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Print ISBN 2236-7381

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

Política externa de Lula e a dinâmica sul-americana: o caso da IIRSA

 

 

Julio Cesar Pinguelli Jacomo; Ana Carolina Vieira de Oliveira

 

 


RESUMO

Este trabalho busca analisar os elementos da Política Externa Brasileira presentes na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) à luz do processo de integração regional, e, em particular, da Iniciativa para Integração da Infra-Estrutura Sul-Americana (IIRSA). Procuramos indicar as diretrizes de política externa em Lula, principalmente o papel inovador dado à América do Sul como elemento central de uma política de fortalecimento das relações com o Hemisfério Sul - a chamada cooperação Sul-Sul; e, a partir desse estudo, percebemos a IIRSA como proposta de integração capaz de confluir seus eixos regionais com a estratégia nacional brasileira de aprofundamento do conceito de América do Sul, e de sua própria projeção regional e, consequentemente, internacional. Por isso, buscamos explicitar fundamentos, características e objetivos da IIRSA como forma de apresentar sua importância não apenas para o desenvolvimento do sub-continente, como também para a o desempenho da diplomacia durante o governo Lula.

Palavras-chave: política externa, Lula, América do Sul, IIRSA


 

 

Considerações Iniciais

Ao chegar ao poder na presidência da república em Janeiro de 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva realizou um discurso no qual definiu suas três principais linhas de atuação no campo internacional. A primeira foi a defesa do multilateralismo. A segunda foi a chamada "Opção Sul-Americana" (GARCIA, 2010, pg. 159). A terceira foi a de uma "política externa ativa e altiva", nas palavras de Vigevani & Cepaluni (2007) e Almeida, (2007), e que é entendida como a origem para a iniciativa anterior, é a ampliação e fortalecimento das relações com países do hemisfério Sul. Com isso, Lula queria redesenhar a geografia política mundial e comercial (JACOMO, 2010, pg. 2).

Em seu governo, a integração regional assume papel fundamental e essencial para o fortalecimento da região frente ao cenário internacional na medida em que ela alia o multilateralismo e a opção sul-americana. E todas recaem em realizar uma política externa mais altiva e ativa. No campo econômico, o Mercosul e a Unasul propiciaram o aumento de competitividade e da rentabilidade dos investimentos na região, sobretudo no Brasil. Além disso, as negociações econômicas com grandes potências passaram a ser feitas em bloco, conferindo maior peso e representatividade para o bloco. No campo político, permitiu costurar convergências de posições e o estímulo da cooperação na participação dos custos político-econômicos e nas tomadas de decisões (JESUS & JACOMO, 2009, pg. 113).

No entanto, o caráter político e econômico das integrações, como tendência de décadas de iniciativas de integração na região, não era suficiente para Lula para alcançar seus objetivos de política externa. Levando em conta as configurações externas de poder e a dinâmica da competição pelo poder, o Brasil reconheceu, em nível estratégico, a necessidade de uma integração mais densa para potencializar a posição relativa regional na agenda internacional (JACOMO, 2010, pg. 98). Em relação à estratégia casada de ampliação das relações com o hemisfério Sul e fortalecimento da integração regional ampliando seu escopo de atuação é que podemos compreender como a Iniciativa para Integração da Infraestrutura Sulamericana (IIRSA) se encaixa dentro do escopo de atuação e promoção dos valores e objetivos da política externa brasileira para a região.

A IIRSA é um mecanismo de integração regional que visa à promoção de princípios básicos, tais como, Regionalismo aberto, Eixos de Integração e Desenvolvimento, Sustentabilidade (EID), Aumento do valor agregado da produção, Convergência Normativa, dentre outros, para impulsionar o crescimento econômico sustentado da região e se baseia em três pilares: energia, telecomunicações e transportes. Para entendê-la dentro da perspectiva brasileira de atuação para a região sulamericana, será realizado um balanço da política externa brasileira no período citado, elucidando seus principais aspectos e realizações no âmbito regional, inseridos em uma abordagem mais ampla da agenda de política exterior de Lula. Posteriormente, buscar-se-á a analisar como os eixos dessa proposta regional se enquadram nos eixos norteadores da política externa sob a égide do governo Lula, buscando traçar paralelos entre os objetivos propostos e os ganhos auferidos pela atuação internacional brasileira na região.

 

A Política Externa de Lula: um enfoque especial para o Hemisfério Sul

A Política Externa apresentada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, entre 2003 e 2010, pode ser marcada, segundo alguns autores, ao mesmo tempo, pela continuidade e pela ruptura. Por essa lógica, muitas análises existentes neste campo das Relações Internacionais são feitas em comparação ao período antecessor mais próximo, o de Fernando Henrique Cardoso (FHC), uma vez que os conceitos de ruptura e continuidade têm certa característica temporal. No entanto, para este trabalho, evitaremos utilizar tais conceitos citados pois acreditamos que o que ocorreu em sua gestão foi mais do que apenas relativa ruptura e continuidade; mas sim inovação e não-inovação.

Portanto, e por esta razão, percebemos que houve inovação entre 2003 e 2010, em Lula. Ela se justifica pela maior assertividade presente nas decisões e ações do governo na agenda internacional, que se caracteriza na busca para garantir uma política externa pautada no multilateralismo e na autonomia, na ênfase crescente na cooperação Sul-Sul e na região sul-americana, na valorização do papel de mediador entre terceiros, na formação de um papel de liderança, e no tratamento de temas como o desenvolvimento e o interesse nacional. Isso tudo está atrelado à formulação de Política Externa dada pelo Itamaraty - o Ministério das Relações Exteriores brasileiro -, influenciada pelo personalismo do presidente e pela política partidária, neste caso o Partido dos Trabalhadores (PT) (ALMEIDA, 2005. p. 05). Muitos dos aspectos, como a diversificação de parceiros e, portanto, a valorização do paradigma globalista de política externa1, estão presentes em outros momentos históricos; e, deste modo, seriam uma não-inovação. No entanto, aglomerar diversos temas, atores e diretrizes, alguns deles novos, em uma única política exterior faz do governo Lula um parâmetro de inovação.

Tratando especificamente das características mais marcantes da Política Externa de tal governo, esta se mostrou ativa com o objetivo de alcançar os interesses nacionais e o desenvolvimento nacional (OLIVEIRA, 2010. p. 20). Nesses aspectos, a diplomacia de Lula - caracterizada, assim como a de FHC, como presidencial - vislumbrava o estabelecimento de um papel preponderante do Brasil na região sul-americana e no mundo (FARIA, 2003. p. 05; ALMEIDA, 2005. p. 50). Junto a esse papel preponderante, está presente a valorização de uma posição mais autônoma do país, o que Vigevani e Cepaluni (2007) denominam de "autonomia pela diversificação"2. Ou seja, Lula incrementaria a autonomia que vinha sendo construída anteriormente com a adesão às normas internacionais e participação na produção das mesmas; e com a diversificação de parceiros e de opções estratégicas (VIGEVANI & CEPALUNI, 2007. p. 283).

Dentro desse aparato de parceiros e opções estratégicas, estão as alianças com os chamados "países do Sul", ou do Hemisfério Sul. Tal aproximação não se deu em detrimento do vínculo já existente com os parceiros mais tradicionais, como os Estados Unidos e a União Européia, mas foi mais do que a mera coordenação, já existente no governo anterior (ALMEIDA, 2004. p. 07; VIGEVANI & CEPALUNI, 2007. p. 296). A cooperação se fortaleceu, e instrumentos como o Fórum Índia, Brasil e África do Sul (IBAS), o G-20 comercial e econômico, a IIRSA ou os BRICS3 surgiram ou se intensificaram.

De uma forma geral, estes novos parceiros do Sul estão presentes em regiões que os caracterizam como em desenvolvimento, como a América Latina e do Sul, África e Oriente Médio, e não necessariamente o vínculo estabelecido vislumbrava apenas a parte comercial. O Brasil, comercialmente, se multilateralizava e se calcava em uma imagem de Global Trader, mas a presença política cada vez mais constante no cenário internacional, durante o governo de Lula, dava um caráter de Global Player ao país (FARIA, 2003. p. 04). Deste modo, estabeleceu-se o desejo de liderança brasileiro em meio ao mundo em desenvolvimento, o que garantiria maiores possibilidades de inserção internacional. Desejo este presente na diplomacia partidária petista, com objetivos a trazer resultados referentes às mudanças no sistema político mundial (ALMEIDA, 2005. p. 42).

O papel de líder adquirido pelo Brasil durante o governo Lula, diferentemente do mandato de FHC, não se limitava apenas à parte comercial, nem somente à região sul-americana. A diversificação de parceiros e opções disponíveis ao país, em termos econômicos, políticos, culturais, sociais, etc. garantiriam a ele maior voz e poder de barganha no cenário internacional, fortalecendo os caminhos que o país deveria seguir para alcançar o projeto de desenvolvimento nacional.

No entanto, a estratégia de liderança em um ambiente mais amplo é consequência da busca pelo papel de líder exercido regionalmente. No marco da estratégia de cooperação Sul-Sul está a região sul-americana, onde se tem buscado mais efetivamente a instrumentalização de tal liderança (FARIA, 2003, p. 06). O governo Lula reafirmou a América do Sul como região prioritária para sua política externa, centro propagador de toda uma estratégia de inserção externa brasileira.

Ao contrário do governo anterior, em que a prioridade ao entorno regional estava presente na esfera comercial - outras atividades não eram bem desenvolvidas, permanecendo em um plano superficial e retórico (COUTO, 2006. p. 09) - a política de Lula para a América do Sul foi considerada a mais marcante de seu mandato porque traz a inovação, justamente, de sua diplomacia. A política externa brasileira, naquele momento em especial, focava em diversos pontos que lidavam, diretamente, com questões envolvendo assimetrias existentes entre os países sul-americanos e o desenvolvimento da região como um todo.

A partir dessa lógica, atrelada também ao desejo de inserir a região no tabuleiro político mundial, a diplomacia de Lula abriu as opções, buscando instrumentalizar na América do Sul a integração não apenas comercial, mas também aquela existente por meio de instrumentos políticos, sociais e culturais, além dos físicos, estratégicos e de segurança. Com isso, podem-se ver dezenas de iniciativas de integração entre os países da região, com a formação de blocos e alianças, como a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), a assinatura de tratados e acordos, como o acordo entre Mercosul e Comunidade Andina de Nações (CAN), e a intensificação de iniciativas previamente acordadas, como a IIRSA.

A integração proposta pela diplomacia de Lula na América do Sul faz parte da iniciativa de fortalecer seu entorno regional, diminuindo as divergências e aumentando a propensão à cooperação de cada um dos atores estatais envolvidos; o que incrementa a proeminência sul-americana no meio externo, e o papel do Brasil como o eixo dessa área.

A retomada da IIRSA, tema deste artigo, durante o governo Lula, atualmente, é um dos mais importantes exemplos de sua diplomacia ativa (COUTO, 2006. p. 15), e mostra a inovação de se intensificar um esquema já existente, de modo que atenda ao desenvolvimento regional e aos interesses nacionais brasileiros. Na seção seguinte mostraremos, com mais clareza, as características da IIRSA e sua fundação, para que seja apresentada, a posteriori, detalhadamente, sua importância para a política exterior de Lula.

 

A Iniciativa para Integração da Infraestrutura Sulamericana (IIRSA): Formação, Objetivos Iniciais, Fundamentação e Contexto Atual

Após serem estabelecidos os parâmetros de política externa do governo Lula na seção anterior, a compreensão dos mecanismos estruturais da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) se mostra de grande importância. De uma forma geral, essa iniciativa começou a ser desenvolvida em 2000 por ocasião da Reunião dos Presidentes da América do Sul, em que os líderes do continente decidiram implementar ações políticas conjuntas voltadas para o incentivo à integração física, energética e de comunicações sob uma perspectiva regional (JESUS & JACOMO, 2009, pg. 112).

Inicialmente proposta pelo governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em Brasília no ano 2000, se baseia na experiência brasileira de planejamento territorial, alicerçada na realização de um estudo estratégico do governo brasileiro sob tutela do Ministério do Planejamento (MP) e do próprio BID, conhecido como Estudo dos Eixos. Nesse estudo, contemplou-se a integração do território nacional brasileiro a partir de eixos de desenvolvimento setoriais. À luz e semelhança, a IIRSA tem por finalidade a promoção do desenvolvimento e integração da infraestrutura regional sul-americana de forma sustentável e equitativa baseada no tripé transporte, energia e comunicações. Para melhor conhecermos a IIRSA, precisamos entender sua formação desde sua origem, em 2000, até os dias de hoje.

O Plano de Ação proposto em Brasília apresenta a idéia de eixos de desenvolvimento para o continente a partir de uma análise das relações entre infraestrutura e comércio internacional e descreve a localização das principais riquezas naturais da América do Sul e a forma como podem ser utilizadas por meio da melhoria da infraestrutura e da consequente integração entre países e continentes (MORAES, 2010) Este conceito derivou de dois princípios clássicos da teoria de integração regional: os de economia da aglomeração e de polos de crescimento. Essa iniciativa tem sido estimulada visando à organização do espaço do subcontinente, em uma "nova" onda de modernização de infraestrutura produtiva, com a retórica de tornar as economias sul-americanas (e mais amplamente as latino-americanas) mais competitivas e menos vulneráveis (VITTE, 2005).

No seu escopo, a IIRSA propõe inovações no âmbito do financiamento da infraestrutura e recoloca na agenda de discussão política sul-americana a questão da integração com uma nova cara, não sendo apenas uma integração de mercados, mas uma física/territorial (infraestrutura) dos países, novidade até então. E esses investimentos contam, principalmente, com a alta dependência de investimentos estatais, seu principal "calcanhar de Aquiles". De fato, ela busca estimular a modernização da infraestrutura regional, o desenvolvimento de sub-regiões afastadas e a interação socioeconômica sul-americana (JESUS & JACOMO, 2009, pg. 112).

A integração via IIRSA contempla o financiamento não só do Banco Mundial, mas também a CAF e o Fonplata. Esses órgãos trabalham em conjunto com os Estados e com a iniciativa privada. É comum, no entanto, haver forte influência do papel dos países, privada ou publicamente, no fomento da integração e nessas instituições de financiamento. O Brasil é um dos principais Estados que colaboram com o projeto da IIRSA, e que exercem essa influência no financiamento dos projetos da carteira da iniciativa, com uma política externa forte e com a presença cada vez mais marcante do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e de empresas, principalmente na área de construção civil. Inclusive, a maioria das empresas que trabalham nas obras de infra-estrutura da IIRSA são brasileiras.

Os principais objetivos da IIRSA contidos em seu Plano de Ação são a redução de custos de transporte, dinamização do comércio intra e extra-regional aumentando a competitividade dos países da região, aumento da participação da iniciativa privada protegendo legalmente os seus investimentos, modernização e promoção da infraestrutura e redefinição do papel do Estado. Para atingir esses objetivos, fixaram-se alguns princípios orientadores do projeto, tais como, Regionalismo Aberto, Eixos de Integração e Desenvolvimento (EID), Sustentabilidade Econômica, Social, Ambiental e Político-Institucional, Aumento do valor agregado da produção, Tecnologia da Informação, Convergência Normativa e Coordenação público-privada.

De forma sucinta, a IIRSA conta com projetos escolhidos a partir de alguns parâmetros: (a) impactos transnacionais; (b) complementariedade entre projetos; (c) sinergias resultantes da interação direta e indireta entre os eixos e; (d) geração de oportunidades de emprego e renda para as populações locais. Esses parâmetros levaram à definição dos chamados Eixos de Integração, mencionados anteriormente, a saber: Eixo Andino, Eixo Peru-Brasil-Bolívia, Eixo da Hidrovia Paraguai-Paraná, Eixo de Capricórnio, Eixo Andino do Sul, Eixo do Sul, Eixo MERCOSUL-Chile, Eixo Interoceânico Central, Eixo Amazonas e Eixo Guianiense (ARAÚJO JR, 2009). Um dos principais requisitos para que esse projeto regional dê prosseguimento é a necessidade de uma agenda consensual. Isso implica em todos os doze países da região estarem em concordância com os projetos desenvolvidos, o que gera um risco extremamente alto para o projeto, uma vez que a região possui um histórico de instabilidade política, além das sucessivas eleições que se intercalam ao longo dos anos. Assim, pelo menos uma vez a cada década, as prioridades da IIRSA serão reavaliadas à luz de um novo conjunto de variáveis.

Ao longo de pouco mais de uma década, observa-se a transformação do projeto original da IIRSA de acordo com as demandas de cada país, além de seus interesses políticos. Como consequência, constatou-se a subtração de três eixos de desenvolvimento do projeto original (Eixo Hidrovia Paraguai-Paraná, Eixo Sul e o Eixo Andino Sul) o que, segundo especialistas na área de integração, aponta para uma inerente corrosão na sua estrutura fundamental de funcionamento, uma vez que, para que haja o desenvolvimento esperado eles precisam ser executados de forma conjunta e interligados. Um primeiro sinal do enfraquecimento do projeto inicial foi constatado em dezembro de 2004, na Reunião de Cúpula dos presidentes da América do Sul, em Cuzco. Na ocasião, na tentativa de não perder sua força institucional e estrutural, houve uma reafirmação dos compromissos da iniciativa, através da aprovação de uma Agenda de Implementação Consensual 2005-2010. Um segundo momento onde observou-se a fragilidade da iniciativa foi em maio de 2008, em Brasília, na Reunião de criação da União de Nações Sul-Americanas - Unasul -, a qual conta com um texto onde prevê uma completa integração do continente americano  através do fortalecimento e interconexão de sua infraestrutura de modo a conectar a região os seus povos, além de considerar para tanto, critérios econômicos de sustentabilidade e de desenvolvimento social (ARAÚJO JR, 2009)

Portanto, observa-se que a metodologia utilizada na IIRSA se baseia em instrumentos analíticos para lidar com as questões do desenvolvimento regional, risco ambiental, promoções de progresso técnico e distribuição de riqueza (ARAÚJO JR, 2009) Entretanto, sua implementação depende da superação de desafios não triviais no âmbito das negociações internacionais, das finanças públicas, do desenvolvimento institucional e das próprias barreiras físicas existentes na região, em virtude de sua geografia natural acidentada. Ainda, podem-se concluir duas problemáticas com relação ao contexto atual da IIRSA. A necessidade dos investimentos estatais de longo prazo, como já mencionada antes, necessita de um longo prazo de maturação.  O segundo se refere à necessidade de reformas internas nos países em setores estratégicos para que determinados projetos sejam levados adiante como, por exemplo, o setor de transporte aéreo. Assim, em médio prazo, a IIRSA dependerá da capacidade dos governos em manter o foco das negociações de forma objetiva e centralizada.

 

A variável IIRSA na Política Externa de Lula para a América do Sul

A partir do momento em que a integração na América do Sul enfrenta diversos obstáculos em termos geográficos, de ordem natural, a necessidade de se investir na articulação estrutural é grande, de modo que a conexão de mercados e sociedades se consolide, atenuando este hiato existente (QUINTANAR, p. 216). As integrações comercial e/ou política não poderiam mais ser vistas como as únicas possibilidades, uma vez que o desenvolvimento da região sul-americana perpassava também pela conexão de telecomunicações, transportes, de energia. Por isso, a integração chamada física não deveria ser só um meio para o entendimento comercial, mas sim essencial para que se obtenha um comprometimento total por parte dos países. Desse modo, a discussão da integração física se fazia fundamental no seio das sociedades sul-americanas (SILVA, 2004. P. 21).

Isto se deve ao fato de que o empenho nessa integração poderia gerar dividendos positivos para os países da região, visto que havia a possibilidade de ocorrer não apenas ampliação de mercados, como também ganhos de competitividade, advindos do desenvolvimento de aspectos estruturais e de consequente produção e consumo, e maior inserção no comércio internacional (SILVA, 2004. P. 22). Outro aspecto relevante incluído no debate da integração física é a questão energética. Assim como os pontos levantados acima, a cooperação e suprimento energético por parte dos países é fundamental para o desenvolvimento de suas economias e enriquecimento de suas sociedades. O setor energético é um dos que vem chamando mais atenção nas últimas décadas. O uso consciente e integrado da energia permitiria, também, a otimização dos recursos e preservação do meio ambiente (SILVA, 2004, p. 29), o que está como um dos elementos fundacionais da IIRSA: a sustentabilidade do crescimento regional.

O papel do Brasil nesse contexto é bastante estratégico. Durante o governo Lula, a redefinição da política externa brasileira para a América do Sul, em especial, garantiu que o país fosse um dos principais atores na implementação e sucesso da IIRSA (SILVA, 2004. P. 38), através da forte atuação do BNDES juntamente de outros mecanismos de financiamento, como o BID. O BNDES é hoje o principal banco público de financiamento brasileiro que se tornou credor de instituições como o FMI e que já ultrapassa o Banco Mundial (BIRD) em créditos concedidos (LEOPOLDO, 2011). O banco (e, indiretamente o governo brasileiro) é um dos principais responsáveis pela orientação que os fundos tomam na liberação do financiamento (SILVA, 2004. P. 41), demonstrando a forte atuação de liderança brasileira na coordenação do programa de integração física.

Como já falado, a configuração do Estudo dos Eixos, do Ministério do Planejamento, durante o governo Fernando Henrique Cardoso permitiu que o BNDES atuasse mais ativamente em projetos desse tipo, articulando obras nacionais com as ocorridas em territórios vizinhos.  Daí o empenho cada vez mais crescente do governo brasileiro, primeiro com FHC e depois enfatizado com Lula, de projetar a diplomacia para a região, de forma a permitir o engajamento dos outros países da América do Sul (SILVA, 2004. P. 48). No entanto, o que difere FHC de Lula está, justamente, no tratamento mais superficial dado pelo primeiro à integração regional, uma vez que a inovação de trazer a região sul-americana para o eixo de uma política externa integrada para os países do Sul foi fincada durante os mandatos do último governante.

No governo de Lula ficou claro que o desenvolvimento nacional brasileiro dependia do desenvolvimento da América do Sul como um todo. E o desenvolvimento regional dependia, em grande parte, do estabelecimento de uma rede de infraestrutura física. Nesse sentido, como aponta Jesus & Jacomo (2009, pg. 109), podemos mencionar a construção das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau no Rio Madeira (Complexo do Madeira) - inseridas no contexto do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal e previstas inicialmente na carteira de projetos da IIRSA - como uma forma de alavancar o desenvolvimento da região através do fortalecimento das redes de infraestrutura. A IIRSA se tornou um dos aspectos centrais para a política externa de Lula para o continente sul-americano. Esta deveria estar atrelada a outro ponto crucial: o viés político da integração, atualmente representado por meio da Unasul. O comprometimento brasileiro com o projeto da IIRSA, vinculado ao comprometimento político do país com a região, geraria automaticamente a confiança por parte dos outros membros neste processo.

A análise das ações de política externa do governo Lula para a região apontam traços de atuação que vão diretamente ao encontro dos objetivos de consolidação da IIRSA. Mais especificamente, podemos dizer o governo Lula, ao buscar fortalecer as iniciativas de integração regional sul-americanas, procurou direcionar seus esforços na tentativa de fortalecer e implementar a IIRSA, na medida em que a criação e uma rede de infraestrutura física e sólida e seu aprimoramento se constituem como a principal base de todos os processos de integração político-econômicos existentes, conforme dito anteriormente, que hoje se encontram deficientes ou fracassados (Mercosul, CAN, CASA, dentre outros).

A questão da construção do "Complexo do Madeira", citado anteriormente, intitula de forma clara essa postura brasileira. Diante do risco de desabastecimento nacional de energia elétrica, o governo brasileiro buscou ampliar sua infraestrutura energética de forma a conseguir maior confiança por parte dos investidos do setor elétrico brasileiro e, assim, suprir a demanda interna do setor industrial, central para o desenvolvimento do país (JESUS & JACOMO, 2009, pg. 119). A necessidade de se evitar a escassez de energia viabilizou a demanda por projetos relacionados à ampliação e à modernização da infraestrutura regional por meio da integração liderada pelo Brasil em busca de segurança energética. A questão energética é um dos três eixos centrais da carteira da IIRSA para a região.

No entanto, o interesse no projeto do Madeira não teve apenas um caráter técnico para o setor energético brasileiro. Além disso, o Projeto do Madeira viabilizaria o alcance de objetivos essenciais da política externa brasileira, na medida em que fortaleceria seu perfil de global player, a potencialização de sua inserção internacional em nível qualitativo e quantitativo, a aceleração do seu desenvolvimento sócio-econômico, foco na cooperação sul-sul como fortalecimento regional, a pretensão ao multilateralismo como alternativa ao unilateralismo norte-americano, o foco na América do Sul como agenda prioritária e a busca de diversificação dos parceiros comerciais (JESUS & JACOMO, 2009, pg 112). Isso fortaleceria sua liderança continental, sinalizando a construção de novas parceiras estratégicas e a consolidação de antigas. No âmbito da IIRSA, o Projeto do Madeira mostrou-se interessante para o Brasil, tendo em vista, principalmente, pela possibilidade de dinamizar o comércio na região da fronteira amazônica, mais diretamente entre as economias dos estados da região norte do país e a dos países andinos envolvidos na iniciativa (Peru, Chile e Bolívia).

Ao integrar a região de forma mais sólida, a vulnerabilidade regional diminuiria, fortalecendo seu aspecto institucional e, consequentemente, aumentaria seu peso político para além de suas fronteiras. O processo conferiria maior estabilidade político-econômica à região, necessária para a adoção da agenda consensual da IIRSA. O multilateralismo pregado pela PEB de Lula, em oposição à tendência unilateralista por parte de alguns países, principalmente em relação aos EUA, mostrava a disposição de ampliação dos mercados regionais como forma de se obter barganha estratégica nas negociações internacionais. Com mais acesso ao mercado internacional, a sua margem de manobra aumenta de forma qualitativa.

No atual contexto da integração sulamericana, tais ações cumprem função não apenas econômica - pois permitem a ampliação da riqueza nacional -, mas também política, na medida em que criam condições para o fortalecimento do poder econômico relativo do Brasil em relação a seus vizinhos, ampliação de sua influencia regional de forma mais discreta e legitima e a resposta ao crescimento da influência de outros atores políticos no contexto regional. Nesse sentido, Hurrell (1995), Jesus & Jacomo (2009), apontam que a integração regional funciona para o Brasil como uma resposta de ordem política ao ambiente anárquico, em que cabe aos Estados buscar promover seus interesses da melhor forma possível. Ao defender seus interesses regionais na busca por uma política externa mais ativa e altiva, nas palavras do ex-chanceler Celso Nunes Amorim (JACOMO 2010, pg. 109), o país reforça sua posição de liderança na condução de iniciativas que permitem superar os obstáculos de subdesenvolvimento regional e a geração de riquezas não só para o próprio Brasil, mas também para seus vizinhos, que se engajaram em iniciativas de cooperação regional com eles.

Com isso, o país consegue, simultaneamente, a ampliação do parque tecnológico e de energia, o que gera maior propulsão econômica, e também o acumulo de maior riqueza, como consequência da primeira. Essas condições são cruciais para a garantia do sucesso da integração regional via IIRSA e o exercício de poder brasileiro para a região.

 

Considerações Finais

Após analisar o perfil da política externa do governo Lula e sua inflexão para a região sulamericana, podemos apontar alguns elementos dessa interação que demonstram o claro interesse em promover o desenvolvimento regional como forma de alcançar objetivos centrais de sua política externa. Ao adotar a IIRSA como uma carteira de projetos para a região com imenso potencial de auferir ganhos regionais perante os países da região e, num plano internacional, aumentar sua propulsão e peso qualitativo nos fóruns internacionais através da sua redução de dependência externa, o governo Lula mostrou que é possível sim reduzir as assimetrias existentes no nível internacional através do fortalecimento de uma infraestrutura física de transportes, energia e de comunicação (esta última, essencial na troca de informações e na diminuição da assimetria de informações entre os países num cenário de cooperação em políticas multilaterais).

Ao eleger a variável energética como principal instrumento de atuação na região, o governo brasileiro não só auferiu ganhos regionais, como o fortalecimento dos laços diplomáticos com seus vizinhos, como também alcançou ganhos nacionais, principalmente os relativos à confiança em sua infraestrutura energética por parte dos investidores. A construção Projeto do Madeira exemplifica bem o que foi dito anteriormente. Segundo palavras de Jesus & Jacomo (2009, pg. 124), "o Projeto do Madeira assegura a oferta de energia necessária à maximização da atividade econômica e, diante da relação riqueza/poder, amplia sua posição relativa no sistema sul-americano".

O Brasil reconheceu que a necessidade de uma integração regional mais forte, fundamentada e consolidada seria a chave para que não só o país, mas também a região conseguissem um peso mais qualitativo nas decisões internacionais. O fortalecimento dessa infraestrutura física sul-americana buscou, portanto, desenvolver o perfil político mais denso da região, aumentando sua representatividade internacional e gerando dividendos positivos para o Brasil, como forma de legitimar seu peso e sua posição relativa no continente. Assim, o foco na integração regional como fator de promoção do desenvolvimento foi conseguido, na medida em que vemos hoje o país com grande peso no cenário internacional e a região sulamericana sendo fonte de grande influencia nas decisões mundiais.

A questão energética para o Brasil foi e é muito importante neste processo, na medida em que ela representa a ascensão de novas fontes energéticas em um momento onde o mundo está buscando a renovação do seu paradigma de desenvolvimento industrial de dois séculos calcados no petróleo e seus derivados. A opção do desenvolvimento de tecnologias limpas e renováveis, principalmente representadas pelo Brasil, mostra a força que o país vem tendo nas discussões acerca do desenvolvimento alternativo com potencial e eficiência energética que não deixe a desejar frente às nações desenvolvidas, como EUA e Alemanha.

Assim, a IIRSA corrobora os objetivos de ação da política externa brasileira do início século XXI para a região sulamericana, fincando as bases do desenvolvimentismo regional como forma de se alcançar maiores ganhos para os países da região e alterando sua carteira de parceiros. Além disso, confere mais peso para a região no cenário internacional, através do fortalecimento de suas instituições via integração regional, fortalecendo sua infraestrutura como forma de garantir insumos básicos para produção industrial (energia) e melhoria nas redes de telecomunicações e transportes, setores essenciais para que o desenvolvimento com bases infraestruturais seja plenamente exitoso.

 

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1. Para maiores informações sobre o estudo de política externa brasileira e seus paradigmas, Americanismo e Globalismo, ver: PINHEIRO, Letícia. Política Externa Brasileira. (1889-2002). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.
2. p. 283.
3. Composto por Brasil, Rússia, Índia e China.