formação e alternativas na área da saúde. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2003.

VASCONCELOS, Eduardo Mourão (org.). Saúde Mental e Serviço Social: o desafio da subjetividade e da interdisciplinaridade. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2002.