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Print ISBN 2236-7381

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

A política internacional de controle de armamentos: novos atores, novos referenciais

 

 

Aline Fernandes Vasconcelos de Abreu

 

 


RESUMO

O objetivo deste artigo é apontar algumas das recentes mudanças na política internacional de controle de armamentos. O foco é o crescimento da participação dos novos atores na formulação dessas políticas, principalmente o crescimento do papel das organizações não-governamentais (ONGs) na defesa do direito internacional humanitário (DIH). Por meio de um breve estudo das políticas de controle de armas do pós-Primeira Guerra Mundial, da Guerra Fria e do pós-Guerra Fria, veremos que tradicionalmente o controle de armas era uma política estadocêntrica que visa exclusivamente à segurança do Estado. Contudo, transformações têm ocorrido desde a década de 1990. Os novos atores têm conquistado espaço no debate sobre o controle de armas e consequentemente a perspectiva humanitária do controle de armas tem contribuído para este debate. Neste artigo serão tratadas a ação de campanhas internacionais de cunho humanitário e a conseqüente formulação de convenções internacionais contra armas que violam o direito humanitário, como as minas terrestres e as bombas cacho. A partir disto será possível perceber as transformações atuais e o advento de novas perspectivas no debate sobre controle de armas.

Palavras-chave: controle de armas, direito internacional humanitário, organizações não-governamentais


 

 

Introdução

O controle de armamento, assim como o sistema internacional moderno, tem sofrido muitas mudanças no que tange sua natureza e seus atores. Novos desafios surgiram no Pós-guerra Fria, principalmente com o fim da bipolaridade e o aumento da importância dos atores não estatais na política internacional. O desenvolvimento tecnológico aumentou a capacidade de fiscalização de produção e posse de armamentos; mas também facilitou a disseminação das armas. O direito humanitário ganhou mais importância nas negociações políticas, se aproximando das questões de segurança internacional e criando um debate sobre a concepção de algumas armas.

Estas mudanças têm afetado também a política de controle de armamentos, mas apenas recentemente, ou seja, mais intensamente após a Guerra fria. Isto porque, tradicionalmente, o controle de armamentos era uma estratégia de política externa e mecanismo produtor de ordem e estabilidade entre os Estados, tendo, assim, como objetivo central a segurança nacional. Assim, veremos que, a recente interseção entre as políticas de controle de armamentos, questões de direito internacional humanitário (DIH) e a participação das organizações não-governamentais (ONGs) em campanhas de controle de armamentos tem resultado na ascensão de abordagens de diferente natureza. Uma nova perspectiva do controle de armamentos, sob a óptica do direito humanitário, tem enriquecido o debate sobre controle de armas. O Tratado de Ottawa, que bane a utilização de minas terrestres; assim como o Tratado de Oslo, que condena o uso de bombas cacho são as maiores expressões deste fenômeno.

Logo, a fim de demonstrar tais mudanças, este artigo será divido em duas partes. Na primeira parte será feita uma descrição histórica das políticas de controle de armamentos e de desarmamento. Serão abordados os principais tratados e os fatos centrais. Três momentos serão abordados, o pós-Primeira Guerra Mundial, a Guerra-Fria e o Pós-guerra Fria. A segunda parte abordará a inclusão da questão humanitária nas políticas de controle de armamento, dando atenção especial ao papel das ONGs. A ação dos novos atores será tratada a partir da organização de campanhas internacionais e criação de coligações transnacionais e do estabelecimento da Convenção contra Minas Terrestres (1997) e da Convenção contra Bombas Cacho (2008).

As políticas de controle de armamentos até a década de 1990

As estratégias de controle de armamentos, assim como os acordos sobre o uso de armas não são práticas estritamente atuais. O papel dos Estados soberanos neste contexto, de certa forma, pode ser visto como fruto da modernidade, a partir de sua consolidação na Europa ocidental pós-Westphaliana. Mas existem exemplos de típicas negociações de armamentos em períodos bastante anteriores à formação do Estado moderno. Por exemplo, o Tratado entre Roma e Cartagena em 201 a.C. que proibia o uso de elefantes em guerras; o acordo de 448 a.C. entre Atenas e Pérsia que desmilitarizava o Mar Egeu e as campanhas protagonizadas pela Igreja Católica Romana que, a fim de defender "guerras justas", buscava impor limites às práticas de combate através da criação de normas internacionais1.

Com a criação do Estado moderno, o fortalecimento e a formalização internacional dessa prática se deram principalmente após a primeira Guerra Mundial. O horror vivenciado durante estes conflitos, o grande número de mortos, assim como o alto índice de destruição levou os países envolvidos a criarem mecanismos cujo objetivo fosse garantir a paz e impedir novas guerras. A Liga das Nações (1919) é a maior expressão desta iniciativa, seu objetivo era garantir a paz mundial através da criação de fóruns de discussão e do exercício do direito internacional e da diplomacia. Juntamente, foram estabelecidos acordos internacionais de desarmamento como o Tratado de Versalhes (1919), por meio do qual foi determinado o desarmamento da Alemanha2. Além desses, foi também estabelecido o Protocolo de Proibição do uso na Guerra de Gases Asfixiantes, Venenosos e outros, e de Métodos Bacteriológicos de Guerra de 1925.

A despeito de alguns fracassos como o caso da Liga das Nações, que não foi capaz de impedir a Segunda Guerra Mundial, foi neste período que surgiram muitos dos princípios e dos mecanismos básicos das políticas internacionais de desarmamento. Segundo Tanner, foi este legado do pós-Primeira Guerra que permitiu o estabelecimento de uma prática de negociação internacional sobre questões relacionadas ao desarmamento e controle de alguns tipos de armamentos3. Duas são as principais características dessas negociações no pós-Primeira Guerra: a primeira é a mobilização internacional em pró do desarmamento para garantir a paz; e a segunda característica é o aspecto multilateral desse desarmamento, garantido via direito internacional.

O pós-segunda Guerra Mundial, ou seja, o período da Guerra Fria é também de extrema importância no debate sobre controle de armamentos, principalmente com relação à definição deste conceito. Isto se deu principalmente em razão da teoria da deterrência nuclear entre EUA e URSS como visto na seguinte citação:

The full development of the concept of arms control was a by-product of nuclear deterrence theory in the late 1950. Its role was to make nuclear deterrence into a means for turning arms competition and tendencies toward arms racing between the superpowers and their allies into a mechanism for encouraging the maintenance of the military status quo, or even arms reductions at levels sufficient for mutual deterrence.4

Além disso, ao mesmo tempo em que o desenvolvimento tecnológico permitiu a elaboração de armas mais leves, fáceis de manusear e a maior eficiência na fiscalização do cumprimento de tratados bilaterais e internacionais; ele também facilitou a disseminação de armas pelo globo. Assim, as políticas de "desarmamento", defendidas no pós-primeira guerra, foram substituídas neste momento pelo "controle de armamento" e pela "não proliferação"5.

A criação da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1945 e a incorporação das questões de controle de armas no debate institucional internacional também contribuíram para esta mudança. Mecanismos de controle de armamentos e de governança global passaram a se relacionar no debate de segurança internacional e principalmente de segurança coletiva. Esta correlação permitiu que as Organizações Internacionais, ao adotarem discursos, categorizassem o contexto social, criando assim responsabilidades e valores normativos entre os Estados6. A sistematização da segurança coletiva e a legitimização via criação de categorias levaram à identificação de uma maior complexidade do sistema internacional na Guerra Fria e a criação de uma estrutura internacional de debate sobre segurança internacional e resolução de conflitos.

No que tange as políticas multilaterais, a busca pela não-proliferação de armas nucleares foi uma das mais importantes ações. A principal legislação internacional, neste caso, é o Tratado de não-Proliferação de 1968 (TNP)7, cujas partes são tanto Estados detentores de armas nucleares como Estados não detentores de armas nucleares. A partir deste, vários outros acordos referentes à não-proliferação foram desenvolvidos, o que acarretou na criação de um sistema de normas e conseqüente formação de um Regime de Não-Proliferação Nuclear. Contribuíram para isto a fiscalização do cumprimento do TNP pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) de 1957, o estabelecimento de zonas livres de armas nucleares na América Latina, África, Pacífico Sul, Ásia e Antártida, o Zangger Comittee8, o regime de controle sobre a tecnologia de mísseis e o Statement of Principles and Objectives for Nuclear Non-Proliferation and Disarmament de 1995, cujo objetivo era exatamente fortalecer o regime. Além das armas nucleares, foram estabelecidas convenções relacionadas a outras armas de destruição em massa, como a Convenção de Armas Biológicas de 1972.

Contudo, foram as políticas bilaterais de controle de armas que mais se destacaram, principalmente em razão da ameaça de uma guerra nuclear. A partir desta lógica foi firmado o Tratado Antimísseis Balísticos de 1972, o SALT I e II (Strategic Arms Limitation Treaty) de 1969 e 1979, o Tratado de forças intermediárias de 1987 e o START I e II (Strategic Arms Reduction Talks) de 1992 e 1993. Mais do que dar extrema atenção à relação entre EUA e URSS, passou-se a tratar as práticas de controle de armamentos como questões de política externa. Desta forma, o controle de armas passa a fazer parte do conjunto de questões que integram as políticas externas dos Estados-nação. Seu objetivo seria garantir da segurança do Estado9. Assim, as estratégias utilizadas pelos dois pólos na Guerra Fria passaram a ser considerados com exemplos de políticas de controle de armamento.

Após a Guerra-Fria, com o fim da bipolaridade e com a proliferação das armas de destruição em massa e armas convencionais, novos desafios à segurança internacional surgiram, incluindo assim novos princípios, objetivos e atores. A dinâmica do sistema internacional como um todo sofreu mudanças e em razão disto as medidas tradicionais de controle de armamentos deixaram de ser suficiente para abarcar a nova dinâmica das RI.

The end of the Cold War shifted the conceptual framework for national and international security dramatically. The bipolar world order was replaced with a new, less-understood world filled with shifting strategic interests, different and more-diffuse threats, and uncertainty about the proper means of confronting them. The roles of arms control and of negotiated U.S.-Russian strategic reductions remain central to international security, and are likely to for the foreseeable future, but new actors are playing increasingly vital roles. In a word, arms control is becoming increasingly multilateral.10

A fim de se adaptar à nova realidade, novos medidas foram tomadas a fim de controlar o poder dessas novas ameaças. Neste caso, políticas de não proliferação passaram também a buscar medidas que evitassem o acesso de grupos terroristas a armas nucleares. Como exemplo, Kartchner cita o Acordo entre os países do G8 contra a proliferação de armas e materiais de destruição em massa de 2004, a Iniciativa de Proliferação da Segurança de 2003; a Iniciativa Global contra o Terrorismo Nuclear de 2006 e a Parceria global de energia nuclear de 2007. Todos esses acordos foram frutos apenas da ação política entre países e ainda os mais desenvolvidos como EUA, Rússia, Japão, França, Alemanha e Reino Unido.

Kartchner também faz um paralelo entre os objetivos da agenda de controle de armamentos de antes e durante a Guerra Fria, o que nos ajuda a visualizar as políticas de controle de armamentos até aqui expostas. Os velhos objetivos abordariam a possibilidade de uma guerra nuclear, com foco nas relações entre as grandes potências atômicas. Já, durante a Guerra Fria, ele aponta para a mitigação do ataque nuclear surpresa, a estabilização da corrida armamentista nuclear, a promoção da deterrência entre as duas potências nucleares e o controle do conflito convencional e nuclear na Europa Central. Para este autor, os novos objetivos não seriam muito diferentes dos antigos, sendo apenas notável a existência de novas ameaças. Dentre eles teríamos a identificação de ameaças nucleares terroristas; o controle da proliferação de armas de destruição em massa nas múltiplas regiões do globo e o fortalecimento da estabilidade regional, principalmente das alianças de segurança regionais11.

Contudo, veremos a seguir que além dessas pequenas mudanças apresentadas pro Kartchner, outros fenômenos vêm ocorrendo e consequentemente afetando as políticas internacionais de controle de armamentos. O papel dos novos atores e a existência de novas ameaças tem cada vez participado mais do debate e da formulação de políticas de controle de armamentos. O crescimento do papel das ONGs em campanhas na negociação de acordos internacionais de controle de armas vem permitindo um enriquecimento do debate sobre controle de armamentos, principalmente pela defesa de uma perspectiva que se embasa em princípios do direito internacional humanitário.

 

O Direito Internacional Humanitário e as ONGs no controle de armamentos

Juntamente com as transformações desde a Guerra Fria, o surgimento de novas ameaças e a ascensão de novos atores, aconteceu também o fortalecimento da ação social internacional e o crescimento do papel e da influência de organizações de cunho não estatal na política internacional. O crescimento da importância das ONGs e da perspectiva humanitária do DIH no debate de controle de armamentos também foi fruto dessas transformações. Dois aspectos centrais nos permitem compreender este fenômeno: o primeiro deles seria a preexistência de um direito internacional humanitário, o qual passa a integrar a discussão de controle de armamentos. E o segundo seria a participação bem sucedida de ONGs em conjunto com alguns Estados nas negociações de acordos internacionais de controle de armas.

Estes dois aspectos geralmente se inter-relacionam. As ONGs têm um papel importante na humanização do conflito armado e essencial na inclusão de questões humanitárias no debate de segurança internacional e de controle de armas. Além de criar novos vínculos entre a sociedade civil, Estados e organizações internacionais; multiplicando assim o acesso ao sistema internacional; elas também são capazes de obter novas informações e criar novas "molduras de significado" (frame of meanings)12. Nos casos aqui abordados, veremos que é feita uma moldura humanitária dos armamentos. O desrespeito dessas armas ao DIH acarretaria na defesa política de sua condenação e proibição.

In this subject of issues, complex global network carry and reframe ideas, insert them in policy debate, pressure for regime formation, and enforce existing international norms and rules, at the same time that they try to influence particular domestic political issues13.

A partir de uma análise do desenvolvimento histórico do DIH, percebemos que em vários momentos, este foi amplamente defendido por organizações não governamentais. Até a elaboração das Convenções de Genebra, a maioria dos tratados e acordo sobre proteção de vítimas de guerra eram circunstanciais, sendo válidos apenas durante os conflitos. Somente os Estados parte tinham obrigação de respeitá-los e o conteúdo se resumia a questões militares. Mas, a partir de 1864, quando a primeira Convenção foi criada, passou-se a desenvolver os princípios básicos do direito humanitário, com o estabelecimento do escopo universal e obrigatoriedade a todos os países. Desde este momento podemos observar a importância de movimentos humanitários e organizações não estatais como a Cruz Vermelha. Tais iniciativas tornaram possível a conscientização dos problemas humanitários internacionais durante os conflitos, assim como da importância da formulação de acordos internacionais.

As Convenções de Genebra são quatro; sendo que as três primeiras garantem os direitos de militares feridos, dos militares náufragos e dos prisioneiros de guerra respectivamente14. A quarta Convenção, de 1949, dá proteção especial aos civis em períodos de conflito armado, estabelecendo a distinção entre eles e os militares. O conjunto formado pelas quatro convenções mais os dois protocolos adicionais, de 1977, tem como objetivo limitar a prática da violência durante o conflito armado, através da proibição do uso de armamentos e medidas que causem danos e sofrimento extremos.

No entanto, tais medidas não foram consideradas suficientes pra os movimentos sociais envolvidos nesta questão, como será explicado a seguir na discussão sobre o Tratado de Ottawa e de Oslo. Para eles, era também necessária a especificação da legislação com relação às armas que desrespeitavam o direito internacional humanitário, já que as Convenções de Genebra apenas estabeleceram alguns princípios gerais. Logo, em 1980, foi criada a Convenção sobre Proibições ou Restrições ao Emprego de Certas Armas Convencionais, que Podem ser Consideradas como Excessivamente Lesivas ou Geradoras de Efeitos Indiscriminados (CCW), fruto de duas conferências realizadas em Genebra sob o âmbito da ONU. Esta convenção tem o status de "Convenção Quadro", o que significa que ela é suplementada por protocolos adicionais. Desta forma, foram anexados cinco protocolos referentes a alguns armamentos específicos. O primeiro aborda fragmentos não detectáveis, o segundo minas terrestres e armadilhas, o terceiro armas incendiárias, o quarto armas laser que podem cegar e, finalmente, o quinto protocolo sobre explosivos remanescentes de guerras.

Contudo, a demanda pela ratificação, respeito e fiscalização de tratados internacionais de controle de armamentos com viés humanitário continuou crescendo, assim como a participação de ONGs, juntamente com coligações governamentais, as quais buscavam cada vez mais afunilar esta legislação. Isto pode ser visto na análise da formulação de duas convenções: a Convenção de Minas Terrestres Antipessoais, de 1997, e a Convenção de Bombas de Fragmentação, de 2008. A partir da preexistência de normas de DIH, foi possível desenvolver e elaborar uma legislação especial para estes armamentos. Com base nas Convenções de Genebra e na CCW foi possível o desenvolvimento do direito internacional pela integração e anexação15 (grafting) desses valores já consolidados em novos tratados. Veremos a seguir, por meio da breve análise específica de cada acordo, que a partir de um escopo geral de normas foi possível abrir espaço para restrições mais específicas sobre armamentos.

As Minas Terrestres antipessoais

As minas terrestres antipessoais eram usadas como munições de defesa que restringiam o acesso terrestre a uma determinada área. Enterradas no solo e longe do alcance visual, elas explodem ao contato com uma pessoa, mutilando ou matando. Ao não serem eliminadas com o término dos conflitos, elas continuam enterradas, escondidas, e com grande potencial de explosão, colocando em risco a população da região onde foram implantadas. Em razão do aumento dos conflitos pelo mundo e pela proliferação da tecnologia bélica, foi observado o aumento do uso das minas terrestres no final da Segunda Guerra Mundial, que continuou aumentando após a Guerra Fria. Desta forma, a quantidade de vítimas em razão do uso das minas também cresceu. A maioria delas é de civis e principalmente crianças. No Afeganistão, e especialmente no Camboja, os danos causados pelas minas foram enormes16.

Contudo, desde as discussões da década de 70, sobre desarmamento e DIH, a utilização e produção de minas terrestres têm estado em pauta, principalmente devido à ação da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho que, através de relatórios, pesquisas e testemunhos, buscaram a conscientização internacional sobre o problema humanitário das minas terrestres17. Este esforço levou à criação do Protocolo II de 1980 da CCW18, referente a minas terrestres e armadilhas. Este protocolo define o que são as minas terrestres19 e também estabelece responsabilidades para aqueles que usarem este tipo de munição. No caso das minas antipessoais, determina-se que elas tenham um mecanismo de autodestruição a partir de um determinado período de tempo; porém são permitidas algumas exceções, como a condição do cercamento e sinalização de território miando, ou a extração das minas após o conflito. Até 2011, 93 países ratificaram o protocolo20.

A fim de expandir e aprofundar a proibição das minas, associações e governos, principalmente o do Canadá21, iniciaram uma forte campanha transnacional para o banimento das minas terrestres na década de 90; mais especificamente em 1993, quando foi formada a Campanha Internacional contra Minas Terrestres (ICBL)22. O mote central da ICBL era a utilização da mídia para a divulgação da mina como uma arma infratora do DIH. Foram realizadas campanhas nacionais, via rádio, televisão, jornais e principalmente pela internet, o que fez aumentar o contingente de apoio à campanha, assim como seu poder de negociação:

In this case, more than a thousand NGOs from some 60 nations organized under an umbrella group called the International Campaign to Ban Landmines which utilized the Internet and other modern communication technologies to coordinate a campaign directly engaging national governments and the international media23.

O papel das ONGs foi essencial também para a redefinição e estabelecimento de uma nova percepção das minas terrestres. Price afirma que o efeito mais básico da sociedade civil é a disseminação de informação sobre o escopo do uso das minas terrestres e seus efeitos. Isto tem ajudado a definir as minas terrestres não simplesmente como um problema humanitário, mas como uma questão de crise global24. Atualmente, em virtude da busca pela humanização do conflito armado desde 1864, a perspectiva humanitária das minas terrestres tem ganhado cada vez mais espaço no debate internacional.

Logo, com o sucesso da campanha contra as minas houve aumento do número de Estados a favor de seu banimento. As negociações para o estabelecimento de uma convenção que proibisse seu uso se iniciaram através do "processo de Ottawa"25 em 1996, e em 1997 foi firmado o Tratado de Ottawa ou a Convenção sobre a Proibição do uso, Armazenamento, Produção e Transferência de Minas Antipessoais e sobre sua Destruição. Assim, através da Convenção das Minas Terrestres, restringiu-se ainda mais as exceções para o uso das minas terrestres, as quais só são previstas em caso de treinamento militar ou transferência de minas para destruição26.

O caso das Bombas de Fragmentação

As organizações não governamentais também tiveram muita importância na campanha contra as Bombas Cacho. Como no caso das minas terrestres, uma rede transnacional de ONGs, da qual muitos integrantes participaram também do Processo de Ottawa, buscou por meio da divulgação de informações, desenvolvimento de relatórios, testemunhos e pressão internacional, criar uma legislação internacional específica à proibição do uso, armazenamento e produção de bombas cacho. Estas bombas, segundo a Convenção de Bombas Cacho de 2008, são munições convencionais desenhadas para dispersarem ou lançarem sub-munições explosivas. Este tipo de armamento é útil quando o alvo é disperso, pois seu poder de explosão consegue cobrir uma vasta área. Contudo, muitas das sub-munições lançadas falham e a explosão só vem a acontecer posteriormente a seu lançamento, até mesmo após o conflito.

O principal problema das bombas cacho é a grande quantidade de vítimas atingidas pelas explosões. O número de civis atingidos pode ser maior que o número de militares em razão de dois aspectos centrais. O primeiro é o geográfico, pois é impossível determinar exatamente qual a área atingida pelas explosões; a fragmentação ocorre aleatoriamente, alcançando muitas vezes áreas civis, próximas ao alvo de ataque. E o segundo é o aspecto temporal, devido à possibilidade de falha na explosão de projéteis, os quais, ao serem abandonados, viram espécies de minas, colocando assim em risco a vida e a integridade física de civis mesmo após o término do conflito: "ten unitary projectiles with a 10 per cent failure rate will leave one unexploded item whereas ten cluster munitions with 100 submunitions each and a 10 per cent failure rate will leave 100 unexploded items - ten times as many"27.

Durante a Guerra Fria as bombas de fragmentação foram amplamente utilizadas na Guerra do Vietnam, na Guerra do Golfo e nos Balkans nos anos 90, principalmente na Croácia, Bósnia, Sérvia e no Kosovo. Sua proliferação nas décadas de 70 e 80 atingiu também o continente africano. Os EUA, um dos maiores produtores de bombas cacho, também as utilizou no Afeganistão em 2001 e no Iraque em 2003. Contudo, um dos casos que mais chamou a atenção da mídia internacional foi sobre as investidas de Israel contra o Líbano em 2006, que causaram sérios danos civis28.

As campanhas contra as munições cacho começaram também por volta dos anos 70. Inicialmente, houve a publicação de relatórios e o desenvolvimento de pesquisa sobre sua utilização na Guerra do Vietnam, com o objetivo de demonstrar seus efeitos sobre a população civil. Com o fim da Guerra Fria, o sofrimento civil continuou devido aos explosivos remanescentes do conflito. Logo, as campanhas avançaram na busca pela proibição do uso das bombas de fragmentação, principalmente em razão do sucesso que a campanha anti-minas e da criação do Tratado de Ottawa em 1997. Então, a discussão foi transferida para o âmbito da CCW, que em 2003 foi complementada pelo Protocolo V sobre explosivos remanescentes de guerras. Para a maioria dos atores envolvidos neste processo, como a Human Rights Watch, a Landmine Action, o Mennonite Central Committee e o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, tais medidas não foram suficientes para por fim ao problema humanitário, visto que não existia uma legislação específica para as bombas cacho. Apesar disto, com a criação deste fórum de discussão e com o engajamento ocorrido para a criação do Protocolo V da CCW, foi possível a posterior organização de uma coalizão internacional contra as munições de fragmentação, a Cluster Munition Coalition (CMC).

Assim, a CMC iniciou uma massiva campanha transnacional, da qual muitos integrantes eram organizações que também tinham participado da campanha contra as minas terrestres, existindo já algum conhecimento sobre os processos de negociação e de divulgação. A coligação também contava com alguns países de poder médio29, principalmente a Noruega, sede das conferências do "Processo de Oslo". Este, assim como o "Processo de Ottawa" ocorreu fora dos fóruns da ONU e acarretou na formulação do Tratado de Bombas de Fragmentação em 2008, também conhecido como Tratado de Oslo. Este entrou em vigor em 2010 com a ratificação do trigésimo país, a Burkina Faso.

Tanto as minas terrestres antipessoais, quanto as bombas de fragmentação violam dois princípios do DIH. Ao atingirem civis durante e após os conflitos elas violam o princípio da discriminação entre civis e militares, sendo que os primeiros devem ser preservados durante um conflito armado. Além deste, existe também o princípio da proporcionalidade, que proíbe ataques que prejudiquem civis, causem danos à população, com violência excessiva e abuso das vantagens militares30. Desta forma, como já visto, o número de civis mortos é enorme, não apenas devido à disseminação geográfica aleatória das bombas de fragmentação, mas também devido à extensão temporal pós-conflito que mantém as perdas civis ao longo dos anos, aumentando desproporcionalmente o número de vítimas causadas por estes armamentos. Estes são os princípios norteadores desta discussão. A novidade observável na análise desses dois processos é que não mais a discussão de controle de armas se vê dominada por questões estritamente de segurança nacional, política externa e estabilização das relações inter-estatais. Os fatores e os efeitos humanitários do uso de uma arma também têm entrado em pauta a partir da perspectiva do DIH trazida principalmente pelas ONGs.

 

Conclusão

As atividades das campanhas internacionais pró-proibição das minas e das bombas de fragmentação ainda continuam. Apesar de terem conquistado os tratados contra as minas terrestres e contra as bombas de fragmentação. Os principais objetivos, neste momento, passaram a ser a ampliação da quantidade de ratificações e assinaturas e garantir o cumprimento dos acordos por meio de fiscalização. Para tal, é imprescindível que a disseminação internacional de informações sobre o problema humanitário seja acompanhada pela pressão sobre os países que não aderiram ou desrespeitam estas normas. O papel desempenhado pelas ONGs neste processo é extremamente importante para seu sucesso; pois a sociedade civil tem conquistado espaço na política internacional. Através da mobilização popular, os indivíduos têm conseguido exercer pressão sobre os países e, de alguma forma, influenciar suas ações.

Apesar dos Estados desempenharem um importante papel na política internacional, o controle de armamentos não mais tem sido apenas um instrumento de políticas de segurança nacional, com o objetivo de evitar o conflito, diminuir o seu custo e torna-lo menos danoso. Com o advento das ONGs nas negociações internacionais e com o crescimento da importância das questões humanitárias na política internacional, vemos surgir novos objetivos. Não apenas o fim e o controle do conflito são almejados, mas também o sofrimento humano, em busca da preservação da vida e da integridade física dos indivíduos. A segurança do Estado não deixa de ser importante, mas seus meios passam a ser ponderados pelos direitos dos indivíduos.

A humanização e a busca por conflitos menos violentos, e que prezem pela vida da população civil, vai além da deterrência e da não disseminação de armas de destruição em massa. Diferentemente do que vinha acontecendo até a Guerra Fria, o desarmamento e o controle de armas têm adquirido um caráter cada vez mais multilateral, envolvendo os países mais poderosos, menos poderosos, assim como atores não estatais. A interconexão e a interdependência do sistema internacional como um todo tem cada vez se intensificado mais, incluindo qualquer nível de política, tanto a hight policy dos Estados e das Organizações internacionais, até a bottom policy das ONGs, movimentos sociais e grupos terroristas.

Através das campanhas transnacionais, vimos que tanto a ICBL quanto a CMC conseguiram contribuir para o debate internacional de controle de armamentos pelo desenvolvimento e divulgação de uma nova perspectiva das minas e das bombas cacho. Hoje em dia, além de armamentos convencionais, elas também podem ser tratadas como armamentos que desrespeitam o DIH. Este contraste permite a conclusão de um crescimento da relevância do referencial humanitário dentro de debate de controle de armas. Com o estabelecimento de normas e de acordos internacionais, este fenômeno se fortaleceu ainda mais, visto que a criação de uma legislação internacional específica abre espaço ao avanço e desenvolvimento de outras normas.

 

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1. SMITH in LARSEN & WIRTZ, 2009, p. 20.
2. TANNER, 1993, p. 35.
3. Idem i, p. 25.
4. BUZAN & HERRING, 1998, p. 213.
5. LARSEN in LARSEN & WIRTZ, 2009, p. 4.
6. BARNETT & FINNEMORE, 1999, p. 711.
7. O TNP determina que as potências nucleares devem manter e seu aparato nuclear e evitar a proliferação dessas armas. Já as potências não-atômicas têm o direito de desenvolver tecnologia nuclear, desde que seja para fins pacíficos. (http://www.mre.gov.br/dai/naonuclear1.htm).
8. Comitê do Tratado de não proliferação entre os exportadores de tecnologia nuclear. (KARTCHNER, 2009, p. 46).
9. Idem v, p. 1.
10. GRAHAM, 2000, p. 186.
11. KARTCHNER in LARSEN & WIRTZ, 2009 (p. 56).
12. KECK & SIKKINK, 1998, p. 17.
13. Idem xiv, p. 199.
14. A primeira Convenção de Genebra, de 1864, determina o direito de proteção, durante o conflito, a membros das forças armadas que estejam doentes ou feridos. A segunda Convenção, de 1899, expande a primeira convenção às ações de guerra no mar. Assim, também passam a ter direito à proteção membros das forças armadas doentes, feridos que estejam em mar, ou vítimas de naufrágio. E a terceira Convenção, de 1929, defende os direitos dos prisioneiros de guerra. (http://www.icrc.org)
15. "Scholars have used terms such as "issue-resonance," "salience," and "nesting" to argue that ideas are more likely to be influential if they fit well with existing discourses in a particular historical setting". PRICE, 1998, p. 230.
16. RUTHERFORD, 2000, p. 83.
17. Ver http://www.icrc.org.
18. RUTHERFORD, 2000, p. 81.
19. Minas terrestres são definidas como munições colocadas sob ou próximas ao solo ou outra área de superfície, as quais explodem pela presença, proximidade ou contato com uma pessoa ou veículo. (Protocolo de proibição e restrição do uso de minas e armadilhas).
20. De acordo com o site da CCW (http://www.unog.ch/80256EE600585943/%28httpPages%29/4F0DEF093B4860B4C1257180004B1B30?OpenDocument). Acesso em 17 de julho de 2011, às 19h26min horas.
21. Grande participação nas negociações do Ministro de Relações Exteriores do Canadá, Lloyd Axworth.
22. PRICE, 1998, p. 260.
23. GRAHAM, 2000, p. 191.
24. Idem xxii, p. 266.
25. Processo de negociação do Tratado de banimento das minas terrestres.
26. Convenção sobre a Proibição do Uso, Armazenamento, Produção e Transferência de Minas Antipessoais e sobre sua Destruição. (http://www.icbl.org)
27. NASH & BOLTON, 2010, p. 175.
28. Idem xxviii, p. 176.
29. "Drawing on existing literature, we define middle powers as relatively wealthy, small to medium-sized states, with no nuclear weapons and no permanent seat on the UN Security Council" (NASH & BOLTON, 2010, p. 173).
30. International Committee of the Red Cross, 2007, p. 54.