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ISBN 2236-7381 versión impresa

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

Saúde e integração regional na América Latina

 

 

Alejandra Carrillo RoaI; José Paranaguá de SantanaII

IPesquisadora do Núcleo de Estudos sobre Bioética e Diplomacia em Saúde (NETHIS)
IIGerente do Programa de Cooperação Internacional em Saúde (TC 41), Representação da Opas/OMS no Brasil

 

 


RESUMO

O artigo apresenta a evolução das iniciativas de integração em saúde nos contextos sub-regionais da América Latina (Sistema da Integração Centro-Americana, Comunidade Andina de Nações, Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, Mercado Comum do Sul, e União de Nações Sul-Americanas), abordando: constituição, arranjos institucionais, dificuldades comuns e experiências bem-sucedidas. Conclui com as identidades observadas entre as sub-regiões e alguns questionamentos para reflexão.

Palavras-chave: Integração Regional. Saúde. Cooperação Sul-Sul. América Latina. Relações Internacionais


 

 

Introdução

A nova ordem mundial, marcada pela redefinição nas relações de poder no âmbito internacional, trouxe consigo o surgimento de blocos de países configurados a partir de aspirações econômicas ou da defesa de interesses comuns. Novas questões emergiram no debate das relações internacionais. Temas como democracia, meio ambiente, direitos humanos e energia renovável vêm ganhando relevância nessas agendas dos blocos regionais.

Um desses temas é a saúde. Durante as últimas quatro décadas, os países da América Latina têm percebido suas proximidades no tocante aos problemas da saúde, bem como nas dificuldades para resolvê-los, identificando a cooperação como meio para a superação dessas problemáticas e para o fortalecimento da sua atuação no cenário internacional. Todos os blocos de integração sub-regional, em maior ou menor escala, incluíram a saúde entre seus objetivos gerais e criaram instâncias políticas e institucionais dedicadas a essa área. Além disso, assumiram a cooperação Sul-Sul como ferramenta para o desenvolvimento. Especialmente na última década, com o compromisso assumido pelos países para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), a saúde despertou maior atenção, adquirindo prioridade como objetivo de cooperação.

O trabalho visa analisar a evolução das iniciativas de cooperação em saúde nos contextos sub-regionais da América Latina, abarcando aquelas de maior tradição, pela sua prolongada existência (SICA, CAN, MERCOSUL, OTCA), bem como a de mais recente criação (UNASUL). A sistematização de cada iniciativa inclui: a constituição, os arranjos institucionais, as dificuldades comuns e alguns exemplos de experiências bem-sucedidas. Observam-se identidades entre as sub-regiões e apontam-se alguns questionamentos para a realização de futuras pesquisas.

 

Sistema da Integração Centro-Americana (SICA)

As origens do SICA remontam a 1951, quando os governos de Costa Rica, Guatemala, Honduras, El Salvador e Nicarágua criaram a Organização de Estados Centro-Americanos (ODECA), cuja carta de constituição estabelecia como propósito "[...] procurar uma solução conjunta a seus problemas comuns e promover seu desenvolvimento econômico, social e cultural, por meio da ação cooperativa e solidária."1

A experiência do SICA é expressiva para demonstrar o valor da cooperação internacional em saúde para a paz nacional e sub-regional. Durante a década de 80, as condições econômicas, políticas e sociais sob as quais vivia a região centro-americana eram muito difíceis e se agravaram com os conflitos bélicos em Honduras, El Salvador e Nicarágua. Nesse contexto, foi aprovado e subscrito em 1984 o Plano de Necessidades Prioritárias de Saúde na América Central e Panamá (PPS/CAP), como então se denominava a Iniciativa de Saúde da América Central (ISCA)2. A ideia básica era que a saúde poderia servir como ponte para a paz, ao identificar os problemas comuns e resolvê-los de forma conjunta. Foram definidas sete áreas prioritárias: fortalecimento dos serviços de saúde, acesso a medicamentos essenciais, controle da malária e doenças tropicais, melhora da alimentação e nutrição, formação do pessoal, redução da mortalidade infantil e suprimento de água e saneamento.

O PPS/CAP foi apresentado sob o lema "Saúde: Ponte para a Paz na América Central" aos países do Grupo de Contadora (México, Panamá, Colômbia e Venezuela) e a outros fóruns internacionais, inclusive na Assembleia Mundial da Saúde em 1984, quando foi aprovada a Resolução 37, exortando o apoio internacional para o desenvolvimento da iniciativa. De fato, "a maior parte dos projetos nacionais e dois terços dos sub-regionais foram executados total ou parcialmente nos anos seguintes."3

Como resultado, os presidentes da América Central assinaram a Declaração de Montelimar em abril de 1990, reafirmando a saúde dos povos centro-americanos como prioridade política e orientando os ministros da saúde para que elaborassem uma nova iniciativa de saúde para a América Central4. Cinco messes depois, a VI RESSCA apresentou, na Declaração de Belize, a segunda fase da Isca sob o lema "Saúde e Paz para o Desenvolvimento e a Democracia na América Central", declarando que a saúde "pode e deve ser [...] eixo do processo de desenvolvimento"5.

Na III Conferência de Madri, organizada em maio de 1991 pelo governo da Espanha em apoio à RESSCA, a comunidade internacional reiterou o compromisso de aumentar o apoio político, técnico, material e financeiro para os projetos de saúde, tanto nacionais como sub-regionais nos países da América Central. Um mês depois, os presidentes centro-americanos reunidos em El Salvador criaram o Conselho de Ministros da Saúde da América Central (COMISCA), como uma instância de seguimento aos programas de saúde da região.

O novo Sistema da Integração Centro-Americana (SICA) foi instituído, ao final de 1991, com a assinatura da Declaração de Tegucigalpa por Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Panamá, e com a presença de Belize como observador. Segundo a Corte Centro-Americana de Justiça, a Declaração de Tegucigalpa passou a ser o tratado constitutivo da integração centro-americana de maior hierarquia, reconfigurando a América Central como uma região juridicamente organizada.

Apesar dos avanços obtidos na II fase da ISCA, a escassez de fundos causou um impacto negativo à terceira fase, definida durante 1994. Assim, em novembro de 1995, nasceu o Programa de Ações Imediatas em Saúde da América Central (PAISCA). Suas ações, porém, foram muito específicas e pouco sustentáveis, pois não houve orçamento especial para o seu desenvolvimento3.

Em 2009, foi aprovada a Agenda de Saúde da América Central e da República Dominicana 2009-2018 como instrumento que fornece as diretrizes políticas e as prioridades de investimento da região, procurando conseguir um alinhamento e uma harmonização efetivos da cooperação externa em função dos objetivos estratégicos regionais enunciados no marco dos ODM.

Alguns exemplos concretos de sucessos da cooperação no contexto do Sica são a erradicação da poliomielite, a interrupção da transmissão autóctone do sarampo3,6 e a iniciativa centro-americana para baratear medicamentos7.

 

Comunidade Andina de Nações (CAN)

O Pacto Andino, hoje Comunidade Andina de Nações (CAN), emergiu como "um protecionismo sub-regional"8 em resposta à tentativa mal sucedida da Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC) de formar uma área de livre comércio na América Latina. Embora a ênfase principal do bloco estivesse na integração econômica e comercial, o acordo constitutivo expressa como propósito "melhorar, em conjunto, o nível de vida de seus habitantes por meio da integração e a cooperação econômica e social"9. O Acordo de Cartagena foi assinado por Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru em maio de 1969. Venezuela aderiu ao acordo em 1973, enquanto que o Chile se retirou da CAN em 1976. Em 2006, a Venezuela anunciou sua saída da CAN, enquanto o Conselho Andino de Chanceleres aprovou a reincorporação do Chile à CAN como membro associado.

Para favorecer o processo de coordenação e cooperação entre os países-membros, foram criados diversos convênios que atendiam às áreas sociais, entre eles o Convênio Hipólito Unanue sobre Cooperação em Saúde dos Países da Área Andina (CONHU), cujo objetivo é "melhorar a saúde nos países da Área Andina."10. É relevante destacar que o CONHU foi assinado em 1971, ou seja, antes da criação da Unidade Especial para Cooperação Técnica entre os Países em Desenvolvimento (1972) e da aprovação do Plano de Ação de Buenos Aires (1978). Portanto, é possível afirmar que o CONHU é uma das primeiras tentativas formais de cooperação sub-regional em saúde na América Latina.

Os anos 70 foram bastante ativos, período em que a CAN criou seu corpo institucional. No entanto, a década de 80 foi menos dinâmica11. Em 1987, a assinatura do Protocolo de Quito marcou o começo da mudança de paradigmas do bloco que, em contraposição a sua orientação inicial, deixou de lado o modelo de desenvolvimento fechado, substituindo-o por um modelo aberto, mais consonante com o contexto nascente da globalização. Naquele ano, a XII Reunião de Ministros da Saúde da Área Andina (REMSAA) adotou o documento intitulado "Cooperação Andina em Saúde (CAS) - Os Andes Unidos pela Saúde de seus Povos", que foi preparado sob orientação da Opas12.

O revigoramento do grupo andino, caracterizado pela reformulação institucional, foi selado com a subscrição do Protocolo de Trujillo em 1996, criando a "Comunidade Andina" que substituiu o Pacto Andino e o Sistema Andino de Integração (SAI). O CONHU foi adscrito ao SAI, agregando a denominação Organismo Andino de Saúde (ORAS) ao nome do Convênio10.

Essa nova arquitetura institucional tem implicações relevantes em termos da convergência entre a política exterior e a política de saúde dos países-membros e do bloco em conjunto, passando o Conselho Presidencial a ter, de fato, a direção política do processo de integração. Além disso, o Conselho Andino de Ministros de Relações Exteriores passou a fazer parte do novo Sistema Andino de Integração (SAI), propiciando a abordagem dos problemas de saúde dentro da política exterior do bloco11. Um resultado concreto dessa reconfiguração institucional é o Plano Integrado de Desenvolvimento Social (PIDS), aprovado em 2004 por meio da Decisão 601 do Conselho Andino de Ministros de Relações Exteriores13.

Como exemplo de experiências bem-sucedidas de cooperação Sul-Sul em saúde dentro da CAN vale mencionar que "a Rede Andina de Vigilância Epidemiológica, criada em 1997, obteve um prêmio da Universidade de Harvard à melhor solução de uso de tecnologia da informação em países em desenvolvimento"8. Além disso, vale destacar as negociações de preços com os laboratórios produtores de medicamentos de marca, genéricos e de princípios ativos em 2003. "Entre os sucessos atingidos [...] figura uma diminuição importante nos preços, os quais baixaram em uma faixa de 30% a 92%."14

 

Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA)

Os antecedentes da OTCA remontam a 1976, quando a chancelaria do Brasil anunciou sua intenção de criar um Pacto Amazônico. Em julho de 1978, depois de três rodadas de negociações, foi assinado o Tratado de Cooperação Amazônica (TCA) pelos governos de Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, visando "realizar esforços e ações conjuntas para promover o desenvolvimento harmônico de seus respectivos territórios amazônicos, de forma que essas ações conjuntas produzam resultados equitativos e mutuamente proveitosos [...]."15

Altmann16 e Antonio Quiroga17 afirmam que durante o período 1978-1989 a política institucional do Tratado foi principalmente defensiva-protecionista, pela qual a intenção dos países amazônicos era reafirmar, perante a comunidade internacional, o direito do exercício pleno e irrefutável do controle soberano dos recursos e destinos dos seus respectivos territórios amazônicos.

Apesar das boas intenções, logo depois da entrada em vigor do Tratado em 1980, começou um período marcado pela inatividade, que perdurou até finais daquela década, colocando em evidência a debilidade institucional e o escasso reconhecimento social da Amazônia como prioridade para os Estados17. Entre os poucos avanços alcançados nesse período, está a fundação da Associação de Universidades Amazônicas (UNAMAZ), em 1987, e a criação das primeiras comissões especiais do Tratado, entre elas a Comissão Especial de Saúde na Amazônia (CESAM) como órgão de coordenação setorial do Conselho de Cooperação Amazônica, encarregada de incentivar, coordenar e supervisar a execução dos programas regionais empreendidos pelo Tratado na área da saúde, atuando ainda como mecanismo para obter os recursos financeiros de fontes internacionais e como coordenadora da aplicação dos mesmos em programas regionais de saúde15.

Em 1989, com a Primeira Reunião de Presidentes dos Países da Amazônia, o TCA obteve um aparente novo impulso, que coincidiu com o avanço da discussão internacional sobre o desenvolvimento sustentável, que deu lugar à Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio de Janeiro, 1992). Nesse evento, os países do TCA mantiveram um discurso conjunto, destacando a cooperação internacional como elemento importante para a conservação da Amazônia e seu desenvolvimento sustentável.

Para dinamizar o Tratado e promover projetos e atividades foi criada uma Secretaria Permanente (SP) e, posteriormente, a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). Assim, em 1998 foi assinado o Protocolo de Emenda ao TCA, encerrando o longo período de Secretarias Pro Tempore. Esse protocolo só entrou em vigência em agosto de 2002, quando todos os países concluíram a ratificação da emenda.

Em 2004, os chanceleres dos Estados Membros aprovaram o Plano Estratégico da OTCA, que define os eixos de ação, as áreas programáticas e os instrumentos operacionais para o período 2004-2012. "Este é um momento de inflexão e de sangue novo na vida do Tratado [...] dispomos de uma ferramenta institucional adequada para impulsionar os objetivos do TCA", disse o chanceler brasileiro Celso Amorin18.

Na área da saúde, o Plano reconhece a deterioração dos serviços sociais da região amazônica e a maior incidência de doenças transmissíveis, problemas nutricionais e de acidentes; aponta ainda que a OTCA trabalharia, com o apoio técnico da OPAS, no aperfeiçoamento dos projetos regionais da Rede de Vigilância Epidemiológica e do combate à malária17.

Embora o ano de 2004 tenha sido considerado um ponto de inflexão, a OTCA não mudou muito seu rumo, com ênfase na geração de planos e projetos e parca execução dos mesmos, a exemplo do Plano de Saúde Amazônico 2007-2012, cuja elaboração e implementação foram anunciadas no prazo mais curto possível pelos ministros da saúde em 2006, mas que ainda não saíram do papel a fins de 2010.

 

Mercado Comum do Sul (MERCOSUL)

O Mercosul se distingue dos outros blocos regionais pela ausência da dimensão social no escopo de suas finalidades, desde seus primórdios, em meados da década de 80, com as negociações para a integração argentino-brasileira e a assinatura do Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento Brasil-Argentina (1988) e do Acordo de Complementação Econômica N˚ 14 (1994). O Tratado de Assunção, que formalizou a integração entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, em 1991, constituindo o Mercado Comum do Sul, não criou nenhuma instituição específica para a área social, nem especificamente para a saúde.

Embora o Tratado de Assunção faça referência ao desenvolvimento econômico com justiça social, os eixos que definem a implicância do mercado comum parecem deixar de lado esse elemento: a) a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países; b) o estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial comum; c) a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais; d) a harmonização das legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração. Vários autores19 coincidem em apontar que o Mercosul tem um caráter fundamentalmente econômico e comercial. "Este tratado gerou a percepção de que a dimensão social está ausente. Por exemplo, a livre circulação de pessoas está contida na livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos; não se considera as pessoas em sua dimensão social de cidadãos senão na dimensão de fator produtivo. Basicamente estão ausentes os temas sociais."20

Não obstante, a própria dinâmica da integração gerou a necessidade de contar com regras claras que garantissem a competitividade e superassem os obstáculos que estorvavam o intercâmbio. Igualmente, era preciso estabelecer controles que dotassem de padrões de qualidade e segurança o intercâmbio, protegendo a saúde das populações da região21. Desse modo, em dezembro de 1994 foi assinado o Protocolo de Ouro Preto, que estabeleceu a estrutura institucional que trouxe à tona o tema social no Mercosul. Destaque para a criação da Comissão Parlamentar Conjunta e do Foro Consultivo Econômico e Social (FCES). Este iniciou suas funções em 1996, no entanto "é questionado amplamente por se tratar de um espaço fechado [...], por ser escassamente consultado pelo Grupo de Mercado Comum (GMC) e porque suas opiniões com frequência não são levadas em conta."22

Em 1995, foi criada a Reunião dos Ministros da Saúde do Mercosul (RMSM) como órgão político que trata o tema da saúde na sub-região. Um ano depois, o GMC aprovou a criação do Subgrupo de Trabalho N˚ 11 Saúde (SGT 11) como órgão técnico deliberativo, cujo objetivo é a harmonização das legislações dos Estados-Parte no que se refere aos bens, serviços, matérias-primas e produtos da área da saúde, bem como a adoção de critérios para a vigilância epidemiológica e o controle sanitário. Em termos gerais, a criação desses órgãos evitou que a temática da saúde continuasse dispersa nos diferentes subgrupos e comissões técnicas do Mercosul, facilitando a troca de informações entre os Estados-Parte. No entanto, "o avanço do trabalho em todas as áreas tem sido desigual."23

Desde 2003, as comissões intergovernamentais da Reunião dos Ministros da Saúde, em maior ou menor medida, têm promovido e aprovado planos, estratégias, políticas e/ou regulamentos em áreas diversas, tais como: controle da dengue (2004), acesso aos medicamentos antirretrovirais (2004), redução da transmissão materno-infantil do HIV e da sífilis congênita (2004), controle do tabaco (2003-2005) e saúde sexual e reprodutiva (2005). Além disso, houve avanços no âmbito da coordenação em foros internacionais, estabelecendo uma postura comum para temas como o Regulamento Sanitário Internacional e a Declaração dos Ministros da Saúde da América do Sul sobre Saúde, Inovação e Propriedade Intelectual. Essas posturas estenderam-se posteriormente ao nível sul-americano22.

Em relação às comissões do SGT 11, "a Comissão de Serviços de Atenção à Saúde é a que menos avanços registrou na harmonização de normas"22, mas vale destacar a Matriz Mínima de Exercício Profissional apresentada pela Subcomissão de Desenvolvimento e Exercício Profissional e aprovada pelo GMC em 2004. "A Matriz Mínima [...] é um dos resultados mais relevantes alcançados no tocante à questão do exercício profissional no Mercosul, e trata do registro de profissionais de saúde do Mercosul que exercem ou tentam exercer a sua profissão no exterior e/ou que trabalham em municípios ou jurisdições de fronteira."24

O Programa do Banco de Preços de Medicamentos do Mercosul poderia ser considerado como exemplo de resultado bem-sucedido da cooperação Sul-Sul em saúde dentro desse bloco sub-regional. "A existência deste Banco facilitou as negociações de compras conjuntas de medicamentos antirretrovirais realizadas conjuntamente com os países do ORAS-CONHU em 2003, em Lima. [...] (com) o Sistema de Banco de Preços de Medicamentos do Mercosul e Estados Associados [...] os Ministérios da Saúde disporão de um banco de preços com o qual poderão avaliar quanto se paga a nível regional pelos fármacos de menor prevalência e 'alto custo', e assim poderão fixar um preço máximo para realizar suas compras a nível nacional."22

 

União de Nações Sul-Americanas (UNASUL)

A Unasul teve início em 2004 com a então denominada Comunidade Sul-Americana de Nações (CSN), concebida como um espaço de coordenação política e diplomática para fortalecer a inserção internacional da região, melhorando suas capacidades internas. Em maio de 2008, por ocasião da Reunião Extraordinária dos Chefes de Estado da América do Sul, foi assinado o Tratado Constitutivo da União de Nações Sul-Americanas, que define a Unasul como uma organização dotada de personalidade jurídica internacional, que tem como objetivo "construir, de maneira participativa e consensual, um espaço de integração e união no âmbito cultural, social, econômico e político entre seus povos, priorizando o diálogo político, as políticas sociais, [...] com vistas a eliminar a desigualdade socioeconômica, alcançar a inclusão social e a participação cidadã, fortalecer a democracia e reduzir as assimetrias [...]"25.

O Tratado inclui entre seus objetivos específicos "o acesso universal à seguridade social e aos serviços de saúde", bem como "a cooperação setorial como um mecanismo de aprofundamento da integração sul-americana, mediante intercâmbio de informação, experiências e capacitação"26. A Unasul conta com o Conselho de Saúde Sul-Americano (Unasul Saúde), criado durante a primeira reunião de Chefes de Estado e de Governo realizada no Brasil, em dezembro de 2008. É importante assinalar que os ministros da Saúde dos países membros do ORAS-CONHU e do Mercosul vinham se reunindo desde o ano 2001, no marco das Reuniões de Ministros da Saúde e da Proteção Social da América do Sul (REMSUL). Nessas reuniões, os ministros avançaram na busca de temas de interesse comum e adiantaram algumas soluções compartilhadas como a negociação e compra conjunta de medicamentos22.

Formada pelos ministros da Saúde, a Unasul Saúde tem por objetivo geral "consolidar a América do Sul como um espaço de integração em Saúde que contribua para a 'Saúde para Todos' e para o desenvolvimento, incorporando e integrando os esforços e realizações sub-regionais do Mercosul, ORAS-CONHU e OTCA"26.

O Conselho de Saúde compreende: a) um Comitê de Coordenação, formado pelos representantes titulares de cada Estado-Membro, além de um representante do Mercosul, CONHU, da OTCA e da OPAS como observadores; b) uma secretaria técnica, a cargo da Presidência Pro Tempore (PPT) da Unasul e dois países da PPT (passada e seguinte) com o fim de garantir a continuidade das atividades; e c) Grupos Técnicos (GT) encarregados de analisar, elaborar, preparar e desenvolver propostas, planos e projetos visando a integração sul-americana em saúde e baseados nas diretrizes estabelecidas no Plano de Trabalho - Agenda Sul-Americana de Saúde (Agenda de Saúde). A gestão dos GT deve apoiar-se nos processos e experiência existentes do Mercosul, ORAS-CONHU, OTCA e OPAS27.

Durante a I Reunião Constitutiva do Conselho de Saúde Sul-Americano, em abril de 2009, foram definidas as atividades da Agenda de Saúde, focadas em cinco eixos estratégicos, que serão desenvolvidos pelos GTs: a) Escudo Epidemiológico, b) Desenvolvimento dos Sistemas de Saúde Universais, c) Acesso Universal a Medicamentos, d) Promoção da Saúde e Ação sobre os Determinantes Sociais e e) Desenvolvimento e Gestão de Recursos Humanos em Saúde.

A atuação desses GTs tem sido desigual. Alguns foram constituídos em 2009 e têm certas diretrizes definidas, entre elas: a) a criação de uma Rede Integrada de Serviços de Saúde baseada em Atenção Primária à Saúde (APS), b) o impulso de uma política de complementariedade dos serviços de saúde entre os países da região, c) o registro regional de indicadores de morbidade e mortalidade em sintonia com as Metas do Milênio, d) a identificação das capacidades industriais existentes na América do Sul e dos medicamentos e insumos estratégicos da região e e) a criação do Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde (ISAGS), do Programa de Bolsas Unasul Saúde e das Redes de Instituições Estruturantes dos Sistemas de Saúde.

Devido à recente constituição desse bloco regional e, especialmente, da Unasul Saúde, ainda não é possível apontar exemplo concreto de experiência bem-sucedida. Não obstante, Buss e Ferreira28 afirmam: "esse grande arranjo intergovernamental chamado Unasul Saúde é um extraordinário exemplo de 'cooperação Sul-Sul' e de 'diplomacia da saúde' que os países da América do Sul e seus Ministérios das Relações Exteriores e da Saúde oferecem ao mundo".

 

Conclusão

Durante as últimas quatro décadas, os países da América Latina vivenciaram processos de integração e iniciativas de cooperação cujos impactos sobre a saúde merecem atenção. Sem descuidar das peculiaridades de cada sub-região e procurando não cair em reducionismos de interpretação, apresenta-se uma breve caracterização referencial sobre a evolução dessas iniciativas de cooperação em cinco fases ou etapas históricas, identificando certo padrão geral nos processos experimentados pelas diferentes sub-regiões aqui estudadas. Quiçá a melhor compreensão desses contextos da política externa dos países permita entender as nuances e particularidades dos processos de cooperação internacional na área específica da saúde.

A fase inicial abarca a década dos anos setenta, quando se constituíram os primeiros blocos de países e começaram a surgir as tentativas iniciais de arranjos institucionais da cooperação sub-regional em saúde.

A segunda etapa, ou fase da crise, compreende a primeira metade da década dos anos oitenta. Nesse período, a América Latina foi impactada pela crise econômica, fragilizando os processos de cooperação entre os países, que passaram a adotar as prioridades estabelecidas pelas instituições financeiras internacionais. Isso gerou perda de dinamismo e até inatividade nos processos iniciados na primeira fase, debilitando a ainda incipiente estrutura institucional dos blocos.

A terceira etapa, ou fase da resposta à crise, abrange a segunda metade da década dos anos oitenta. Com o agravamento da pobreza, da desigualdade e da exclusão social resultantes da crise, surgiu a necessidade de impulsionar novas formas de interação que respondessem à situação de carência de recursos prevalente na região, abrindo espaço à cooperação internacional como estratégia de reação à crise. Nessa fase, surgiram novos esforços de cooperação em saúde na América Latina, intensificando a busca de ajuda internacional e a concorrência por esses recursos.

A quarta etapa, ou fase de reordenamento institucional, abarca a década dos anos noventa e está caracterizada por uma reformulação institucional e jurídica em vários dos blocos sub-regionais. Em alguns casos, esse reordenamento aumentou o papel dos chefes de Estado na direção política dos processos de integração. Em outros, foram criadas instâncias que outorgaram novas responsabilidades aos Ministérios da Saúde e das Relações Exteriores dentro dos blocos sub-regionais. Essas mudanças institucionais deram certo reimpulso à temática da saúde dentro das agendas políticas dos blocos da América Latina.

A quinta etapa, ou fase dos compromissos internacionais, compreende a primeira década do novo século, inaugurado com a Declaração do Milênio das Nações Unidas, na qual todos os países da região comprometeram-se a cumprir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Nessa fase, os países aumentaram a cooperação Sul-Sul em saúde para responder aos compromissos assumidos individualmente nos foros internacionais e que se transformaram em políticas dentro dos blocos sub-regionais. Como resultado, essa fase caracteriza-se pela proliferação de agendas, planos, diretrizes e estratégias diversas na área da saúde, com perfis de médio e longo prazo, cujos objetivos e metas estão em concordância com os compromissos assumidos em nível global.

Além das semelhanças nos contextos vivenciados pelos diferentes blocos, todos apresentam algumas atitudes análogas, a exemplo: o discurso político que propõe os mesmos objetivos (reduzir a pobreza, fomentar a inclusão social e a equidade, promover o desenvolvimento econômico e social) e que adota os mesmos princípios (solidariedade, equidade, justiça e inclusão social). Todos assumem uma retórica que aponta a saúde como relevante nas funções de governança e desenvolvimento das nações, bem como o valor da cooperação Sul-Sul como ferramenta tanto para a superação das problemáticas da saúde quanto para a consolidação das identidades regionais e o seu fortalecimento dentro da nova ordem geopolítica continental ou mundial.

A implantação de políticas de negociação conjunta de preços para ampliar ou assegurar acesso básico a medicamentos figura como exemplo comum aos diferentes blocos sub-regionais da América Latina.

Outra identidade observada é o apoio da OPAS às diferentes iniciativas estudadas neste artigo, como geradora dos processos de cooperação entre os países ou apenas como facilitadora do intercâmbio de experiências.

Essa retrospectiva de quarenta anos da cooperação em saúde nos contextos sub-regionais da América Latina e do Caribe demonstra uma identidade no discurso dos diferentes atores institucionais, que têm se comprometido reiteradamente por meio de protocolos, acordos, declarações etc. a melhorar as condições de saúde da população das sub-regiões que representam. Não obstante, quarenta anos passados desde a constituição da primeira iniciativa de cooperação sub-regional em saúde na América Latina vis-à-vis a continuidade dos mesmos problemas de saúde por resolver, parece demonstrar igualmente a fragilidade desses compromissos e dos mecanismos institucionais para o cumprimento dos mesmos.

As análises apresentadas permitem levantar alguns questionamentos, apenas indicados à guisa de conclusão do presente estudo, a serem adotados como roteiro para futuras investigações: Qual é a lógica da cooperação em saúde na região? Em que difere a cooperação entre os países da região (sul-sul) daquela provida pelos países mais ricos (norte-sul)? Quão apropriados são os atuais arranjos institucionais sub-regionais para enfrentar os velhos e novos desafios da saúde? Em que sentido e em que medida a saúde é uma preocupação de política externa dos países da região? Quão articuladas estão as políticas nacionais de saúde com aquelas acordadas nos blocos?

Contribuir para esclarecer esses questionamentos é um passo necessário, quiçá indispensável, para transcender a mera retórica e mudar a realidade da saúde na América Latina.

 

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